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Processo n.º 1/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Cônjuge do requerente de residência temporária. Divórcio. Nova situação jurídica atendível.
Data da Sessão: 15 de Março de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – O cônjuge do requerente de residência temporária, autorizado a residir em Macau, nos termos da alínea 4) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, não tem a qualidade de requerente no procedimento administrativo em causa, independentemente do regime de bens do casamento e da titularidade do bem utilizado para fundamentar o pedido de residência em Macau.
II – Decretado o divórcio do requerente de residência temporária, não é possível ao seu ex-cônjuge constituir-se em nova situação jurídica atendível, nos termos do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, adquirindo um bem imóvel e constituindo depósito a prazo no montante de HKD$500.000,00.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 23 de Julho de 2015, do Secretário para a Economia e Finanças, que cancelou a autorização de residência temporária da recorrente, com fundamento em que a esta fora concedida tal autorização de residência em Macau por ser casada com o requerente de residência, tendo entretanto, ocorrido o divórcio do casal
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 29 de Setembro de 2016, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- A recorrente também era investidora com o marido, por ser casada em regime de bens equivalente ao da comunhão de adquiridos, pelo que o imóvel adquirido e o dinheiro depositado eram bens comuns do casal, sendo, assim, irrelevante o divórcio;
- A recorrente também era interessada, pelo que podia constituir-se em nova situação jurídica atendível, nos termos do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o que fez, adquirindo um bem imóvel e constituindo depósito a prazo no montante de HKD$500.000,00.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
Ao B, ex-marido da recorrente, foi concedida autorização de residência temporária em virtude de investimento, nos termos do Regulamento Administrativo nº 3/2005, com base na compra de imóvel sito na RAEM.
A primeira autorização de residência temporária foi concedida em 23.10.2009.
Essa autorização de residência foi estendida à sua esposa A, ora recorrente, e ao filho de ambos.
A recorrente divorciou-se do marido em 24.9.2014.
A recorrente adquiriu por escritura pública de compra e venda de 17.6.2015 um parque de estacionamento, pelo preço de MOP$1.812.800,00, sem recurso ao crédito e livre de quaisquer ónus.
Bem como efectuou em 1.6.2015 um depósito a prazo no montante de HKD$500.000,00.
Foi constituída em 16.6.2015 uma sociedade por quotas, sendo a recorrente sócia administradora, nela detendo uma quota de 80% sobre o capital social.
Em 24.6.2015, foi elaborada a seguinte Proposta registada sob o n.º XXXXX/GJFR/2015/03R:
“1. O requerente B requereu, em 29 de Setembro de 2008, junto a este Instituto, a autorização de residência temporária na RAEM, a respectiva autorização de residência foi estendida à sua esposa A, mediante a aquisição de um bem imóvel, sita na [Endereço (1)] (no valor de MOP1,011,360.00) e o depósito a prazo de um montante não inferior de quinhentas mil patacas no [Banco (1)], como fundamento da concessão dessa autorização, o pedido foi autorizado em 23 de Outubro de 2009. Posteriormente, em 19 de Fevereiro de 2010, o requerente apresentou os pedidos de autorização de residência temporária estendida ao seu descendente C e de renovação da autorização de residência temporária do seu próprio e da sua esposa, ambos os pedidos foram autorizados em 30 de Julho de 2010, e depois, foram autorizados respectivamente em 16 de Setembro de 2013 e 27 de Maio de 2014 os pedidos de renovação da autorização de residência temporária, essas autorizações são válidas até 24 de Junho de 2017.
2. Uma vez que o requerente e A registaram o divórcio em 24 de Setembro de 2014, pela proposta n.º XXXXX/GJFR/2014 e nos termos do art.º 18 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi proposta o cancelamento da autorização de residência obtida pela A. O Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferiu a decisão do despacho acima referido em 14 de Janeiro de 2015.
3. Porém, a falta de audiência escrita da A do presente processo implica o vício de anulabilidade do respectivo despacho. Por isso, o Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho em 27 de Abril de 2015, segundo o qual, foi anulada a sua decisão do cancelamento da autorização de residência obtida pela A efectuada em 14 de Janeiro de 2015 (v. anexo 1).
4. Para tal efeito, este Instituto procedeu novamente à apreciação, notificando, em 13 de Maio de 2015, por ofício n.º XXXXX/GJFR/2015, A para a audiência escrita, através da contestação apresentada em 19 de Junho de 2015 pelo seu advogado constituído, na qual, A explicou que o registo de divórcio entre ela e B não foi por sua vontade, mas sim, ela assinou, sob coação, o acordo de divórcio (v. anexo 2 e anexo 3).
5. Ademais, na contestação de A, referem-se aos requisitos satisfeitos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, tais como:
(1) Aquisição de um bem imóvel em Macau;
(2) Deposito a prazo de um montante de quinhentas mil Hong Kong dólares junto ao [Banco (2)];
(3) Constituição de uma sociedade com designação social “D, Lda.”, A detém uma quota de 80% sobre o capital social.
6. Analisada a contestação em causa, A explicou que o registo de divórcio não foi por sua vontade, mas não consegue ilidir o facto de divórcio com base nos aludidos documentos. Além disso, em relação aos requisitos satisfeitos do Regulamento Administrativo n.º 13/2005 deduzidos e dispostos por A, é de referir que os fundamentos para a autorização de residência temporária de A dependem da relação matrimonial legal e válida entre ela e B, por isso, quando A e B registaram o divórcio, extingue-se consequentemente o fundamento para a autorização de residência temporária de A.
7. Pelos expostos, uma vez que o requerente B e A registaram efectivamente o divórcio em 24 de Setembro de 2014 e, após a audiência, A não consegue ilidir o facto de divórcio, nos termos do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, propõe-se o cancelamento da autorização de residência temporária obtida por A.
Submetida a proposta à consideração e decisão superior.
O oficial
E
Aos 24 de Junho de 2015”
Tendo a Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência emitido o seguinte parecer:
“Após a análise da proposta, em virtude da falta da audiência escrita da interessada A em relação ao divórcio, implica-se o vício de anulabilidade do respectivo despacho. Por isso, o Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho em 27 de Abril de 2015, anulando a sua decisão, proferida em 14 de Janeiro de 2015, de cancelamento da autorização de residência temporária obtida por A. Além disso, uma vez que B e A tinham registado efectivamente o divórcio em 24 de Setembro de 2014, após a audiência escrita, A não consegue ilidir o facto de divórcio, portanto, sugiro ao Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que se faça cancelar a autorização de residência temporária obtida por A.
Submetida à vista da Comissão Executiva.
F
               A directora-adjunta, substituta
Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
Aos 29 de Junho de 2015”
Submetida a proposta ao Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, foi lavrado o seguinte despacho:
“Concordo com a proposta, submete-se ao despacho do Exmº Senhor Secretário para a Economia e Finanças.

G
O Presidente
Aos 30 de Junho de 2015”
Em 23.7.2015, pelo Exmº Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho:
   “Concordo com a proposta.”
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Importa apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Requerente de autorização de residência temporária e seu agregado familiar
Na tese da recorrente ela também era investidora com o marido, por ser casada em regime de bens equivalente ao da comunhão de adquiridos, pelo que o imóvel adquirido e o dinheiro depositado eram bens comuns do casal, sendo, assim, irrelevante o divórcio.
Vejamos.
A B, ex-marido da recorrente, foi concedida autorização de residência temporária, em 23.10.2009, em virtude de investimento, com base na compra de imóvel em Macau, nos termos da alínea 4) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Essa autorização de residência foi estendida à sua esposa A, ora recorrente, e ao filho de ambos, nos termos das alíneas 1) e 3) do artigo 5.º do mesmo Regulamento, a título de membros do agregado familiar do requerente de autorização de residência.
Ou seja, a ora recorrente não foi a requerente a que se refere o Regulamento Administrativo n.º 3/2005. A autorização da residência da ora recorrente deve-se a ser cônjuge do requerente, independentemente do seu regime de bens de casamento e da propriedade conjugal dos bens com base nos quais foi requerida a residência em Macau pelo ex-marido da ora recorrente.
Assim, a recorrente não foi requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005. O que basta, para fazer soçobrar a tese exposta.
Acresce que se desconhece qual o regime de bens de casamento e a propriedade conjugal dos bens com base nos quais foi requerida a residência em Macau pelo ex-marido da ora recorrente, por se tratar de factos não alegados nos articulados do recurso contencioso, momento próprio para a alegação de factos pelas partes.

3. Nova situação jurídica atendível
Considera a recorrente que também era interessada, pelo que podia constituir-se em nova situação jurídica atendível, nos termos do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o que fez, adquirindo um bem imóvel e constituindo depósito a prazo no montante de HKD$500.000,00.
De acordo com o n.º 1 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, “O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente”.
Ao contrário do que defende a recorrente, esta não podia sanar a situação que provocou o cancelamento da autorização da sua residência, que foi o divórcio do requerente da autorização da sua residência, adquirindo bem imóvel e depositando quantia em dinheiro.
À recorrente foi concedida autorização de residência apenas por fazer parte do agregado familiar do requerente, como cônjuge deste. Como é evidente, deixando a requerente de ser cônjuge do requerente, desapareceu o único pressuposto que motivou a sua autorização como residente não permanente da Região. A situação não tem sanação possível, pelo que o n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não permitia à recorrente sanar algo que não tinha sanação.
O acórdão recorrido não merece censura.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Macau, 15 de Março de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa





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