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Processo n. 660/2016
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Novembro de 2016
Descritores:
-Suspensão de eficácia
-Acto negativo
-Acto de adjudicação

SUMÁRIO:

I. Um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. Nessa medida, a sua eficácia é insuspensível, porque o deferimento da providência nenhuma vantagem ou benefício àquele traria.

II. Há, porém, actos (v.g. indeferimento de uma renovação ou prorrogação) que, alterando uma situação jurídica anterior, apresentam uma vertente positiva, traduzida nalguma vantagem para a esfera do interessado. Por essa razão, a eficácia destes já pode ser suspensível.

III. É puramente negativo para um determinado concorrente o acto administrativo que, no termo de um concurso público, adjudica a outro a aquisição de certo tipo de serviços. Por isso, porque a suspensão de eficácia desse acto nenhum benefício ou vantagem lhe traria, não pode a providência ser decretada.















Proc. nº 660/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A CORPORATION, com sede de representação permanente em Alameda xxxxxx, nº xxx, Edifício xxxx, xxº andar, x-x, em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o No. SO xxxxx, (doravante a “Requerente”), requereu a providência cautelar para suspensão de eficácia do acto de adjudicação à sociedade B, Limitada, sociedade constituída de acordo com as leis da RAEM, com sede na Alameda xxxxxx, nºs xxx-xxx, Jardim xxx, xº andar x, em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o No. SO xxxx (doravante “CECC” do contrato “c385r – da empreitada de construção da superestrutura do parque de materiais e oficina do sistema de metro ligeiro” da autoria do Ex.mo Chefe do Executivo de 25/07/2016.
Alegou para o efeito os fundamentos previstos no art. 121º do CPAC, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Logo que citada, a entidade administrativa proferiu a decisão a que alude o art. 122º do CPAC (cfr. fls. 80-84), sobre a qual, tanto a requerente como o digno magistrado do MP se pronunciaram (fls. 144-148 e 151-152).
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Pelo despacho do relator de fls. 156-162 foi julgada procedente a fundamentação invocada na referida decisão.
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A entidade administrativa apresentou também a sua contestação, pronunciando-se pela natureza negativa do acto suspendendo, bem como contra o deferimento da providência (fls. 94-110).
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Na qualidade de contra-interessada, contestou igualmente a “C, Limitada”, defendendo a sua ilegitimidade (fls. 134-136).
Contestou ainda a adjudicatária “B, Limitada”, pugnando pela natureza negativa do acto suspendendo e pela improcedência do pedido (fls. 172-184).
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O digno Magistrado do MP, por seu turno, opinou pela rejeição da suspensão pelo facto de entender que o acto em apreço tem natureza meramente negativa ou, supletivamente, pelo indeferimento pela inverificação do requisito da alínea b), do art. 121º do CPAC.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
1- O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
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2 - E serão legítimas?
Sem dúvida que dispõe de legitimidade activa a requerente e de legitimidade passiva a entidade administrativa, bem como a contra-interessada “B, Limitada”, por ter sido a empresa que beneficiou directamente do acto de adjudicação.
Não tem legitimidade, porém, a contra-interessada contestante C, Limitada”, defendendo a sua ilegitimidade.
Na verdade, de acordo com o disposto no art. 123º, nº 3, do CPAC os contra-interessados serão aqueles a quem a suspensão de eficácia do acto possa directamente prejudicar. Ora, se a esta concorrente não foi adjudicada a empreitada, parece claro que o deferimento da providência não altera a sua posição jurídica, ou seja, em nada a prejudica “directamente”.
Significa, pois, que esta requerida não dispõe de legitimidade, tal como pela mesma razão a não têm as restantes indicadas na petição a fls. 33 – e por isso serão absolvidas da instância -, excepção feita a “B, Limitada”, a adjudicatária da empreitada.
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3 - Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - A Requerente tem como actividade principal 工程承包、勘察、設計、咨詢、編制建築計劃、指導工程及實施工程, actividade consistente com os serviços objecto do contrato relativamente ao qual foi realizada Consulta pela RAEM.
2 - A Requerente apresentou a sua proposta, a qual foi admitida, e participou, como “Concorrente No. 2”, na Consulta para a “Empreitada de Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro - C385R”, realizada pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau, e promovida pelo Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (doravante “GIT”).
3 - Para além da Requerente e da CECC foram também admitidas à Consulta as seguintes sociedades:
a) A sociedade D, limitada;
b) A sociedade E, limitada;
c) A sociedade F, limitada; e
d) A sociedade G, limitada.
4 - A Consulta visava a adjudicação do Contrato de “Empreitada de Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro - C385R”, conforme Anúncio de Consulta de 24 de Maio de 2016.
5 - Tendo a Consulta corrido os seus termos, foi emitido o despacho do Chefe do Executivo da RAEM de 25 de Julho de 2016, exarado sobre a Informação nº. 189/ET/GIT/2016 do GIT, de 18 de Julho de 2016, pelo qual a Entidade Requerida ordenou a adjudicação do Contrato à empresa CECC, conforme indicado pela Carta nº GIT-O-16-01860, de 16 de Agosto de 2013.
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IV – O Direito
1 – Da natureza do acto
É sabido que só é suspensível a eficácia de actos de conteúdo positivo ou, quando de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva. É o que, efectivamente, dispõe o art. 120º do CPAC (ver tb. Ac. do TUI, de 7/12/2005, Proc. nº 29/2005).
Ora, como o relator do presente aresto teve oportunidade de dizer em tempos idos: “Um acto de conteúdo negativo propriamente dito é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. O indeferimento de uma pretensão constitutiva, por exemplo, cabe perfeitamente na figura: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente tal como se encontrava antes: nada “adquire”, nem “perde”. Logo, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos seus efeitos, uma vez que para si tudo permanece como dantes (sobre o acto negativo e sua implicação no quadro do meio provisório da suspensão de eficácia, v. CLAUDIO RAMOS MONTEIRO, in Suspensão de eficácia de actos administrativos de conteúdo negativo, pag. 125 e sgs.).
A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio), não só porque isso poderia ser entendido como uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, mas também porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que do art. 76º, nº1, al.a), da LPTA emana(Acs. do STA de: 9/02/2002, Rec. nº 048277; 24/04/2002, Rec. nº 0330/2002; 2/07/2002, Rec. nº 0736/2002; 9/07/2002, Rec. nº 01101/02).
No entanto, desde há algum tempo a esta parte, deu-se início a uma nova ponderação das situações em que o acto só aparentemente é negativo ou quando é acto negativo com efeitos positivos.
Trata-se de uma categoria de actos em que há, efectivamente, uma utilidade na suspensão, na medida em que deles advêm efeitos secundários positivos. São, basicamente, actos de que resulta o indeferimento da “manutenção” de uma situação jurídica anterior: os que denegam a renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, ferem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior. Nessas hipóteses, os actos “alteram” realmente a situação jurídica ou de facto do requerente (sobre o assunto, v.g. MARIA FERNANDA MAÇÃS, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº2, 13 e 16; JOSÉ CARLOS VIEIRA de ANDRADE, in A Justiça Administrativa, pag. 143; M. ESTEVES DE LIVEIRA e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717;F. AMARAL, in Lições, IV, pag. 318; Tb. o Ac. do STA de 30/10/97, Proc. Nº 42.790; STA, de 28/10/99, Rec. nº 45403; STA de 9/05/2002, Rec. nº 6197).
E diz-se ainda que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir provisória ou condicionalmente obtendo algum ganho até ser decidida em definitivo a questão no recurso contencioso, a suspensão será de conceder, mesmo que o acto seja negativo (seria o caso de rejeição ou recusa de admissão a concursos e exames ou à frequência do estudante a algum curso)” (Ac. STA, de 19/02/2003, Proc. nº 289/03-11; tb. Ac. TCA/Sul, de 28/02/2002, Proc. nº 11067/02/A)
Este mesmo TSI teve, aliás, já oportunidade de discorrer sobre o tema, dizendo:
“É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que é acto misto do ponto de vista dos efeitos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo para efeitos da suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.
E, a talhe de foice, até nem nos podemos esquecer que nos concursos de adjudicação casos haverá em que é permitida a suspensão de eficácia (medidas provisórias) dos actos finais de adjudicação e até mesmo dos contratos. Acontece, por exemplo, em Portugal3 e, de um modo geral, é o que também se verifica nos países da comunidade europeia que, a partir de certa altura, tiveram que absorver determinadas directivas europeias para com elas conformarem o seu ordenamento jurídico interno. Mas isso deve-se, nestes casos, a um universo normativo positivado, a um conjunto de regras e preceitos que existem nos textos legais (de iure constituto) e que impõem ou permitem uma actuação processual nesse sentido. Como essa não é a situação da RAEM, onde não existem normas idênticas (ver, DL n. 74/99/M, de 8/11), esqueçamos esse caminho e sigamos pela linha tradicional da doutrina e da jurisprudência conhecidas sobre a matéria, que outra não há (e em que só poderemos falar em de iure constituendo).
Aliás, e só mesmo para terminar este ponto, não podemos desconsiderar o fenómeno com o argumento de que o acto negativo tem uma natureza doutrinal. Concordamos que a sua génese é doutrinal e que foi tendo uma aplicação jurisprudencial praticamente constante e uniforme nas diversas instâncias. Todavia, em Macau, a teoria do acto negativo foi recebida na lei (art. 120º, al. b), do CPAC) e passou, a partir de então, a ser um instituto legal de evidentes reflexos ao nível adjectivo/processual e com o qual o aplicador da lei tem que confrontar-se. Ora, o preceito em causa não distingue entre classes de actos administrativos do ponto de vista da substância que encerram ou que visam regular. Todos lá cabem, portanto. E se falamos de actos finais de procedimentos concursais, na norma devem incluir-se não somente os concursos de provimento de pessoal, como os adjudicatórios.
De resto, a suspensão tem sempre associados, como é sabido, dois objectivos: a utilidade e a urgência dos interesses. É por isso que a suspensão decretada traz ao interessado requerente desde logo um ganho que é imediato: o aluno entra no curso, o concorrente vai poder participar no concurso, o requerente mantém a licença de exploração do bar, etc, etc. Portanto, facilmente se reconhece a utilidade e a sua imediaticidade. É esse aliás o sentido primordial da providência: acautelar a ocorrência de uma situação danosa, neutralizando-a ou prevenindo-a de pronto. Por isso, a providência é um processo urgente de modo a satisfazer sem demora os interesses feridos ou ameaçados.” (Ac. TSI, de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A).
Ora, mesmo que a eficácia do acto de adjudicação à contra-interessada contestante da empreitada acima aludida viesse a ser suspensa em nada a esfera da requerente sairia beneficiada. Com efeito, com a suspensão, a requerente não ficaria minimamente favorecida, nem em diferente, muito menos em melhor, posição do que aquela em que se encontra actualmente. Assim como o acto suspendendo não exerce nenhuma influência no status e na sua esfera jurídica, também a eventual concessão da providência nenhum quid novo traria à sua posição jurídica, por não a colocar em melhor posição para obter ganho no recurso contencioso e com isso vir a ser adjudicatária no concurso, nem lhe eliminar danos reais e imediatos (neste sentido, ver, por exemplo, além do citado aresto proferido no Proc. nº 41/2011/A, também os acórdãos deste TSI de 24/02/2011, Proc. n. 99/2011 e de 19/12/2013, Proc. nº 371/2013).
Assim sendo, somos a considerar puramente negativo o acto em apreço, o que gera a improcedência da providência.
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De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre à mesma conclusão (improcedência) se haveria de chegar pela razão que se segue.
Como se sabe, tem sido entendido que os requisitos da providência previstos no art. 121º do CPAC são de verificação necessariamente cumulativa1, pelo que a falta de um deles importará o indeferimento da pretensão.
Trata-se de uma regra que apenas cederá, por excepção, nos casos em que em concreto concorra alguma das excepções previstas nos nºs 2 a 4 do art. 121º do CPAC.
Ora, na situação dos autos, porém, não estamos seguramente perante a situação do nº 2, nem do nº3.
Mesmo sem entrarmos na análise dos restantes, bastar-nos-ia considerar o da alínea b), do nº1, do artigo citado. Na verdade, repare-se que a suspensão provisória (art. 126º do CPAC) já não foi observada pela Administração pelo facto de se tornar indispensável dar início à execução, sob pena de grave prejuízo ao interesse público envolvido, numa solução que este mesmo tribunal, após a necessária análise, sancionou a fls. 156-162. E não vemos razão para alterar a posição que ali tivemos oportunidade de manifestar. Portanto, se as razões ali vertidas para dar sustento ao início da execução do acto são idênticas às que ora se invocam para efeitos da decisão da própria providência, claudica desde logo a pretensão, por falta do fundamento referido.
De resto, também não vemos como o requisito da alínea a), do art. 121º aqui se possa dar por produzido.
É que se a suspensão do acto nenhuma vantagem imediata traria à esfera da requerente, também não vemos em que medida a improcedência do pedido lhe pode causar previsivelmente prejuízos de difícil reparação. Quais? Que perde ela efectivamente com a improcedência, se ficará exactamente na mesma situação em que antes se encontrava (eis-nos regressados ao fenómeno do acto negativo)? Realmente, da improcedência não emerge nenhum imediato efeito ablativo de um “status”, tal como da mesma maneira não podemos concordar que haja sequer uma ferida nas expectativas mais profundas de uma vitória no recurso contencioso. Não esqueçamos que a vantagem tem que ser imediata e não futura e eventual, e é esta incerteza que a requerente afinal de contas invoca na sua fundamentação. Devemos, aliás, salientar que um recurso vitorioso, na medida em que conduza à anulação do acto de adjudicação, pode porventura levar a colocar a requerente na posição do inicial adjudicatário, o que satisfará a sua pretensão, ou, se tal não for possível por qualquer motivo, conferir-lhe-á direito a reparação pecuniária na medida da lesão sofrida, o que também contribuirá para satisfazer o seu direito ofendido.
Eis, portanto, por que a providência não pode proceder.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Declarar parte ilegítimas as contra-interessadas “D, limitada”, “E, limitada”, “F, Limitada” e “G, limitada”, indo, em consequência, absolvidas da instância.
b) Rejeitar a providência de suspensão de eficácia.

Custas pela requerente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 03 de Novembro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Subscrevo o presente Acórdão sem prejuízo da minha posição já tomada, na declaração de voto de vencido que juntei nomeadamente aos Acórdãos tirados nos Processos nºs 815/2011 e 619/2012/A, em 22MAR2012 e 19JUL2012 respectivamente, em relação aos actos chamados negativos sem/com vertente positiva.
Lai Kin Hong
Fui Presente
Joaquim Teixeira de Sousa




1 Neste sentido, entre outros, Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. nº 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. nº 2/2009, TSI de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A.
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