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Processo n.º 86/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Interesse de terceiro.
Data da Sessão: 7 de Fevereiro de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
O requerente da suspensão da eficácia de acto administrativo não pode vir a defender os interesses de um terceiro, atento o disposto no artigo 33.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), pelo que tais prejuízos não relevam como integradores do requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do mesmo Código.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Abril de 2016, que declarou a caducidade parcial do contrato de concessão por arrendamento de um terreno, sito na Ilha da Taipa entre a subestação da CEM e o Aterro de Pac On, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX.
Por acórdão de 10 de Novembro de 2016, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, por entender que não se verificava o requisito de que a execução do acto causasse previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente, dado que este apenas se referiu a interesses de terceiros na manutenção da concessão, com quem celebrou contratos-promessa de compra e venda de 14 moradias.
Inconformado, interpõe o requerente A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo ter alegado prejuízos próprios no requerimento inicial, derivados da desocupação do terreno e da demolição das estruturas implantadas no terreno, bem como os resultantes do incumprimento da execução de obrigações com que se comprometeu, como piscina, campo de ténis e instalações de apoio, sendo previsível que os promitentes-compradores venham a reclamar indemnização ao ora recorrente.
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
1. Através do ofício XXX/DAT/2016, o Requerente foi notificado do Despacho do Chefe do Executivo 26/04/2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno correspondente às parcelas demarcadas e assinaladas com as letras B, C, D1, D2, e E na planta cadastral n.º 29/1989, com a área de, respectivamente, 2,869m2, 3,304m2, 152m2, 1,233m2 e 32m2, que faz parte integrante do Lote PO2, e do qual deve ser desanexado, descrito na CRP sob o n.º XXXXX a fls. XXXv do Livro X-XX, situado na ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o aterro do Pac On, de que A é titular, pelo decurso do prazo de validade, a que se refere o Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 15/02/2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em 14/07/2016 o Requerente impugnou o despacho do Chefe do Executivo.
3. Na parcela E foi construído um posto de transformação eléctrica para fornecimento de electricidade aos residentes da vila da Taipa, onde se incluem as 14 moradias unifamiliares edificadas no terreno concessionado.
4. De acordo com os projectos aprovados, este posto de transformação era provisório, devendo ser substituído por um posto de transformação definitivo concluída a construção das restantes moradias, dos equipamentos sociais de apoio aos moradores (piscina, campo de ténis e instalações de apoio) e da ligação final de todas estas infra-estruturas à rede geral de energia e iluminação pública.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que não se verificava o requisito segundo o qual a execução do acto causaria ao requerente previsivelmente prejuízo de difícil reparação, pelo que indeferiu o requerido, visto este se ter limitado a mencionar os interesses dos promitentes-compradores de 14 moradias, com quem o recorrente se comprometeu a construir no terreno. Há que apreciar esta questão.

2. Prejuízos de difícil reparação
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia dos actos administrativos que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso [artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CPAC].
O acórdão recorrido considerou que não se verificava tal requisito, visto o requerente se ter limitado a alegar os interesses dos promitentes-compradores de 14 moradias, que o recorrente prometeu construir no terreno e vender.
Atente-se que com a declaração apenas parcial da caducidade do terreno não estão em causa as moradias, mas apenas terrenos onde se iriam construir outras estruturas de apoio.
Contrapõe, agora, o recorrente que não foram apenas esses os interesses invocados, visto que defende ter alegado prejuízos próprios no requerimento inicial, derivados da desocupação do terreno e da demolição das estruturas implantadas no terreno, bem como os resultantes do incumprimento da execução de obrigações com que se comprometeu, como piscina, campo de ténis e instalações de apoio, sendo previsível que os promitentes-compradores venham a reclamar indemnização ao ora recorrente.
Adiante-se, que o recorrente não tem razão.
O acórdão recorrido ajuizou bem ao dizer que o requerente apenas invocou interesses de terceiros, dos promitentes-compradores das 14 moradias implantadas no terreno.
É certo ter o requerente feito uma referência ao facto de a caducidade da concessão resultar a perda das benfeitorias feitas no terreno e a sua desocupação, com a demolição das estruturas provisórias executadas no terreno (artigos 6.º e 7.º do requerimento inicial).
Mas não parece que tenha querido assentar aqui a alegação de prejuízos de difícil reparação, como se vê da sua conclusão n.º 32, onde afirma claramente que os prejuízos de difícil reparação são os causados ao promitentes-compradores:
“32. Em síntese, estamos perante uma situação em que não será possível a reconstituição “in natura” dos prejuízos causados na esfera jurídica dos residentes, cujo legítimos interesses o ora requerente visa defender como parte contratualmente vinculada, quer à RAEM, por via do contrato de concessão, quer aos particulares imediatamente prejudicados, por via dos contratos-promessa de compra e venda com eles celebrados”.
Mas ainda que se entendesse que a vaga referência dos artigos 6.º e 7.º do requerimento inicial, constituem a alegação de prejuízos de difícil reparação, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, sempre seriam prejuízos, sem dúvida, mas não de difícil reparação, já que facilmente se contabilizariam a perda das benfeitorias feitas no terreno e as despesas com a desocupação e com a demolição das estruturas provisórias executadas no terreno, não se vendo que outras dificuldades de reparação estariam em causa.
Por outro lado, não é exacto que no requerimento inicial o requerente tenha alegado quaisquer prejuízos resultantes do incumprimento da execução de obrigações com que se comprometeu (execução de piscina, campo de ténis e instalações de apoio) e que tenha alguma vez referido que seria previsível que os promitentes-compradores venham a reclamar indemnização ao ora recorrente. Não faz qualquer referência a esta questão.
Acresce, por fim, que o requerente não pode vir defender e alegar prejuízos que não são os seus. É evidente que têm de ser os próprios os interesses a defender na suspensão da eficácia, pois no recurso contencioso só o lesado directamente pelo acto recorrido pode impugnar o acto administrativo. Os que contrataram com o lesado por acto administrativo e que serão prejudicados indirectamente não podem vir discutir com a Administração a declaração de caducidade da concessão. Não podem interpor recurso do acto administrativo em causa, como não podem requerer a suspensão da eficácia do mesmo.
Logo, não tem o directamente afectado com o acto, legitimidade para vir a alegar prejuízos dos terceiros. Podia, sim, ter alegado prejuízos próprios futuros, por ter previsivelmente de vir a indemnizar os terceiros, só que isto não veio invocar o requerente no requerimento de suspensão da eficácia. Fazê-lo no recurso jurisdicional do acto que negou a suspensão da eficácia, é intempestivo.
Como decidimos no acórdão de 28 de Outubro de 2011, no Processo n.º 56/2011, “os prejuízos de que fala a lei são os prejuízos do próprio requerente ou relativos a interesses seus, que possa vir a defender no recurso contencioso. Estes últimos, serão o caso dos interesses em que um residente de Macau pode actuar como actor popular: os relativos à saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território, a qualidade de vida e, em geral, qualquer bem do domínio público (artigo 36.º, n.º 1, do CPAC).
O requerente não pode vir a defender os interesses de um terceiro, atento o disposto no artigo 33.º do CPAC, pelo que tais prejuízos não relevam como integradores do requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC”.
Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 7 de Fevereiro de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa



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Processo n.º 86/2016