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Processo n.º 736/2016
(Recurso Cível)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 16/Fevereiro/2017


ASSUNTOS:
- Suspensão de instância por causa prejudicial
    
    
SUMÁRIO :
Justifica-se a suspensão da instância numa acção de divisão de coisa comum, em que autora alega a compropriedade do prédio e não pretende permanecer na indivisão, se uma das rés, negando a compropriedade, interpõe uma acção em que alega ser a única proprietária do prédio, pedindo em acção separada o reconhecimento do seu direito, por o ter adquirido por usucapião. Na verdade, não se pode dividir o que não está em compropriedade, isto é nada haverá a dividir se os candidatos à divisão não têm ali nenhuma quota indivisível.
             O Relator,





Processo n.º 736/2016
(Recurso Civil)
Data : 16/Fevereiro/2017

Recorrente : A

Objecto do Recurso : Despacho que decidiu a suspensão da instância


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. A, Autora nos autos acima indicados, notificada do Despacho de fls. 101 que determinou a suspensão da presente instância, alegando a pendência de causa prejudicial, e com ela não se podendo conformar, vem, nos termos do disposto no artigo 613.º do CPC, apresentar as suas ALEGAÇÕES, concluindo:
    A. Segundo a doutrina e a jurisprudência, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda; sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.
    B. Por outros termos, entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, a relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda acção, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira.
    C. É, por isso, necessário averiguar se na causa prejudicial - neste caso, a acção CVl-15-0095-CAO - se está efectivamente a apreciar uma questão cuja resolução por si só possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão da presente acção de divisão de coisa comum.
    D. Na acção CVl-15-0095-CAO (que a requerida B entende ser prejudicial) discute-se a propriedade da fracção autónoma, correspondente ao segundo andar "F" do prédio urbano descrito no registo predial sob o n.º XXX70, e pede-se que seja reconhecido que B é proprietária da mesma (porque a adquiriu por usucapião).
    E. Porém, na presente acção de divisão de coisa comum, e na fase em que a mesma se encontra, não tem que se apreciar a questão da usucapião.
    F. Por outro lado, resulta claro que só no momento em que foi realizada a continuação da conferência de interessados é que os recorridos vieram levantar a questão da usucapião, onde foi suscitada a referida questão da usucapião, processo esse que, obviamente, ainda estará na sua fase embrionária.
    G. A suspensão dos presentes autos foi determinada em violação dos princípios da boa-fé e da economia processual, não se vislumbrando à luz de que outros, que colocados no outro prato da balança pudessem servir para alicerçar e fundamentar a justiça da decisão tomada pelo tribunal de parar o andamento deste processo.
    H. A acção que veio a ser intentada, foi unicamente para que fosse obtida a suspensão.
    I. Deste modo, constata-se que foram violados no despacho recorrido os princípios da economia e celeridade processuais - princípios fundamentais do nosso processo civil - bem como foi violado o disposto no n.º 2, do artigo 223°, do CPC, uma vez que o tribunal "a quo" veio a ordenar a suspensão dos presentes autos, por causa de uma acção que apenas terá sido intentada com o objectivo de se obter essa mesma suspensão.
    J. Ora, a decisão de suspender a instância deverá sempre ser cautelosamente ponderada e utilizada apenas como última ratio, e nunca antes do esgotamento de todos os meios processuais facultados pelo sistema jurídico.
    K. Acresce que, o avançado estado processual desta acção de divisão de coisa comum (quando já se estava a preparar a conferência de interessados a que alude o artigo 951° do CPC) desaconselhava, de todo, a suspensão da instância nestes autos, pois os prejuízos de tal suspensão superam totalmente quaisquer vantagens que daí, eventualmente, pudessem advir. A suspensão da instância decretada ao abrigo do disposto no art. 232°, n° 1, do C.P.C. deve ocorrer, em regra, logo após o termo dos articulados.1
    L. Por isso, e no que concerne a esta situação, os prejuízos ou vantagens de que a lei fala no n.º 2 do citado artigo 223° devem ser analisados, vistos e sopesados não (ou pelo menos não apenas) numa perspectiva subjectiva e de interesses das partes, mas sobretudo numa perspectiva de interesse processual, nomeadamente de celeridade e de boa administração da justiça.
    M. Pelo exposto, atentas as razões e fundamentos supra mencionados, forçoso é concluir que, por um lado, inexiste causa prejudicial e, por outro, mesmo que tal causa prejudicial se verificasse sempre esta acção está tão adiantada que os prejuízos da sua suspensão superam em muito as eventuais vantagens que daí pudessem resultar, pelo que o despacho recorrido não se poderá manter.
    Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se, em conformidade, o despacho recorrido e mandando prosseguir a presente acção de divisão de coisa comum, nomeadamente com a designação célere de nova data para a continuação da conferência de interessados a que alude o art. 951° do C.P.C., assim fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA!

    2. C, ora ré dos autos, tendo recebido as alegações do recurso do autor A, vem, nos termos do art.º 613.º n.º 2 do Código do Processo Civil, apresentar a resposta ao recurso, dizendo, em síntese:

1. Por despacho de fls. 101 a 103 dos autos, o Tribunal a quo decidiu suspender a presente instância até que se mostre decidido com trânsito em julgado o processo n.º CV1-15-0095-CAO, nos termos do art.º 223.º n.º 1 do Código do Processo Civil.
2. Inconformado, o recorrente A interpôs recurso, cujo fundamento principal consiste em questão de saber se a acção n.º CV1-15-0095-CAO é ou não prejudicial em relação à presente causa.
3. Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.
4. Pode-se dizer que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a solução da questão apreciada na causa prejudicial pode modificar a situação jurídica necessária para a decisão de outra causa ou quando a decisão ou julgamento de uma causa (causa subordinada) podem ser influídos ou afectados por outra causa (causa prejudicial). (cfr. acórdão do processo do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 3919/09)
5. Além disso, ALBERTO DOS REIS interpreta restritivamente uma norma similar do Código de 1939, segundo ele, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à exigência da segunda.
6. In casu, trata-se de uma acção de divisão da coisa comum que tem por objecto uma fracção autónoma “F2”, descrito sob o n.º XXX70, sendo proprietários o recorrente A, as recorridas B e C.
7. No processo n.º CV1-15-0095-CAO, C requereu declarada única proprietária da fracção autónoma supracitada por usucapião.
8. A acção da divisão da coisa comum tem por pressuposto a situação em que a coisa se encontrava no estado de compropriedade, sendo assim, caso julgasse procedente a acção n.º CV1-15-0095-CAO, qualquer que seja a decisão do presente caso, ficaria sempre inútil a solução da compropriedade, já que esta fracção autónoma não pertencia nem a A nem a B.
9. Portanto, a acção n.º CV1-15-0095-CAO é prejudicial em relação à presente causa.
10. O princípio da economia processual tem na sua base a ideia de economia de meios, de máximo rendimento com o mínimo custo (cfr. VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, Manuel de Direito Processual Civil, traduzido por Ip Son Sang e Lou Ieng Ha, pág. 22), concretizando a ideia nos art.ºs 87.º e 88.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
11. A suspensão da presente causa visa evitar a inutilidade da decisão sobre a partilha da coisa comum da presente causa e o desperdício do processo decorrentes da eventual procedência da acção n.º CV1-15-0095-CAO.
12. O que preenche o princípio da economia processual.
13. Além disso, o presente caso não preenche a situação prevista no art.º 223.º n.º 2 do Código do Processo Civil em que não se deve ser ordenada a suspensão da causa.
14. Porém, num esforço no sentido de precisar tal conceito vêm a nossa doutrina e jurisprudência mais representativas defendendo que o mesmo deve ser entendido como significando ou abrangendo aquelas situações em que o juiz fique convencido que causa prejudicial não tem qualquer probabilidade de êxito e que foi atirada (ao ser instaurada) para o tribunal com o único objectivo de fazer parar a causa dependente, suspendendo a sua instância. Ou seja, e por outras palavras, que o juiz fique convencido que a causa prejudicial foi proposta, não para fazer valer um direito sério, mas unicamente para se conseguir com ela demorar a causa dependente.
15. O recorrente indicou ainda que o processo n.º CV1-15-0095-CAO se serve apenas de suspensão da presente causa, mas não apresentou nenhuma prova para sustentar a sua alegação. Todavia, conforme as fls. 64 a 71 dos autos n.º CV1-15-0095-CAO, verifica-se que a recorrida juntou 64 documentos para sustentar a sua pretensão e este caso não foi indeferido liminarmente.
16. Nos termos do art.º 223.º n.º 2 do Código de Processo Civil, se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens implica que quando a causa dependente está já na última fase, prestes a ser julgada, quando a causa prejudicial é proposta (cfr. acórdão do processo do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 3919/09)
17. A recorrida requereu a suspensão da presente causa na contestação, ou seja, na fase inicial da presente causa, enquanto a acção n.º CV1-15-0095-CAO já foi intentada e entrou na fase de articulados, portanto, na altura ambos os dois processos se encontravam na fase de articulados.
18. Agora, a fase de articulados da acção n.º CV1-15-0095-CAO já foi concluída e o juiz desta causa já proferiu despacho saneador em 6 de Julho de 2016. Uma vez entrada na audiência de julgamento, pode prever-se que a sentença será proferida no próximo futuro.
19. Sendo assim, o presente caso não preenche a situação prevista no art.º 223.º n.º 2 do Código do Processo Civil em que não se deve ser ordenada a suspensão da causa, a continuação da presente causa irá conduzir à eventual inutilidade da decisão.
20. Face ao exposto, o despacho do juiz a quo constante de fls. 101 a 103 preenche o disposto no art.º 223.º n.º 1 do Código de Processo Civil e a presente causa não satisfaz o pressuposto legal previsto no n.º 2 do mesmo artigo em que não se deve ser ordenada a suspensão.

Face a todo o supra expendido, solicita-se ao MM.ºs juízes do TSI que julguem improcedente o recurso e façam a justiça costumada.


3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:
    Nestes autos pretende-se a divisão de uma coisa comum, uma fracção autónoma, correspondente ao segundo andar "F" de um prédio urbano descrito no registo predial sob o n° XXX70.
    Alega a requerente A que é comproprietária da referida fracção autónoma, assim como as requeridas B e C.
    A fls. 86/87 veio a requerida B requerer a suspensão da presente instância alegando a pendência de causa prejudicial. Em suma, alega que foi intentada uma acção pela aqui requerida C em que esta pretende ser reconhecida como proprietária pl ena da referida fracção autónoma com fundamento no facto de a ter adquirido por usucapião. Nessa acção foram demandadas a aqui requerente A e a aqui corequerida B.
    Notificada a requerente destes autos, nada veio dizer. Notificada a aqui requerida C (autora daquela acção de 'usucapião), veio dizer que concorda com a suspensão.
    Consultados os autos que correm termos neste tribunal sob o número CVl-15-0095-CAO, confirma-se o alegado como fundamento do pedido de suspensão, designadamente que a aqui requerida como comproprietária, C, pretende ser reconhecida como proprietária exclusiva da fracção autónoma que aqui se pretende dividir.
    
    III – FUNDAMENTOS
    O objecto do presente recurso passa por saber se se justifica a suspensão da instância no seguinte caso:
    Foi interposta a presente acção de divisão de coisa comum sobre uma fracção, em que a A. tem 1/3 e a 1.ª Ré também 1/3.
    A 2.º Ré alega que é a proprietária de toda a fracção porque a adquiriu por usucapião, tendo interposto a respectiva acção para reconhecimento do seu direito.
    O Mmo juiz decidiu suspender a suspensão de instância até que se mostre decidida a acção relativa ao reconhecimento da propriedade por usucapião reclamada pela 2.º Ré.
    
É do seguinte teor o douto despacho proferido.
    “(…)
    Nos termos do art. 223°, n.º 1 do CPC, "o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão de causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ..." .
    A decisão de uma causa (causa dependente) depende do julgamento de outra (causa prejudicial) quando a questão que se aprecia nessa outra causa preceder em termos de lógica jurídica a questão que se aprecia na causa dependente e determina o sentido da decisão desta última2, 3. É precisamente o que ocorre no caso em apreço: a questão que se aprecia no processo "CV1" determina e precede em termos de lógica jurídica a que se aprecia nos presentes autos. Na verdade, só se poderá dividir a coisa comum se esta for comum, como alega a aqui requerente, e não pertencer em exclusivo à requerida C, como se alega no processo "CVl". Que a coisa a dividir não seja exclusiva de ninguém e seja comum, é pressuposto da decisão de divisão.
    A dependência de uma decisão em relação a outra é uma relação entre decisões em que, por uma questão de lógica jurídica uma decisão não pode ser tomada sem ter sido previamente decidida outra. Duas questões podem relacionar-se entre si por dependência, por independência e por interdependência. A questão da divisão de coisa comum colocada nestes autos pode ser conhecida sem previamente se decidir se a coisa não pertence apenas a C? Não. Só se a fracção autónoma for comum pode ser dividida nesta acção de divisão de coisa comum, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 946° do CPC. Em termos de lógica jurídica há dependência entre as decisões. O sucesso da pretensão quanto à divisão depende do sucesso da pretensão quanto à aquisição exclusiva por usucapião. Se esta decisão procede, aquela improcede e vice-versa. Afigura-se insofismável. A prejudicialidade é a necessidade de uma decisão para poder proferir-se outra. É o que ocorre no caso em apreço: seja nestes autos, seja naqueles outros pendentes, é imperioso que se decida a questão da compropriedade para poder ser apreciada a questão da divisão.
    Verificam-se pois, todos os pressupostos de que depende a suspensão da instância: a decisão da causa está dependente do julgamento de outra já proposta neste momento.
    Pelo exposto, decide-se suspender a presente instância até que se mostre decidido com trânsito em julgado o processo que corre termos no 1° Juízo Cível deste tribunal sob o n° CVl-15-0095-CAO.
Notifique e, considerando que os autos "CVl" se encontra ainda na fase dos articulados, aguardem estes autos por seis meses.”
    
Parece-nos evidente que o Mmo Juiz tem razão. Como é que se pode fazer uma divisão de um prédio, alegadamente em compropriedade, se uma das partes sustenta que não há compropriedade alguma e que o prédio lhe pertence por inteiro.
O caso é tão claro que nos limitamos a remeter para a fundamentação do Mmo Juiz, não havendo dúvidas algumas qiue se verificam os requisitos do art. 223º/1 do CPC.
E quando as coisas são tão claras, como esta, não merecem mais desenvolvimento.
Se a acçãode reconhecimento da propriedade por usucapião foi interposta apenas para entorpecer a acção da justiça e para obviar à divisão, essa é outra questão e deve ser tratad, em sede própria, vistos os termos da litigância de má-fé que aqui não podem ser apurados.

Em suma:
Justifica-se a suspensão da instância numa acção de divisão de coisa comum, em que autora alega a compropriedade do prédio e não pretende permanecer na indivisão, se uma das rés, negando a compropriedade, interpõe uma acção em que alega ser a única proprietária do prédio, pedindo em acção separada o reconhecimento do seu direito, por o ter adquirido por usucapião. Na verdade, não se pode dividir o que não está em compropriedade, isto é nada haverá a dividir se os candidatos à divisão não têm ali nenhuma quota indivisível.
Nesta conformidade, nada mais há a dizer senão sufragar quanto doutamente foi decidido, julgando improcedente o recurso.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 16 de Fevereiro de 2017,

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho



1 cfr. BMJ 498, pág. 292

2 Uma causa é prejudicial em relação a outra quando tem por objecto uma pretensão que é pressuposto daquela outra (cfr. Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª Edição. P. 284, citando J. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto).
3 Há quem entenda que ainda há prejudicialidade quando uma decisão apenas afecte ou influencie outra, sem que a determine por não ser imprescindível decidir uma para poder decidir a outra nem esta pressupõe a decisão daquela (Cf Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Vol. II, Cândida Pires e Viriato Lima, p. 81).

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