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Processo nº 726/2016 Data: 03.11.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 726/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no art. 56°, n.° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 95 a 100 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 104 a 104-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No presente recurso está apenas em causa ajuizar se a libertação condicional do recorrente se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, tal como exigido pelo artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Nenhuma controvérsia se coloca quanto aos demais requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional, pois a decisão recorrida julgou-os verificados.
Na sua motivação de recurso, o recorrente sustenta que todos os requisitos exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional estavam preenchidos – no que vem acompanhado pelo Ministério Público na sua resposta –, pelo que, ao denegar a libertação condicional, a decisão proferida atentou contra o referido normativo.
Vejamos:
A liberdade condicional visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Trata-se de um instituto que pode colocar em confronto interesses do recluso e da comunidade, nem sempre facilmente harmonizáveis, o que lhe empresta alguma tensão dialéctica cuja chave residirá na perfeição dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, a liberdade condicional é de aplicação casuística, e a sua concessão depende da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como depende da compatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social, estando implícitas neste último requisito material considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
Como se disse, é este aspecto da prevenção geral que está na base do dissídio e que motiva o recurso.
Prevenção geral positiva ou de integração, como exigência de tutela do ordenamento jurídico, e que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
O recluso foi punido por um tipo de ilícito que, apesar de registar alguma incidência na região, não atinge frequência e visibilidade que provoquem alarme social ou especial apreensão dos cidadãos. Neste contexto, e dado o excelente quadro que a própria decisão recorrida traça do recluso em matéria de prevenção especial, não se crê que a libertação do condenado, nesta fase do cumprimento da pena – agora a cerca de sete meses da respectiva expiação –, possa colocar em xeque aquela exigência de tutela do ordenamento jurídico, perturbando a paz social ou pondo em causa as expectativas comunitárias na validade das normas violadas.
Assim, atendendo a que a expiação da totalidade da pena não é condição imprescindível para a compensação dos danos causados pelo crime, e considerando que a liberdade condicional não acarreta a extinção da pena e que a própria comunidade tem interesse em que o retorno do condenado à sua vida em sociedade se processe em condições que permitam um acompanhamento mínimo que sempre ajudará à reintegração, como é apanágio da liberdade condicional, entendemos que estão reunidas condições para a concessão da requerida liberdade condicional, tal como alvitrou o Exm.° colega no seu parecer de fls. 63 e verso e na sua resposta à motivação do recurso.
Ante o exposto, vai o nosso parecer no sentido do provimento do recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que conceda a liberdade condicional pelo período que falta para o cumprimento de pena, sugerindo-se que seja fixada ao recorrente a obrigação de não entrar ilegalmente em Macau e, caso permaneça em Macau durante a liberdade condicional, fique ainda sujeito a observar o programa de reinserção social a elaborar pelos competentes serviços, obrigado a comparecer mensalmente na PSP e proibido de frequentar áreas de jogo”; (cfr., fls. 140 a 141-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.M. em 16.12.2014, para cumprimento de uma pena única de 2 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado pela prática de 8 crimes de “passagem de moeda falsa”, sendo 1 na forma tentada;
– em 14.08.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 14.06.2017;
– durante o cumprimento da pena, desenvolveu e participou em actividades laborais, tendo desenvolvido voluntariado no exterior, tendo visita de familiares;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à Malásia, de onde é natural, vivendo com a sua família.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão os pressupostos do art. 56°, n° 1 do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
   3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr., n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 16.12.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 05.05.2016, Proc. n.° 289/2016, de 02.06.2016, Proc. n.° 361/2016 e de 23.06.2016, Proc. n.° 430/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

De facto, o recorrente era primário antes da condenação na pena que ora cumpre, confessou os factos e manifestou arrependimento em audiência de julgamento, tendo desenvolvido um comportamento prisional pelo Director do E.P.M. considerado “adequado”, onde desenvolveu actividades laborais, presentes se nos apresentando as condições para a sua reinserção social, uma vez que vai voltar a viver com a sua família que o tem visitado e que o apoia, viável sendo, desta forma, o necessário “juízo de prognose favorável” quanto ao seu futuro comportamento em liberdade.

Por sua vez, em causa estando crimes de “passagem de moeda falsa”, tendo em conta o “bem jurídico” com o mesmo protegido, (em causa não estando “grandes quantias monetárias”), ponderando igualmente, no período da pena que cumpriu, (1 ano e 10 meses de prisão), e o que falta cumprir, (cerca de 8 meses), e sendo também que irá regressar à sua terra natal, (Malásia), afigura-se de considerar igualmente verificado o pressuposto da alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., se ao mesmo se fixar o dever de não voltar a Macau no período de liberdade condicional.

Assim, em face das expostas considerações, há que revogar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, concedendo-se, nos exactos termos consignados, a pretendida liberdade condicional ao ora recorrente.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Comunique à P.S.P enviando cópia do presente veredicto.

Macau, aos 03 de Novembro de 2016
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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