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Proc. nº 723/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Fevereiro de 2017
Descritores:
-Marca
-Confusão e imitação

SUMÁRIO:

Apesar de ser marca notória e de prestígio e estar registada em Macau com anterioridade em relação a , há entre ambas tamanha diferenciação gráfica e figurativa que nem o facto de as letras C se repetirem numa e outra basta para dizer que esta se confunde com aquela ou que pretende imitá-la e fazer concorrência desleal.








Proc. nº 723/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, INC., sociedade norte-americana, com sede em XX XX, XX Floor, XX, NY 1XXX6-5XX4, nos Estados Unidos da América, ----
interpôs recurso judicial contra a ---
1) - Direcção dos Serviços de Economia do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, e ---
2) - B, S.A., em chinês “B有限公司” (a Recorrida Particular), sociedade comercial por quotas, constituída segundo as leis de Macau, com sede na Avenida da XX, XX, XX Plaza, XXº andar, BlocoXX, em Macau,
Tendo por objecto os despachos da 1ª recorrida de 27/07/2015, que concederam os registos das marcas n.ºs N/XXXX96, “D”, N/XXXX97, “D”, e N/XXXX98, “D”.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso.
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Contra essa sentença vem agora interposto recurso jurisdicional pela “Viacom”, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
“1. No confronto das marcas n.ºs N/XXXX96, “D”, N/XXXX97, “D”, e N/XXXX98, “D”, com as marcas n.ºs N/XXX55, “C”, N/XXX56, “C”, P/XXX47, “C”, P/XXX48, “C”, P/XXX80, “C”, P/XXX81, “C”, e P/XXX82, “C”, concorrem todos os requisitos de imitação do artigo 215.º, n.ºs 1 e 2 do R.J.P.I., razão por que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 214.º, n.º 2, al. b) do R.J.P.I., que determina a recusa desses registos.
2. Por o Tribunal a quo não ter aplicado devidamente esses preceitos legais, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída pela recusa dos registos das marcas n.ºs N/XXXX96, N/XXXX97 e N/XXXX98.
3. Sendo “C” uma marca de prestígio, em todo o mundo, inclusivamente em Macau, o risco de confusão causado pelas marcas “D”é ainda mais fácil, para além de que a excepcional capacidade evocativa que, justamente, está associada a essa marca, enquanto marca de prestígio, será indubitavelmente abalado por efeito da diluição que o uso da mesma marca, por uma entidade terceira, forçosamente provocará.
4. Como tal, na douta sentença recorrida também se violou o disposto no artigo 214.º, n.º 1, al. c) do R.J.P.I.
5. O uso das marcas “D”, induzindo os consumidores em erro ou confusão com a marca célebre “C”, possibilitaria ainda à Recorrida Particular, mesmo independente da sua intenção, fazer concorrência desleal.
6. Por isso, na douta sentença recorrida também se violou o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea c) e 214.º, n.º 1, al. c) do R.J.P.I.
7. Tendo o Tribunal a quo, na sentença recorrida - à semelhança dos despachos recorridos nos autos -, violado o disposto nos art.ºs 215.º, n.ºs 1 e 2, 214.º, n.º 1, al. c) - e, mesmo, o n.º 2, al. a) -, e, nos art.ºs 9.º, n.º 1, alínea c) e 214.º, n.º 1, al. c), todos do R.J.P.I., deve ser revogada e, em consequência, serem substituídos os despachos recorridos nos autos pela recusa dos registos das marcas n.ºs N/XXXX96, “D”, N/XXXX97, “D”, e N/XXXX98, “D”.
Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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Não houve respostas ao recurso, tendo-se a DSE limitado a oferecer o merecimento dos autos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
O tribunal “a quo” deu por provada a seguinte factualidade:
“A) Em 4 de Fevereiro de 2015, a parte contrária [B. SA”] apresentou à DSE o pedido de registo das marcas n.ºs N/XXXX96, N/XXXX97 e N/XXXX98, para assinalar produtos/serviços concretos (“publicidade”, “telecomunicações” e “entretenimento”) incluídos nas classes 35, 38 e 41, consistente em (vide N/XXXX96, N/XXXX97 e N/XXXX98 de fls. 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
B) Em 27 de Julho de 2015, a Chefe no Departamento da Propriedade Intelectual da DSE proferiu despacho que deferiu o pedido de registo das marcas n.º N/XXXX96, N/XXXX97 e N/XXXX98. (Vide N/XXXX96 de fls. 29, N/XXXX97 de fls. 15 e N/XXXX98 de fls. 13 do PA., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
C) O supramencionado despacho de deferimento de registo foi publicado no Boletim Oficial da RA.E.M. n.º 33, II Série, de 19 de Agosto de 2015. (Vide fls. 22 dos autos)
D) Em 14 de Setembro de 2015, a Recorrente interpôs recurso para este Tribunal.
E) A Recorrente é titular das marcas n.ºs N/XXX55 e N/XXX56 , que são destinadas a assinalar seguintes produtos/serviços concretos incluídos nas classes 41 e 42, respectivamente: “Serviços de educação, ensino e divertimento, em especial preparação de programas de rádio e de televisão; produção de filmes e de apresentações de divertimento ao vivo; produção de filmes de animação e de apresentações de televisão; serviços relacionados com divertimento cinematográfico, com divertimento televisivo e com espectáculos e actuações de divertimento ao vivo; serviços relacionados com a publicação de livros, revistas e periódicos.” e “Fornecimento de acesso a múltiplos utilizadores a uma variedade de informações, incluindo informações sobre serviços de programação do requerente através da internet.”, e que foram concedidas em 9 de Maio de 2012.
F) A Recorrente é titular das marcas n.ºs P/XXX47 e P/XXX48 , que são destinadas a assinalar seguintes produtos/serviços concretos incluídos nas classes 38 e 41, respectivamente: “Comunicações, emissão e transmissão de programas televisivos, emissão de programas de rádio, transmissões de televisão e de rádio, incluindo serviço de difusão radiofónica.” e “Divertimento, produção de programas de rádio e de televisão, produção de filmes incluindo filmes animados e documentários televisivos, produção de programas de divertimento ao vivo.”, e que foram concedidas em 17 de Fevereiro de 1995.
G) A Recorrente é titular das marcas n.ºs P/XXX80, P/XXX81 e P/XXX82 , que são destinadas a assinalar seguintes produtos/serviços concretos incluídos nas classes 9, 16 e 25, respectivamente: “Filmes impressionados e fitas de vídeo, “disks” vídeo e fitas e “disks” com som e/ou imagens.”, “Produtos de impressão; revistas e publicações; papelaria incluindo artigos de papel e de cartão; material de instrução ou de ensino (com excepção dos aparelhos); (produtos não incluídos noutras classes).” e “Vestuário, calçado e chapelaria.”, e que foram concedidas em 10 de Abril de 1995”.
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III – O Direito
A DSE concedeu em 27/07/2015 três registos à interessada “B, SA” com a sigla para as classes 35, 38 e 41.
A ora recorrente “A, Inc.” não se conformou com tais decisões por considerar que as referidas marcas imitam as marcas de prestígio por si registadas “C” e por entender que elas possibilitarão fazer concorrência desleal à sua, que é de prestígio e notoriamente conhecida em Macau.
O recurso judicial que moveu para o TJB foi, porém, improcedente.
E para alcançar tal conclusão, serviu-se da seguinte fundamentação:
«Prevê o n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial:
Artigo 215º
(Reprodução ou imitação de marca)
1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas (itálico nosso)
Considere-se o primeiro requisito da reprodução ou imitação de marca registada: A prioridade da marca registada.
Obviamente, as marcas invocadas no presente caso, foram registadas pela Recorrente as três marcas antes das da parte contrária. Assim sendo, independentemente de serem ou não marcas notoriamente conhecidas, as marcas invocadas pela Recorrente têm prioridade ao abrigo do art.º 215º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, por terem sido registadas antes das marcas registadas pela parte contrária.
Portanto, o primeiro requisito é procedente.
Considere-se o segundo requisito da reprodução ou imitação de marca registada: Seerem as marcas registadas e as registandas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.
In casu, as três marcas registandas da parte contrária são destinadas a assinalar, respectivamente, produtos e serviços “publicidade”, “telecomunicações” e “entretenimento”; e basta confrontar os produtos e serviços concretos assinalados pelas marcas da Recorrente e da parte contrária, para se constatar que existe a similaridade e intersecção entre os mesmos.
Deste modo, este requisito é manifestamente procedente.
Quanto ao terceiro requisito da reprodução ou imitação de marca registada, a alínea c) do n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial exige que tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Salvo o devido respeito e a melhor opinião, este Tribunal concorda com a opinião da DSE, visto que nas marcas da Recorrente e da parte contrária se revelam, visualmente, diferenças notórias a um consumidor médio.
Cumpre a este Tribunal esclarecer a sua opinião.
De antemão, as marcas da parte contrária são constituídas por um ícone, um conjunto de caracteres “B” e um conjunto de letras “D” que são espaçados uniformemente sobre as marcas, pelo que um consumidor médio, ao olhar para a generalidade das marcas supramencionadas, não irá focalizar somente as letras “D”.
Não se pode deixar de referir que os elementos nominativos das marcas da parte contrária são compostos por “D” mas não por “C”. Embora a letra “M” dos elementos nominativos “D” das marcas da parte contrária seja exibida em cor diferente, tais marcas têm ainda um ícone e um conjunto de caracteres “B”, pelo que o consumidor não irá focalizar unilateralmente as três letras “C” das marcas e confundi-las com as marcas da Recorrente.
Ademais, o estilo e a ordem das letras “C” das marcas da Recorrente são manifestamente distintos dos das letras “D” das marcas da parte contrária. Um consumidor médio não irá confundir esses dois conjuntos de letras.
Portanto, na condição de ser dispensada a discussão da questão sobre se as marcas da Recorrente gozam ou não efectivamente de prestígio, este Tribunal entende que, objectivamente, as marcas da Recorrente e as da parte contrária são suficientemente distintivas, não induzindo o consumidor em confusão, pelo que no caso vertente não se verifica a circunstância mencionada na alínea c) do n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
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Enfim, entende este Tribunal que os actos de concorrência desleal da parte contrária, invocados pela Recorrente, não prejudicam o registo das marcas da parte contrária.
Prevê a alínea a) do n.º 1 do art.º 214º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que o registo de marca é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9º.
Dispõe a alínea c) do n.º 1 do art.º 9º do mesmo regime jurídico que é fundamento de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
No Regime Jurídico da Propriedade Industrial existem dois meios para prevenir a concorrência desleal.
Por um lado, é proibida a reprodução ou imitação de marca através das alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 214º e art.º 215º, com o objectivo de garantir a prevenção do aproveitamento indevido, por parte dos concorrentes de outras actividades, dos efeitos produzidos pelas marcas anteriormente registadas e notoriamente conhecidas que gozam de prestígio.
Por outro lado, na alínea c) do n.º 1 do art.º 9º está estabelecida a cláusula geral da concorrência desleal. Prevê a alínea c) do n.º 1 do art.º 9º que é fundamento de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial a concorrência desleal de intenção subjectiva ou constituição objectiva da concorrência desleal mesmo que não se verifique a intenção subjectiva. No que concerne ao pedido de registo de marca, tal concorrência desleal pode abranger alegações, enganosas, anunciativas ou que menosprezam os outros concorrentes. Como por exemplo, acrescentam-se aos elementos constitutivos da marca algumas expressões que induzem o consumidor em erro, no sentido de o levar a acreditar que os produtos ou serviços assinalados por essa marca são reconhecidos por determinado país, ou têm utilidade ou função manifesta. Sob outra perspectiva, esta concorrência desleal pode ser criada pelo requerente do registo de marca, com o propósito de provocar confusões entre os seus produtos e serviços e os dos concorrentes da actividade.
Antes de mais, pela análise supra deste Tribunal, conclui este Tribunal que entre as duas marcas em causa não se verifica a reprodução ou imitação de marca, prevista nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 214º e art.º 215º.
Quanto à questão de existir ou não o acto de violação do princípio da credibilidade praticado pela parte contrária, por não haver exposição dos factos objectiva por parte da Recorrente nem qualquer indício relativo a esta matéria, não se pode considerar que o registo de marca solicitado pela parte contrária seja um acto de concorrência desleal.
Nesta conformidade, tal fundamento também não merece provimento.
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Pelas razões acima expostas, os fundamentos invocados pela Recorrente não impedem o registo de marca solicitado pela parte contrária.».
Nós concordamos inteiramente com o teor da sentença acabada de transcrever, pelo que a fazemos nossa com a devida vénia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, nº 5, do CPC.
Reforça-se apenas que, efectivamente, a recorrente “A, Inc” é um conglomerado de entretenimento mundial, que possui inúmeras marcas, sendo a “C” provavelmente a mais conhecida e notória em todo o mundo, incluindo Macau.
Também não se duvida que ela tem registadas em Macau marcas que englobam o sinal e para serviços idênticos aos das marcas ora em crise.
O que acontece é que entre as marcas da ora recorrente e as registadas pela recorrida particular vai uma tão grande e evidente distância gráfica que não se vê como possa haver possibilidade de confusão ou associação recíproca ou que estas pretendam servir de imitação daquelas e fazer à recorrente concorrência desleal. Mas isso já o disse a sentença impugnada, pelo que não é preciso fortalecer com novas palavras nossas o que já foi bem fundamentado por palavras por si mesmas esclarecedoras.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 16 de Fevereiro de 2017
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong



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