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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -------------------------
--- Data: 24/01/2017 ------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo --------------------------------------------------------------------------

Processo nº 957/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença prolatada pela Mma Juiz do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. a) e c) do C.P.M., na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de MOP$500,00, perfazendo a multa de MOP$30.000,00 ou 40 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 114 a 116 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

Na sua motivação de recurso tece as conclusões seguintes:

“1.ª O presente recurso vem interposto da douta sentença em que se condenou o arguido A, ora Recorrente, como autor material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento p. e p. pela alínea a) e c) do n.° 1 do art. 244.° do Código Penal (doravante C.P.), a uma pena de multa de 60 dias, sendo a taxa diária de MOP$500.00, perfazendo um total de MOP$30,000.00, se não pagar a multa ou a substituir por trabalho, será 40 dias de prisão.
2.ª Ao assim ter decidido, fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das pertinentes normas jurídicas constantes do art. 244.° do C.P., assim incorrendo a decisão recorrida num vício de erro na aplicação do direito, nos termos do art. 400.°, n.° 1 do C.P.P.
3.ª Com efeito, na interpretação e posterior aplicação da lei aos factos julgados como provados, considerou o Tribunal recorrido que seria, por um lado, um “facto juridicamente relevante” falso que o Recorrente estivesse já, à data da Declaração em causa nos presentes autos, separado de facto da sua ex-esposa há mais de 2 anos.
4.ª Por outro lado, o Tribunal recorrido considerou ainda que seria um “facto juridicamente relevante” a mera alteração da data de 27 NOV para 29 NOV.
5.ª Ora, a verdade é que se trata de um facto verdadeiro que à data da referida Declaração o Recorrente estava já separado de facto da sua ex-esposa há mais de 2 anos.
6.ª E é prova cabal disso a circunstância de a Administração ter depois conferido a autorização especial de permanência na RAEM para a sua namorada, precisamente atento esse exacto e mesmo facto e fundamento de que vivia em união de facto logo desde a data de separação de facto.
7.ª Mais ainda se diga que o Recorrente não obteve qualquer benefício – nem tão pouco, pois, ilegítimo – do acto de acrescentar a frase “(…) This came after a two year separation on, or about, Dec, 30, 2009 (…)”, na declaração ajuramentada pelo Consulado Geral dos E.U.A. em Hong Kong e por ele próprio manuscrita.
8.ª Reitera-se que o Recorrente, ao aditar pelo seu próprio punho a frase “(…) This came after a two year separation on, or about, Dec, 30, 2009 (…)”, pretendeu unicamente, em consciência e de boa-fé, satisfazer o pedido efectuado pelos Serviços de Migração para que na declaração constasse a data de início da separação de facto entre ele e a sua ex-esposa.
9.ª Também não quis o Recorrente causar – nem objectivamente se causou – qualquer prejuízo à R.A.E.M., o que só poderia ter ocorrido caso a obtenção dessa autorização especial estivesse única e exclusivamente dependente do acto de acrescentar a frase “(…) This came after a two year separation on, or about, Dec, 30, 2009 (…)” e do acto de alterar a data de 27 NOV para 29 NOV.
10.ª Todavia, como se disse, tal não se verificou pois o Recorrente acabou mesmo, depois, por lhe ver reconhecido o facto de estar separado desde 2009, e, pois, obter a autorização especial de permanência na RAEM para a sua namorada, precisamente atento esse exacto e mesmo facto e fundamento de que vivia em união de facto logo desde a data de separação de facto.
11.° Verificando-se assim que não provocou qualquer prejuízo à Administração ou a terceiro.
12.ª Pelo exposto, contrariamente ao que consta da decisão recorrida, não houve por parte do Recorrente qualquer intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, nem tal prejuízo objectivamente ocorreu em termos de resultado.
13.ª No respeitante à alteração da data de 27 NOV para 29 NOV, o Recorrente insurge-se igualmente contra a decisão recorrida pois entende que a mesma é irrelevante não só jurídico-penalmente como o foi igualmente no plano do procedimento administrativo.
14.ª Pois que ao proceder a tal alteração da data, o único intuito por parte do Recorrente foi fazer coincidir e irmanar a data do requerimento com a data em que tinha procedido ao aditamento do segmento “(…) This came after a two year separation on, or about, Dec, 30, 2009 (…)”.
15.ª A falsidade em documentos é punível apenas, quando e caso se trate de uma declaração de um elemento ou dado falso, mas não de todo e qualquer input em si falso meramente em termos objectivos mas, diversamente, desde que seja um dado ou elemento que seja efectivamente dotado de aptidão ou relevância jurídica.
16.ª Isto é, para efeitos jurídico-penais, “facto falso juridicamente relevante” é aquele – e apenas aquele – que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo II, Coimbra Editora, pag. 683).
17.ª Somente poderá, assim, ser punido o crime de falsificação de documentos por alteração/adulteração de documento caso se acrescente uma declaração de um facto, elemento ou dado falso que, sendo objectivamente falso, permita e seja idóneo a fazer obter ao declarante – precisamente para tanto – um benefício ou vantagem que, não fosse esse facto, elemento ou dado, não conseguiria obter.
18.ª Ora, sucede que in casu não foi o acrescento de “dois dias” – ou seja, de 27 NOV para 29 NOV – que permitiu completar e preencher o período legalmente exigido de 2 anos de separação de facto, pressuposto temporal essencial para se poder considerar relevante e eficaz a união de facto.
19.ª O que significa que quando o facto, elemento ou dado alterado seja falso, é ainda e também absolutamente necessário, em termos de tipicidade jurídico-penal, que esse facto, elemento ou dado seja juridicamente relevante ou operativo quanto ao desfecho final (de indeferimento ou deferimento) do procedimento administrativo.
20.ª Pelo que, a mera alteração da data do documento a que aludem os autos não se afigura que possa ser, no caso concreto – em que já estavam completados, até por excesso, o prazo de 2 anos de separação de facto indispensáveis para a consideração da união de facto –, considerada apta ou idónea a constituir, modificar ou extinguir a relação jurídico-administrativa em causa.
21.ª A tudo o que antecede e consta melhor explanado na motivação supra, importa ainda aqui reiterar que para que se verifique o crime de falsificação de documento é necessário que exista a necessidade de o agente actuar com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao território como também a de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
22.ª No caso dos autos, não se verifica qualquer intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, como também, em termos de resultado, não se verifica efectivamente qualquer prejuízo, como também, por outro lado, não se verificou a obtenção de qualquer benefício ilegítimo a que o Recorrente não tivesse já pleno direito logo desde a data da Declaração, como aliás a Administração veio, seguidamente, reconhecer ao atribuir o direito de permanência com base nesse mesmo fundamento (separação de facto de mais de 2 anos prévia ao divórcio).
23.ª Conforme os factos provados nos autos, se é certo que, num plano puramente objectivo e naturalístico, o Recorrente fez incluir na Declaração – ainda que a pedido da Administração – elementos ou dados diferentes dos anteriormente ali plasmados, a verdade é que tais novos dados e elementos nem foram incluídos com qualquer intenção de obter para si um benefício ilegítimo (obter a autorização especial de permanência na RAEM para a sua namorada de que vivia em união de facto) como, mais ainda que isso, nem eram idóneos para tanto porque os 2 anos de separação de facto existiam já à data – independentemente, pois, do aditamento da indicada frase – e, por maioria de razão, independentemente de, com aquela inclusão, o Recorrente ter “acrescentado” mais 2 dias (de 27 NOV para 29 NOV).
24.ª É, pois, de concluir não estarem verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de falsificação de documento, consignado no citado art. 244.° do C.P., logo, e salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo errou na qualificação e tratamento jurídico dos factos e na interpretação e aplicação da lei aos mesmos, não tendo o Recorrente incorrido em qualquer ilícito penal.
25.ª Ao não ter assim sido julgado pelo digno Tribunal a quo, entende o Recorrente, muito respeitosamente, ter sido violado o disposto no art. 244.° do CP., vício de violação de lei que, nos termos e por força do art. 400.° n.° 1 do C.P.P., importa a revogação da decisão recorrida, termos em que deveria o Recorrente ter sido absolvido pelo Tribunal recorrido, o que ora se requer a V. Ex.as”; (cfr., fls. 140 a 155).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 158 a 159).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.140 a 155 dos autos, o recorrente solicitou a absolvição da acusação, na qual a ilustre colega imputou-lhe a prática, na autoria material e forma consumada, dum crime de falsificação de documento p.p. pela ali. a) do n.°1 do art.244° do CPM.
Antes de mais, e mesmo por cautela, sufragamos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.158 a 159 dos autos), no sentido de não se verificar o erro notório na apreciação de prova.
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Precedendo à leitura atenciosa da dita Motivação, colhemos que o recorrente não pôs em crise os factos provados de que «於是,嫌犯自行在上述文件正本上加上 “This came after a two year separation on, or about, Dec, 30, 2009” 及將宣誓聲明日期由 “27” 改為 “29” (參見卷宗第11頁),並於2012年12月6日由嫌犯交予出入境事務廳。»
Vê-se que ao original da Declaração Autenticada pelo Consulado Geral dos EUA em Hong Kong, o recorrente introduziu a frase supra citada, alterou a data do juramento aí indicada de 27 para 29 de Novembro de 2012, e em 06/12/2012 ele entregou o documento por si alterado ao Departamento do Serviço de Migração da PSP.
Ora, está indubitavelmente provado que em 12/11/2012 o recorrente requereu, por via do Departamento do Serviço de Migração da CPSP, a autorização especial de permanência para a B (docs. de fls.37 e 38 dos autos), declarando que esta era sua namorada coabitante (vide. fls.46 dos autos).
Repare-se que na apontada Declaração Autenticada, ele reconheceu que se divorciara em 06/01/2012. Significa isto que ao apresentar aquele requerimento em 12/11/2012, o período entretanto decorrido não chegou a completar um ano.
Sendo assim e visto não haver casamento entre o ora recorrente e a B, impendia-se à Administração o dever de apurar se esta podia ser considerada a unida de facto do recorrente (art.2, n.°1, alínea 2) do Regulamento Administrativo n.°5/2003). Daí se compreenda a razão que levou a Administração a exigir, ao recorrente, prestar a prova para demonstrar a união de facto.
De outro lado, impõe-se não olvidar que excepta aquela frase por si introduzida na dita Declaração Autenticada, não havia nenhuma prova capaz de suficientemente demonstrar que a coabitação entre ele e B chegou já a formar união de facto.
Tudo isto torna sofísticos e deturpadores os argumentos arrogados nas nomeadamente 5ª a 12ª conclusões da referida Motivação. Seja como for, o deferimento do requerimento da autorização especial de permanência não pode provar a posteriori que aquela coabitação atingisse já a 2 anos e formasse a união de facto.
Sem necessidade de explanações desenvolvidas, é incontestável a relevância jurídica a aludida alteração da data de juramento indicada no original da Declaração Autenticada – alterando tal data de 27 para 29 de Novembro de 2012. Deste modo, não podem deixar de ser insubsistentes os aduzidos nas 13ª a 20ª conclusões.
Ressalvado o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos certo que ao alterar o conteúdo do original da dita Declaração Autenticada e a data de juramento, o recorrente agiu com a intenção de enganar a Administração da RAEM e de obter benefícios ilegítimos para si próprio.
Chegando aqui, concluímos que não se descortina o assacado erro de direito.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 173 a 174).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 114-v a 115, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença – datada de 28.10.2016 e – prolatada pela Mma Juiz do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. a) e c) do C.P.M., na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de MOP$500,00, perfazendo a multa de MOP$30.000,00 ou 40 dias de prisão subsidiária.

E, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, e como já se deixou relatado, cremos que o recurso terá que improceder.

Desde já, há que ter em conta que a “matéria de facto dada como provada” é clara quanto à presença de todos os elementos – objectivos e subjectivos – do crime de “falsificação de documento” pelo qual foi o arguido condenado, e que, no presente recurso, não é aquela impugnada, nem se mostra de alterar.

E, dito isto, à vista está a solução.

Com efeito, em síntese, diz o ora recorrente que a “alteração” que introduziu no “texto” (e “data”) do expediente que apresentou aos Serviços de Migração para autorização de permanência do seu agregado familiar, (e onde figurava a pessoa com quem alega que vivia em união de facto), foi – é – (absolutamente) “irrelevante”, tendo sido efectuada de “boa-fé”, sem dolo e consciência da sua ilicitude.

Todavia, e a ser assim, a primeira questão que nos coloca é: então, para que as ditas “alterações”?

A serem irrelevantes, quais as suas razões?

Mas, avançando, mostra-se de consignar igualmente que dizer-se que nenhum (ou que nada de) mal existe na “alteração do texto e data de um documento” – no caso, de uma “declaração ajuramentada prestada num consulado” – cujo teor é (presencialmente) confirmado e validado com a assinatura feita pelo próprio punho de um Vice-Consul, é, no mínimo, estranho.

Importa, outrossim, salientar que, no caso, a dita “alteração” foi efectuada por uma pessoa adulta, com cerca de 50 anos de idade, e portanto, com um mínimo de “conhecimento das realidades”, (notando-se que é o próprio arguido que se identifica como piloto de uma companhia de aviação, o que deveria implicar um certo sentido de “rigor nas coisas”).

E, se se atentar que com a “alteração” efectuada no texto do documento em questão se pretendia viabilizar o reconhecimento de uma declarada “união de facto por mais de 2 anos” para efeitos de se obter a aludida autorização de permanência na R.A.E.M., evidente se apresenta a solução que se deixou adiantada.

Diz ainda o recorrente que, (para além de serem as ditas alterações “irrelevantes”), “(…) não se verifica efectivamente qualquer prejuízo, como também, por outro lado, não se verificou a obtenção de qualquer benefício ilegítimo a que o Recorrente não tivesse já pleno direito logo desde a data da Declaração, como aliás a Administração veio, seguidamente, reconhecer ao atribuir o direito de permanência com base nesse mesmo fundamento (separação de facto de mais de 2 anos prévia ao divórcio)”.

Ora, cabe referir que, não sendo o que assim alega “matéria de facto dada como provada”, não podia – nem pode – ser tida em conta para o que se decidiu e para o que se terá de decidir em sede do presente recurso.

Com efeito, percorrendo os autos, (que tiveram início em Janeiro de 2013), nada consta quanto a esta “matéria” que o recorrente (agora) alega, (sendo de notar que teve certamente oportunidades para o demonstrar, pois que foi ouvido no Ministério Público em 28.04.2014 – cfr., fls. 106 a 107 – notificado da acusação em 14.04.2016 – cfr., fls. 129 a 131 – e julgado em audiência que teve lugar em 13.10.2016), pelo que outra solução não resta que não seja a de considerar o presente recurso manifestamente improcedente, havendo que decidir em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 24 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 957/2016 Pág. 16

Proc. 957/2016 Pág. 17