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Processo n.º 70/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Recurso cível. TUI. Matéria de facto.
Data do Acórdão: 16 de Novembro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
O Tribunal de Última Instância, em matéria cível, em 3.º grau de jurisdição, não tem poder de cognição de matéria de facto, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, da Lei de Bases da Organização Judiciária e do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B intentou acção declarativa com processo ordinário contra A, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de HK$6.650.000,00 e juros vencidos e vincendos.
O réu, em reconvenção, pediu a condenação da autora no pagamento da quantia de HK$700.000,00.
A acção foi julgada improcedente, com a absolvição do réu do pedido e procedente a reconvenção, tendo a autora sido condenada a pagar HK$700.000,00 ao réu.
Interposto recurso pela autora o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 14 de Abril de 2016, julgou-o procedente e condenou o réu a pagar à autora a quantia de HK$6.650.000,00 e absolveu a autora do pedido reconvencional.
Recorre, agora o réu para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo se mantenha a decisão de 1.ª instância, suscitando as seguintes questões:
- Os quesitos 1.º e 3.º da base instrutória devem ser considerados provados;
- O mandato do réu foi conferido no seu interesse de mandatário;
- Ainda que assim se não entenda, o mandato não se deve considerar revogado ou caducado;
- O pagamento da dívida de C à autora deveu-se ao trabalho do réu;
- O réu, como mandatário da autora, tem direito a receber a retribuição acordada de HK$7.350.000,00, pelo que lhe cabe ainda receber a quantia de HK$700.000,00, por ter em seu poder a quantia de HK$6.650.000,00 da autora.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
   Em 25 de Novembro de 1992, a A. e C celebraram um acordo escrito que denominaram de “contrato de compra e venda de prédio e terreno – documento de alienação”, tendo por objecto o prédio e o terreno sitos no cruzamento entre o Largo da Sé e Travessa do Roquete, ou seja, o direito de todo o edifício e terreno do prédio dos correios, telefone e telégrafo de Macau (C.T.T.), em conformidade com o teor do documento junto a fls. 39 e 40 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (A)
  Na data da assinatura do supracitado “documento de alienação”, a A. pagou de imediato, HKD$3.000.000,00 ao C. (B)
  De acordo com a cláusula 3ª al. A) do “documento de alienação”, a A. pagaria mais HKD$17.000.000,00 ao C antes de 14 de Dezembro de 1992, o que veio a fazer. (C)
  O C não conseguiu cumprir a sua parte no aludido acordo, nomeadamente, a cláusula 5ª do “documento de alienação”. (D)
  A A. apesar de ter pedido por várias vezes ao C a devolução dos aludidos montantes mas não conseguiu obter a devolução de HKD$20.000.000,00 e os respectivos juros. (E)
  Em 8 de Janeiro de 2005, a A. através da assinatura do documento junto a fls. 43 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, conferiu poderes ao R. para, durante seis meses e a partir dessa data, cobrar junto de C a devolução de HKD$20.000.000,00 em dívida e dos respectivos juros. (F)
  Nessa declaração a A. obrigou-se a pagar ao R. 50% do capital e todos os juros de mora recuperados a C. (G)
  Em 2 de Abril de 2005, a A. assinou nova declaração, com prazo de validade de meio ano, conferindo poderes ao R. para cobrar ao C a devolução do capital de HKD$20.000.000,00 e dos respectivos juros, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 44 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. (H)
  Nessa declaração a A. obriga-se a pagar ao Réu 50% do capital e todos os juros de mora recuperados a C. (I)
  Em 21 de Junho de 2005, os sócios da A. eram D e E, os quais eram, ao mesmo tempo, seus únicos administradores, em conformidade com o respectivo registo da Conservatória do Registo Comercial, constante de fls. 83 a 86 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (J)
  A A. mandou, em 4 de Outubro de 2007, o advogado F para intentar acção judicial com o fim de obter o pagamento da dívida de C. (L)
  Em 5 de Outubro de 2007, o advogado F, em representação da A., intentou uma acção judicial cujos termos correram neste Tribunal sob o n.º CV1-07-0059-CAO na qual pediu a execução específica do contrato-promessa em causa e, subsidiariamente, a devolução do sinal pago e o pagamento da indemnização equivalente ao montante do mesmo, ou seja, a quantia total de HKD HKD$40.000.000,00. (M)
  Em 23 de Outubro de 2007, mediante a presença da advogada, G, como testemunha, foi estabelecido um “acordo” sobre a devolução de dinheiro, tendo C consentido em devolver o montante de HKD$15.000.000,00 à A. para acabar com a disputa tida ao longo dos anos devido à dívida, nos termos do documento junto a fls. 50 e 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (N)
  O referido “acordo” sobre a devolução do dinheiro, indica que, a H se comprometeu a ajudar o C no pagamento da dívida, no montante de HKD15.000.000,00 à A., e tendo o I concordado em assumir a responsabilidade de finança solidária. (O)
  Na sequência deste acordo, no dia 23 de Outubro de 2007, a A. recebeu HKD$5.000.000,00 e HKD$3.700.000,00. (P)
  No dia 10 de Janeiro de 2009, a A. assinou uma procuração ao R., em conformidade com o teor do documento de fls. 50 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. (Q)
  Em 6 de Fevereiro de 2009, a autora intentou contra I uma acção declarativa com processo comum ordinário cujos termos correram no 3.º Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º CV3-09-0010-CAO na qual pediu a condenação do segundo no pagamento à primeira da importância de HKD$6.973.150,00, acrescida dos respectivos juros vincendos, até final, além das custas e legal procuradoria. (R)
  No dia 9 de Julho de 2009, a A., em Hong Kong, perante a presença do notário, J, assinou uma outra procuração ao R., com o teor do documento junto a fls. 59 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. (S)
  Em Julho de 2009, I aceitou pagar à autora a quantia de HKD$6.650.000,00 na condição de esta desistir da referida instância. (T)
  Em sequência do acordo em causa, a A. desistiu da instância cujos termos correram no 3.º Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º CV3-09-0010-CAO. (U)
  A A. constituiu seu procurador o R. para receber de I a referida quantia de HKD$6.650.000,00. (V)
  Em 10 de Julho de 2009, o R. recebeu de I a quantia de HKD$1.000.000,00 através de cheque bancário emitido pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau. (X)
  Em 12 de Agosto de 2009, o R. recebeu de I a quantia de HKD$1.000.000,00 através de cheque bancário emitido pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau. (Z)
  Em 12 de Outubro de 2009, o R. recebeu de I a quantia de HKD$2.000.000,00 através de cheque bancário emitido pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau. (AA)
  Em 11 de Novembro de 2009, o R. recebeu de I a quantia de HKD$1.000.000,00 através de cheque bancário emitido pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau. (AB)
  Em 10 de Dezembro de 2009, o R. recebeu de I a quantia de HKD$1.650.000,00 através de cheque bancário emitido pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau. (AC)
  K, no dia 21 de Junho de 2005, assinou a favor do R., pelo prazo de 1 ano, a declaração junta a fls. 46 dos autos. (1.º e 14.º)
  Através da qual se comprometia a atribuir adicionalmente ao R. uma gratificação de HKD$2.000.000,00 a acrescer às aludidas em G) e I), ou seja, declarando pretender receber apenas HKD$8.000.000,00 de C. (2.º)
  Através da qual se comprometeu a, durante o mencionado 1 ano, não nomear mais ninguém para tratar do assunto referente à dívida de C. (3.º)
  O R. diligenciou, por diversos meios, para contactar e cobrar a dívida de C junto do próprio ou do seu representante I. (4.º)
  O R. tem negociado de forma continuada, ao longo dos anos, com o I, representante do C. (5.º)
  Através de organização efectuada por parte do R., o I teve alguns encontros com K, sócio da A., a fim de resolver assuntos inerentes à dívida. (6.º)
  Tendo o C reconhecido a dívida e prometido que, dentro de alguns meses, iria resolver a questão do capital e pagamento de justos juros à A. (7.º)
  Em 27 de Outubro de 2005, o R. remeteu uma carta ao Chefe do Gabinete de Ligação da RPC, L esperando obter o seu apoio para a resolução da questão da dívida que o C tem para a A. (8.º)
  Na sequência do acordo de 23/10/2007, a A. recebeu HKD$8.700.000,00. (9.º)
  Na sequência do acordo aludido em P), K entregou ao R. a quantia de HKD$1.000.000,00. (10.º e 15.º)
  Desde 2005 que K sempre se intitulou representante da A. (17)
  Foi K quem participou, na qualidade de representante da A., nas reuniões organizadas pelo R. para cobrança da dívida de C. (18.º)


III – O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pelo recorrente, com excepção da parte em que pretende alteração da matéria de facto provada.
Como se sabe o TUI, em matéria cível, em 3.º grau de jurisdição, não tem poder de cognição de matéria de facto, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, da Lei de Bases da Organização Judiciária e do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil, pelo que não se conhece de tal questão.

2. Os acordos de autora e réu
O êxito do recurso depende de se entender que o mandato da autora ao réu, para cobrar o seu crédito para com terceiro, se prolongou por mais do que o ano - que o tribunal colectivo de 1.ª instância considerou como prazo de duração do acordo - e que o pagamento do terceiro se ficou a dever ao serviço prestado pelo réu.
Quanto à primeira questão, temos que considerar o seguinte:
  Em 8 de Janeiro de 2005, a A. através da assinatura do documento junto a fls. 43 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, conferiu poderes ao R. para, durante seis meses e a partir dessa data, cobrar junto de C a devolução de HKD$20.000.000,00 em dívida e dos respectivos juros. (F)
  Nessa declaração a A. obrigou-se a pagar ao R. 50% do capital e todos os juros de mora recuperados a C. (G)
  Em 2 de Abril de 2005, a A. assinou nova declaração, com prazo de validade de meio ano, conferindo poderes ao R. para cobrar ao C a devolução do capital de HKD$20.000.000,00 e dos respectivos juros, em conformidade com o teor do documento junto a fls. 44 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. (H)
  Nessa declaração a A. obriga-se a pagar ao Réu 50% do capital e todos os juros de mora recuperados a C. (I)
  K1, no dia 21 de Junho de 2005, assinou a favor do R., pelo prazo de 1 ano, a declaração junta a fls. 46 dos autos. (1.º e 14.º)
  Através da qual se comprometia a atribuir adicionalmente ao R. uma gratificação de HKD$2.000.000,00 a acrescer às aludidas em G) e I), ou seja, declarando pretender receber apenas HKD$8.000.000,00 de C. (2.º)
  Através da qual se comprometeu a, durante o mencionado 1 ano, não nomear mais ninguém para tratar do assunto referente à dívida de C. (3.º)
  Destes factos resulta claramente que o prazo concedido ao réu para cobrar o crédito da autora foi apenas de um ano. As partes convencionaram expressamente que a autora se comprometeu a, durante o mencionado um ano, não nomear mais ninguém para tratar do assunto referente à dívida de C.
  Daqui temos de concluir que o mandato do réu caducou ao fim do ano, como decidiu o acórdão recorrido, pelo que é irrelevante abordar a questão da revogação do mandato, já que não ocorreu revogação, mas apenas caducidade por decurso do prazo convencionado.
  Ora, no aludido prazo de um ano o réu não logrou obter o pagamento por parte do devedor da autora, pelo que se deve entender que a autora não está obrigada a pagar ao réu os montantes convencionados.
É certo que o réu fez diligências para receber o crédito da autora, mas o que transparece dos acordos entre a autora e o réu é que este só receberia as quantias (em percentagens extremamente avultadas das quantias em dívida, diríamos mesmo leoninas) se obtivesse sucesso, sendo a remuneração o que excedesse certo montante cobrado para a autora.
  Por outro lado, não se provou que os pagamentos feitos pelos terceiros (o devedor e I) se tenham devido às intervenções do réu. I fez vários pagamentos ao réu, dado que a autora lhe passou procuração em 2009 para este receber os pagamentos do I, sendo que, em 6 de Fevereiro de 2009, a autora intentou contra I uma acção declarativa na qual pediu a condenação deste no pagamento da importância de HKD$6.973.150,00 (R) e em Julho de 2009, I aceitou pagar à autora a quantia de HKD$6.650.000,00 na condição de esta desistir da referida instância. (T)
Em conclusão, nem o réu logrou provar que o mandato da autora ao réu, para cobrar o seu crédito para com terceiro, se prolongou por mais do que um ano, nem que o pagamento do terceiro se tenha ficado a dever ao serviço prestado pelo réu, pelo que não merece provimento o recurso.

III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Macau, 16 de Novembro de 2016.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 Que representava a autora.
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