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Processo nº 585/2016 Data: 19.01.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”.
“Intenção ilegítima”.
Matéria de direito.
Juízo conclusivo.
Penas alternativas.




SUMÁRIO

1. “Intenção ilegítima” (em direito penal e em relação ao “arguido”), corresponde à “vontade do agente”, que é ilícita e não justificada, constituindo matéria de direito e/ou juízo conclusivo que a integrar a decisão da matéria de facto terá que se ter como não escrita.

2. Atentos os perigos relacionados com a abusiva utilização das ciências e dados informáticos – muitas vezes, causadores de “danos irreparáveis” – (muito) fortes são as necessidades de prevenção da “criminalidade informática”, justificando-se a opção por uma pena de prisão (suspensa na sua execução), em detrimento de uma pena de multa.

O relator,

______________________


Processo nº 585/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p. e p. pelo art. 5°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 222 a 225-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“1ª Imputa o ora recorrente à decisão recorrida, vícios de erro de direito integrado no fundamento indicado no art°. 400°, n°.1, do Código de Processo Penal – “quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida” – no que concerne da falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, onde se inclui o dolo específico, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 339.° n.° 1 do Código de Processo Penal; e erro de direito na determinação do tipo da pena previsto no art. 64.° do Código Penal.
2ª O Tribunal a quo condenou o recorrente pelo crime de obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos com base, e já após as alegações orais finais do mandatário na sessão de julgamento do dia 5 de Maio de 2016 – e por causa delas – por uma alteração não substancial de factos constantes da acusação e determinou que nela passasse a constar “com intenção ilegítima (存有正當意圖) ao invés de “para usos e motivos pessoais” (私人用途及目的) (cfr. acta em fls 216 dos autos), do que resultou para uma nova marcação de sessão de julgamento, a apresentação de uma segunda vez de alegações orais que decorreu no dia 12 de Maio de 2016 (cfr. acta em fls 221).
3.ª Tal alteração não substancial de factos não é, ressalvado o devido respeito, permitida, no caso, por a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa (art.° 339.°, n.° 2 do CPP), uma vez que a defesa alegara que houve falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente o dolo específico.
4.ª O Acórdão 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça da República Portuguesa pronuncia-se ainda sobre a impossibilidade de recurso ao mecanismo da alteração não substancial dos factos como forma de contornar uma acusação “deficientemente” elaborada, devendo, em consequência, ser declarada a absolvição do arguido, caso o processo se encontre na fase do julgamento.
5.ª Nele se fixou jurisprudência no sentido de que: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o acto com o sentido docorrespondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do Código do Processo Penal” (correspondente ao nosso art.° 339.°). “Ou seja, quando os factos constantes da acusação, por lapso ou erro do Ministério Publico, não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a condenação do arguido, este tem de ser absolvido, caso o processo já esteja na fase de julgado, ficando vedado o recurso à figura da alteração não substancial dos factos, como forma de rectificar a situação”.
6.ª Devia o Tribunal a quo, em conformidade, ser mantida a acusação pública nos seus exactos termos e decidido no sentido da absolvição do arguido dos imputados crimes.
7.ª Ora, em primeiro lugar, a acusação deve conter com a máxima precisão a descrição dos factos da vida real, os que configuram o acontecimento histórico que teve lugar e que correspondam aos elementos constitutivos do tipo legal de crime, tanto os do tipo objectivo do ilícito, como os do tipo subjectivo.
8.ª De forma mais concreta, o art. 265.°, n.° 3, alínea b) do CPP, impõe que a acusação contenha “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
9.ª De entre os elementos do tipo subjectivo de ilícito estão os que se relacionam com o dolo ou a negligência. “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência” (art. 12.° do CP).
10.ª O dolo vem legalmente definido nos vários elementos que o compõem no art. 13.° do CP.
11.ª Em Direito Penal, relaciona-se sempre com um tipo legal e, por isso, é que se fala em dolo típico. Esse mesmo dolo é o genérico. Trata-se do requisito subjectivo geral exigido em todos os crimes dolosos: consciência e vontade de concretizar os requisitos objectivos do tipo.
12.ª Por outro lado, o dolo específico está naqueles tipos penais em que se faz essa exigência; além do dolo genérico, há uma intenção especial do agente.
13.ª Na verdade, o crime ora condenado ao recorrente estatuído no art. 5.° n.° 1 da Lei n.° 11/2009 tem como elemento de tipo objectivo – “Que o agente obtiver, utilizar ou colocar à disposição de outrem dados informáticos que não lhe sejam destinados, contidos num sistema informático ou num suporte de armazenamento de dados informáticos”. E tipo subjectivo: – O dolo genérico, “o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade”; E dolo específico: “sem autorização e com qualquer intenção ilegítima”.
14.ª Estando indiciado nos autos que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na acusação, sem autorização, obteve, utilizou dados informáticos da companhia que trabalhava, contidos num sistema informático ou num suporte de armazenamento de dados informáticos ao qual tenha tido acesso ainda que legítimo, podemos concluir apenas que está indiciariamente preenchido o tipo objectivo das referidas normas.
15.ª Concretamente, constava na acusação no seu artigo 10.° do seguinte: A為上述私人用途及目的,在未得到上級或公司許可的情況下,利用上述手段進入公司的電腦系統,並從公司的電腦系統內取得公司的上述機密資料,且上述資料亦非是要給予A的, salvo melhor tradução em português significa “A para usos e motivos pessoais, sem autorização dos superiores ou da Companhia, utilizou os meios acima mencionados, para ter acesso ao sistema computacional da Companhia, e adquirir os dados confidenciais acima mencionados da Companhia através do sistema computacional da Companhia, os quais não lhe seriam dados”.
16.ª Ressalvado o devido respeito, assim discordamos com o Tribunal a quo quando pronuncia sobre a alteração substancial dos factos, concretamente no artigo 10.° da acusação a modificação de “A para usos e motivos pessoais (…)” para “A com intenção ilegítima (…) ”.
17.ª Como é evidente, a acusação do Ministério Público não contém uma intenção ilegítima que o agente agiu, mas simplesmente uma intenção para usos e motivos pessoais assim como para fins de divertimento pessoal (artigo 8.° da acusação), assim não mostrando intenção de causar prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo, para nela se ter por contemplado o dolo específico do crime em questão.
18.ª Conexionada com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjectivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo específico, no sentido atrás referido), pode ser integrada no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 339.° do CPP, ou seja, tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos.
19.ª Tendo o processo sido despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, o Tribunal a quo deveria rejeitar a acusação, por a mesma ser nula, nos moldes referidos, por não conter a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, no caso sub judice, a falta do elemento subjectivo do dolo especifício – uma intenção ilegítima do recorrente.
20.ª Mas há uma outra consideração que deveria levar à rejeição. É o facto de os elementos em falta não poderem ser integrados no julgamento por simples recurso ao art. 339.° do CPP – alteração não substancial dos factos.
21.ª É que tal integração não consubstancia uma alteração não substancial dos factos. Com efeito, a latitude do princípio do acusatório, na sua conjugação com o princípio da investigação da verdade material, ou, por outras palavras, a flexibilidade do objecto do processo, encontra como limite a alteração substancial dos factos.
22.ª Alteração substancial dos factos, na definição legal, é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” (art. 1.°, alínea f) do CPP).
23.ª No caso, o acrescento dos elementos constitutivos do tipo subjectivo do ilícito, compreendendo aqui também dolo específico, corresponde a uma alteração fundamental, de tal forma que alguma da jurisprudência inventariada considera que tal alteração equivale a transformar uma conduta atípica numa conduta típica e que essa operação configura uma alteração substancial dos factos. O mecanismo adequado a uma tal alteração não seria, pois, o do art. 339.°, mas o do art. 340.°, n.°s 1 e 2 do CPP, implicando o acordo entre o Ministério Público, e o arguido para o prosseguimento da audiência por esses factos, como única forma de evitar a anulação do princípio do acusatório, ou, na falta desse acordo, a comunicação ao Ministério Público para procedimento criminal pelos novos factos, se eles fossem autonomizáveis.
24.ª Porém, se não é aplicável, nestas situações, o mecanismo do art. 339.° do CPP, também não será caso de aplicação do art. 340.°, pois, correspondendo a alteração à transformação de uma conduta não punível numa conduta punível (e, nesse sentido, substancial), ou, como querem alguns, uma conduta atípica numa conduta típica, a verdade é que ela não implica a imputação ao recorrente de crime diverso. Pura e simplesmente, os factos constantes da acusação (aqueles exactos factos) não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais.
25.ª Ora, a consabida razão de ser do regime que decorre das normas dos artigos 1.°, alínea f), 339.° e 340.° situa-se num plano diverso, que tem como pressuposto que na acusação, ou na pronúncia, se encontravam devidamente descritos os factos que integravam, quer todos os elementos do tipo objectivo de ilícito, quer todos os elementos do tipo subjectivo de ilícito, respeitantes ao tipo de ilícito incriminador pelo qual o recorrente fora sujeito a julgamento.
26.ª Por isso, a ausência ou deficiência de descrição na acusação dos factos integradores do respectivo tipo de ilícito incriminador – no caso, descrição dos factos atinentes aos elementos do dolo específico do tipo subjectivo de ilícito – deveria conduzir na audiência à absolvição do arguido.
27.ª Conforme a audiência realizada no julgamento, e conforme o esclarecimento do arguido, veio este a afirmar quase todos os factos constantes na acusação, mas porém nega o recorrente de ter cometido os crimes que vinham ser imputados, uma vez que obteve e utilizou os dados informáticos por motivo de trabalho, e alguns por mera diversão.
28.ª Disse o arguido que trabalhou na companhia de seguros em questão desde Abril a Julho de 2014. E a dada altura, propriamente em meados de Junho, um colega da companhia chamado Victor desligou-se ao serviço e por solicitação do colega, ou seja a testemunha Marques Simões Gonçalves, André Daniel, foi-lhe encarregado a trabalhar as tarefas do então empregado Victor.
29.ª Uma vez o serviço ficou sobrecarregado, e que o arguido não podia acabar todos os serviços na hora normal de serviço, o arguido resolveu de transferir o trabalho para a casa. O arguido instalou um software Teamviewer e colocou numa pasta (file) que continha aquilo que pretendia fazer o trabalho em casa, nomeadamente os templates 範本 que tomava conta na altura.
30.ª A esclarecer aqui, de como a pasta possuía ainda outros documentos do serviço, e o recorrente por mera intenção de conveniência transferiu toda a pasta para a casa, querendo dizer que os outros documentos eram desnecessários e apenas foram transferidos.
31.ª O recorrente reconhece a sua falta de não ter comunicado a companhia concretamente avisado os seus colegas de supervisor, mas assim fez só porque queria melhorar o seu trabalho na companhia de seguros, nomeadamente para inteirar melhor as tarefas que lhe estava encarregado, isto é, sobre os templates que estava incumbido.
32.ª Quanto os documentos inerentes com música, o arguido também reconhece que utilizou para fins de divertimento.
33.ª O recorrente reconhece assim as suas faltas, mas julga que essas faltas apenas possam ser consideradas faltas sobre regras disciplinares da Companhia ou de integridade e não como ilícitos penais, uma vez que o recorrente não tinha quaisquer intenção de subtrair, vender ou espiar documentos da companhia.
34.ª Assim, é evidente que apesar está confirmado que o recorrente tinha transferido da sua Companhia dados informáticos para a casa, e sem autorização da companhia, mas a intenção do recorrente apenas se destinava ou para o trabalho ou para divertimento. Essas intenções nunca podem ser consideradas uma intenção ilegítima, ou seja um dolo específico exigido naquelas norma do art. 5.° n.°1 da Lei n.° 11/2009.
35.ª Outrosim, mesmo em sede julgamento, na factualidade apurada, o Tribunal a quo inacredita que não haja intenção ilegítima por parte do recorrente, mas contudo o Tribunal a quo não conseguiu provar se mesmo houvesse intenção ilegítima, quais eram as intenções ilegítimas.
36.° Assim, na falta de elementos e provas no julgamento que o recorrente agiu com dolo ou de alguma intenção maliciosa, os actos praticados pelo recorrente não cometeu o crime ora condenado pelo tribunal a quo, e neste aspecto devendo também no final, o tribunal absolver o arguido.
37.ª Ora, a instiuição do dolo específico na referida norma da Lei de combate à criminalidade informática tem como fontes de direito a Convenção de Budapeste criada em 2001, na Hungria, pelo Conselho da Europa e tipifica os principais crimes cometidos na Internet.
38.ª Embora que Macau e a China não tenham aderido da tal Convenção, mas com a criação daquela Convenção, o Governo de Macau, conforme explicitada na respectiva Nota Justificativa da Assembleia Legislativa resolveu criar uma lei em consequência do acordo celebrada na Convenção.
39.ª No artigo 2.° da dita Convenção respeitante ao “Acesso ilícito” prescreve que “Cada Parte deverá adoptar as medidas legislativa e outras que se revelem necessárias para classificar como infracção penal nos termos do seu direito interno, quando praticado intencionalmente, o acesso ilícito a um sistemas informático no seu todo ou a parte dele. Para que se verifique a infracção penal, qualquer uma das Partes pode exigir que ela seja cometida por meio da violação das medidas de segurança com intenção de obter dados informáticos ou com qualquer outra intenção, ou ainda que esteja relacionada com um sistema informático conectado a outro sistema informático”.
40.ª Nesse sentido, a Convenção mencionada, eminentemente flexível e respeitosa à soberania dos Estados Parte, incumbe-os, consoante explicitado, de estabelecer leis internas de combate ao cibercrime, instituindo, assim, o elemento subjectivo do dolo específico.
41.ª Mas nem sempre todos os Estados exige o dolo específico, como por exemplo em Portugal, se é verdade que no âmbito da anterior legislação, do art.° 7.° da revogada Lei n.° 109/91 de 17/8, esse dolo era exigível para o preenchimento do tipo “intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos”, não é menor certo que o novo regime legal deixou “cair” essa exigência, bastando-se hoje com um mero dolo genérico, pois que a pararela norma do art.° 6.° n.° 1 da Lei n.° 109/2009, de 15/9, o não exige, sendo que essa intenção, o tipo subjectivo de acesso ilegítimo deixou de ser exigível em Portugal. Apenas se exige o dolo genérico, como resulta da expressão “sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele”.
42.ª Porém, diferentemente de Portugal, a Lei n.° 11/2009 de Macau optou de estabelecer o dolo específico na norma do art.° 5.° n.°1 – “intenção ilegítima”, pelo que segundo o Principio da Legalidade, com a carência daquela intenção ilegtíma, os factos constantes na acusação anterior ou agora provada em audiência não são puníveis em Macau.
43.ª E se o Tribunal a quem não entender absolver o recorrente e atenta a pena estatuída para o crime p. e p. pelo art.° 5.°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, é de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, entendemos estarem os pressupostos para que se aplique ao recorrente uma pena de multa, considerando-se excessiva o tipo de pena aplicada pelo Tribunal recorrido.
44.ª In casu, na sentença recorrida, o Tribunal a quo não fundamentou devidamente porque, perante um crime que pode aplicar a pena de prisão e multa, escolheu a pena de prisão, embora com suspensão da sua execução, em deterimento da pena de multa.
45.ª Ou seja, ao apurar a medida concreta da pena aplicável, o Tribunal recorrido deu imediatamente preferência à pena privativa da liberdade sem devidamente ponderar as razões justificativas que o levaram a afastar a pena de multa, quando a isso estava obrigado pelo art. 64.° do CP, por ele violado, remetendo-se para termos gerais já “o tribunal julga a pena de multa não dá para realizar as finalidades da punição sobre o arguido”, sem especificar em concreto como tais exigências não premitiriam a pena de multa.
46.ª Entendemos, portanto, estarem verificados os pressupostos para que a pena encontrada seja de pena de multa, conforme dispõe o art. 64.°, n.° 1 do CP, norma que foi violada pelo Tribunal a quo. Pois, atendendo à personalidade do agente, suas condições de vida, sua conduta anterior (sem antecedentes criminais), e posterior ao crime (o recorrente nunca procurou fugir à justiça), e às circuntâncias deste, sendo de concluir, assim, que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
47.ª Aplicando os critérios de escolha da medida da pena aplicada ao recorrente pelo Tribunal recorrido dentro da moldura penal de um mês a 1 ano de prisão que lhe aplicou a pena de 4 meses de prisão, entende-se que a pena de multa a aplicar ao arguido aqui recorrente, usando os mesmos critérios que, no aludido quadro levaram à sua fixação nos 4 meses de prisão, deveria ser a pena de multa de 40 dias, e com uma taxa diária não superior a Mop$100.00, considera adequada para o recorrente”.

Pede: “a) Dados por verificados os imputados vícios de violação de lei e, julgado procedente o presente recurso, e absolver o recorrente pelo crime ora condenado;
 b) E se o Tribunal a quem não assim entender, alterar a decisão condenada no sentido de condenar o recorrente numa pena de multa de 40 dias, e com uma taxa diária não superior a Mop$100.00”; (cfr., fls. 235 a 267).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 269 a 273-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.235 a 267 dos autos, o ora recorrente solicitou a absolvição por se verificar a violação do disposto no n.°1 do art.5° da Lei n.°11/2009, e a atenuação da pena aplicada em virtude de que esta ofende o preceituado no n.°1 do art.64° do Código Penal de Macau.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.269 a 273v.).
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Fundamentando o pedido de absolvição, o recorrente arrogou que faltara à Acusação da descrição do elemento subjectivo do crime previsto e punido pelo n.°1 do art.5° da Lei n.°11/2009, por a Acusação não conter a menção de «com intenção ilegítima», e que o facto provado de o arguido agiu «com intenção ilegítima» operava a alteração substancial.
No entanto, repare-se que a Acusação elenca: «此外,A為其個人娛樂的目的,還藉上述手段遙控公司的電腦來瀏覽與其工作無關的網頁、以及下載至少12,825個諸如音樂及電影種子(torrent)等大量資料並轉送到其私人電腦內。» e «A為上述私人用途及目的,在未得到上級或公司許可的情況下,利用上述手段進入公司的電腦系統,並從公司電腦系統內取得公司的上述機密資料,且上述資料亦非是要給予A的。»
Ora bem, interpretados todos os factos especificados na Acusação na sua totalidade, colhemos que a expressão «為上述私人用途及目的» significa, de molde inerente e inegável, que o recorrente agiu com intenção ilegítima. Pois, basta a razão humana para concluir que a intenção do recorrente não pode ser legítima, tem de ser ilegítima.
Sendo assim, o facto provado de «嫌犯A存有不正當意圖» constitui a indução da expressão «為上述私人用途及目的» e, no mais, germina a alteração não substancial regulamentada no art.339° do CPP, pelo que a douta sentença recorrida não infringe o art.340° deste diploma legal.
De outro lado, sufragamos a prudente observação da ilustre colega no sentido de «第11/2009號法律第5條所規定的「不當獲取、使用或提供電腦數據資料罪」,並無規定特定意圖,而是任何不正當意圖。因此,嫌犯行為觸犯該規定的意圖。» Daí decorre inevitavelmente que a douta sentença recorrida não contende com o n.°1 do art.5° da Lei n.°11/2009.
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A moldura penal consignada no n.°1 do art.5° da Lei n.°11/2009 é de pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. No aresto posto em crise, a MMa Juiz a quo condenou o recorrente na pena de 4 meses de prisão com suspensão da execução durante 1 ano.
Ora bem, «上訴人是電腦程式員,熟悉電腦資料的處理及操作,清楚所接觸資料的重要性及敏感性,仍然以直接故意方式在違反公司規定的情況下獲取機密資料,包括公司研發的程式。同時在公司電腦系統安裝遙距控制軟件,長期非法進入公司電腦,使用公司資源滿足個人娛樂目的。上訴人並無完全承認被控訴的事實。»
Na mesma linha, e por não se descortina circunstâncias atenuantes em favor ao recorrente, temos por incontroverso que a pena aplicada a si mostra benevolente, e a douta sentença recorrida não ofende o preceito no n.°1 do art.64° do Código Penal de Macau.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 293 a 294).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 223 a 223-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p. e p. pelo art. 5°, n.° 1 da Lei n.° 11/2009, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

Pede a sua “absolvição”, e, subsidiáriamente, a sua condenação em “pena de multa de 40 dias com taxa diária não superior a MOP$100,00”.

Vejamos se tem razão.

–– Nos termos do art. 5° da Lei n.° 11/2009, (“Lei de Combate à Criminalidade Informática”):

“1. Quem, sem autorização e com qualquer intenção ilegítima, obtiver, utilizar ou colocar à disposição de outrem dados informáticos que não lhe sejam destinados, contidos num sistema informático ou num suporte de armazenamento de dados informáticos, ao qual tenha tido acesso ainda que legítimo, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. O agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias quando os dados informáticos referidos no número anterior sejam relativos à vida privada da pessoa, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, à saúde, à raça ou à origem étnica, às convicções políticas, religiosas ou filosóficas, ou ainda a segredo legalmente protegido.
3. O procedimento penal depende de queixa”.

In casu, e em síntese que nos parece adequada, estava o arguido ora recorrente acusado (pelo Ministério Público) de, sem autorização ou consentimento, obter dados informáticos da empresa onde trabalhava “para usos e motivos pessoais”, (em chinês “為私人用途及目的”).

Porém, na sessão da audiência de julgamento ocorrida em 05.05.2016, após alegações do Ministério Público e do Exmo. Defensor do arguido, invocando o art. 339° do C.P.P.M., proferiu o Tribunal decisão no sentido de proceder a uma “alteração não substancial dos factos constantes da acusação”, passando assim, a constar no art. 10° desta, que o arguido agiu com “intenção ilegítima”, (em chinês “不正當意圖”), em vez de, como constava, “para uso e motivos pessoais”; (cfr., acta de audiência a fls. 216).

Certo sendo que perante tal decisão teve o arguido oportunidade de produzir novas alegações, agora, perante a decisão do Tribunal a quo em dar como “provada” tal “intenção ilegítima”, vem – essencialmente – dizer que legal não foi a efectuada “alteração não substancial”, e que, (então), por ausência de prova quanto ao seu dolo (específico), devia ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.

Em nossa opinião, há (manifesto) equívoco.

Eis os motivos deste nosso ponto de vista.

A “intenção ilegítima” é, antes de mais, intenção que vai “contra a lei”, que é “injusta”, que “não se justifica”.

Dito de outro modo, (em direito penal, e em relação ao “arguido”), corresponde à “vontade do agente”, e que é ilícita e não justificada.

Todavia, (e seja como for), não se pode olvidar que “intenção ilegítima” não é “matéria de facto”, sendo “matéria de direito” e/ou um “juízo conclusivo”.

E como tal, e como é evidente, não se pode manter, havendo que se ter como não escrita na decisão da matéria de facto em questão; (neste sentido, cfr., os Acs. do Vdo T.U.I. de 09.07.2003, Proc. n.° 11/2003 e de 14.12.2011, Proc. n.° 57/2011, e o deste T.S.I. de 12.02.2015, Proc. n.° 847/2014).

E então, como concluir-se da dita “intenção ilegítima” do arguido para a sua “condenação”?

Ora, tal referida “intenção” resulta, quanto a nós, com bastante clareza, da restante matéria de facto dada como provada.

Se provado está que o arguido se apoderou de uma grande quantidade de dados informáticos de acesso restrito da empresa sem autorização e consentimento desta, que no âmbito do seu trabalho o arguido não necessitava de tais dados, e que mesmo assim ficou com eles à sua disposição, tendo agido livre e voluntáriamente, com consciência da ilicitude da sua conduta, há pois que concluir que agiu com “intenção ilegítima”, sendo pois de se manter a sua condenação.

–– Quanto à “pena”.

Diz o recorrente que não havia motivos para se afastar a aplicação do art. 64° do C.P.M., onde se consagra que:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Cremos porém que bem decidiu o T.J.B..

Com efeito, é por todos sabido que crimes como o dos autos, podem, (com um simples “clic”), causar “danos irreparáveis”.

O arguido, possuindo conhecimentos de informática não poderia deixar de saber dos “perigos” relacionados com a má utilização das ciências e dados informáticos.

Porém, tal não o impediu de “abusar” do exercício das suas funções, apoderando-se, (ilícita e ilegitimamente) de uma grande porção de dados informáticos.

Tal em nosso entender, aliada às fortes necessidades de prevenção geral deste tipo de criminalidade, cada vez mais preocupante e em crescimento permanente, afasta a aplicação do art. 64° do C.P.M. que levaria à opção por uma pena “não privativa da liberdade”, pois que esta, no caso, não realiza de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição que, como se sabe, estão previstas no art. 40° do mesmo C.P.M..

Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, há que julgar improcedente o recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido 6 UCs de taxa de justiça.

Macau, aos 19 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 585/2016 Pág. 22

Proc. 585/2016 Pág. 23