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Processo n.º 72/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretária para a Administração e Justiça.
Recorrida: A.
Assunto: Omissão na sentença dos fundamentos da contestação e das alegações da entidade recorrida no recurso contencioso. Omissão na sentença do recurso contencioso de um facto alegado, relevante e documentalmente provado. Residência permanente. Adopção por portugueses residentes de Macau. Lei Básica.
Data da Sessão: 12 de Janeiro de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Não constitui nulidade da sentença a omissão dos fundamentos da contestação e das alegações da entidade recorrida no recurso contencioso, mas mera irregularidade não sancionada.
II – A omissão nos fundamentos da sentença do recurso contencioso de um facto alegado e relevante não configura nulidade por omissão de pronúncia, mas poderá antes constituir insuficiência da matéria de facto se o tribunal de recurso entender que impossibilita a decisão de direito, levando a que se determine a ampliação da matéria de facto pelo tribunal inferior. Se o facto estiver documentalmente provado, ou por outro meio de prova plena, o tribunal de recurso limitar-se-á a dá-lo como provado.
III – Um menor, adoptado por sentença de tribunal de Macau, por portugueses residentes permanentes de Macau, que adquiriu a nacionalidade portuguesa pela adopção, não tem direito à residência permanente pelo facto da adopção, antes de terem decorrido sete anos consecutivos de residência habitual na Região, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe não tinham direito de residência em Macau.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Janeiro de 2015, da Secretária para a Administração e Justiça, que indeferiu recurso hierárquico da decisão da Direcção dos Serviços de Identificação, que, por sua vez, indeferira a atribuição do bilhete de identidade de residente permanente ao seu filho adoptivo.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 12 de Maio de 2016, deu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido.
Inconformada, interpõe a Secretária para a Administração e Justiça recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando, de útil, que:
- O acórdão recorrido é nulo por não constar do relatório os fundamentos da contestação e das alegações da entidade recorrida do recurso contencioso, nos termos do artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
- O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, porque omite que está, ainda, documentalmente provado nos autos que ao filho adoptivo da recorrente (que interpôs o recurso contencioso) foram autorizadas a residência em Macau e a emissão de bilhete de identidade de residente não permanente;
- À data do nascimento do menor nenhum dos pais biológicos era residente permanente de Macau;
- A adopção foi rejeitada para efeitos da aquisição directa da residência permanente, já que os filhos biológicos não foram equiparados aos filhos adoptivos pela Lei Básica;
- A situação de filho adoptivo apenas se adquire com o trânsito em julgado da sentença que decreta a adopção, pelo que os pais do adoptado à data do seu nascimento eram os seus pais biológicos, que não eram residentes permanentes de Macau
- Não releva a invocação pelo acórdão recorrido da alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º da Convenção Relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, porque o caso em apreço deriva da adopção por sentença de um tribunal local;
- Ainda que assim não fosse, se como o acórdão recorrido entende, tal norma prevalece sobre as fontes internas, já o mesmo não acontece relativamente à Lei Básica, que é hierarquicamente superior às normas de convenções internacionais aplicáveis em Macau.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso no tocante ao mérito da causa, mas não quanto às questões de nulidade do acórdão recorrido.

II – Os factos
A) O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- A Recorrente e o seu marido, B, residentes permanentes da RAEM, são pais do menor C.
- A filiação foi estabelecida através da adopção decretada por sentença do Tribunal Judicial de Base, de 14/07/2014, proferida no Proc. nº FM1-14-0064-MPS, com trânsito em julgado no dia 28/07/2014.
- O identificado menor nasceu em Macau em 25/01/2011.
- Em 07/08/2014, a Recorrente requereu à DSI a emissão do bilhete de identidade de Residente Permanente a favor do seu filho adoptivo, o que foi indeferida.
- Inconformada com a decisão do indeferimento, recorreu hierarquicamente para a Senhora Secretária para a Administração e a Justiça.
- Por despacho da Senhora Secretária para a Administração e a Justiça, de 14/01/2015, foi indeferido o recurso hierárquico necessário.
B) Está, ainda, documentalmente provado nos autos:
1 - Que ao filho adoptivo da recorrente (que interpôs o recurso contencioso), o mencionado menor C, foram autorizadas a residência em Macau e a emissão de bilhete de identidade de residente não permanente.
2 – O Parecer n.º XX/GAD/2014, em que se fundamentou o acto recorrido, e que é do seguinte teor:
“Assunto: Recurso – Pedido de emissão do BIRP de C
Parecer n.º XX/GAD/2014
Data: 20/11/2014

Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça
Em referência ao recurso interposto pelo advogado constituído pelos pais do menor C (adiante designado por interessado), contra a decisão desta Direcção de Serviços, que recusou emitir ao interessado o Bilhete de Identidade de Residente (BIR), cumpre-me prestar o seguinte parecer, nos termos do artigo 159.° do Código do Procedimento Administrativo:
I. APRESENTAÇÃO DE FACTOS
1. O interessado, C, é natural de Macau, nascido em 25.01.2011, titular da Certidão de Narrativa de Nascimento (registo n.º XXXX/2011/RC, da qual consta que o interessado é filho de B (titular do BI de Residente Não Permanente n.º XXXXXXX(X)) e de A (titular do BI de Residente Permanente n.º XXXXXXX(X)).
2. Em 06.08.2014 (os pais do interessado vieram requerer perante esta Direcção de Serviços a emissão de BI de Residente Permanente a favor do interessado, apresentando a Certidão de Narrativa de Nascimento acima referida.
3. Tendo em atenção que o interessado nasceu em Macau e já fez 3 anos, filho de pais residentes em Macau, segundo as experiências anteriormente acumuladas, esta situação acontece normalmente em casos de adopção. Não havendo referência ao processo de adopção na Certidão de Narrativa de Nascimento, esta Direcção de Serviços tentou saber o facto pelos pais do interessado e confirmou-se que o interessado é filho adoptado.
4. A relação de filiação entre C e A (adiante designado por adoptante) foi estabelecida por meio de adopção, por isso, o interessado não apresenta condições para formular o pedido de emissão do BI de Residente Permanente.
5. Em 07.08.2014, a adoptante manifestou, por escrito, que o interessado adquiriu a situação do seu filho pela adopção e que deve ter o estatuto de residente permanente de Macau, e para servir da prova de adopção, apresentou a sentença do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, de 14.07.2014.
6. A sentença mostra que D é mãe biológica e desconhece qualquer informação a respeito do pai biológico do interessado. Dos registos existentes na DSI, nada consta a respeito do registo de identificação da Sra. D, ou seja, ela não é residente de Macau.
7. Nos termos da lei, o interessado não tem estatuto de residente de Macau porque à data do seu nascimento a mãe natural não era residente de Macau, pelo que em 20.08.2014, a adoptante foi notificada (ofício da DSI n.º XXX/GAD/2014) de que ao interessado não será emitido o BIR da RAEM e da realização de audiência escrita. E no dia seguinte, a adoptante deslocou-se à DSI para levantamento do referido ofício.
8. Nas alegações escritas apresentadas pelo advogado da adoptante em 02.09.2014, afirmou que a relação de filiação entre o interessado e os adoptantes foi estabelecida por efeito de adopção, decretada por sentença judicial transitada em julgado, extinguindo-se a relação de filiação entre o adoptado e os seus pais biológicos. E solicitou ainda que deve ser emitido o BI de Residente Permanente ao interessado pelas seguintes razões:
- Face ao princípio de igualdade, os filhos adoptados devem ter os mesmos direitos e deveres dos filhos biológicos;
- Em cumprimento do estipulado na Convenção dos Direitos da Criança, deve-se garantir que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou de sanção decorrentes da situação jurídica de seus pais.
- A Lei Básica da RAEM, no seu artigo 24.°, parágrafo segundo alínea 6), não distingue entre filho natural e filho adoptado quanto à aquisição do estatuto de residente permanente de Macau.
9. Das alegações do advogado, ainda não tem provado que o interessado reúne as condições para aquisição do BI de Residente Permanente de Macau, pelo que por decisão da DSI, de 08.10.2014, foi indeferido o requerimento, desta decisão foi notificado o advogado por meio de ofício n.º XXX/GAD/2014, cuja entrega foi feita na DSI um dia após a data da decisão.
II. ANÁLISE JURÍDICA
1. A Lei Básica da RAEM, no seu artigo 24.°, define que:
"Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.” (O sublinhado é nosso)
2. Para efeitos da aplicação do disposto no parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM, a Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional emitiu o seguinte parecer:
"2. Os cidadãos chineses ou portugueses, nascidos em Macau, respectivamente referidos nas alíneas 1) e 3) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, se os pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, residiam legalmente em Macau, salvo aqueles que tenham preenchido um dos requisitos referidos no ponto n.º 1 do presente parecer.
3. Os filhos dos residentes permanentes, de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, referidos nas alíneas 1) e 2) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são aqueles cujos pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, tenham adquirido a qualidade de residente permanente definida na Lei Básica, sujeitando-se ainda aqueles ao cumprimento das respectivas formalidades nos termos da lei quando pretenderem fixar residência na Região Administrativa Especial de Macau.
4. ...
5. Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 6) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, em que à data do nascimento, os pais ou, só um deles satisfaziam o disposto na Lei Básica sobre residência permanente, podem ser admitidos como residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, depois de completarem 18 anos de idade, desde que reúnam os requisitos definidos na alínea 5) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica. " (o sublinhado é nosso)
3. A Lei n.º 8/1999 da RAEM (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), aprovada em 20 de Dezembro de 1999 e iniciada a sua vigência nesta mesma data, foi estabelecida em conformidade com o parecer supracitado e é a continuação da lei referida no número anterior. O Parecer n.º 3 da 2.a Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da "Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau" (n.º 4, ponto iv.) tinha esclarecido claramente que: "de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica e com o parecer da Comissão Preparatória sobre esse artigo, no que respeita a atribuição do estatuto de residente permanente aos filhos de residentes permanentes, os termos utilizados são «nascidos em Macau» e «nascidos fora de Macau». A intenção legislativa é muito clara: só os filhos naturais de residente permanente podem adquirir o estatuto de residente permanente, se o pai ou a mãe, à data de nascimento, já tinha adquirido esse estatuto, não abrangendo aqueles que, por meio de adopção, adquirirem uma relação de filiação, nos termos da lei."(o sublinhado é nosso).
4. A Lei n.o 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), no seu artigo 1.º, prevê o seguinte:
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9). (o sublinhado é nosso)
5. O advogado do interessado considera que é também aplicável aos filhos adoptados o artigo 24.° da Lei Básica da RAEM e o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, todavia, está determinado no artigo 8.° do Código Civil que:
"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. "
6. Do referido artigo do Código Civil resulta que a interpretação da lei deve ser feita com o sentido correspondente à letra da lei e o intérprete deve presumir que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados. No respeito a diferentes opiniões de outros académicos, esta Direcção de Serviços entende que é muito clara a letra do artigo 24.° da Lei Básica e do artigo 1.º da Lei. n.º 8/1999, sem qualquer obscuridade. O legislador usou as expressões "nascidos em Macau" e "nascidos fora de Macau" para realçar o momento de nascimento do indivíduo, o que nos permite perceber que se pretende expressar a filiação natural.
7. Se interpretasse extensivamente as expressões "nascidos em Macau" e "nascidos fora de Macau" para "adoptados em Macau" , o tempo "à data de nascimento" seria extensiva a "depois do nascimento", o que não corresponde à ideia original do legislador e à letra da lei, nem às regras para a interpretação da lei consagradas no artigo 8.º do Código Civil.
8. Mesmo que se torna a fazer o exame profundo do pensamento legislativo da Lei n.º 8/1999, tal como acima referido, o Parecer n.o 3 elaborada pela 2.a Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da "Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau" já ofereceu uma resposta clara à questão em causa; além disso, a Extracção Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa esclareceu de forma clara que "Em relação ao artigo sexto a Comissão na apreciação que fez da matéria, achou que na definição de filiação não deveriam ser incluídos os casos de adopção, por considerar que o Código Civil de Macau já trata dessas situações. Assim, sugere a eliminação da alínea três do número um e o número dois do artigo sexto."
9. Tendo o advogado do interessado sublinhado que o parecer da Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa não tem natureza vinculativa, importa referir que à luz das regras para a interpretação da lei, na aplicação da lei, os operadores de direito devem, em primeiro lugar, chegar ao sentido do articulado directamente pela letra da lei, e na dúvida sobre o real sentido, então há que ir ao encontro dos pareceres e do conteúdo do debate da Assembleia Legislativa para conhecer melhor o contexto legislativo e factor histórico na elaboração da lei, examinando a ideia original do legislador.
10. A "naturalidade" e a "ascendência" são princípios adoptados pelo artigo 24º da Lei Básica e pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 para a determinação da qualidade de residente permanente de Macau, é de referir que os filhos adquirem a qualidade de residente de origem mediante a identidade dos pais biológicos, e este é o critério aplicado a nível internacional, o mesmo aplica-se aos filhos adoptados, cuja qualidade de residente de origem também se adquire em conformidade com a identidade dos pais biológicos, sendo, por isso, que na verificação de quem tem ou não estatuto de residente permanente de Macau, o legislador só vai ponderar as condições do indivíduo em causa e dos seus filhos biológicos nascidos depois de o pai ou a mãe ter adquirido o estatuto de residente permanente de Macau, não sendo de considerar as circunstâncias em relação a filhos adoptados.
11. Relativamente à aplicação ou não da Lei Básica da RAEM e da Lei n.º 8/1999 aos filhos adoptados, com a letra da lei, o parecer e a extracção parcial acima aludidos, compreende-se que o pensamento legislativo do legislador fosse de não se aplicar aos filhos adoptados.
12. Embora a lei confira aos filhos adoptados e biológicos o mesmo estatuto, mas este estatuto se refere apenas a filiação, ou seja, a obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos e o exercício do poder paternal. O facto de não atribuir ao adoptado o estatuto de residente permanente de Macau nos termos do diploma legal do local de residência do adoptante em nada afecta a eficácia da filiação, afasta-se, portanto, a existência da violação do disposto no Código Civil ou do consagrado na Convenção dos Direitos da Criança.
13. A letra do preceituado no artigo 24.° da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 é muito clara, a letra e o sentido da lei expressaram de forma clara e correcta a ideia original do legislador. Ademais, a 2.a Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa esclareceu expressamente no seu Parecer n.º 3 que a Lei n.º 8/1999 só abrange os filhos naturais e não comporta o sentido que engloba também os adoptados.
14. No caso vertente, não sendo a mãe natural residente de Macau, à data de nascimento do interessado e desconhecendo qualquer informação a respeito do pai natural do mesmo, este não tem estatuto de residente permanente de Macau por não reunir o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, sendo, por isso, que não lhe foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Permanente nos termos da lei.
15. É de acrescentar que, desde sempre, se o adoptante pretender que o seu filho adoptado residir em Macau, o adoptante terá de requerer perante o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública a autorização de residência, após autorizada a residência pode requerer perante esta Direcção de Serviços o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente.
III. PROPOSTA
Face ao acima exposto, tendo em consideração que o artigo 24.° da Lei Básica da RAEM e a Lei n.º 8/1999 não são aplicáveis aos filhos adoptados e que os pais naturais do interessado não são residentes de Macau à data do seu nascimento, não se pode atribuir-lhe a qualidade de residente permanente de Macau sem ter demonstrado o preenchimento do previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, pelo que vem, mui respeitosamente, propor a V. Ex.a que seja mantida a decisão da DSI que indeferiu a emissão do BIR da RAEM a favor do interessado.
Face ao recurso em causa, enviamos em anexo a cópia do processo do interessado existente na DSI, nos termos do artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo”.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Importa apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Omissão de relatório de sentença
Alega a ora recorrente que o acórdão recorrido é nulo por não constar do relatório os fundamentos da contestação e das alegações da entidade recorrida no recurso contencioso, nos termos do artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Mas não é assim. Como escrevem VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS 1“Não contém o CPAC previsão normativa expressa relativa às causas de nulidade da sentença, pelo que será de aplicar o regime que resulta do artigo 571.º do CPC e assim, será nula a sentença (i) quando não contenha a assinatura do juiz; (ii) quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (iii) quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; (iv) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Ora, imperfeições do relatório da sentença, ou seja da parte desta em que se descreve o desenrolar da causa, mas que não constitui fundamento da decisão, não constituem nunca nulidades da sentença, nos termos do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
São meras irregularidades menores, sem consequências no exame ou na decisão da causa. Uma coisa é não constar do relatório da sentença o que uma das partes veio dizer ao processo. Outra, bem diferente, seria o juiz não ter lido o que foi alegado.
Improcede a questão suscitada.

3. Omissão consistente em não se dar como provado um facto alegado e relevante
Alega a ora recorrente que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, porque omite que está, ainda, documentalmente provado nos autos que ao filho adoptivo da recorrente (que interpôs o recurso contencioso) foram autorizadas a residência em Macau e a emissão de bilhete de identidade de residente não permanente.
A omissão mencionada não configura a nulidade invocada. Tal omissão poderá constituir insuficiência da matéria de facto se o tribunal de recurso entender que impossibilita a decisão de direito, levando a que se determine a ampliação da matéria de facto pelo tribunal inferior2. Trata-se de institutos com regimes distintos. A nulidade por omissão de pronúncia não é de conhecimento oficioso (n. os 2 e 3 do artigo 571.º do Código de Processo Civil). A anulação para ampliação da matéria de facto pode ser determinada oficiosamente (n.º 1 do artigo 650.º do Código de Processo Civil). A nulidade por omissão de pronúncia não é sanável pelo TUI, que actua por cassação (n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil). A anulação para ampliação da matéria de facto só tem lugar se o facto em falta não for passível de ser considerado provado por meio de prova plena, por exemplo, documentalmente.
No caso dos autos não há necessidade de ampliação dado que o facto está documentalmente provado e, como tal, foi considerado no acervo dos factos considerados provados pelo presente acórdão.

4. Direito à residência permanente na RAEM de menor natural de Macau, filho de portugueses, cujos pais, à data do nascimento, não tinham direito de residência em Macau
Está em causa saber se o filho adoptivo da cidadã portuguesa - e de seu marido, também cidadão português - que interpôs o recurso contencioso, tem direito à residência permanente na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) só por ser filho adoptivo de pessoas com direito à residência permanente3.
Note-se que ao menor, que terá nacionalidade portuguesa por força da adopção (correspondente à adopção plena portuguesa), nos termos do artigo 5.º da respectiva Lei da Nacionalidade, já foi concedida a residência em Macau, pelo que se residir habitualmente em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos, adquirirá o estatuto de residente permanente, de acordo com a alínea 4) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM.
A matéria de facto relevante resume-se assim:
O menor em causa nasceu em 2011, em Macau, filho biológico de cidadã estrangeira, não portuguesa, sem direito de residência em Macau e de pai desconhecido.
O menor foi adoptado pela cidadã portuguesa, que interpôs o recurso contencioso, e pelo seu marido, também de nacionalidade portuguesa, ambos não nascidos em Macau, mas residentes permanentes da RAEM4, adopção decretada em 2014 por tribunal da RAEM. O menor terá nacionalidade portuguesa por força da adopção, semelhante à adopção plena portuguesa.
A entidade recorrida negou a pretensão dos pais adoptivos [de atribuição da residência permanente com fundamento na alínea 6) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica] com o argumento de que face à Lei Básica e à Lei n.º 8/1999 os pais naturais do menor não eram residentes de Macau à data do seu nascimento.
Vejamos as disposições legais pertinentes. São elas o artigo 24.º da Lei Básica e o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
Artigo 24.º da Lei Básica:
“Artigo 24.º
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência”.
Artigo 1.º da Lei n.º 8/1999:
“Artigo 1.º
Residentes permanentes
1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau”.

O presente caso tem uma peculiaridade, que é a de a pretensão dos pais adoptivos se ter fundamentado na alínea 6) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica, que se refere a filhos de estrangeiros não portugueses, quando os pais adoptivos têm a nacionalidade portuguesa. E na mesma norma se baseou o acórdão recorrido para anular o acto recorrido.
Os interessados fundamentaram-se em tal norma, certamente, porque consideram que ela lhes daria mais direitos que se se baseassem na norma que se refere aos pais portugueses. A fazermos uma interpretação literal da norma pareceria ser assim. Mas não é, face à interpretação lógica e racional do artigo 24.º da Lei Básica.
É sabido que o artigo 24.º da Lei Básica atribui direitos de residência com base em vários factores atributivos: a nacionalidade dos interessados (chinesa, portuguesa e todas as outras), o local de nascimento dos interessados, a residência habitual em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos, a filiação dos interessados.
No que concerne à nacionalidade, o artigo 24.º da Lei Básica concede mais vastos direitos de residência permanente aos cidadãos chineses, num segundo patamar aos cidadãos de nacionalidade portuguesa e num terceiro nível aos cidadãos de outras nacionalidades. Isso decorre da interpretação conjugada das várias alíneas do parágrafo 2.º deste artigo 24.º, segundo opinião geral e comum pacífica. Não carece de demonstração.
Pelo que toca aos filhos de residentes permanentes, pelas mesmas razões, o mesmo artigo 24.º da Lei Básica também concede mais direitos de residência permanente aos filhos de cidadãos chineses, a seguir aos filhos de cidadãos portugueses e por fim aos filhos de cidadãos de outras nacionalidades.
Se interpretássemos literalmente (como faz a interessada e o acórdão recorrido) a alínea 6) do parágrafo 2.º do artigo 24.º da Lei Básica, teríamos que bastaria um filho, de idade inferior a 18 anos, de residente permanente (este não chinês nem português) ter nascido em Macau para ter direito à residência permanente, mesmo que à data do nascimento os seus pais não fossem residentes permanentes.
Ora tal interpretação seria absurda dado que, de acordo com o artigo 24.º em análise, os filhos nascidos em Macau dos residentes permanentes chineses (não nascidos em Macau) e portugueses (mesmo que nascidos em Macau), não têm direito à residência permanente, se à data do nascimento os seus pais não tivessem direito de residência em Macau.
Na verdade, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica, um chinês, nascido em Macau, filho de residentes permanentes chineses, não nascidos em Macau, não tem direito à residência permanente se, à data do seu nascimento, o pai e a mãe não tinham adquirido o direito de residência em Macau.
Também, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica, um português, nascido em Macau, de ascendência chinesa e portuguesa, filho de residentes permanentes, não tem direito à residência permanente se, à data do seu nascimento, o pai e a mãe não tinham adquirido o direito de residência em Macau.
Semelhantemente, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica, um português, nascido em Macau, sem ascendência chinesa e portuguesa, filho de residentes permanentes, não tem direito à residência permanente se, à data do seu nascimento, o pai e a mãe não tinham adquirido o direito de residência em Macau.
Assim, a tese do acórdão recorrido de que, de acordo com o artigo 24.º da Lei Básica, um menor, nascido em Macau, com nacionalidade estrangeira não portuguesa, filho de residentes permanentes estrangeiros não portugueses, tem direito à residência permanente, mesmo que o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, não tinham adquirido o direito de residência em Macau, é patentemente incorrecta.
Por isso mesmo, a correcta interpretação do artigo 24.º da Lei Básica é a feita pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Face a este preceito [concretamente a alínea 10) do n.º 1] os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9) - isto é, daqueles residentes sem nacionalidade chinesa ou portuguesa e sem ascendência chinesa e portuguesa - nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, têm direito à residência permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9), isto é, já tinham os requisitos para serem residentes permanentes.
Os pais adoptivos do menor não integram a categoria das pessoas mencionadas na alínea 9) porque são portugueses. E a mãe biológica também não a integra porque não era residente de Macau.
Por outro lado, as normas aplicáveis aos cidadãos portugueses são as das alíneas 7) e 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Têm direito à residência permanente:
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente.
Ora, mesmo que se aplicasse a alínea 10) ao caso dos autos, à data do seu nascimento, a mãe biológica do menor dos autos não satisfazia os critérios previstos na alínea 9), isto é, não era residente permanente e o seu pai biológico é desconhecido. É que, para efeitos desta norma o que releva é a filiação biológica, porque é essa que existe “à data do seu (do menor) nascimento”. A filiação adoptiva não existe no momento do nascimento.
É que os cidadãos portugueses, que adoptaram o menor, só são legalmente seus pais a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou a adopção. À data do nascimento do menor os seus pais eram os seus pais biológicos.
Nenhuma norma do Ordenamento Jurídico de Macau permite fazer retroagir os efeitos da adopção ao momento do nascimento, sendo que a adopção dos autos teve lugar mais de três anos depois do nascimento.
Por outro lado, sendo o menor português, nascido em Macau, tendo aqui o seu domicílio permanente, só teria direito à residência permanente, nos termos da alínea 7) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residissem legalmente ou tivessem adquirido o direito de residência em Macau, sendo que, nos termos da alínea 5) do n.º 2 do artigo 4.º da mesma Lei n.º 8/1999, considera-se que um indivíduo não reside em Macau se permanece em Macau, por exemplo, na qualidade de trabalhador não residente ou de turista ou está em Macau ilegalmente. Ou seja, também de acordo com a alínea 7) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, o menor não tem direito à residência permanente.
É, portanto, completamente irrelevante discutir a equiparação ou não do estatuto de filho adoptivo ao filho biológico na Lei Básica porque não é isso que está em causa de acordo com as normas pertinentes, sendo que se trata de acto administrativo vinculado, isto é, em que a Administração não tem margem de livre apreciação.
Merece, portanto, provimento o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional, revogam o acórdão recorrido e negam provimento ao recurso contencioso.
Custas pela recorrida, com taxa de justiça fixada em 6 UC em ambas as instâncias.
Macau, 12 de Janeiro de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

     1 VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2015, p. 245.
     2 Neste sentido, J. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, reimpressão de 1981, Volume VI, p. 83.
     3 No acórdão recorrido deu-se como provado que o pai adoptivo do menor é residente permanente, conquanto no processo administrativo conste fotocópia de bilhete de residente não permanente do mencionado cidadão, com data de 18 de Novembro de 2014. A dilucidação da questão não é relevante.
     4 Ver nota anterior.
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Processo n.º 72/2016