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Processo n.º 71/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças.
Recorrida: A.
Assunto: Contrato para cedência de uso de loja em centro comercial. Imposto de selo. Arrendamento.
Data da Sessão: 16 de Novembro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – O contrato para cedência de uso de loja em centro comercial não pode ser qualificado como arrendamento, sendo um contrato atípico.
II – Os artigos 1.º, 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo não tributam os proventos resultantes de contrato para cedência de uso de loja em centro comercial.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 1 de Julho de 2015, do Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu impugnação da liquidação de imposto de selo no montante de MOP$4.331.541,00, relativamente aos proventos por 42 contratos de cedência de uso de lojas em centro comercial.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 28 de Abril de 2016, deu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido, por entender que a lei tributa o arrendamento mas não os contratos de cedência de uso de lojas em centro comercial, sendo que as normas de Direito Fiscal não permitem integração analógica.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Economia e Finanças recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que:
- Ainda que se possa admitir que os contratos não sejam contratos de arrendamento "puros", pode acompanhar-se o entendimento de se tratar de contratos mistos, sendo inegável a respectiva base locatícia;
- Não estamos perante uma lacuna, nem houve por parte da Administração Fiscal recurso à integração analógica: os contratos de cedência de uso de loja em centro comercial caem, sem margem para dúvidas, na previsão dos artigos 26.° a 30.° do Regulamento do Imposto de Selo;
- Se por interpretação extensiva das normas fiscais chegarmos à conclusão de que aquele facto é subsumível nas normas de incidência, o facto é tributável e a Administração deve tributar.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, no que toca apenas à designada base fee, porque só esta representa a contrapartida remuneratória da disponibilização do gozo do espaço imobiliário.

II – Os factos
A) O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A Direcção dos Serviços de Finanças, através do ofício n.º XXXX/XXX/XXX/XXX/2013, de 25 de Abril de 2013, informou a Recorrente de que:
a. nos termos de informação circulada internamente, existiria uma relação de arrendamento entre a Recorrente e os lojistas das lojas localizadas nos centros comerciais do B e do C desde a sua abertura; que
b. a referida Direcção de Serviços nunca recebera quaisquer declarações da Recorrente relativamente a esse assunto; e que
c. nos termos do artigo 27.º do Regulamento do Imposto de Selo e do Artigo 6.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, a Recorrente estava obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 0.5% sobre o montante total mencionado nos contratos de arrendamento, ao que acresceria a sobretaxa de imposto do selo.
2. A Recorrente, não concordando com a informação contida no referido ofício e a sua sujeição a imposto do selo, respondeu em 14 de Maio de 2013 que os lojistas das “(...) lojas localizadas tanto no B Macao Resort Hotel (Centro Comercial “D Shoppes”) como no Hotel C (Centro Comercial “Shoppes at C”) celebraram com a ora Requerente contratos de cedência de uso de loja em centro comercial, vulgarmente designados pela sua denominação em língua inglesa “Agreement for the Grant of a Right to Use a Shop in the [D Shoppes / Shoppes at C] at the [B/C]”, que são contratos atípicos e não contratos de arrendamento comercial, não estando, assim, sujeitos ao imposto do selo (...)”.
3. A Direcção dos Serviços de Finanças respondeu através do ofício n.º XXXX/XXX/XXX/XXX/2013, de 27 de Junho de 2013, opinando que:
a. Os “AGREEMENT FOR GRANTING A RIGHT OF USE A SHOP IN THE [D SHOPPES / SHOPPES AT C] at the [B/C]” “se enquadram nas normas previstas nos artigos 969.º e 970.º do Código Civil”; que
b. A ora Recorrente “na qualidade de locadora tem o dever de participar os contratos de arrendamento à Administração Fiscal, mediante a apresentação do Modelo M/4 - Contribuição Predial - participação de arrendamento”; que
c. A ora Recorrente “deverá efectuar junto à Recebedoria da Repartição de Finanças o pagamento do selo dos arrendamentos, calculado sobre o total da renda correspondente ao tempo do contrato, pela taxa de 0,5%”; e que
d. Consideram-se como fazendo parte do conceito de renda previsto no artigo 14.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana, a Base Fee, a Turnover Fee, a Management Fee, a Promotion Levy e a Streetmosphere Levy, pelo que “a renda total de todo o tempo do contrato de arrendamento é a soma de todas as quantias recebidas pelo locador”.
4. Na sequência das referidas informações, e ainda no mesmo ofício, a Direcção dos Serviços de Finanças solicitou à Recorrente “o preenchimento do impresso Modelo M/4 e do mapa que lhe serve de complemento (...) sendo que o preenchimento do mapa tem como função facilitar na identificação de todos os dados constantes nos contratos de arrendamento celebrados desde o início da actividade da [Recorrente], na qualidade de locadora”.
5. A Direcção dos Serviços de Finanças concluiu e cominou que “No caso de incumprimento e, para além da liquidação oficiosa do imposto efectuada por [aqueles] serviços (...), será aplicada (...) multa por transgressão”.
6. A Recorrente respondeu em 17 de Julho de 2013 nos seguintes termos:
a. “A [Recorrente] teve já a oportunidade de demonstrar a sua discordância face à qualificação que é feita dos contratos em causa e do dever de por conta deles liquidar o imposto do selo”;
b. “Porém, num espírito de boa colaboração com a Autoridade Tributária e sempre com reserva, para os fins previstos no artigo 34º do Código de Processo Administrativo Contencioso, a [Recorrente] está a fazer o levantamento dos contratos que celebrou”;
c. “Sucede que, nos dois centros comerciais em causa, encontram-se a operar aproximadamente 485 lojas e quiosques, que obrigam a [Recorrente] a proceder a um levantamento manual e caso a caso, num processo extremamente moroso, pelo que o prazo de 30 dias que à [Recorrente] foi assinalado não lhe permite completar a tarefa com o rigor necessário”;
d. Termos em que requereu a prorrogação do prazo para apresentação dos modelos M/4 e do mapa que lhe serve de complemento por um período adicional de 90 dias.
7. A Direcção dos Serviços de Finanças respondeu através do ofício n.º XXXX/XXX/XXX/XXX/2013, de 29 de Julho de 2013, prorrogando o prazo para entrega do Modelo M/4 e do mapa que lhe serve de complemento “por mais 30 (trinta) dias” apenas.
8. No dia 8 de Abril de 2014, a Recorrente procedeu ao pagamento da quantia liquidada, o que fez, mais uma vez, sob reserva.
9. O Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças procedeu à liquidação do imposto do selo relativamente a 42 contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no valor de MOP4.331.541,00, conforme despacho datado de 3 de Março de 2014, notificado à Recorrente por força do ofício XXX/XXX/XXX/XXX/2014.
10. Não se conformando com o acto de liquidação, a Recorrente procedeu à sua impugnação por duas vias, graciosa e contenciosa.
11. Por um lado, a Recorrente reclamou do acto para a então Senhora Directora dos Serviços de Finanças em 28 de Março de 2014.
12. Por outro lado, a Recorrente interpôs recurso contencioso directo para o Tribunal Administrativo em 10 de Abril de 2014, que deu lugar ao processo n.º 1086/14/CF, que foi rejeitado por sentença de 30/01/2015, mas da qual foi interposto recurso jurisdicional para o TSI, onde pende com o nº 463/2015.
13. A Senhora Directora dos Serviços de Finanças não tomou qualquer decisão relativamente à reclamação apresentada, razão pela qual a Recorrente optou por dar a reclamação por tacitamente indeferida e recorreu hierarquicamente para o Senhor Chefe do Executivo em 26 de Março de 2015.
14. Na sequência do recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio a proferir o acto ora recorrido, datado 1 de Julho de 2015, ao abrigo de delegação de competências do Senhor Chefe do Executivo, notificado à Recorrente por ofício expedido em 17 de Julho de 2015.
15. O teor do despacho recorrido é o seguinte: “Concordo com a proposta. Indefiro o recurso hierárquico”.
16 – A referida proposta tem o seguinte teor:
«Em cumprimento do despacho da Sr. a Coordenadora do Núcleo de Apoio Jurídico cumpre informar o seguinte sobre o assunto identificado em epígrafe.
I. Do Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais.
Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, vem a A, recorrer hierarquicamente do acto tácito de indeferimento que recaiu sobre a reclamação apresentada a 28 de Março de 2014 contra o acto de liquidação do imposto do selo, notificado mediante o Oficio n.º XXX/XXX/XXX/XXX/2014, que calculou o imposto do selo relativo a 42 contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no valor de MOP$4,331.541.00.
Sobre a admissibilidade do presente recurso hierárquico necessário parece-nos pertinente o respectivo enquadramento factual considerando algumas especificidades do caso. Assim:
- A A foi notificada do despacho do Sr. Subdirector dos Serviços de Finanças que autorizou a liquidação do imposto do selo mediante o Oficio n.º XXX/XXX/XXX/XXX/2014.
- Nesse Oficio foi a A, notificada que daquele acto cabia reclamação, no prazo de 15 dias, para a Directora dos Serviços de Finanças nos termos dos artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 em conjugação com o artigo 91.º do RIS e artigo 4.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
- Daquele acto foram apresentados reclamação e recurso contencioso, a 28 de Março e a 10 de Abril de 2014, respectivamente.
- Tendo em consideração a alteração do entendimento dos Tribunais da RAEM quanto à aplicação da Lei n.º 12/2003, de 11 de Agosto, - restringindo a aplicação daquela Lei ao Imposto Profissional e Imposto Complementar de Rendimentos excluindo a aplicação daquela Lei ao Imposto do Selo -, foi elaborada a Inf. n.º XXX/XXX/XX/2014, onde propusemos a não apreciação da reclamação até decisão do recurso contencioso.
- Foi decidido pelo Tribunal Administrativo, no presente ano, de acordo com o sempre defendido por esta Direcção, que a Lei n.º 12/2003 aplica-se também ao Imposto do Selo.
- Pelo que, do acto de liquidação cabe reclamação e da decisão que recair sobre a reclamação cabe recurso hierárquico necessário nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003.
- Neste intervalo de tempo, velo a A apresentar o presente recurso hierárquico do indeferimento tácito da reclamação.
- A reclamação apresentada a 28 de Março de 2014 suspende o prazo para interposição do recurso hierárquico necessário nos termos do artigo 151.º do Código do Procedimento Administrativo.
- Entendemos, dado que os fundamentos da reclamação e do recurso hierárquico são os mesmos, dado o tempo decorrido desde a reclamação bem como o prazo para interposição de recurso hierárquico encontrar-se suspenso, ser de considerar o presente recurso tempestivo e o Chefe do Executivo a entidade competente para decidir nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003. A interposição do presente recurso suspende a eficácia do acto recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 157.º do Código do Procedimento Administrativo.
II. Factos e fundamentos do recurso.
Os Factos.
1) A Direcção dos Serviços de Finanças informou a A, mediante o Oficio n.º XXXX/XXX/XXX/XXX/2013, de 25 de Abril, que nos termos do artigo 27.º do Regulamento do Imposto do Selo e artigo 6.º da Tabela Geral anexa a contribuinte se encontra obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 0,5% sobre o montante total constante dos contratos de arrendamento das lojas localizadas nos centros comerciais do B e do C.
2) Em resposta veio a A declarar não concordar com a qualificação daqueles contratos.
3) Mediante o Oficio n.º XXXX/XXX/XXX/XXX/2013, de 27 de Junho, a contribuinte foi notificada para proceder à entrega do impresso Modelo M/4 e do mapa em anexo para efeitos de declaração aos contratos de arrendamento.
4) Foi ainda notificada que caso o não fizesse estes Serviços procederiam à liquidação oficiosa daquele imposto e à aplicação das multas previstas na lei.
5) A A veio apresentar e declarar aqueles contratos junto destes Serviços.
6) Mediante o Oficio n.º XXX/XXX/XXX/XXX/2014 foi notificada do despacho do Sr. Subdirector dos Serviços de Finanças que autorizou a liquidação do imposto do selo.
7) Nesse Oficio foi a A, notificada que daquele acto cabia reclamação, no prazo de 15 dias, para a Directora dos Serviços de Finanças nos termos dos artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 em conjugação com o artigo 91.º do RIS e artigo 4.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
8) Daquele acto foram apresentados reclamação e recurso contencioso, a 28 de Março e a 10 de Abril de 2014, respectivamente.
9) Foi decidido pelo Tribunal Administrativo, no presente ano, de acordo com o sempre defendido por esta Direcção, que a Lei n.º 12/2003 aplica-se também ao Imposto do Selo, ou seja, do acto de liquidação cabe reclamação e da decisão que recair sobre a reclamação cabe recurso hierárquico necessário nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, de 11 de Agosto. Consequentemente, foi aquele acto considerado irrecorrível pois só haverá lugar a recurso contencioso da decisão que recair sobre recurso hierárquico necessário.
10) A 26 de Março de 2015 deu entrada o presente recurso hierárquico.
Os Fundamentos.
Em síntese, entende a recorrente que os contratos objecto de tributação em sede de imposto do selo não são qualificáveis como contratos de arrendamento mas como contratos atípicos.
Como tal, o âmbito de incidência taxativo do imposto do selo não abrange estes contratos.
Considera ainda que os montantes constantes nos contratos a título de Turnover fee, Management fee, Promotion levy e Streetmosphere levy são relativas à prestação de serviços pela recorrente aos lojistas e que em nada se assemelham à disponibilização do gozo de uma loja.
A recorrente pede, a final, a anulação do acto tácito de indeferimento da reclamação da liquidação do imposto do selo por ilegalidade do mesmo.
III. Apreciação.
Qualificação dos contratos e os mesmos face ao direito fiscal.
Os tribunais, no que ao Direito Civil concerne, têm propugnado para o afastamento das disposições do arrendamento e aplicado as disposições relativas à liberdade contratual no que diz respeito à relação jurídica entre as partes, nomeadamente, quanto às respectivas obrigações contratuais.
Se no Direito Civil, e mais concretamente no Direito das Obrigações, poucas dúvidas subsistem quanto à natureza jurídica destes contratos o mesmo não se poderá afirmar em sede de Direito Fiscal, desde logo em Macau.
Em sede de Direito Fiscal os arrendamentos representam uma manifestação de riqueza, quer seja em Portugal ou em Macau, e logo são taxáveis em ambos os sistemas ainda que de forma distinta. Mas antes de analisarmos a realidade em equação parece-nos pertinente fazer um breve enquadramento à luz do Direito Fiscal em Portugal.
Em Portugal a exploração do centro comercial pertence a uma terceira entidade (entidade gestora) que, numa primeira fase celebra um contrato de comercialização com a empresa proprietária do centro, e numa segunda fase celebra (em nome próprio) com os lojistas os contratos de utilização das lojas.
Essa entidade gestora exerce “actividades empresariais complexas, prestações de serviços a título oneroso”, que no quadro do Direito Português não cabem nas normas de incidência de imposto do selo, nas palavras do parecer junto pela recorrente.
Em Portugal, tal como noutros sistemas jurídicos, onde foi introduzido o imposto sobre o consumo, mais comummente imposto sobre o valor acrescentado (IVA), as operações que são sujeitas a este imposto não são sujeitas a imposto do selo assumindo esta uma natureza apenas residual.
Estipula o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” acrescentando o n.º 2 que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.”
Ora, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 dó artigo 1.º do Código do IVA, a locação cai no âmbito de incidência do IVA mas por via do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, em regra, está isenta.
No entanto, o sujeito passivo pode renunciar a essa isenção nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 12.º do CIVA, ficando, pois, sujeita a IVA e não a imposto do selo ao abrigo do já citado n.º 2 do artigo 1.º do CIS.
Mas para além da situação de renúncia à isenção, o CIVA no n.º 29 do artigo 9.º estabelece quais as locações sujeitas a IVA, e logo excluídas da incidência de imposto do selo, entre as quais destacamos a locação de “…bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial.” (cfr. artigo 9.º n.º 29 al. c) do CIVA)
Isto porque, e IVA incide sobre todas as prestações onerosas de serviços e logo sobre todas as actividades empresariais.
Portanto, em Portugal, a administração tributária entende que, em regra, os contratos de locação de bens imóveis é isenta de IVA e sujeitos a imposto do selo, com a excepção, entre outras, da locação de espaços destinados a actividades de natureza comercial e/ou industrial.
A fim de evitar a dupla tributação, o legislador português, quando previu a tributação daqueles contratos em sede de IVA exclui os mesmos da incidência de imposto do selo. (cfr. n.º 2 do artigo 1.º do Código ao Imposto do Selo)
“Tal exclusão do campo de incidência impede, assim, que o imposto do selo possa vir a ser repercutido no preço dos bens e serviços sujeitos a IVA, agravando a base de incidência deste último imposto e gerando um efeito de dupla tributação. O imposto do selo assume, por isso, um carácter residual face ao IVA, apenas incidindo sobre factos ou actos que além de previstos na Tabela Geral não estão sujeitos a IVA, ou que estando sujeitos, dele se encontrem isentos”. (Cfr. Saldanha Sanches/M. Anselmo Torres, “A incidência de selo sobre o trespasse”, Fiscalidade, n.º 32, pp5)
Concluindo, em Portugal a locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial - enquanto conjunto de factores produtivos organizados com vista à exploração de certo ramo de actividade comercial - não se encontra sujeita a imposto do selo por força da norma de delimitação negativa do n.º 2do artigo 1.º do CIS mas não deixa aquele, contrato de ser um contrato de locação com os elementos típicos daquele contrato.
Vejamos, pois, o que nos diz a legislação de Macau. A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição e consistindo um bem imóvel a coisa locada estamos perante um arrendamento. (cfr. artigos 969.º e 970.º do Código Civil)
Daqui retira-se que os elementos essenciais que integram a locação (e o arrendamento) são três, a saber: obrigação do locador proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte, ou seja, o aproveitamento das utilidades da coisa no âmbito do contrato, que podem ser o uso ou o uso e a fruição da coisa locada, o prazo, o gozo da coisa locada deve ser temporário, valendo o prazo estipulado pelas partes; e a retribuição (pelo gozo da coisa locada).
O contrato de arrendamento, nos termos acima expostos, pode ter por fim a habitação, o exercício de empresa comercial, o exercício de profissão liberal, a actividade rural ou outra aplicação lícita do prédio conforme dispõem os artigos 975. n.º 2 e 1031. º do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Código Comercial considera-se empresa comercial toda a organização de factores produtivos para o exercício de uma actividade económica destinada à produção para a troca sistemática e vantajosa, designadamente, das actividades das alíneas a) a e) do número 1 do artigo 2.º do Código Comercial.
No Capítulo VII, do Regulamento do Imposto do Selo, sob a epígrafe “Arrendamentos”, bem como da Tabela Geral não consta qualquer distinção de que tipo de arrendamento se trate.
O imposto do selo visa taxar uma manifestação de riqueza que se traduz no valor constante dos actos, contratos e outros actos ou situações jurídicas que se encontrem previstas no RIS, conforme se retira da respectiva norma de incidência objectiva do artigo 1.º do RIS.
Alega a recorrente que apenas estão sujeitos a imposto do selo os documentos, papéis e actos expressamente previstos na TGIS pelo que o tipo de contrato que a administração tributar terá de ser “o contrato assim qualificado pelo direito civil não aquilo que a autoridade tributária pretende que seja”.
Defende, ainda, que não sendo os contratos celebrados contratos de arrendamento “à luz das normas de direito civil” a administração não podia tributar tais contratos em sede de imposto do selo, pelo que o acto de liquidação estaria inquinado por extravasar as normas de incidência daquele imposto.
Ora, aceitando-se que o conceito de arrendamento constante do RIS se reconduz ao definido no C. C conclui-se que os contratos sub judice reúnem os elementos tipo do contrato de arrendamento.
Ainda assim, sempre diremos que o Direito Civil desempenha a função de Direito Comum a outros ramos do Direito, em virtude de constituir um reservatório de princípios jurídicos gerais e de conceitos e normas também de carácter geral.
No entanto, tal circunstância não vincula o Direito Fiscal ao Direito Civil pois os conceitos e juízos consagrados pelo Direito Civil não são necessariamente válidos no campo do Direito Fiscal.
Aqueles juízos e conceitos só serão aplicáveis no Direito Fiscal quando as leis tributárias os não tenham excluído e quando não se mostrem incompatíveis com os princípios gerais do sistema fiscal.
Porque a adopção pura e simples de alguns conceitos civilistas no campo do Direito Tributário abriria, muitas vezes, a via para mais frequentes e ostensivas evasões fiscais.
A título de exemplo veja-se a promessa de venda de prédio que não opera transmissão civil desse prédio mas se essa promessa se conjugar com o usufruto do prédio ela constituirá em muitos casos transmissão para efeitos fiscais.
Matéria colectável.
No caso sub judice, como já referimos, trata-se de contratos de arrendamento, arrendamentos previstos taxativamente no Regulamento do Imposto do Selo e respectiva Tabela Geral.
Ora, nos termos do artigo 27.º do RIS e do artigo 6.º da TGIS a recorrente está obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 0,5% o sobre o montante total dos contratos de arrendamento relativo a todo o tempo do contrato.
Sendo o selo devido pelos contratos de arrendamento pago por selo de verba o mesmo é arrecadado por meio de guias.
Assim, foi a recorrente notificada para proceder ao levantamento da guia M/B e proceder ao respectivo pagamento junto da Recebedoria.
Em caso de incumprimento a administração fiscal procede à liquidação oficiosa nos termos do artigo 60.º do RIS.
Encontra-se, igualmente, a recorrente obrigada à apresentação do modelo M/4 (participação de arrendamento) enquanto entidade locadora nos termos do artigo 17.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana.
Finalmente, a recorrente alega, ainda que os contratos fossem considerados contratos mistos, os montantes respeitantes a “Turnover fee”, “Management fee”, “Promotion levy” e “Streetmosphere levy” correspondem à gestão do centro comercial e têm por base a prestação de serviços por parte da recorrente não constituindo “nunca a contrapartida do pagamento de uma renda” e como tal não pode o artigo 27.º do RIS abranger aqueles montantes.
Mais uma vez discordamos da posição da recorrente; porquanto o artigo 14.º do RCPU dispõe “é tido como renda tudo quanto o senhorio receba do arrendatário, ou este receba em sua vez, por efeito da cedência do uso e fruição do prédio e dos serviços porventura nele estabelecidos, quer estes sejam especiais para o arrendatário, quer comum a outros inquilinos do mesmo ou de diversos prédios e ainda que também aproveitem ao próprio senhorio.”
Por todo o expendido outra não pode ser a conclusão de que agiu a administração tributária em estrito cumprimento da legislação à matéria aplicável inexistindo qualquer vício que gere a anulabilidade do acto recorrido.
CONCLUSÕES:
1) À luz do quadro legal aplicável - Cfr. artigos 1.º, 14.º e 27.º do Regulamento do Imposto do Selo, artigos 6.º e 23.º da tabela Geral Anexa ao RIS e 14.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana - dos factos descritos, estão preenchidos os pressupostos tributários que motivaram a Administração Fiscal a proceder à liquidação do Imposto do Selo.
2) A contribuinte/recorrente foi devidamente notificada da liquidação do Imposto do Selo - Cfr. artigos 73.º e 74.º do RIS - bem como dos meios legais de impugnação da liquidação - Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, de 11 de Agosto.
3) Não ocorreu nenhum vício de violação de lei designadamente do princípio da tipicidade tributária.
4) O conceito de arrendamento constante do RIS reconduz-se ao definido no Código Civil pelo que, os contratos ora em questão reúnem os elementos tipo do contrato de arrendamento.
5) Assente que é os contratos serem de arrendamento, a contribuinte/recorrente está obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 5%o sobre o montante total dos contratos relativo a todo o tempo do contrato.
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V. Ex. a que seja negado o provimento ao mesmo.”
Mais se informa V. Exa. que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e no artigo 7º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso, a interpor no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, para o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau».
B) Relativamente aos contratos dos autos, a recorrente alegou o seguinte, no recurso contencioso, não contestado pela entidade recorrida e que se considera provado nos termos do artigo 54.º do Código de Processo Administrativo Contencioso:
São obrigações dos lojistas:
a) Obter, a expensas suas, todas as aprovações, autorizações e licenças governamentais necessárias para a prossecução das obras de instalação da Loja;
b) Cumprir com o previsto no Manual do Lojista, no que concerne ao design e à aprovação dos trabalhos a serem levados a cabo pelo Lojista na Loja;
c) Pagar a denominada "Vetting Fee" à Proprietária;
d) Abrir a Loja ao público;
e) Cumprir com o estipulado na Cláusula 9, no caso de serem necessários trabalhos ou benfeitorias adicionais;
f) Facultar à Proprietária e ao Gestor do Centro Comercial o livre direito de entrada e de inspecção da Loja;
g) Respeitar a concreta extensão do objecto do direito de uso da Loja;
h) Desenvolver a sua actividade comercial, de forma ininterrupta e contínua, durante o período em que o Centro Comercial se encontra aberto ao público, promovendo e assegurando que a operação da Loja cumpre com as características de um comércio integrado;
i) Respeitar as regras relativas ao uso das zonas comuns;
j) Assegurar a manutenção dos vários sistemas integrados na Loja;
k) Manter a Loja aberta durante todo o ano, no horário fixado;
l) Manter a Loja totalmente iluminada, quer exterior, quer interiormente, durante o horário de funcionamento do Centro Comercial;
m) Manter a temperatura da Loja em níveis adequados, conforme indicação da Proprietária;
n) Cumprir pontual e integralmente com as obrigações assumidas em relação à Proprietária;
o) Pagar uma "Base Fee" à Proprietária;
p) Pagar uma "Turnover Fee" à Proprietária;
q) Pagar uma "Management Fee" à Proprietária;
r) Suportar os custos relativos ao fornecimento de água fria, manutenção e reparação dos aparelhos de ar-condicionado;
s) Suportar todos os gastos relativos aos bens e serviços fornecidos à Loja;
t) Pagar uma "Promotion Levy" à Proprietária;
u) Pagar uma "Streetmosphere Levy" à Proprietária;
v) Manter um stock suficiente de produtos na Loja e assegurar um retorno contabilístico aceitável;
w) Remodelar a Loja a pedido da Proprietária;
x) Suportar o pagamento de quaisquer taxas ou impostos devidos.
Para além disso, os lojistas estão sujeitos ao cumprimento de regras, regulamentos e instruções vigentes no Centro Comercial, incluindo o Manual do Lojista, bem como uma série de obrigações, entre as quais se destacam a obrigação de desenvolver a actividade comercial de forma contínua e ininterrupta durante o período em que o Centro Comercial está aberto ao público e durante o horário definido, obrigações de manutenção e reparação da loja de acordo com as instruções da Recorrente.
Os lojistas não podem transferir a sua posição contratual sem autorização da proprietária do centro comercial.
  A proprietária do centro comercial tem ainda o poder de verificação do volume de negócios dos lojistas, poder esse que inclui o fornecimento de uma declaração auditada do volume de negócios, preparada por contabilista registado, tendo a proprietária do centro comercial o poder de inspeccionar todos os documentos relacionados com o volume de negócios.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Importa apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, atrás mencionadas.

2. Imposto de selo pela renda dos arrendamentos
A Administração tributou a título de imposto de selo os proventos por contratos de cedência de uso de lojas em centro comercial, qualificando estes contratos como arrendamentos.
Dispõem os artigos 1.º, 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho:
“Artigo 1.º
O imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento, a qual faz parte integrante dele.
Artigo 26.º
O selo devido pelos arrendamentos é pago por meio de verba, salvo tratando-se de escritos particulares, em que se utilizará a estampilha.
Artigo 27.º
O selo dos arrendamentos é calculado em relação à renda de todo o tempo do contrato, e devido pelo locador”.

O artigo 6.º da Tabela Geral do Imposto de Selo, anexa ao Regulamento, fixa em 5‰ a taxa do imposto nos “arrendamentos, por qualquer modo ou título por que sejam feitos, sobre o seu valor”.
A proprietária do centro comercial considera que os contratos em questão não são arrendamentos, pelo que não devia ter sido tributada.

3. Qualificação do contrato celebrado entre a proprietária do centro comercial e os lojistas
Dos contratos dos autos resulta que a proprietária do centro comercial se obrigou a proporcionar o gozo temporário de um espaço comercial naquele centro a cada um dos lojistas, recebendo como contrapartida uma quantia em dinheiro. Dito apenas isto pareceria que estaríamos perante a figura da locação, na versão de arrendamento comercial, a que se referem os artigos 969.º, 970.º e 1045.º do Código Civil.
Aquando do aparecimento dos centros comerciais na segunda metade do século XX e dos litígios envolvendo os proprietários dos centros e os promotores (quando as duas figuras não se reuniam numa só) ou entre os promotores e os lojistas, a doutrina e a jurisprudência, por exemplo, no Brasil e em Portugal, começou por qualificar os contratos entre o proprietário do centro comercial ou o promotor e os lojistas como arrendamentos.
Mas rapidamente se percebeu que os direitos e obrigações das partes fugiam ao modelo do arrendamento, visto que muitas prestações eram típicas do contrato de prestação de serviços. Uma parte da doutrina e da jurisprudência aderiu, então, à qualificação dos contratos como mistos, de arrendamento e prestação de serviços.
Como se sabe, o contrato misto é aquele “no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”1, integrando-se, assim, na categoria dos contratos atípicos ou inominados, consentidos pelo princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 399.º do Código Civil.
Gradualmente, foi ganhando força a qualificação como um puro contrato inominado, entendimento este que acabou por impor-se decisivamente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Para tal contribuiu a consideração de que este contrato “se não integra no simples esquema de um contrato misto, visto este só abranger dogmaticamente os contratos com várias prestações, quando estas pertençam a dois ou mais contratos típicos”2.
Acrescenta ANTUNES VARELA que não é esse o caso do contrato realizado com o lojista, por duas razões:
“Primeiro, porque num exame analítico atento da contribuição global do fundador, promotor ou administrador do centro comercial, ao lado de prestações próprias do contrato de locação e do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º), outros elementos essenciais existem que não cabem nem no esquema da locação, nem na causa objectivo da prestação de serviços.
É o que sucede, nomeadamente, com a integração do lojista no conjunto seleccionado de estabelecimentos que rodeiam a sua loja3, com a existência do parque de estacionamento que favorece o acesso da sua clientela, bem como da dos demais lojistas, ou com a instalação de locais de diversão, que atraem os filhos dos compradores. Trata-se de elementos ou factores que representam um incontestável benefício patrimonial para o lojista (uma verdadeira atribuição patrimonial que ele aufere) e que, todavia, não revestem a forma de uma prestação de serviços a que o explorador do centro fique adstrito em face de qualquer dos lojistas.
Segundo, porque o conjunto das prestações efectuadas ou prometidas pelo promotor do centro introduz no contrato uma causa típica, global, que não encontra tradução adequada em nenhum dos contratos típicos previstos na Lei, nem na junção de quaisquer deles.
A única conclusão que pode assim extrair-se da análise do conteúdo do contrato para instalação do lojista no centro e do seu confronto com os contrato típicos regulados na lei civil é o de que se trata de um contrato atípico ou inominado”4.

4. Qualificação do contrato celebrado entre a proprietária do centro comercial e os lojistas. Continuação.
Que dizer das três soluções propostas?
O contrato de arrendamento é, à partida, de excluir “pela razão de que a complexidade da figura não cabe nos varais limitados desse contrato”5. “Se no arrendamento típico se pode ver na renda estipulada a contrapartida devida pela cedência do gozo da coisa, já no contrato que ora analisamos as prestações pecuniárias acordadas (de montante parcialmente variável) surgem como correlato da prestação de um conjunto vasto de serviços e da disponibilidade de um local cujas características específicas se não alheiam de uma ímpar tarefa de concepção, acometida a uma das partes do negócio”6.
O contrato misto parece também de excluir, visto que do que se trata, nos contratos dos lojistas dos centros comerciais é, nas palavras de JORGE RIBEIRO DE FARIA7, “do enquadramento, da incorporação, de cada lojista no complexo organizacional, e com isso na sujeição ao regulamento respectivo, projectado e pensado ao pormenor pelo organizador do centro. É a razão de Antunes Varela, de Orlando Gomes, e da última jurisprudência. É isso que caracteriza este contrato e é nisso que consiste a sua causa. É isso que o organizador do centro e cada um dos lojistas quiseram ao celebrar o contrato”.
A conclusão é, pois, a de que estamos perante um contrato atípico.

5. Princípio da legalidade fiscal. Interpretação em Direito Fiscal
O regime tributário tem de ser aprovado por Lei, entendida esta em sentido formal como fonte normativa aprovada pela Assembleia Legislativa [alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009]. E, assim, também em Macau, o princípio da legalidade se apresenta como uma reserva de lei formal.
Explica ALBERTO XAVIER que “Precisamente porque o princípio da legalidade em matéria de impostos se configura com uma reserva absoluta de lei formal é que se pode afirmar que o Direito Tributário se encontra submetido a um princípio de tipicidade. Da mesma forma que no Direito Penal o princípio da tipicidade surgiu como técnica de protecção do cidadão contra os poderes decisórios do juiz, ele revelou-se no Direito Fiscal como instrumento de defesa dos particulares em face do arbítrio da Administração. E assim, ao lado do brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege surge-nos também a regra nullum tributum sine lege.”8
Na lição de JÓNATAS MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA, “Refira-se que as normas tributárias relevam de um domínio em que tradicionalmente a exigência de precisão, clareza e determinabilidade das leis é especialmente relevante, não se detectando aqui a abundância de cláusulas gerais e conceitos plásticos que se detectam noutro domínios, como seja, por exemplo, o dos direitos fundamentais”9.
Na interpretação das normas tributárias prevalece o entendimento de que elas não convocam princípios especiais diversos das normas jurídicas em geral. Aplicam-se os critérios gerais de interpretação das leis 10. É, por isso, possível a interpretação extensiva11 e, se for o caso, a utilização de conceitos indeterminados e a margem de livre apreciação da Administração12. Mas não a integração das lacunas no domínio dos elementos essenciais do imposto, face ao princípio da legalidade fiscal de que falámos atrás. “Este, ao exigir que a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, conste da lei (parlamentar), obstaria a que o legislador deixasse para o aplicador das leis – sobretudo a administração tributária e o juiz – qualquer possibilidade de colmatação de lacunas, seja através do recurso à analogia, seja por qualquer outro modo de preenchimento de lacunas”13.
Estando em causa nos autos o conceito de arrendamento, é útil citar a opinião de ANA PAULA DOURADO segundo a qual “Quanto à importação de conceitos de outros ramos de Direito para a lei fiscal, cabe saber se eles mantêm o sentido originário ou se devem ser interpretados autonomamente segundo os princípios e fins da norma fiscal em causa. Deve partir-se do sentido originário da norma, mas deve verificar-se se esse sentido coincide com os fins da norma fiscal. Mesmo nos casos de remissão expressa para os conceitos de outro ramo de Direito, se a interpretação teleológica da norma fiscal se afastar do sentido originário (do ramo de Direito de que o conceito é importado), a interpretação da lei fiscal deve ser autónoma”14.

6. O caso dos autos
Como se disse, o artigo 6.º da Tabela Geral do Imposto de Selo, fixa em 5‰ a taxa do imposto nos “arrendamentos, por qualquer modo ou título por que sejam feitos, sobre o seu valor”.
Poderia estar aqui a intenção de abranger outras realidades que não apenas os arrendamentos. Mas concordamos com o acórdão recorrido quando assinala que a finalidade da Tabela é a fixação das taxas do imposto, ficando reservadas às normas de incidência (artigos 26.º e 27.º) o âmbito do imposto e que a expressão da Tabela parece querer referir-se ao título negocial utlizado, se por escrito ou não, documento autêntico ou particular.
Por outro lado, a Administração defende nos autos que, se por interpretação extensiva das normas fiscais chegarmos à conclusão de que o facto é subsumível nas normas de incidência, o facto é tributável.
O intérprete opera a interpretação extensiva da norma quando conclui que a letra da lei não exprime devidamente o pensamento legislativo. O legislador disse menos do que queria dizer, pelo que há que fazer prevalecer a intenção legislativa sobre a letra da lei, alargando o âmbito desta.
O problema é que não temos indícios de que a vontade da lei fosse a de fazer incluir no conceito de arrendamento os contratos dos lojistas nos centros comerciais.
Nem se diga, por outro lado, que na data aprovação do Regulamento, em 1988, ainda a realidade dos centros comerciais em Macau era pouco conhecida.
Só que o legislador tem intervindo profusamente em alterações ao Regulamento do Imposto de Selo (pelas Leis n. os 9/97/M, 8/98/M, 8/2001, 18/2001, 4/2011 e 15/2012), podendo ter previsto a tributação dos contratos em causa e não o fez, pelo que aquele argumento prova pouco.
Concluímos, deste modo, como o acórdão recorrido, de que não é possível enquadrar os contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no âmbito da previsão dos artigos 1.º, 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo e 6.º da Tabela Geral do Imposto de Selo.

V – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Sem custas.
Macau, 16 de Novembro de 2016.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa


     1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 10.ª edição, reimpressão de 2003, I volume, p. 279.
     2 ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, I Volume, p. 298 e 299.
     3 É Oliveira Ascensão quem destaca, no parecer inédito junto aos autos na acção julgada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 (em que foi relator o Des. Amaral Barata e em que foram partes a Empresa Imobiliária da Fonte Nova, de um lado, e Valente Moraes, do outro), esse aspecto da integração empresarial, como característica fundamental do contrato para instalação do lojista.
     4 Mais desenvolvidamente, ANTUNES VARELA, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.2.1995, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, p. 371 e segs.
     5 JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos (União de Contratos). Os Centros Comerciais (Shopping Centers). Problemática e Soluções, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano III, 2006, p. 368.
     6 HUGO DUARTE FONSECA, Sobre a Atipicidade dos Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2004, p. 712 a 714.
     7 JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos…, p. 372.
     8 ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal I, Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 118 e 119.
     9 JÓNATAS MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA, Curso de Direito Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, 2.ª edição, p. 163.

     10 JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 7.ª edição, 2014, p. 207, ALBERTO XAVIER, Manual…, p. 171 e segs. e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, Lições, Almedina, Coimbra, 2015, p. 255.
     11 Sobre esta forma de interpretação, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 1972, p. 202 e segs.
     12 ANA PAULA DOURADO, O Princípio da Legalidade Fiscal, Tipicidade, Conceitos indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina, Coimbra, 2014, p. 502 e segs., em especial.
     13 JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito…, p. 209 e 210. Também, J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso…, p. 212 e segs, entre muitos.
     14 ANA PAULA DOURADO, Direito…, p. 258.
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Processo n.º 71/2016

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Processo n.º 71/2016