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Proc. nº 214/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Novembro de 2016
Descritores:
-Revisão de sentença estrangeira
-Confirmação

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Proc. nº 214/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, maior, titular de Bilhete de Identidade de Residente da República de Popular da China n.º XXXXXXXXXXXXXXX (doc. l), emitido pela autoridade competente da RPC, vem instaurar acção especial de revisão e confirmação da sentença proferida por tribunal do exterior da RAEM que condenou B, maior, titular de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM n.º XXXX(2), com domicílio na RAEM, na 宋玉生廣場XXXXXXX, ao pagamento de quantia certa à Requerente.
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O Réu, citado, não contestou.
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O digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
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III – Os Factos
1 - A favor da autora foi proferida sentença n.º (2001) 珠香民初字第XXX號pelo Tribunal Popular Básico do bairro Xiangzhou da cidade Zhuhai da província Guangdong da RPC, em 15 de Maio de 2001 que condenou o Requerido a pagar à Requerente a quantia de HKD 66.582,00 (sessenta e seis mil e quinhentos e oito e dois dólares de Hong Kong) e de USD 117.861,00 (cento e dezassete mil e oitocentos e sessenta e um dólares dos Estados Unidos da América), acrescida dos juros à taxa recente de depósito a prazo de um ano de moedas internacionais dos bancos da China (同期中國銀行外幣一年定期存款利率) no decurso do período entre 1 de Junho de 1999 e a data da sentença até ao seu integral pagamento.
2 - A referida sentença tem o seguinte conteúdo:
TRIBUNAL POPULAR DO DISTRITO DE XIANGZHOU DA CIDADE DE ZHUHAI DA PROVÍNCIA DE GUANGDONG
SENTENÇA CÍVEL
N.º XXX da série Zhu Xiang Min Chu Zi (2001)
Autora: A, do sexo feminino, nascida a 2 de Outubro de 1973, de etnia Han, residente em 万山管理區XXXXXXX, Cidade de Zhuhai, titular do BIR n.º XXXXXX.
Mandatário judicial: C' advogado do Escritório de Advogados XXX de Guangdong.
Réu: B, do sexo masculino, nascido a 10 de Maio de 1961, residente de Macau, titular do BIRM n.º XXXXX, residente no XXXXXXXX, Macau.
A autora A intentou a acção de litígio de empréstimo contra o réu B. Tendo admitida acção, este Tribunal formou o juízo colectivo, procedeu à audiência à porta aberta. O mandatário judicial da autora, C compareceu na audiência. O réu que foi citado não compareceu na audiência sem justa causa. O julgamento deste caso já foi terminado.
A autora A alegou que antes de 1 de Julho de 1999, o réu lhe pediu empréstimos por várias vezes, no total de 66.582,00 dólares de Hong Kong e 117.861,00 dólares americanos. Em 21 de Agosto do 5 mesmo ano, o réu fez um plano de reembolso, prometendo reembolsar em prestações até 30 de Março de 2000, com juros calculados à taxa de juro bancária desde 1 de Junho de 1999. Todavia, a dívida já foi vencida, mas o réu recusou de pagar. Por isso, a autor recorreu para o Tribunal, pedindo a condenar o réu no reembolso da quantia no valor de 66.582,00 dólares de Hong Kong e de 117.861,00 dólares americanos, com juros calculados à taxa de juro de depósito a prazo de um ano em moedas externas do Banco Popular da China na altura, desde 1 de Junho de 1999.
O réu B não contestou no prazo legal.
Foi apurado que: em 1 de Julho de 1999, o réu emitiu um recibo à autora, pedindo à autora um empréstimo no montante de 130.690,00 yuans, 66.582,00 dólares de Hong Kong e 117.861,00 de dólares americanos. Em 20 de Agosto do mesmo ano, o montante de 130.690,00 yuans destina-se ao investimento das obras de remodelação, caso as obras sejam concluídas com sucesso, a metade dos lucros serão da autora; caso falhem, essa quantia não será restituída à autora. Antes de 31 de Agosto de 1999, o réu deve reembolsar o montante de 66.582,00 dólares de Hong Kong e 57.861,00 dólares americano. A quantia restante no montante de 60.000,00 dólares americanos será restituída em prestações, com 10.000,00 dólares americanos por mês, será liquidada até 30 de Março de 2000, com juros calculados à taxa de juro bancária desde 1 de Junho de 1999. Aliás, o réu nunca pagou. A autora pediu o reembolso sem sucesso, assim, recorreu para este Tribunal em 5 de Dezembro de 2000.
Este Tribunal entende que: a autora apresentou ao Tribunal o recibo e o plano de reembolso com assinatura do réu, o réu foi citado regularmente mas não compareceu na audiência, considera-se desistência de direito de contestação, este Tribunal aceitou as provas entregues pela autora nos termos legais. Das provas resultam a relação de empréstimo entre a autora e o réu, essa relação é legal e válida, merecendo a protecção. O réu não efectuou reembolso no prazo, deve assumir a responsabilidade de reembolso e pagar os juros convencionados. O pedido da autora é procedente por serem suficientes as provas. Nos termos do art.º 130.º da Lei do Processo Civil da RPC e dos art.ºs 90.º e 108.º das Cláusulas Gerais da Lei Civil, decide:
O réu B deve reembolsar à autora A um montante de 66.582,00 dólares de Hong Kong e de 117.861,00 dólares americanos no prazo de 10 dias, a partir da data de trânsito em julgado da sentença, com juros calculados à taxa de juro de depósito a prazo de um ano em moedas externas do Banco da China na altura, desde 1 de Junho de 1999 até ao seu pagamento integral.
As custas de admissão do caso, no valor de 15.254,00 yuans ficam a cargo do réu. As custas de admissão pré-pagas pela autora não serão restituídas pelo Tribunal mas serão pagas pelo autor no momento de pagamento.
Não se conformando com a presente sentença, pode apresentar a petição de recurso junto do presente Tribunal, no prazo de 15 dias a partir da data de notificação da sentença, e tantas cópias quanto o número de contrapartes, recorrendo para o Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Zhuhai da Província de Guangdong.
Juiz presidente: XXX
Juiz: XXX
Juiz substituto: XXX
Aos 15 de Maio de 2011
Escrivão judicial: XXX
3 – Tal sentença transitou em julgado no dia 26 de Julho de 2001.
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos, o Tribunal da Revisão não conhece o fundo ou o mérito da causa, uma vez que se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou a condenação do réu com observância dos preceitos legais aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a condenação do contratante que deixe de cumprir a obrigação contratual.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, os autos evidenciam a autenticidade dos documentos e, bem assim, o trânsito da sentença proferida pelo Tribunal Popular do distrito de Xiangzhou da cidade de Zhuhai da província de Guangdong.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a referida sentença proferida pelo Tribunal Popular do distrito de Xiangzhou da cidade de Zhuhai da província de Guangdong nos termos acima transcritos.
Custas pela autora.
TSI, 3 de Novembro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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