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Processo nº 526/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 19/Janeiro/2017

Assunto: Livre apreciação da prova
Sanção pecuniária compulsória

SUMÁRIO
- Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
- A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outras situações, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida, nos termos do artigo 599º do CPC.
- Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro na apreciação da prova que permita a alteração da resposta dada à matéria de facto controvertida, improcede o recurso nesta parte.
- A sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 333º do Código Civil não pode ser estabelecida para o período anterior ao trânsito em julgado da sentença que a ordene, nem para o período anterior à liquidação da indemnização, salvo se o devedor for condenado por ter interposto recurso com fins meramente dilatórios, que não é o caso.
- Provado que o réu tem ocupado a fracção a que se reporta os autos, impedindo as autoras de a gozar por qualquer forma, nomeadamente dar de arrendamento por valores locativos de mercado, deve o mesmo ser condenado a pagar àquelas indemnização pela privação do gozo da fracção até à efectiva entrega da mesma aos seus donos, cujo valor será apurado em sede de execução de sentença.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 526/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 19/Janeiro/2017

Recorrente:
- A (Réu na acção)

Recorridas:
- B (primitivo Autor, actualmente representado na acção por suas herdeiras C, D, E, F e G)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Na acção declarativa sob forma ordinária intentada pelo Autor B (actualmente representado pelas suas herdeiras C, D, E, F e G), foi condenado o Réu A a reconhecer o Autor como titular do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção da fracção autónoma identificada pela letra “A7” do prédio urbano nº 30 “A/B” da Avenida XX e restituí-la ao Autor livre de pessoas e bens, bem como pagar ao Autor a indemnização de MOP$270.000,00 acrescido de juros de mora desde a data da sentença e a sanção pecuniária compulsória à razão de MOP750,00 por cada dia de atraso na entrega da referida fracção autónoma a contar de 1 de Novembro de 2014.
Inconformado, dela interpôs o Réu o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Conforme melhor se desenvolve nos n.ºs 7 a 28 das presentes alegações, em sede de Reconvenção o ora Recorrente pediu que fosse declarada a nulidade do contrato de compra e venda de 07 de Abril de 2010, com a consequente absolvição total dos pedidos contra si formulados pelas AA., ora Recorridas.
2. E a verdade é que embora se tenha debruçado de forma extensiva apenas sobre os três tipos de razões que começa por anunciar no artigo 2º da sua contestação e que subsequentemente analisa até ao artigo 59º do mesmo articulado, invoca igualmente uma quarta razão de nulidade daquele contrato de compra e venda no seu artigo 70º.
3. Com efeito, o Recorrente afirma expressamente neste artigo 70º da sua Contestação que: a Procuração da qual se serviu o A. primitivo (B, entretanto falecido na pendência da acção) para celebrar o negócio consigo mesmo pelo qual, através da escritura de compra e venda de 10 de Abril de 2010, vendeu e adquiriu a fracção autónoma em discussão nos presentes autos, é nula, uma vez que tal procuração foi emitida em 02 de Março de 1998 ao passo que o representado (H) apenas adquiriu ao I a propriedade daquela fracção autónoma em 23 de Julho de 1999, “pelo que conferiu poderes para vender uma fracção autónoma de que não era proprietário o representado, mas sim o I de Macau” (sic).
4. Ora, a douta sentença recorrida pronunciou-se sobre as três causas de nulidade e ineficácia do contrato de compra e venda do imóvel que vão até ao artigo 59º da contestação mas não se pronunciou sobre quarta causa de nulidade do mesmo contrato.
5. Esta quarta causa de nulidade do mesmo negócio jurídico vem alegada no referido artigo 70º da contestação, quer com fundamentação de direito (o Recorrente invoca os artigos 287º e 295º do Código Civil), quer com fundamentos de facto (que a procuração em causa tem por objecto o imóvel em disputa, que foi emitida em 02/03/1998 e que o mandante apenas adquiriu a propriedade de tal imóvel ao I de Macau em 23 de Julho de 1999).
6. Mais: verifica-se mesmo que estes fundamentos de facto resultam provados (vide als. a), b) e c) da factualidade apurada na douta sentença recorrida).
7. A nulidade da procuração, comunicável, como é sabido, ao contrato de compra e venda no qual se alicerça o direito invocado pelo A. primitivo em cuja posição processual sucederam as ora Recorridas, é um facto impeditivo daquele mesmo alegado direito, pelo que constitui uma excepção peremptória geradora da absolvição total do Recorrente quanto aos pedidos contra si formulados, nos termos do artigo 412º/3 do CPC.
8. Tendo sido invocada e fundamentada tal excepção nos moldes constantes do mencionado artigo 70º da sua Contestação, impunha-se que a mesma fosse discutida e apreciada em primeira instância, sob pena de se coarctar um grau de jurisdição às partes.
9. Não o tendo sido, a douta decisão recorrida padece do vício de nulidade por – na terminologia do Prof. Alberto dos Reis – omissão de pronúncia, violando a 1ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 571º do CPC.
10. Ressalvada diversa opinião, os documentos de fls. 437 a 439 deveriam ter sido valorados enquanto confissão clara do primitivo A. em como a fracção autónoma em disputa lhe pertence em 50%, pertencendo a outra metade ao R., ora Recorrente.
11. Efectivamente, a titularidade da propriedade de tal imóvel por ambas as partes em 50% cada, aparece nesses documentos como um facto pacífico e indisputado, em relação ao qual não existe qualquer diferendo.
12. Afigura-se que esta confissão do A. primitivo seria suficiente, por si só, para afastar a presunção, decorrente do registo na CRP a que faz menção a douta sentença recorrida, de que aquele era o único proprietário da fracção autónoma em causa.
13. Mas para além da mencionada confissão, sucede que a testemunha J declarara igualmente, no seu depoimento ajuramentado, de forma clara e inequívoca, que o imóvel reivindicado pelo primitivo A. pertence de facto a este e ao Recorrente, na proporção de 50% para cada um.
14. O depoimento da testemunha J, única que mantinha boas relações com o A. primitivo e com o ora Recorrente e única com algum conhecimento directo dos factos, encontra-se transcrito nas presentes alegações, transcrição que, para os devidos efeitos, aqui, em sede de Conclusões, se dá por integralmente reproduzida.
15. Deste modo, ressalvada diversa opinião, uma correcta valoração destes meios de prova teria que haver dado por provado que a titularidade da propriedade da fracção autónoma em discussão nos presentes autos pertencia em partes iguais ao primitivo A. e ao ora Recorrente.
16. Pelo que, salvo o devido respeito, afigura-se que em relação a este facto incorreu o douto acórdão recorrido na violação do n.º 3 do artigo 562º do CPC.
17. O quesito 1º da douta Base Instrutória resulta parcialmente provado com base unicamente na prova testemunhal das duas testemunhas arroladas pelas AA.
18. Ora, por um lado, estas duas testemunhas, K e L, irmãos do primitivo A. e do R., não tinham conhecimento dos respectivos factos senão através do que o primitivo A. lhes teria contado e, por outro lado, mantinham boas relações com o primitivo A. e estavam de relações cortadas com o R., havendo-se transcrito os depoimentos destas testemunhas que confirmam estes factos, transcrição que aqui, em sede de Conclusões, se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
19. Trata-se da chamada prova por depoimento indirecto, inadmissível em processo penal e admissível em processo civil apenas desde que a fonte de ciência de tais depoimentos resulte detalhadamente explicada pelas testemunhas.
20. Auscultando a gravação do depoimento destas duas testemunhas em relação a este quesito 1º, o que se verifica é que as testemunhas não indicam a fonte de ciência das suas respostas nos termos legalmente exigidos.
21. Por outro lado, uma vez que o depoimento das duas testemunhas deriva exclusivamente do que o A. lhes disse, o que elas ofereceram ao tribunal foi um depoimento de parte por interposta pessoa, sendo que o depoimento de parte não é admissível senão quanto a factos pessoais e só a parte o pode prestar – art. 477º e ss. do CPC.
22. Se é verdade que quanto à prova o tribunal é livre na sua convicção, também é verdade que tal liberdade tem por limites as regras da experiência comum, as quais, neste particular caso, ditam a nula atendibilidade destes dois depoimentos pelo que, salvo melhor opinião, impunha-se a sua desvalorização absoluta enquanto meio de prova.
23. Sucede que ficou consignado a fls. 620 que a resposta do tribunal ao referido quesito 1º deriva exclusivamente do depoimento daquelas testemunhas, K e L (“Os itens 1º e 4º resultaram dos depoimentos das duas primeiras testemunhas K e L” – sic).
24. Como tal, uma vez que estes dois depoimentos são o único meio de prova sobre o qual foi edificada a resposta ao quesito 1º, tal resposta deve ser modificada no sentido de o quesito ser simplesmente dado por não provado, na sua totalidade.
25. Sucede igualmente que, para a douta sentença recorrida, a culpa, enquanto requisito da responsabilidade civil por factos ilícitos, é imputada ao R. porque este se manteve na fracção autónoma apesar de o primitivo A. lhe ter pedido para ele sair (cfr. fls. 647).
26. Sem a resposta positiva a esse quesito 1º cai o raciocínio supra transcrito.
27. Não havendo culpa, não há responsabilidade civil por factos ilícitos nem a correspectiva obrigação de indemnização.
28. Consequentemente, salvo diversa opinião, deve ser revogada a parte da douta sentença que condenou o Recorrente no pagamento de uma indemnização às AA. no montante de MOP$270.000,00.
29. Ainda que assim se não entenda, da resposta dada a este quesito, verifica-se que não ficou provado que o primitivo A. houvesse interpelado o Recorrente para desocupar a fracção autónoma.
30. Consequentemente, afigura-se que a data a considerar para efeitos de interpelação é a data em que o Recorrente foi citado para contestar a acção que lhe foi movida, o que ocorreu em 12/04/2011, isto é, dois meses após a data a que atendeu a douta sentença recorrida.
31. Considerando que, aparentemente, o valor médio mensal da indemnização fixada pelo tribunal é de MOP$6.000,00, haverá sempre que subtrair ao valor fixado (MOP$270.000,00) o valor de dois meses, i. é, MOP$12.000,00, ficando portanto tal valor circunscrito a MOP$258.000,00.
32. Num mesmo plano e salvo melhor opinião, a resposta ao quesito 31º teria que ser positiva na totalidade, por força do exposto na presente peça nos n.ºs 29 a 51.
33. Uma resposta positiva a este quesito teria reconfirmado que o primitivo A. sempre se considerou proprietário de metade da fracção autónoma em discussão nos autos e que a outra metade pertencia ao Recorrente.
34. D´outro passo e também salvo melhor opinião, deveriam ter sido julgados integralmente provados os quesitos 7º, 21º, 22º, 23º, 23ºA, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 29º da douta Base Instrutória.
35. Mais concretamente, afigura-se que existe prova documental e testemunhal susceptível de convencer o tribunal a dar por provado que o recorrente realizou obras de remodelação necessárias à conservação da fracção e efectuou diversos outros pagamentos atinentes a actos correntes de administração do mesmo imóvel, a saber:
- MOP$3.048,00 a título de contribuição predial e de imposto de renda inerentes à fracção autónoma em causa;
- MOP$168.556,50 em prestações mensais do preço de aquisição da mesma fracção autónoma;
- MOP$106.280,00, por obras realizadas na dita fracção.
36. Assim, em caso de atribuição da fracção em disputa ao primitivo A., teria, portanto, o Recorrente, direito a ser reembolsado pelas despesas e obras em causa.
37. A douta sentença recorrida porém, não valorou correctamente esta prova e decidiu em contrário, pelo que, ressalvada diversa opinião, deve a mesma ser, portanto, revogada quanto a esta parte, e serem as AA. condenadas no reembolso ao Recorrente de tais encargos, o que desde já se requer.
38. Por fim, o Distinto Tribunal a quo condenou o Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsiva à razão de MOP$750,00 por cada dia que se atrase na entrega da fracção “a contar do dia 1 de Novembro próximo, inclusive”, i. é, a contar do dia 01/11/2014.
39. Porém, o n.º 2 do artigo 33º do Código Civil determina que, “A sanção pecuniária compulsória não pode ser estabelecida para o período anterior ao trânsito em julgado da sentença que a ordene”.
40. Deste modo, verifica-se que a douta sentença recorrida incorreu na violação do normativo supra referido ao condenar o Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsiva com efeitos a partir de 01/11/2014, devendo, quanto a esta parte, ser revogada, o que desde já se requer a V. Exas.”
*
Notificadas para responder ao recurso, apresentaram as recorridas as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O presente recurso tem por objecto a alegada omissão de pronúncia a que se refere a alínea d) do número 1 do artigo 571º do CPC, o alegado erro na apreciação da prova e impugnação da matéria de facto, e ainda o alegado erro sobre interpretação de normas legais.
2. É, contudo, falso que a decisão recorrida padeça de nulidade por omissão de pronúncia.
3. Confrontando o que o Réu, ora Recorrido, alega no artigo 11 das suas alegações de recurso, com o que alegou nos artigos 68º a 72º da sua Contestação, verifica-se, em primeiro lugar, que o Recorrido deturpou as suas próprias palavras, ao dizer no artigo 11 das suas alegações de recurso que no artigo 70º da sua contestação afirma expressamente que «a Procuração (…) é nula» (sublinhado no original), quando o que alegou no dito artigo 70º da contestação é que «se a procuração produzisse esses efeitos seria nula».
4. Por outro lado, confrontando o que o Réu, ora Recorrido, alega nos artigos 11 e 12 das suas alegações de recurso, com o que alegou nos artigos 68º a 70º da sua Contestação, com o que o primitivo Autor alegou no artigo 2º da sua petição inicial (p.i.), verifica-se, outrossim, não só que o Réu descontextualizou o que o primitivo Autor alegou no artigo 2º da p.i. face ao que alega no artigo 68º da Contestação, como também que descontextualiza nos artigos 11 e 12 das suas alegações de recurso o que alegou nos artigos 68º a 70º da sua Contestação.
5. Com efeito, o Réu, ora Recorrente, descontextualiza na Contestação o que o Autor afirmou na p.i., porque, ao passo que o Autor alegou que a fracção dos autos veio ao seu domínio através da referida procuração, o Réu, ora Recorrido, diz que o Autor «alega que o seu direito de propriedade sobre a fracção dos autos resulta da procuração de 02 Março 1998».
6. O Réu, ora Recorrente, agora descontextualiza nas suas alegações de recurso o que alegou na contestação, na medida em que, como é bom de ver, nos artigos 68º a 70º da sua Contestação não pôs em causa o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada em 7 de Abril de 2010. Não.
7. O que o Réu, ora Recorrido, fez no artigo 70º da sua contestação foi pôr em causa esses efeitos (da procuração, entenda-se) – efeitos translativos da propriedade, que ele próprio, Réu, ora Recorrente, afirmou que o Autor atribuía à procuração e que como se viu não corresponde à verdade.
8. Ou seja, quando o Réu, ora Recorrente, disse no artigo 70º da Contestação que «Aliás, se a procuração produzisse esses efeitos seria nula, nos termos dos arts. 287º e 295º, do CC (…)» estava a referir-se aos propalados efeitos translativos da propriedade – que, de resto, o Autor nunca atribuiu à procuração, como se explanou, apesar de o Réu, ora Recorrente dizer que o Autor o fez no artigo 68º da Contestação.
9. Nestes termos, estão as Autoras, ora Recorridas, em crer que o que o Réu, ora Recorrido, alegou nos artigos 68º a 70º da sua contestação nem sequer consiste em uma razão ou causa de nulidade do contrato de compra e venda titulado pela referida escritura de 7 de Abril de 2010, uma vez que no contexto do alegado o Réu este apenas pôs em crise os efeitos translativos da propriedade da referida procuração, que claramente nem sequer foram alegados pelo primitivo Autor.
10. E diversamente do que vem agora afirmar no artigo 15 das suas alegações de recurso, o Réu, ora Recorrente, nunca assacou a nulidade ao referido contrato de compra e venda titulado pela escritura pública de 7 de Abril de 2010 em resultado da agora alegada nulidade da procuração de 2 de Março de 1998.
11. Em conclusão e sem prejuízo do que mais se dirá a propósito desta questão, é falso que o Réu tenha alegado no artigo 70º da Contestação uma quarta razão ou causa de nulidade do referido contrato de compra e venda, termos em que o recurso deve improceder nesta parte, salvo melhor opinião.
12. Ainda que se entenda que o Réu, ora Recorrente, invocou, efectivamente, uma quarta razão ou causa de nulidade do contrato de compra e venda titulado pela escritura de 7 de Abril de 2010 – o que não se concede e apenas admite por mera cautela de patrocínio – sempre se dirá que é falso que tenha existido qualquer omissão de pronúncia, desde logo porque quer o Despacho Saneador quer a douta Sentença recorrida pronunciaram-se sobre a validade da referida procuração.
13. E, como é sabido, apesar de o Juiz dever resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, nos termos do artigo 563º, n.º 2 do CPC, são, todavia, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, que sempre seria o caso em presença.
14. Acresce, por outro lado, que, ao abrigo do disposto no artigo 563º, n.º 2 do CPC, o Tribunal não fica obrigado a conhecer todas as razões invocadas pelas partes nos seus articulados, como o Réu, ora Recorrente, agora alega.
15. Com efeito, as questões que tinham de ser apreciadas eram as da nulidade e ineficácia do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada em 7 de Abril de 2010, que o foram devida e oportunamente.
16. Sem prejuízo do exposto, caso se entenda que o doutro Tribunal a quo não dirimiu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, nomeadamente a nulidade assacada à procuração de 2 de Março de 1998, o que não se concede e apenas admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, ao abrigo do disposto no artigo 630º do CPC, o Venerando Tribunal de Segunda Instância poderá conhecer da alegada questão em crise, o que se requer a V. Exas.
17. Devendo, por conseguinte, julgar-se não verificada qualquer nulidade da douta Sentença recorrida por omissão de pronúncia ou não procedente a pretensa excepção, se for esse o caso, com as consequências legais.
18. No presente recurso, vem o Réu, ora Recorrente, alegar que, em face do documento junto aos autos a fls. 390 e dos dois documentos juntos a fls. 437 a 440, devia ter-se considerado que a fracção autónoma dos autos pertence em 50% ao primitivo Autor e em 50% ao Réu, ora Recorrente (cfr. artigos 26 a 40 das respectivas alegações de recurso), convicção que entende ser corroborada pelo depoimento da testemunha J.
19. O Réu, ora Recorrente, enquadra esta sua tese não no thema probandium, mas antes como uma pretensa confissão do primitivo Autor, que deveria ser levada em consideração pelo julgador – ao arrepio de toda a demais prova produzida nos presentes autos, entenda-se.
20. Como sabe o Réu, ora Recorrente, o documento junto aos autos, a fls. 390, foi mandado desentranhar dos autos após trânsito em julgado do despacho de fls. 432 a 434 (que já se verificou), pelo que se afigura, no mínimo, pouco curial por parte do Réu, ora Recorrente, vir agora invocar um documento que, para além de nada provar com relevância para estes autos, não consta do processo – quod non est in actis non est in mundo.
21. Diversamente do que alega o Réu, ora Recorrente, no artigo 36 e seguintes das suas alegações de recurso, os documentos juntos de fls. 437 a 440 não podem ser interpretados nos termos por si pretendidos, não sendo, de todo, verdade que dos mesmos conste qualquer confissão ou reconhecimento de que a fracção dos autos pertence a ambos, primitivo Autor e Réu, ora Recorrente.
22. Em primeiro lugar, o douto Tribunal a quo considerou a matéria que os referidos documentos visavam demonstrar como não provada (quesitos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º da base instrutória), ficando antes provado que em 1998 o H entregou a fracção ao primitivo Autor (e não também ao Réu, ora Recorrente, diversamente do que este alegou) para que o primitivo Autor lhe desse a utilização que entendesse.
23. Em qualquer caso, em segundo lugar, diversamente do que o Réu, ora Recorrente, vem agora alegar em sede de recurso, o Documento n.º 1, junto a fls. 437, não pode ser interpretado nos termos descontextualizados em que o Réu, ora Recorrente, o faz, pois não é verdade que do mesmo conste qualquer confissão ou reconhecimento do primitivo Autor de que a fracção dos autos pertencia a si e ao Réu, ora Recorrente, em partes iguais, ou em qualquer outra proporção, como acima se referiu.
24. É falso, como se demonstrará, que o referido documento de fls. 437 tenha sido elaborado pelas partes, é falso que a titularidade da propriedade de tal imóvel por ambas as partes apareça nesses documentos como um facto pacifico e indisputável, em relação ao qual não existe qualquer diferendo, é falso que o mesmo consista em uma declaração livre e voluntária, do primitivo A. ao assumir sem reservas e de forma clara que é titular de metade da propriedade do imóvel em causa e que o Recorrente é proprietário de outra metade.
25. O documento de fls. 437, no limite, não pode ser considerado mais do que um instrumento de negociação para acordo amigável, em que, por definição, as partes se predispõem a abdicar de parte dos seus direitos a bem de uma solução de compromisso que permita evitar o recurso aos Tribunais, incorrendo o Réu, ora Recorrente, em reiterada e profunda má fé ao descontextualizar declarações, tanto mais quando do processo constam meios de prova abundantes que contrariam essa leitura, a saber: prova documental, presunções judiciais e prova testemunhal.
26. Do alegado pelo Réu, ora Recorrente, quanto a esta matéria, parece quase resultar que o Tribunal a quo ignorou os documentos de fls. 437 a 440, mas tal não corresponde, de todo, à verdade.
27. Todavia, em resposta aos quesitos 30º e 31º da douta base instrutória, em que se perguntava «Apenas em 2005 começaram a existir problemas entre o Autor e o Réu sobre a fracção dos autos?» e «A partir dessa altura o Autor apenas reclamou do Réu metade do valor da fracção e não a sua entrega?», o douto Tribunal a quo respondeu «provado apenas em 2006 havia várias questões pendentes entre A. e R. que incluíam a fracção dos autos conforme o teor do documento junto a fls. 437 que aqui se dá por integralmente reproduzido».
28. Não basta ao Réu, ora Recorrente, vir dizer que a fracção dos autos lhe pertence em 50% sem identificar com base em que facto ou negócio jurídico previsto na lei é que alegadamente adquiriu dos propalados 50% do direito de propriedade sobre a fracção dos autos.
29. Recorde-se que toda a argumentação tendente a demonstrar a existência de um acordo tripartido entre H, primitivo Autor e o Réu, ora Recorrente (quesitos 8º a 15º) caiu por terra, correspondendo a matéria que não é sequer impugnada no presente recurso.
30. Por outro lado, pese embora se tenha provado (alíneas l), m) e n) dos factos provados acima transcritos) que, em Novembro de 2002, o falecido Autor disse ao Réu que já não tinha interesse em adquirir a fracção para si e propôs que este viesse a adquirir a totalidade do respectivo direito de propriedade, proposta que o Réu aceitou, e que desde Novembro de 2002 até à presente data o Réu, ora Recorrente, ocupa a dita fracção, nada mais se demonstrou relativamente a esta matéria, donde destes factos não é possível concluir coisa alguma, conforme doutamente fez notar o Tribunal a quo na página 18 da douta Sentença.
31. Seja como for, nada se provou que pudesse justificar que o Réu, ora Recorrente, fosse titular de qualquer porção do direito de propriedade da fracção dos autos, seja de 50% ou de qualquer outra.
32. Mas cumpre ainda explicitar que o documento de fls. 437 junto aos autos pelo Réu, ora Recorrente, surge precisamente para dirimir o conflito que nascera da circunstância de o Réu, num primeiro momento, ter dito que queria adquirir a fracção dos autos (2002 – alínea m) dos factos provados), para depois ter desistido dessa compra (em 2003) e mais tarde ter querido outra vez comprar a fracção, quando o Réu já se tinha recusado a cumprir o acordo a que se refere as alínea l) e m) dos factos provados.
33. Conforme se consignou nas páginas 14 e 15 do Acórdão sobre a matéria de facto: «Itens 30º e 31º a convicção do tribunal resultou do documento indicado e dos depoimentos das testemunhas K, L e J que aludem à existência de um acordo entre primitivo A. e R. quanto à compra da fracção por este – acordo esse dado por assente nas alíneas M), N) e O) – mas que nunca se teria concretizado por o R. não ter pago (v.g. O A não saía com o dinheiro…)».
34. Veja-se ainda a propósito desta questão a resposta do Tribunal a quo à matéria dos quesitos 30º e 31º acima referidas.
35. Todavia, apesar do exposto e pese embora tivesse sido apenas ao primitivo Autor (e não também ao Réu) que H conferiu a procuração de 2 de Março de 1998, a verdade é que o Réu, ora Recorrente, passou a ocupar a fracção dos autos desde Novembro de 2002.
36. Lá se mantendo até à presente data (alínea n) dos factos provados) – apesar de não ter qualquer título para o efeito, como se vê, ficando, assim, desde essa altura, o primitivo Autor, privado de dar a mesma de arrendamento e assim auferir os rendimentos que a mesma poderia propiciar (cfr. alíneas s) e t) dos factos provados).
37. Ora, esta circunstância, per si, bastava para que o primitivo Autor ficasse numa situação fragilizada para exercer os direitos de que era titular, designadamente por a fracção dos autos.
38. Mas acontece para além desta questão o Réu estava também em dívida em avultadas quantias monetárias para com o Autor, havendo ainda que dirimir diferendo relativamente à fracção do Beco do XX que, apesar de vir identificada no documento de fls. 437 como pertencendo a A e B (50/50), para todos os efeitos legais, está registado a favor de uma sociedade comercial denominada “M Limitada”, detida em 90% pelo Réu, ora Recorrente, e pela ora Autora E em 10%.
39. Isto é, do exposto resulta que em 2006 existiam, outrossim, diversas questões pendentes entre o primitivo Autor e o Réu, ora Recorrente, que seriam dirimidas nos termos descritos no documento de fls. 437, evitando-se, dessa forma, o recurso à via judicial.
40. Pelo exposto, em 2006, o Réu, ora Recorrente, não só devia avultadas quantias pecuniárias ao primitivo Autor, como controlava 90% da sociedade que detinha o imóvel do Beco do XX e ainda ocupava fisicamente a fracção dos autos desde Novembro de 2002, com os prejuízos que tal causava ao primitivo Autor.
41. Termos em que é falso que o documento de fls. 437 apenas reflicta pequenos diferendos para além da fracção dos autos ou que «a titularidade da propriedade de tal imóvel por ambas as partes em 50% cada, aparece nesses documentos como um facto pacífico e indisputável, em relação ao qual não existe qualquer diferendo».
42. Tampouco está em causa uma «declaração livre e voluntária, do primitivo A. ao assumir sem reservas e de forma clara que é titular de metade da propriedade do imóvel em causa e que o Recorrente é titular de outra metade».
43. Tampouco é verdade que o documento de fls. 437 haja sido elaborado pelas partes.
44. Com efeito, conforme consta do Documento n.º 2 junto pelo Réu, ora Recorrente, de fls. 438 a fls. 440 dos autos, que consiste em um alegado email alegadamente enviado pelo primitivo Autor, o documento de fls. 437 é descrito pelo primitivo Autor como «(…) o papel (tipo relatório) que ele [Réu] me fez assinar [ao Autor], em Pequim, uns dias antes da minha operação (…) de que 50% dos médicos não queriam fazer o transplante dizendo que o cancro deveria estar espalhado (…)».
45. Quanto ao alegado anexo ao documento de fls. 438, pode ler-se no mesmo: «Pois, baseei-me no mesmo relatório que ele me fez assinar, talvez com receio de eu morrer na sala de operações, preparei um acordo (Agreement) para ele e eu assinar (…)».
46. Fica, assim, demonstrado não só que o documento de fls. 437 foi elaborado apenas pelo Réu, mas também que este fez com que o primitivo Autor o assinasse à beira da sala de operações, de onde o primitivo Autor, compreensivelmente, nem sequer sabia se sairia vivo.
47. As Autores, ora Recorridas, não sabem, como oportunamente tiveram oportunidade de dizer, se os documentos de fls. 438 a 440 foram ou não produzidos pelo primitivo Autor, ficando até a dúvida a este respeito, uma vez que a testemunha J, diz que lhe foi entregue uma carta pessoalmente, e aqui está em causa em alegado email e respectivo alegado anexo.
48. Todavia, o que resulta da análise crítica dos referidos documentos e das circunstâncias em que, designadamente, o primeiro foi produzido e assinado pelo primitivo Autor, é que se trata – tão-só e apenas – de um acordo que tem em vista pôr termo a diversas questões pendentes entre o primitivo Autor e o Réu, ora Recorrente.
49. Neste contexto, salvo mais douta opinião, não pode, de todo, concluir-se que deve ter-se por afastada a presunção decorrente do registo de que o primitivo Autor adquiriu o direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção relativamente à fracção a que se reportam os autos, em face dos referidos documentos vis-a-vis os elementos existentes nos autos e da factualidade dada por assente.
50. Relativamente ao depoimento da testemunha J, refira-se que o mesmo é absolutamente irrelevante desde logo para o que ora nos ocupa, na medida em que, apesar de a mesma se pronunciar sobre a matéria vertida nos quesitos 8º a 15º da base instrutória, nomeadamente no que respeita à outorga da procuração de 2 de Março de 1998, a resposta negativa ou não provada aos referidos quesitos não foi posta em causa no presente recurso pelo Réu, ora Recorrente.
51. A respeito da testemunha J, diga-se ainda que foi a mesma sujeita ao incidente de contradita, julgado procedente a fls. 477, ficando demonstrado que existem diferendos entre a referida testemunha e as ora Autoras, que põem em causa a credibilidade do seu depoimento, diminuindo alguma fé que a mesma pudesse merecer.
52. Diga-se em qualquer caso, que a generalidade das alegações da referida testemunha, para além de confusas e contraditórias, reconduzem-se a generalidades, descontextualizadas e proferidas sem que seja identificada qualquer razão de ciência consistente e atendível.
53. Nestes termos, tendo o primitivo Autor provado que adquiriu o direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção relativamente à fracção a que se reportam os autos, cumpriu o ónus que sobre si recaia nos termos do artigo 335º, n.º 1 do CC.
54. Ao contrário, o Réu, ora Recorrente, não logrou fazer contraprova desses factos nem de quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo primitivo Autor, termos em que nenhum erro sobre apreciação da prova pode ser assacada ao Tribunal a quo, salvo mais douta opinião.
55. Quanto à decisão sobre a matéria do quesito 1º da base instrutória, nada há a apontar ao Tribunal recorrido, uma vez que os motivos apontados pelo Réu, ora Recorrido, para que fosse outra a decisão não podem proceder, desde logo porque a mesma resultou dos depoimentos das duas primeiras testemunhas K e L, ambos irmãos do primitivo Autor e do Réu e que nessa qualidade tiveram conhecimento destes fatos, dado que a desavença entre os irmãos se tornou um assunto de família.
56. Sendo falso que as testemunhas K e L estivessem de relações cortadas ou tivessem más relações com o Réu, ora Recorrente.
57. Sem prejuízo do exposto e sem conceder, mesmo que se entendesse alterar a resposta à matéria do quesito 1º da douta base instrutória, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, sempre se afiguraria totalmente despropositada a afirmação do Réu, ora Recorrente, de que tal implicaria uma reponderação da responsabilização civil por factos ilícitos imputada ao Recorrente.
58. Como é bom de ver, mesmo que essa matéria fosse considerada não provada, o que mais uma vez apenas se admite para efeitos do presente raciocínio, sempre a citação teria necessariamente por efeito a interpelação do Réu, ora Recorrente, para desocupar a fracção dos autos, mantendo-se assim e em qualquer caso o pressuposto da culpa, aliás grosseira do Réu.
59. Também quanto à resposta aos quesitos 30º e 31º nada há a apontar uma vez que o Réu pretende agora que o Tribunal ad quem modifique tal decisão, em função de, pasme-se, outro facto que não foi provado, tampouco quesitado.
60. Não só não se vislumbra qual seria a causalidade entre os dois alegados factos, tampouco se reconhece qualquer utilidade ao raciocínio hipotético realizado, porquanto a matéria dos quesitos 30º e 31º teve a resposta acima transcrita e que não coincide, de todo, com a versão dos factos apresentada pelo Réu, ora Recorrente.
61. Relativamente à matéria dos quesitos 7º, 21º, 22º, 23º, 23ºA, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 29º da Douta Base Instrutória, o Réu, ora Recorrente, apenas põe em causa a resposta à matéria dos quesitos 25º, 27º, 28º e 29º.
62. Vem agora o Réu, ora Recorrente, alegar que «juntou documentos que confirmam haver realizado aquelas despesas e cuja veracidade se presume» (!?), invocando ainda o depoimento da contraditada testemunha J e da testemunha N.
63. De facto, as Autoras não sabem dizer o que lhes causa mais espanto; se a simplória afirmação de que juntou documentos que confirmam haver realizado aquelas despesas, se a afirmação de que a respectiva veracidade se presume ou se o facto de o Réu dar-se à vontade de invocar documentos juntos, sem incomodar em dizer que documentos concretos é que relevariam para o efeito designado.
64. Ora, não foram juntos recibos emitidos em nome do Réu, ora Recorrente, tampouco comprovativos de o pagamento ter por si sido efectuado, conforme se fez constar no douto Acórdão que decidiu a matéria de facto.
65. Relativamente à matéria do quesito 27º, a resposta do douto Tribunal a quo supra transcrita foi dada face ao teor do documento de fls. 588, bem como da cópias dos cheques a fls. 305 a 319 e recibos do IACM de fls. 119 a 123 e 125 a 128.
66. Relativamente à matéria dos quesitos 28º e 29º, não foi produzida prova alguma de que hajam sido realizadas obras na fracção dos autos e muito menos o valor que haja sido pago, sendo certo que os documentos juntos não indicam o local e alguns desse “documentos” não têm data, nem se encontram assinados.
67. O depoimento da contraditada testemunha J e da testemunha N transcrito pelo Réu, Recorrido, também não permite modificar a decisão de facto quanto à matéria em análise.
68. Sem conceder, mesmo que o Réu, ora Recorrente, tivesse logrado provar a realização das alegadas despesas, nem por isso teria direito a ser reembolsado das mesmas, por falta de fundamento legal para o efeito.
69. Termos em que deve o presente recurso ser considerado improcedente também nesta parte, salvo melhor opinião.
70. A sanção pecuniária compulsória só não pode ser estabelecida para o período anterior ao trânsito em julgado da sentença que a ordene se o devedor não for condenado por ter interposto recurso com fins meramente dilatórios, o que desde já se requer a V. Exas., caso em que a aplicação da sanção é reportada à data da notificação da decisão que a tenha cominado.
71. Com efeito, do exposto supra, estão as Autores em crer que há efectivamente fundamento para considerar-se que o Réu interpôs o presente recurso com fins meramente dilatórios, independentemente de o recurso ser totalmente desprovido de fundamento, enquanto aguarda, serenamente, por justiça.
72. Caso assim V. Exas. não entendam, requer a V. Exas. seja o Réu, ora Recorrente, em alternativa condenado a pagar às Autoras o montante das rendas que estas deixarem de receber desde Novembro de 2014 até à efectiva entrega da fracção, nos termos peticionados na p.i., a acrescer ao montante das rendas vencidas calculadas até Outubro de 2014 em que o Réu já foi condenado.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Em 2 de Março de 1998, H outorgou uma procuração a favor do falecido Autor, através da qual lhe foram concedidos os seguintes poderes:
“1) Reger e gerir, com livre e geral administração civil, conforme melhor entender a fracção autónoma identificada pela “A7”, correspondente ao 7º Andar, Apartamento “17” do prédio urbano No. 30 “A/B” da Avenida XX, inscrito na Matriz Predial da XX sob o No. 3XXX0, descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca sob o No. 2XXX7 a folhas XX do Livro BXX;
2) Contrair empréstimos, hipotecar e aceitar confissões de dívidas, vender e de qualquer forma alienar a dita fracção, estipulando e aceitando quaisquer cláusulas e condições;
3) Requerer licenças para quaisquer obras de reparação ou de benfeitorias, apresentando projectos e fazendo declarações;
4) Requerer quaisquer actos de registe predial, provisórios e definitivos;
5) Representar-lhe (sic) junto de quaisquer repartições públicas ou administrativos, designadamente na Repartição de Finanças, podendo aí reclamar contra o lançamento de colectas indevidas ou excessivas, recebendo os títulos de anulação e as correspondentes importâncias, prestar declarações complementares e assinar todos os demais documentos e ainda nas XX, requerer, praticar e assinar tudo o que necessário for;
6) Outorgar e assinar escrituras, passar recibos e dar quitações, assinar autos, termos e todos os outros documentos públicos e particulares, necessários para a realização dos actos e contractos que ficaram individualizados.”
O mandante da referida procuração declarou expressamente que o constituído mandatário, poderá servir-se desta procuração para prática de negócio “consigo mesmo” e que a procuração era conferida também no interesse do procurador, nos termos do número três do artigo 265º do Código Civil, pelo que não poderia revoga-la sem expresso acordo deste, salvo ocorrendo justa causa.
No dia 23 de Julho de 1999 foi outorgada uma escritura de compra e venda, intitulada de “Propriedade resolúvel”, no Notário Privativo do I de Macau, em que este, na qualidade de vendedor, e H, funcionário aposentado, na qualidade de comprador, representado por B, declararam, respectivamente, vender e comprar a fracção autónoma identificada pela letra “A7”, do prédio urbano n.º 30 “A/B”, da Avenida XX, inscrito na matriz predial urbana da XX sob o número 3XXX0, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 2XXX7, a folhas XX de Livro BXX, com o ónus de inalienabilidade por um prazo de cinco anos, nos termos do artigo 10º da lei n.º 4/83/M de 11.07, pelo preço de 283.048,00, a pagar pelo comprador em 180 prestações mensais.
Mais declararam que a transmissão da fracção só se efectivará com a última prestação do preço e que em caso de falecimento do segundo outorgante, a fracção em aquisição se transmite segundo as normas de sucessão “mortis causa”.
Em 16 de Dezembro de 2005, em representação do mesmo H, mas por interesse próprio, o falecido Autor requereu ao IACM que lhe fosse autorizado efectuar o pagamento integral das prestações em dívida por efeito da aquisição da fracção dos autos.
A autorização solicitada foi concedida em sessão do Conselho de Administração do IACM de 10 de Fevereiro de 2006, tendo o Autor sido notificado, através de ofício de 21 de Fevereiro de 2006, para proceder ao pagamento da quantia remanescente de MOP$222.436,60 (duzentas e vinte e duas mil, quatrocentas e trinta e seis patacas).
Em 8 de Março de 2006, o Autor pagou ao IACM a quantia remanescente de MOP$222.436,60 (duzentas e vinte e duas mil, quatrocentas e trinta e seis patacas).
Em 7 de Abril de 2010, por escritura pública de compra e venda outorgada no XX do Notário Privado do Dr. O, o Autor declarou, por si e na qualidade de procurador de H, vender a si próprio, pelo preço de MOP$1.200.000,00, a fracção autónoma “A7”.
A aquisição da fracção dos autos a favor do falecido Autor encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Macau, através da inscrição n.º 1XXXX0G, correspondente à Ap. N.º 10 de 15 de Abril de 2010.
Em 13 de Fevereiro de 1998, H outorgou uma procuração a favor do falecido Autor e Réu, conforme documento junto aos autos a fls. 66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
A filha do falecido Autor residiu na fracção desde Maio de 1998 até Novembro de 2002.
Em Novembro de 2002, o falecido Autor disse ao Réu que já não tinha interesse em adquirir a fracção para si e propôs que este viesse a adquirir a totalidade do respectivo direito de propriedade.
O Réu aceitou a proposta feita pelo Autor.
O Réu ocupa a dita fracção, desde Novembro de 2002, até à presente data.
H faleceu em 23 de Outubro de 2003.
Por diversas vezes, o A. pediu ao R. para que este desocupasse a fracção, deixando-a livre de pessoas e bens.
O R. não desocupou a fracção autónoma a que se reportam os autos.
O Autor sofreu com o desentendimento com o Réu.
Enquanto o Réu se mantém na fracção o Autor não a pode dar de arrendamento.
A fracção a que se reportam estes autos podia ter gerado rendas mensais de:
a. MOP$2.500,00 (duas mil e quinhentas patacas), durante os anos de 2002 e 2003.
b. MOP$2.940,00 (duas mil novecentos e quarenta patacas), durante o ano de 2004.
c. MOP$3.400,00 (três mil e quatrocentas patacas), durante o ano de 2005.
d. MOP$3.800,00 (três mil e oitocentas patacas), durante o ano de 2006.
e. MOP$4.250,00 (quatro mil duzentas e cinquenta patacas), durante o ano de 2007.
f. MOP$4.700,00 (quatro mil e setecentas patacas), durante o ano de 2008.
g. MOP$5.100,00 (cinco mil e cem patacas), durante o ano de 2009.
h. MOP$5.600,00 (cinco mil e seiscentas patacas), durante o ano de 2010.
i. MOP$6.000,00 (seis mil patacas) durante o ano de 2011.
As prestações mensais do preço de aquisição da fracção devidas por H foram pagas ao IACM nos meses de Julho, Outubro e Dezembro de 2003, Março, Maio, Junho, Agosto, Novembro de 2004, Fevereiro, Abril, Junho e Agosto de 2005 através de cheques emitidos sobre a conta do BNU nº 90XXXXXX21 da qual eram titulares o A. e R. e nos meses de Outubro e Novembro de 2005 através de cheques emitidos sobre conta bancária da qual era titular o R.
O H vivia na Austrália.
Em 1998 o H entregou a fracção ao Autor para que lhe desse a utilização que entendesse.
Em 1998 a filha do Autor foi viver para a fracção.
Desde a data referida em n), o Réu tem na fracção os seus pertences, nomeadamente móveis, electrodomésticos, objectos decorativos, vestuário e calçado, objectos de uso pessoal.
Desde a data referida em n) quando o Réu se encontra em Macau pernoita na fracção e nela toma habitualmente as suas refeições.
O Réu desde Dezembro de 2002 suporta as despesas com água e electricidade da fracção a que se reportam estes autos, sem prejuízo da resposta dada ao item bb).
O Réu despendeu MOP$21.058,99 de Janeiro de 2008 a Janeiro de 2013 em despesas de condomínio relativas à fracção autónoma a que se reportam estes autos.
Em 2006 havia várias questões pendentes entre A. e R. que incluíam a fracção dos autos conforme o teor do documento junto a fls. 437 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A fracção tem actualmente o valor de MOP$6.571.000,00;
O Réu passou a residir na fracção desde Novembro de 2002.
Entre Autor e Réu ficou acordado que este suportaria as despesas inerentes ao consumo de água, electricidade e condomínio referente à fracção a que se reportam os autos.
*
São várias as questões suscitadas pelo recorrente, comecemos pela
Alegada nulidade da sentença
Invoca o recorrente a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil, dizendo que a primeira instância não se pronunciou sobre uma quarta causa de nulidade suscitada no artigo 70º da contestação.
Dispõe o artigo 571º, nº 1, alínea d) do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Atenta primeiramente a matéria alegada pelas partes nos articulados.
Diz o primitivo Autor no artigo 2º da petição inicial: “A fracção dos autos adveio ao domínio do A., primeiramente, através de uma procuração, outorgada em 2 de Março de 1998, por H, cuja cópia junta aos presentes autos como Documento nº 2 e dá por integralmente reproduzida.”
E responde o Réu, ora recorrente, o seguinte:
- Artigo 68º da contestação: “No artigo 2º da petição, o Autor alega que o seu direito de propriedade sobre a fracção dos autos resulta da procuração de 02.Março.1998.”
- Artigo 69º da contestação - “Mas uma procuração é um negócio jurídico unilateral que apenas legitima o representante perante terceiros a executar obrigações assumidas num contrato de mandato, não tendo, obviamente, efeitos translativos da propriedade.”
- Artigo 70º da contestação - “Aliás, se a procuração produzisse esses efeitos seria nula, nos termos dos artigos 287º e 295º, do CC, uma vez que procuração foi emitida em 02.Março.1998 e o representado apenas adquiriu a propriedade da fracção em 23.Julho.1999, pelo que conferiu ao representante poderes para vender uma fracção autónoma determinada de que não era proprietário o representado, mas sim o I de Macau.”
Melhor analisado o teor desses artigos, mais precisamente, confrontando o artigo 2º da petição inicial com os artigos 68º a 70º da contestação, somos a entender que o Réu descontextualiza nas suas alegações de recurso o que ele próprio alegou na contestação.
Diz o recorrente agora, nas suas alegações de recurso, que o tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre a questão de saber se o contrato de compra e venda de 7.4.2010 era ou não nulo por ter a procuração sido emitida em 2.3.1998 mas o representado apenas adquiriu a propriedade da referida fracção autónoma em 23.7.1999.
Todavia, salvo o devido respeito, não parece assistir razão ao recorrente.
Em boa verdade, de acordo com o teor dos artigos 68º a 70º da contestação, o Réu ora recorrente não pôs em causa a validade do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública outorgada em 7.4.2010, mas apenas alegou que se a procuração de 2.3.1998 produzisse os efeitos translativos da propriedade, essa procuração seria nula.
Em nossa modesta opinião, o Réu ora recorrente não assacou a nulidade ao referido contrato de compra e venda titulado pela escritura pública de 7.4.2010 em resultado da alegada nulidade da procuração de 2.3.1998, uma vez que face ao contexto alegado pelo Réu este apenas pôs em crise os efeitos translativos da propriedade da referida procuração.
Sendo assim, não é verdade que o Réu tenha alegado no artigo 70º da sua contestação uma quarta razão ou causa de nulidade do contrato de compra e venda, pelo que improcede, em consequência, a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
*
Da alegada violação do disposto no nº 3 do artigo 562º do CPC
Defende ainda o recorrente que com base nos dois documentos juntos aos autos a fls. 437 a 440, corroborados pelo depoimento da testemunha J, devia ter-se considerado que a fracção autónoma em causa pertence em 50% ao primitivo Autor e em 50% ao Réu, ora recorrente, assacando à sentença recorrida violação do disposto no nº 3 do artigo 562º do CPC.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não aderimos a essa opinião.
Preceitua-se no nº 3 do artigo 562º do CPC que “na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”.
Em boa verdade, o recorrente pretendia com aqueles documentos fazer prova dos quesitos 8º, 9º, 10º, 11º, 14º e 15º da base instrutória, os quais têm o seguinte teor:
Quesito 8º - “Subjacente à emissão da procuração de Março de 1998 está um acordo celebrado em Fevereiro de 1998, entre H, o Réu e o Autor?”
Quesito 9º - “Nos termos do qual o Autor se obrigou a vender por conta de H, a si próprio e ao Réu, em partes iguais, a aludida fracção?”
Quesito 10º - “Por essa razão, num primeiro momento, foi emitida a procuração aludida em J)?”
Quesito 11º - “Pouco tempo depois foi acordado entre os três que H emitiria uma nova procuração constituindo o Autor e o Réu seus procuradores com poderes para a venda da fracção conferida também no interesse destes e de modo a permitir-lhes celebrar negócio consigo mesmos?”
Quesito 14º - “Por essa razão, foi acordado pelos três que a procuração para venda da fracção seria emitida apenas em nome do Autor?”
Quesito 15º - “Esse acordo nunca foi alterado enquanto H foi vivo?”
Ora bem, o documento nº 1 junto a fls. 437 intitula-se “Relatório Financeiro de entre B e A”, apesar de nele constar que o apartamento 17 do edifício XX foi adquirido a Cortiço Pais em 1999, por $280.000, e que pertencia a A e B em partes iguais, resulta também do mesmo documento que haviam outras questões financeiras pendentes entre o primitivo Autor e o recorrente, daí que não podemos simplesmente tirar a ilação de que o primitivo Autor teria “confessado” o facto de que o imóvel em causa pertencia a ambas as partes, pelo contrário, podemos admitir, tal como vem defendido pelas recorridas, que o documento em causa seria um instrumento de negociação entre o primitivo Autor e o recorrente.
Além disso, essa suposta “confissão” do primitivo Autor não está apta de fazer prova dos factos quesitados, por ser legalmente insuficiente, na medida em que o alegado facto (de a propriedade pertencer ao primitivo Autor e ao recorrente em partes iguais) depende, para ser válido, da observância de certa forma escrita, ao abrigo da alínea a) do artigo 347º do CC, que não se verifica no caso.
E em relação ao documento nº 2 junto a fls. 438 a 440, diz o recorrente tratar-se de uma mensagem de correio electrónico enviada pelo primitivo Autor a uma das suas irmãs, onde este reafirma que o imóvel em causa pertence ao primitivo Autor e ao recorrente em partes iguais.
Em nossa opinião, não obstante ter sido admitida a junção desses dois documentos aos autos, mas a sua valoração está dependente da livre apreciação do Tribunal.
O mesmo acontece em relação à prova testemunhal, cuja valoração também está sujeita ao princípio da livre apreciação do Tribunal.
Uma vez que os documentos em causa, bem como o depoimento da referida testemunha, não fazem prova plena dos factos em discussão, não se deve concluir que está afastada a presunção decorrente do registo, termos em que não se verifica a alegada violação do disposto no nº 3 do artigo 562º do CPC, improcedendo, assim, as razões do recurso, quanto a esta parte.
*
Da impugnação da matéria de facto
O Réu ora recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, defendendo que os quesitos 1º, 7º, 21º, 22º, 23º, 23ºA, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º e 31º da base instrutória foram incorrectamente julgados, nomeadamente:
- o quesito 1º deveria dar como não provado por entender que as testemunhas não tiveram conhecimento da matéria, e por isso os seus depoimentos apenas valem como depoimento de parte por interposta pessoa;
- o quesito 31º deveria dar como provado na íntegra, atenta a prova produzida nos autos;
- os quesitos 24º, 25º, 27º, 28º e 29º deveriam dar como provados, no que dizem respeito às despesas efectuadas pelo recorrente, alegando que foram juntos ao processo documentos que permitiam provar a realização daquelas despesas e cuja veracidade se presume, bem como houve testemunhas que confirmaram a realização dessas despesas.

Dispõe o artigo 629º, nº 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Observam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes que “quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, nos termos do nº 2, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância.(…), na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”.1
Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC o seguinte:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012 (Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.”
Mais se especificou naquele mesmo Acórdão que “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão deste TSI, no Processo nº 332/2015 o seguinte:
“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC.
E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).”

Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo aos depoimentos de todas as testemunhas na audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, entendemos que não somos capazes de dar razão ao recorrente, por que os dados permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou, não se vislumbrando qualquer erro grosseiro e visível por parte do Tribunal recorrido na análise da prova.
No que toca ao quesito 1º, embora o mesmo resulte provado unicamente com base no depoimento de duas testemunhas arroladas pelas recorridas, mas não restam dúvidas de que aquelas tiveram conhecimento dos factos, não apenas através do primitivo Autor, mas por que a desavença entre os irmãos se tornou um assunto de família, tal como fez constar na decisão recorrida.
Por outro lado, alega o recorrente que não ficou provado que o primitivo Autor houvesse interpelado aquele para desocupar a fracção, daí que entende que a data a considerar para efeitos de interpelação é a data em que o recorrente foi citado para contestar a acção que lhe foi movida.
Nos termos do no nº 1 do artigo 793º e nº 1 do artigo 794º, ambos do CC, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” e “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”.
A interpelação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.
É judicial quando é feita no processo judicial, mais precisamente através de citação, e extrajudicial quando é feita antes de ser instaurado o processo, por vias particulares, nomeadamente por meio de carta dirigida ao interessado.
No caso vertente, embora tenha sido provado que o primitivo Autor pediu, por diversas vezes, ao Réu ora recorrente para que este desocupasse a fracção, mas não se logrou apurar a data exacta em que foi feito o pedido junto do recorrente, pelo que, salvo melhor opinião, somos a entender que pelo menos no próprio mês em que a acção foi proposta, já foi levada a cabo a respectiva interpelação.
Sendo assim, entendemos que se deve considerar o próprio mês em que foi proposta a acção para efeitos de contabilização do respectivo valor indemnizatório, e não a data de um mês antes da propositura da acção, como se referiu na sentença recorrida.
Com efeito, o valor indemnizatório será calculado a partir de Março de 2011 até Outubro de 2014, com base no montante mensal de MOP$6.000,00, daí que o valor corresponderá a MOP$264.000,00 (MOP$6.000,00 x 44 meses).
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No que respeita à resposta ao quesito 31º da base instrutória, o recorrente apenas pretende pôr em causa a livre apreciação do tribunal, daí que, não sendo o caso de prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Sendo assim, não resta senão julgar improvido o recurso nesta parte.
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Sobre a impugnação da matéria quesitada nos artigos 7º, 21º, 22º, 23º, 23ºA, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, o recorrente apenas põe em causa a resposta aos quesitos 24º, 25º, 27º, 28º e 29º, entendendo que deveria dar como provadas as despesas efectuadas pelo recorrente.
Alega o recorrente que foram juntos ao processo vários documentos, os quais permitiam provar a realização das despesas relacionadas com contribuição predial e imposto de renda, prestações mensais do preço de aquisição da fracção devidas por H e as obras de manutenção e reparação.
De facto, não obstante ter o recorrente alegado que tinha efectuado o pagamento de tais despesas, juntando para o efeito alguns documentos, mas não deixa de ser verdade que a respectiva matéria foi impugnada pela parte contrária ora recorridas na sua contestação.
Ao abrigo do nº 2 do artigo 368º do CC, se a parte contra quem os documentos são apresentados declarar que não sabe se são verdadeiros, incumbe à parte que os apresentar provar a sua veracidade, caindo neste caso no âmbito da livre apreciação do Tribunal.
Ora bem, no que concerne a essas despesas, verifica-se que o Tribunal a quo explicou a razão por que não tinha aceitado os respectivos documentos para prova dos factos, com a qual concordamos na íntegra e que a seguir se transcreve:
“Quanto às despesas alegadamente pagas pelo Réu não são juntos recibos emitidos em nome deste nem quanto aos recibos emitidos em nome de outrem o Réu junta documentos comprovativos do pagamento ter sido efectuado por si, o que acontece com os documentos de folhas 71 a 77 emitidos em nome de H. Quanto aos itens 28º e 29º não é produzida prova alguma de que hajam sido realizadas obras na fracção dos autos e muito menos o valor que haja sido pago, sendo certo que os documentos juntos para o efeito não indicam o local.”
Como se disse, não sendo o caso de prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cabendo ao julgador valorá-los livremente e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Nesta conformidade, por não se vislumbrar qualquer erro na apreciação da matéria de facto, improcede o recurso nesta parte.
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Sanção pecuniária compulsória
O recorrente foi condenado a pagar às recorridas uma quantia pecuniária diária de MOP$750,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na restituição da fracção a que se reporta os presentes autos, a contar de 1 de Novembro de 2014.
Defende o recorrente que essa decisão incorreu na violação do nº 2 do artigo 333º do CC.
Quanto a esse aspecto, tem razão o recorrente.
Preceitua-se no nº 1 do artigo 333º do CC que “o tribunal, em acréscimo à condenação do devedor no cumprimento da prestação a que o credor tenha contratualmente direito, à cominação de pôr termo à violação de direitos absolutos ou à condenação na obrigação de indemnizar, pode, a requerimento do titular do direito violado, condenar o devedor a pagar ao ofendido uma quantia pecuniária por cada dia, semana ou mês de atraso culposo no cumprimento da decisão ou por cada infracção culposa, conforme se mostre mais conveniente às circunstâncias do caso; a culpa no atraso do cumprimento presume-se.”
Por outro lado, diz o nº 2 do mesmo artigo que “a sanção pecuniária compulsória não pode ser estabelecida para o período anterior ao trânsito em julgado da sentença que a ordene, nem para o período anterior à liquidação da indemnização, salvo se o devedor for condenado por ter interposto recurso com fins meramente dilatórios, caso em que a aplicação da sanção é reportada à data da notificação da decisão que a tenha cominado.”
Ora bem, no caso vertente, tendo em consideração os fundamentos alegados pelo recorrente, não obstante a maior parte deles não serem atendidos por este TSI, não se descortina que o mesmo tenha interposto o presente recurso com fins meramente dilatórios, razão pela qual não julgamos correcto fixar a referida sanção pecuniária com efeitos a partir de 1.11.2014, ou seja, anterior ao trânsito em julgado da sentença, devendo, em consequência, ser revogada a sentença quanto a esta parte, mas sem prejuízo de este TSI conhecer do pedido de condenação do recorrente no pagamento de indemnização pela privação do gozo da fracção a que se reporta os autos, desde Novembro de 2014 até à efectiva entrega da fracção, por ser um dos pedidos formulados pelo primitivo Autor e reiterado agora nas alegações das recorridas.
Com efeito, considerando que o recorrente tem ocupado a fracção a que se reporta os autos, mesmo depois de 1.11.2014, impedindo as recorridas de a gozar por qualquer forma, nomeadamente dar de arrendamento por valores locativos de mercado, condena-se o recorrente a pagar às recorridas indemnização pela privação do gozo da fracção desde Novembro de 2014 até à efectiva entrega da fracção, cujo valor será apurado em sede de execução de sentença.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente A contra as recorridas C, D, E, F e G, sendo todas elas herdeiras do primitivo Autor B, e decidindo-se:
- Alterar o valor indemnizatório de MOP$270.000,00 para MOP$264.000,00, acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento; e
- Revogar a sentença na parte em que condenou o recorrente ao pagamento da sanção pecuniária compulsória, e em consequência, condenar o recorrente a pagar às recorridas indemnização pela privação do gozo da fracção desde Novembro de 2014 até à efectiva entrega da fracção, cujo valor será apurado em sede de execução de sentença.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais decidido.
Custas na primeira instância, a cargo do Autor e Réu na proporção do decaimento quanto aos pedidos, e nesta instância, a cargo do recorrente e recorridas, respectivamente, na proporção de 90% e 10%.
Registe e notifique.
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RAEM, 19 de Janeiro de 2017
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira

1 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 96 e 97
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Recurso Civil 526/2015 Página 50