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Processo n.º 77/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridos: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia e B.
Assunto: Marcas. Imitação. Consumidor médio dos produtos ou serviços em causa. Marcas mistas. Elemento nominativo.
Data do Acórdão: 7 de Fevereiro de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I - A imitação de uma marca por outra tanto existe quando, postas em confronto, elas se confundam, mas também, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
II – A susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor médio dos produtos ou serviços em causa, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto.
III – A averiguação da novidade das marcas mistas e das marcas complexas deve conduzir a considerá-las globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes – sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor).
IV - No caso das marcas mistas o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão. Mas poderá não ser assim, se, por exemplo, o elemento figurativo suplantar em dimensão o nominativo.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A recorreu do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia, que autorizou o pedido de registo da marca N/62834 , requerido por B, para produtos/serviços da classe 18 (couro e imitação de couro; peles de animais; malas de viagem e malas de mão; chapéus-de-chuva e chapéus-de-sol; selaria).
Sentença de 8 de Julho de 2015, negou provimento ao recurso.
Recorreu A, para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 2 de Junho de 2016, negou provimento à pretensão.
Recorre, para este Tribunal de Última Instância (TUI), A, alegando que:
- A marca N/62834 imita as marcas e da recorrente para a mesma classe 18;
- Há possibilidade de concorrência desleal da marca do recorrido particular em relação às marcas da recorrente.

II – Factos
Estão provados os seguintes factos:
1. Em 30 de Janeiro de 2012, a contraparte B apresentou à DSE da R.A.E.M. o pedido de registo da marca N/62834para produtos/serviços de classe 18 (couro e imitação do couro; peles de animais; malas de viagem e malas de mão; chapéus-de-chuva e chapéus-de-sol; selaria).
2. O pedido de registo de marca supramencionado foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 31, II Série, de 1 de Agosto de 2012.
3. A entidade recorrida procedeu à busca do respectivo pedido.
4. Em 4 de Outubro de 2012, dentro do prazo legal, a ora recorrente A deduziu reclamação do pedido de registo de marca formulado pela contraparte, constante de fls. 6 a 12 do Processo Administrativo em anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Em 9 de Outubro de 2012, por meio do ofício n.º XXXXX/DPI, de 8 de Outubro de 2012, dirigido à contraparte, a entidade recorrida notificou-a da reclamação e para, querendo, contestar a reclamação, no prazo de 1 mês contado desde a recepção do ofício. Tal ofício foi devolvido à entidade recorrida em 15 de Novembro de 2012. O filho da contraparte recebeu, em nome da contraparte, o aludido ofício em 23 de Novembro de 2012.
6. O aviso da reclamação em apreço foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 45, II Série, de 7 de Novembro de 2012.
7. Em 14 de Dezembro de 2012, a contraparte apresentou contestação à entidade recorrida e, posteriormente, no prazo designado pela entidade recorrida, apresentou os documentos mencionados no ofício que foi enviado em 9 de Outubro de 2012 e devolvido à entidade recorrida por não ter sido recebido pela destinatária, com vista a ilidir a presunção da data da notificação e da recepção do ofício, porém, enfim, a contestação da contraparte não foi admitida pela entidade recorrida, por ser considerada extemporânea.
8. Tendo apreciado a marca a registar, o chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da entidade recorrida proferiu despacho em 8 de Fevereiro de 2013 que indeferiu a reclamação deduzida pela recorrente e autorizou o pedido de registo da marca N/62834, constante de fls. 62 a 74 do Processo Administrativo em anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. O aludido despacho foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 10, II Série, de 6 de Março de 2013.
10. As marcas 7015-Me N/37398registadas para produtos/serviços de classe 18, bem como a marca N/37400registada para produtos/serviços de classe 28 são ainda válidas, cuja titular é a ora recorrente.
11. Em 5 de Novembro de 2004, foi concedida à contraparte a autorização do registo da marca N/14349 para produtos de classe 25 (vestuário, calçado e chapelaria), com o logótipo.
12. A recorrente não tinha apresentado à DSE qualquer pedido de registo de nome de estabelecimento relativo ao modelo estrutural/figura das marcase.

III – O Direito
1. As questões a resolver
São as suscitadas pela autora, ora recorrente.

2. Marcas. Imitação. O caso dos autos
Trata-se de saber se a marca de B, de que a Direcção de Serviços da Economia autorizou o registo, tem eficácia distintiva ou se, pelo contrário, constitui imitação das marcas anteriormente registadas de A, para a classe 18.
É pacífico que as marcas de A para a classe 18, já estavam registadas em Macau quando B pretendeu e conseguiu registar para a mesma classe a sua marca.
O registo das marcas é efectuado por produtos ou serviços, competindo à DSE indicar as respectivas classes de acordo com a classificação prevista na lei (artigo 205.º do RJPI).
Tal classe 18 agrupa os seguintes produtos:
Couro e imitação do couro, produtos nestas matérias não incluídos noutras classes;
Peles de animais;
Malas de viagem e malas de mão;
Chapéus-de-chuva, chapéus-de-sol e bengalas;
Chicotes e selaria.

Como tivemos oportunidade de reflectir no recente acórdão de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 19/2015:
«A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
Como se refere no artigo 197.º do RJPI, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
É o que decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, que estatui que “O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada ”.
  Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”».
Uma das marcas de Puma e a marca do recorrido particular constituem aquilo que a doutrina designa por marca mista, por conterem tanto sinais ou conjuntos de sinais nominativos (marca nominativa), como figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática).
A outra marca de Pumacontém apenas um elemento figurativo, um felino.
A marca mista de Puma contém um felino a saltar, da direita para a esquerda e o vocábulo Puma em letras maiúsculas.
A marca mista de B contém um felino a saltar, da esquerda para a direita e o vocábulo Lingbao em letras maiúsculas.
Deve dizer-se quer as letras de Puma são bastantes maiores que as da marca de B.
Em ambas as marcas o que ressalta mais, o elemento visualmente preponderante, é o felino a saltar.
A segunda marca de Puma apenas contém o felino a saltar.
No mesmo acórdão de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 19/2015, acrescentámos o seguinte:
«Vejamos, então, a que regras deve obedecer o confronto das marcas, para se apurar do carácter da novidade da marca registanda, bem como da capacidade distintiva da marca já registada.
Na lição de FERRER CORREIA3 “ … a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO4 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas5.
Também se tem considerado que os elementos fonéticos das marcas são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos6.
Por outro lado, a susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto [artigo 215.º, n.º 1, alínea c) do RJPI].
Para este efeito o consumidor é o médio, não o distraído, nem o perito7.
E, como assinala JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU8, “os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas em causa se destinam”. Ou, como refere CARLOS OLAVO9 “A apreciação do carácter distintivo de uma marca deve ser feita em concreto no que se refere aos produtos ou serviços a que ela se destina”.
Especificamente, quanto às marcas mistas, como é o nosso caso, o exame para detectar a contrafacção ou a imitação, deve seguir as seguintes regras:
Como mostra FERRER CORREIA10 “… as marcas mistas e as marcas complexas deverão ser consideradas globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes – sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta, portanto, os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor). Uma marca mista ou complexa não será nova quando o seu núcleo se confunda com marca mais antiga …”»

3. O caso dos autos. Conclusão
Estamos em condições de concluir.
Dissemos no acórdão anterior que «no caso das marcas mistas, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o elemento nominativo é, em regra, o mais importante para a apreciação do risco de confusão.11».
Sublinhamos, em regra, é assim. O que queria dizer, naturalmente, que há excepções. Tudo depende do caso concreto.
No caso dos autos, não o é, até porque o que avulta na marca do recorrido particular é o felino praticamente igual ao da Puma.
O que ressalta nas duas marcas mistas é o felino a saltar, provavelmente porque no caso da Puma tal logotipo é mundialmente famoso, facilmente identificável pelos produtos vendidos pela marca.
Haverá outras marcas, pertencentes a outras entidades, em que também é representado um felino. Só que o felino, nessas marcas, não é representado exactamente a dar um salto, com os membros anteriores numa posição superior em relação aos membros posteriores, como no caso das 3 marcas dos autos.
Um consumidor que olhe para a marca sem ter as marcas da Puma para confronto pode facilmente confundir aquela marca com as da Puma.
É certo que a marca de B tem também os caracteres LINGBAO. Mas são muito pouco visíveis, comparados com a figura do felino, como se pretendesse que os consumidores não reparassem na palavra, mas antes na imagem do felino. E também são muito mais pequenos que a palavra PUMA.
Tendo em atenção as considerações precedentes, afigura-se-nos existir risco de confusão para o consumidor entre as marcas dos autos, destinadas aos mesmos bens.
Procede, assim, o recurso jurisdicional, pelo que fica prejudicada a questão de saber se o recorrido particular também pretendeu fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido bem como o despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia, que autorizou o pedido de registo da marca N/62834 , recusando-se este pedido.
Custas pelo recorrido particular em todas as instâncias.
Macau, 7 de Fevereiro de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
     2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     3 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     4 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
     5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
     6 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102 e 110.
     7 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377 e CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 108.
     8 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377
     9 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 83.
     10 FERRER CORREIA, Lições …, p. 331 e 332. No mesmo sentido, CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 109 e 110.
     11 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 110.
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