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Processo n.º 39/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Recorrido: A
Data da conferência: 1 de Novembro de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Art.º 138.º n.º 1 do CPA
- Execução do acto administrativo

SUMÁRIO
Nos termos do art.º 138.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, a execução pelos órgãos da Administração Pública de acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só é válida se existir um acto administrativo prévio que legitime tal actuação.

A Relatora,
Song Man Lei
   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso da decisão do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferida em 13 de Fevereiro de 2014, que lhe determinou o pagamento das despesas decorrentes da desocupação coerciva do terreno com a área de 9.209 m2, situado na ilha da Taipa, a noroeste da Rotunda do Istmo e a oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho.
Por Acórdão proferido em 3 de Março de 2016, o Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento ao recurso, declarando nulo o despacho impugnado.
Inconformado com o Acórdão, vem o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª – O objecto do presente recurso jurisdicional é o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, em 3 de Março de 2016, no processo n.º 241/2014, que dando provimento ao recurso contencioso, declarou a nulidade do acto recorrido (despacho do STOP, datado de 13 de Fevereiro de 2014, que determinou ao recorrido o pagamento das despesas resultantes da desocupação do terreno com a área de 9.209m2, situado a Noroeste da Rotunda do Istmo e a Oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho).
2.ª – O douto acórdão recorrido, ao declarar nulo o acto administrativo impugnado por excesso de execução, por ultrapassar o limite do acto exequendo, na medida em que não podia proceder à colocação de um tapume no tanque de água e respectivo nivelamento e, bem assim, ao desmantelamento e reconstrução da protecção de betão na berma da estrada, no valor global de MOP 60.000,00 enferma de erro de julgamento por errada aplicação do artigo 138.º do CPA, pois o despacho do STOP que ordenou o pagamento das despesas tinha como base e fundamento o despacho anterior do Chefe do Executivo que ordenou a desocupação do terreno, assim como a remoção de materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais;
3.ª – Com efeito, não andou bem o Tribunal a quo ao entender que a entidade recorrida actuou em excesso de execução, ultrapassando o limite do acto exequendo ao entender que a colocação de um qualquer obstáculo que limite a berma da estrada e a colocação de um tapume no tanque de água e o seu nivelamento não podiam ter sido efectuadas, pois estas acções correspondem a um efeito necessário do acto que determinou a devolução da posse do terreno e a remoção dos objectos nele depositados.
4.ª – O tanque de água de grandes dimensões que se encontrava no terreno era uma construção ilegal efectuada pelos ocupantes ilegais do terreno, assim sendo foi necessário preenchê-lo com terra e proceder ao nivelamento do terreno para que o mesmo ficasse na situação em que se encontrava antes da ocupação ilegal;
5.ª – Os trabalhos efectuados relativamente ao tanque de água de grandes dimensões que se encontrava no terreno correspondem ao conteúdo já existente no Despacho do Senhor Chefe do Executivo, na medida em que este expressamente ordenou a remoção das construções ilegais e a remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados;
6.ª – Bem assim, para a remoção dos objectos, materiais e equipamentos depositados no terreno foi necessário proceder à demolição da grade existente na berma da estrada, para dar acesso aos camiões que foram ao terreno efectuar a remoção dos mesmos, pelo que estas operações inscrevem-se e fundamentam-se também no despacho do Senhor Chefe do Executivo.
7.ª – O valor do pagamento de cada um dos ocupantes ilegais cifra-se em MOP 44.533,33 (quarenta e quatro mil quinhentas e trinta e três patacas e trinta e três avos).

Contra-alegou o recorrido A, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 3 de Março de 2016, que declarou nulo o acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13 de Fevereiro de 2014, exarado na Informação n.º XXXX/DURDEP/2013, sustentado na violação do Princípio da precedência do acto administrativo, consagrado no artigo 138º, nº 1 do CPA deve ser mantido.
2. O recorrente invoca novos factos em sede de recurso jurisdicional, quanto à qualificação como construção ilegal do tanque de água e imputando tal construção, também, ao aqui recorrido, sem que tal matéria tenha sido por si alegada na contestação do contencioso a que se reporta o presente recurso.
3. Não foi dada por provada pelo Tribunal a quo a necessidade de demolição da grade existente na berma da estrada, nem foi impugnada tal matéria de facto, pela entidade aqui recorrente.
4. As questões não suscitadas em sede de recurso contencioso não são susceptíveis de apreciação em sede de recurso jurisdicional, que apenas visa a impugnação das decisões proferidas em 1ª instância e não a obtenção de uma nova decisão.
5. As matérias alegadas no presente recurso jurisdicional incidem sobre matéria de facto, relacionadas com a apreciação da prova, sem que no entanto tenha sido impugnada a matéria dada por assente pelo Tribunal a quo.
6. A matéria de facto dada por assente é insusceptível de alteração pelo V. Tribunal de Última Instância (cfr. artigos 47º e 152º, ambos do CPAC, e 649º do CPC).
7. O acto administrativo cuja nulidade foi declarada pelo Acórdão recorrido excedeu o acto exequendo.
8. O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a quantificação do valor imputado ao ora recorrido decorrente das obras efectuadas pela entidade administrativa para a desocupação do terreno, considerando ser matéria que ficou prejudicada pela declaração de nulidade.
9. O acto da entidade administrativa quantificou tal despesa em MOP 133.600,00 (e não em MOP 44.533,33) não resultando qualquer obrigação para o recorrido de responder integralmente pela totalidade da alegada dívida.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foi dada como assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão:
- Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 10DEZ2010, foi ordenada a desocupação do terreno com a área de 9.209 m², situado ao noroeste da Rotunda do Istmo e a Oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho, assim como a remoção de materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais;
- O terreno foi entretanto ocupado por três indivíduos, A, B e C;
- Notificados da ordem do supracitado despacho do Senhor Chefe do Executivo, nenhum deles reagiu contra o mesmo despacho;
- Não tendo sido voluntariamente cumprida a ordem da desocupação do terreno e da remoção dos objectos nele existentes, nos termos definidos no despacho do Senhor Chefe do Executivo, a DSSOPT decidiu executar os trabalhos discriminados na proposta de preços, apresentada pela [Companhia de construção], ora constante das fls. 473 do processo instrutor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
- Para a execução desses trabalhos discriminados na proposta de preços, a DSSOPT contratou a mesma [Companhia de construção], mediante o pagamento do preço total no valor de MOP$550.540,00, conforme se vê na proposta do preço apresentada por essa Companhia;
- Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 13FEV2014, foi ordenado o pagamento pelos ocupantes do terreno, A, B e C, das despesas resultantes da realização da parte dos trabalhos realizados, no valor de MOP$133.600,00;
- Às tais despesas correspondem os trabalhos de desocupação do terreno, remoção das estacas, entulhos e lixos existentes no terreno para a zona dos aterros para o depósito dos resíduos sólidos, e preenchimento de um tanque de água de grande dimensão existente no terreno e o seu nivelamento;
- Nesse valor de MOP$133.600,00 estão incluídas as despesas resultantes da execução dos trabalhos consistentes no preenchimento com terra do tanque de água e no seu nivelamento e as resultantes da remoção da grade até então existente junto da berma da estrada, da reconstrução da grade de betão e da sua pintura são de MOP$56.000,00 e de MOP$4.000, respectivamente; e
- Inconformado com o despacho que lhe ordenou o pagamento das despesas, recorreu dele para TSI.

3. Direito
Considera o Tribunal recorrido que, confrontando os trabalhos cujos custos foram imputados pela entidade ora recorrente ao recorrido (consistentes no preenchimento com terra de um tanque de água existente no terreno e o seu nivelamento bem como na recolocação da grade de betão junto da berma da estrada e a sua pintura) e os termos das estatuições jurídicas contidas no acto anterior praticado pelo Senhor Chefe do Executivo que determinou a desocupação do terreno e a remoção dos objectos nele depositados, é de afirmar que, por um lado, tais trabalhos não se encontram legitimados pelo acto exequendo do Senhor Chefe do Executivo nem representam uma nova estatuição jurídica da autoria do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas e, por outro lado, não se está perante um estado de necessidade que justifica estes trabalhos não cobertos nas estatuições jurídicas contidas no acto exequendo, pelo que viola o despacho do Senhor Secretário o princípio da precedência do acto administrativo consagrado no art.º 138.º n.º 1 do CPA, na parte que ordenou o recorrido a pagar as quantias, no valor de MOP$60.000,00, correspondentes aos custos para a execução dos trabalhos em causa.
Defende a entidade recorrente que o Acórdão recorrido enferma de erro de julgamento por errada aplicação do art.º 138.º do CPA, pois o despacho do STOP que ordenou o pagamento das despesas tinha como base e fundamento o despacho anterior do Chefe do Executivo que ordenou a desocupação do terreno, assim como a remoção de materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais.
Vejamos.

Dispõe o art.º 138.º do CPA o seguinte:
Artigo 138.º
(Legalidade da execução)
1. Salvo em estado de necessidade, os órgãos da Administração Pública não podem praticar nenhum acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem praticado previamente o acto administrativo que legitime tal actuação.
2. Na execução dos actos administrativos devem, na medida do possível, ser utilizados os meios que, garantindo a realização integral dos seus objectivos, envolvam menor prejuízo para os direitos e interesses dos particulares.
3. Os interessados podem impugnar administrativa e contenciosamente os actos ou operações de execução que excedam os limites do acto exequendo.
4. São também susceptíveis de recurso contencioso os actos ou operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo.
Daí resulta que a execução pelos órgãos da Administração Pública de acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só é válida se existir um acto administrativo prévio “que legitime tal actuação” (n.º 1 do artigo, que está em discussão nos presentes autos).
É verdade que há uma excepção que se refere aos casos de estado de necessidade, que é um princípio geral de direito administrativo, regulado no n.º 2 do art.º 3.º do CPA. Não é o nosso caso, evidentemente.

No caso ora em apreciação, resulta da factualidade assente que, foi em consequência e na execução do despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 10DEZ2010, que ordenou a desocupação do terreno em causa bem como a remoção de materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais, que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas determinou o pagamento pelos ocupantes do terreno das despesas resultantes da realização da parte dos trabalhos realizados, no valor de MOP$133.600,00, já que tais trabalhos foram executados pela [Companhia de construção], face ao incumprimento da ordem de desocupação pelos ocupantes do terreno. E nesse valor de MOP$133.600,00 estão incluídas as despesas resultantes da execução dos trabalhos consistentes no preenchimento com terra do tanque de água e no seu nivelamento e as resultantes da remoção da grade até então existente junto da berma da estrada, da reconstrução da grade de betão e da sua pintura.
Ora, há que apurar se os trabalhos entretanto realizados cujas despesas foram imputadas ao recorrido (e a outros) estão compreendidos no acto exequendo, ou seja, na desocupação do terreno, na remoção de materiais e equipamentos nele depositados e na demolição das construções ilegais, todas ordenadas pelo despacho do Chefe do Executivo.
Para a entidade recorrente, o tanque de água que se encontrava no terreno representa uma construção ilegal efectuada pelos ocupantes do terreno, pelo que foi necessário preenchê-lo com terra e proceder ao nivelamento do terreno para que o mesmo ficasse na situação em que se encontrava antes da ocupação ilegal de que foi alvo.
E quanto à despesa relativa à remoção da grade até então existente junto da berma da estrada e à sua reconstrução e pintura, a mesma foi também necessária à remoção das construções ilegais existentes no terreno, tratando-se de um efeito necessário do acto que determinou a devolução da posse do mesmo terreno, já que se revelou indispensável destruir essa mesma grade para o acesso aos camiões que foram proceder à remoção dos entulhos e lixos depositados no terreno, pelo que depois da tarefa efectuada houve que reconstruir a grade preexistente e proceder à respectiva pintura.
A questão fulcral reside em qualificar, ou não, o tanque de água como “construção ilegal”.
Na realidade, mesmo admitindo a hipótese de configurar o tanque de água como construção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 2.º do DL n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, que considera também como obras de construção “quaisquer trabalhos que determinem alteração da topografia do solo”, não se sabe se o tanque de água em questão foi obra artificial e se foi efectuada pelos ocupantes do terreno (ou já preexistiu antes da ocupação do terreno), matéria de facto esta que não foi alegada pela entidade recorrente na contestação do recurso contencioso nem muito menos considerada provada nos autos. Daí que não se pode dizer que o preenchimento com terra do tanque de água e o seu nivelamento se integra na operação visada pelo acto exequendo, ou seja, na “demolição das construções ilegais” determinada pelo Chefe do Executivo.
Relativamente à remoção da grade e à sua reconstrução e pintura, é de dizer que tais operações não se encontram minimamente referenciadas no acto do Chefe do Executivo. E por outro lado, também não ficou provado nos autos que, para permitir o acesso aos camiões que foram proceder à remoção dos entulhos e lixos depositados no terreno, fosse mesmo indispensável destruir a grade e, em consequência, necessária a sua reconstrução e pintura.
Resumindo, não se nos afigura que a actuação administrativa, de ordenar o pagamento da quantia em causa, se encontra legitimada pelo acto prévio do Chefe do Executivo, já que os trabalhos em questão não estão englobados nas operações determinadas no mesmo acto exequendo.
Improcede o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Sem custas pela isenção da entidade recorrente.

Macau, 1 de Novembro de 2016

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa




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Processo n.º 39/2016