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Processo nº 776/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 16/Fevereiro/2017

Assuntos: Auditor de Contas
      Falsificação de declarações fiscais
      Processo disciplinar

SUMÁRIO
Segundo o Estatuto dos Auditores de Contas, sendo a recorrente auditora de contas registada em Macau, tem o dever de contribuir para o prestígio da profissão, desempenhando consciente e diligentemente as suas funções e evitando quaisquer actuação contrária à dignidade da mesma (artigo 37º, alínea a) do Estatuto), e nas suas relações com a Administração Fiscal, abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam à ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação da revisão e da certificação legal de contas e da contabilidade a seu cargo, dos respectivos documentos ou das consequentes declarações fiscais (artigo 42º, alínea c) do Estatuto).
     Resulta da matéria provada que a recorrente ao elaborar as declarações do imposto complementar de rendimentos, não obstante saber que determinado montante constava como despesa de consultadoria, decidiu colocar essa como despesa de aquisição de materiais, actuando com o objectivo de obter um benefício ilegítimo para o seu cliente.
Nestes termos, dúvidas não restam de que a recorrente não agiu com mera negligência ou falta de interesse dos seus deveres profissionais mas sim violou de forma dolosa e grave os deveres profissionais a que está adstrita nos termos do Estatuto, nomeadamente, adoptou uma conduta que seja susceptível de pôr em causa o prestígio da profissão e do exercício das suas funções, nos termos previstos na alínea b) do nº 4 do artigo 87º do Estatuto dos Auditores de Contas.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 776/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 16/Fevereiro/2017

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, titular do BIR Permanente da RAEM, com os sinais dos autos, inconformada com o despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças de 20 de Agosto de 2014, que lhe aplicou uma pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de 6 meses na sequência do processo disciplinar nº 001/CF/2014, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação, formulando as seguintes conclusões:
“1. 被上訴所針對之行政決定,為經濟財政司司長於2014年8月20日在報告書(編號:037/DIR/AS/2014)作出批示,該批示透過財政局發出第010/CF/2014號通知書作出通知 – “批准中止核數師A的執業註冊六個月。(簽名見原件) 20/8/14)。
2. 被上訴決定所依據的事實及法律,均援引報告書(編號:037/DIR/AS/2014)及紀律程序報告書第001/CF/2014號所載的內容,尤其是以前者為主。
3. 報告書(編號:037/DIR/AS/2014)並對司法上訴人的行為定性為符合第71/99/M號《核數師通則》第87條第3條g)項規定的“簽署的稅務申報書在內容上發現與被服務實體記錄之資料有嚴重出入者”。
4. 然而,司法上訴人認為有關定性存在「事實認定存有錯誤」,並引致被上訴決定沾有決定前提的錯誤,故而應“被撤銷”。
5. 因為,該「事實認定存有錯誤」乃基於司法上訴人所作出的“更改”(即於2009年度納稅人「B有限公司」的一筆費用金額為澳門幣$2,060,000元的入帳名義為「顧問費用」調整為「材料採購費用」)。
6. 然而,上述的“更改”是一項專業的判斷,是獲得納稅人「B有限公司」的事先同意的,並在更改的申請書上簽名的。
7. 司法上訴人認為有關的更改,是體現其專業判斷的一項行為,不存在違法性或故意違紀性。
8. 司法上訴人是基於認真、親身及直接原因,與納稅人「B有限公司」的會計人員商談該筆費用的基礎資料及內容,才予提出更改的舉動。
9. 而當中不存在任何損害第三人或稅務實體的利益,因為,不論該筆費用澳門幣$2,060,000元是以「顧問費用」入帳,又或是以「材料採購費用」入帳,對納稅人「B有限公司」的2009年度的會計帳目均沒有任何稅款計算上的影響。
10. 所以,被上訴決定所援引的報告書(編號:037/DIR/AS/2014)認定司法上訴人的行為符合《核數師通則》第87條第3條g)項的規定,是出現了對事實認定的錯誤,故應予被撤銷。
11. 另一方面,即使如報告書(編號:037/DIR/AS/2014)所指,司法上訴人的行為符合《核數師通則》第87條第3條g)項的規定,也不能支持現被上訴決定所作出的「處分等級」。
12. 因為,在報告書(編號:037/DIR/AS/2014)已認定了賦予司法上訴人可獲得《核數師通則》第91條規定的減輕情節的法律效果。
13. 換言之,在可科處司法上訴人的處分等級時,基於《核數師通則》第91條規定效果,執行低一級處分。
14. 這是強制性規定的,並不屬於行政實體的自由裁量權行使的範圍。
15. 根據報告書(編號:037/DIR/AS/2014)所指,倘司法上訴人的行為符合《核數師通則》第87條第3款g)項的規定,則其被科處的處分為「停業處分」。
16. 根據《核數師通則》第85條第1款規定,處分等級按其嚴重性,由輕至嚴重依次為「警告」、「最高500,000澳門幣罰金」、「最高停業三年」及「吊銷註冊」。
17. 換言之,基於《核數師通則》第85條第1款、第87條第3條g)項及第91條規定,司法上訴人的處分不應高於「罰金處分」。
18. 現被上訴決定的處分等級所依據的事實,即使獲得證實,也未能支持被上訴決定的作出。
19. 又或是,被上訴決定所依據的法律,明顯不能支持被上訴決定的作出,故應予被撤銷。”
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso e, em consequência, se declare anulado o acto recorrido.
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por objecto o despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 20.08.2014, exarado na Informação n.º 37/DIR/AS/2014, que à Recorrente aplicou uma pena de suspensão do exercício da profissão pelo período de 6 meses na sequência do processo disciplinar n.º 001/CF/2014, notificado à Recorrente através do Ofício n.º 010/CF/2014, de 23.10.2014.
2. A Recorrente alegou que a alteração da natureza do montante de MOP$2.060.000,00 em sede do ICR relativo ao exercício de 2009 para aperfeiçoar o conteúdo da contabilidade foi consentida pela sua cliente, e que a sua conduta não causou prejuízos, por isso, não tendo cometido nenhuma infracção disciplinar.
3. Alega mais que o acto punitivo ora impugnado sofreu vício de erro na apreciação da matéria de facto.
4. A decisão punitiva disciplinar tem por base os fundamentos de facto e de direito do relatório final do processo disciplinar n.º 001/CF/2014, cuja parte relativa à determinação da pena aplicável foi modificada pelo parecer constante da Inf. n.º 37/DIR/AS/2014.
5. O ilícito disciplinar proposto a ser imputado à Recorrente é a violação dos deveres previstos na al. a) do art. 37º e na al. c) do art. 42º do Estatuto dos Auditores de Contas, correspondendo à prática dolosa dos “actos que, directa ou indirectamente, conduzam (…) dos documentos ou das declarações ficais a seu cargo”, circunstância que “inviabilize o exercício das suas funções” e que seja punida com a pena de cancelamento do registo, nos termos da al. b) do n.º 4 do art. 87º do mesmo Estatuto.
6. Na fase da apreciação da matéria de facto, em regra, vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas de harmonia com a sua própria convicção.
7. A liberdade probatória da Administração, como discricionariedade imprópria, torna o acto insindicável na parte em que houve livre apreciação de provas, estando o Tribunal limitado aos casos de erro grosseiro, injustiça notória ou manifesta desproporção.
8. E através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando do erro de facto ou erro manifesto de apreciação.
9. No Relatório Final do processo disciplinar, o órgão instrutor apontou que sendo a cliente da Recorrente contribuinte do Grupo A, sendo obrigada a ter contabilidade devidamente organizada por contabilista, tendo elevado volume de negócios, é de relevar a prova resultante da documentação contabilística da qual resulta claramente que o montante de MOP$2.060.000,00 resulta do pagamento do contrato de prestação de serviços de consultadoria.
10. Todas as provas documentais, designadamente o contrato celebrado em 18.03.09, o respectivo recibo de pagamento e a escrituração da sua cliente, apontam que aquele montante revestiu a natureza de despesa de consultadoria, em vez de despesas de aquisição de materiais.
11. No exercício de 2008 a despesa de MOP$2.142.400,00 resultante de um o contrato idêntico foi registada na escrita da contribuinte como despesa de análise e consultadoria e também como tal na declaração de rendimento relativa àquele exercício igualmente assinada pela Recorrente.
12. É ilógico e contrário ao senso comum que a Recorrente classificou o contrato celebrado em 18.03.09, sob o título de “Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento de Terreno”, como um contrato de aquisição de materiais, e inseriu o respectivo pagamento na Declaração de Rendimentos do ICR referente ao exercício de 2009 como despesas de aquisição de materiais, para efeitos fiscais da redução.
13. Por outro lado, o órgão instrutor não aceitou a versão apresentada pela Recorrente durante o depoimento uma vez que prestação de serviços de consultadoria na aquisição de materiais não deixa de constituir consultadoria.
14. Realizando-se a apreciação dos factos e a valoração das provas de acordo com a experiência comum, respeitando o princípio da racionalidade.
15. O consentimento da cliente na alteração da natureza daquele montante, não diminui ou exclui a responsabilidade da Recorrente, quem tem o dever de assegurar a conformidade das declarações de rendimentos com a escrita organizada nos termos legais.
16. Quanto à não verificação do prejuízo resultante dessa alteração, o que não faz parte da circunstância reveladora da inviabilidade do exercício das funções, prevista na al. b) do n.º 4 do art. 87º do Estatuto.
17. Ao ponderar a não consumação do prejuízo na citada Informação, apenas tem por objectivo diminuir a gravidade do ilícito e a culpa da Recorrente, mas não para requalificar os factos ao outro tipo de infracção disciplinar.
18. Não existe o alegado erro notório na apreciação de matéria de facto nem existe contradição respeitante à qualificação dos factos entre a Inf. n.º 37/DIR/AS/2014 e o Relatório Final do processo disciplinar n.º 001/CF/2014.
19. No entendimento da Recorrente, a infracção foi requalificada pela citada Inf., passando a ser punida nos termos da al. g) do n.º 3 do art. 87º do Estatuto, assim, com a ponderação da atenuação extraordinária prevista no seu art. 91º, devendo a pena aplicável passar a ser aquela de escalão inferior, isto é, pena da multa.
20. De facto, a citada Inf. só abordou a questão da determinação e graduação da pena, não pondo em causa os factos provados no Relatório Final nem realizou a subsunção destes factos à previsão da norma punidora.
21. A operação de determinar a pena concreta com a ponderação dos factores previstos no art. 90º pressupõe uma qualificação prévia dos factos provados num determinado tipo infractor.
22. A requalificação dos factos provados para aplicar pena da suspensão prevista no n.º 3 do art. 87º do Estatuto necessita de provar e fundamentar os factos relacionados com a cláusula geral de “negligência grave ou grave desinteresse dos seus deveres profissionais”, que não veio a acontecer.
23. O jurista na sua Informação mostrou a sua concordância com o dolo provado pelo órgão instrutor no Relatório Final.
24. O dolo na ocultação das declarações fiscais faz parte do exemplo-padrão previsto na al. b) do n.º 4 do art. 87º.
25. As várias alíneas do n.ºs 3 e 4 do art. 87º são respectivamente circunstâncias reveladoras de “negligência grave ou grave desinteresse dos seus deveres profissionais” e de “inviabilização do exercício das funções”, que não têm qualquer valor por si próprios, não gozam de autonomia, não integram a qualificação, pelo que nada servirão se não conseguirem ajustar-se à exigência genericamente estabelecida nessas cláusulas gerais.
26. De facto, o que se exprime no fim da citada Informação é que da atenuação extraordinária do art. 91º do Estatuto resultaria a aplicação da pena da suspensão prevista no n.º 3 do art. 87º do mesmo diploma, com o recurso ao exemplo-padrão estipulado na sua al. g) que descreve uma situação semelhante ao caso em análise para justificar adequadamente a aplicação da pena de suspensão.
27. Sem alteração da qualificação jurídica da infracção cometida e admitindo a atenuação extraordinária, a pena aplicável deveria ser a pena da suspensão do exercício da profissão.
28. Pelo que o acto punitivo de aplicar à Recorrente a pena da suspensão por um período de seis meses pela prática dolosa que conduz à ocultação das declarações fiscais não enfermou de vício de erro na aplicação da lei conducente à sua anulação.”
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
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Oportunamente, apresentou a recorrente as alegações facultativas, reiterando a sua posição já assumida na petição do recurso.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição e nas alegações de fls.144 a 154 dos autos, a recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, assacando-lhe sucessivamente o erro na apreciação de facto e a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de aplicar-lhe a pena disciplinar de suspensão por período de seis meses.
*
Analisando todos os dados constantes do P.A. e dos autos, temos por certo que são muita exactas as seguintes observações do instrutor do processo disciplinar n.º 001/CF/2014: «Do contrato de fls. 37 recibo, carta a solicitar o pagamento não há dúvida que o montante de MOP$2,060,000.00 corresponde a despesas com prestação de serviço de consultadoria daí ter sido inserida na escrita e bem como despesas de análise e consultadoria, conforme documentos a fls. 38 e 20.», «Para além dos documentos de que a arguida teve conhecimento, as informações da Companha devidamente contextualizadas com aqueles documentos também não contrariam o que resulta dos documentos.», e «Com efeito, da própria informação fornecida pela Companhia tal como foi transmitida pela arguida aquando das suas declarações se retira que se trata despesas com consultadoria.» (fls.47 dos autos)
Sendo assim, torna-se patente e irrefutável que as actuações da recorrente que encontram descritas nos arts. 7º, 15º a 18º e 27º da contestação infringem o preceituado na alínea g) do n.º 3 do art. 87º do Estatuto dos Auditores de Contas aprovado pelo art. 1º do D.L. n.º 71/99/M.
As disposições nos arts. 87º e 90º do citado Estatuto dos Auditores de Contas revelam indubitavelmente que o dano/prejuízo não é requisito constitutivo da infracção, sendo apenas uma das circunstâncias a ponderar para efeitos de graduação da pena.
E mesmo seja verdade que a sua cliente «Companhia de B, Lda. (B有限公司)» deu consentimento ou anuência à recorrente, parece-nos que tal consentimento ou anuência não pode neutralizar a violação dos deveres a que a recorrente fica adstrita.
Tudo isto deixa-nos a impressão de verificar-se in casu a ilicitude da actuação da recorrente, por ter infringido o disposto na alínea g) do n.º 3 do art. 87º do citado Estatuto dos Auditores de Contas, e violado os deveres consagrados nos art. 2º, n.º 1 do art. 3º, n.º 2 do art. 5º e n.º 1 do art. 6º, todos do Regulamento da Ética e Deontologia Profissional aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 36/2004, bem como nas alíneas a) do art. 37º e c) do art. 42º do Estatuto dos Auditores de Contas.
No Relatório do Processo Disciplinar n.º 001/CF/2014, o instrutor apontou doutamente: «Das próprias declarações da arguida resulta que esta sabia que o montante de MOP$2,060,000.00 constava da escrita como despesa de consultadoria, que o recibo do pagamento daquela despesa referia que era relativo a consultadoria e que a mesma correspondia a consultadoria sobre aterros prestada pela C, Ltd em Macau.», e «Também sabia que a C, Ltd era uma Companhia da China continental sem estabelecimento estável em Macau, conforme resulta mesmo da Discriminação dos fornecedores do Exercício de 2009 a fls.»
Deste modo, acompanhamos ainda a conclusão do senhor instrutor de que «Estes factos são suficientes para concluir pela existência de dolo por parte da arguida.», parecendo-nos que se trata duma conclusão firme e inegável. Significa isto que se verifica in casu a culpa.
A todas estas luzes, e tendo em consideração os argumentos aduzidos nos art. 74º a 84º da contestação, aparece-nos que as 6 a 9 conclusões da petição inicial mostram manifestamente insustentável e incrível, pelo que não se descortina o invocado erro na apreciação de facto.
*
Na nossa óptica, aplica-se mutatis mutandis ao direito administrativo sancionatório a jurisprudência consolidada que proclama (a título exemplificativo, vide. Acórdão do TUI no processo n.º 12/2014): Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.
E, ainda, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339º e 340º do Código de Processo Penal.»
Importa ter presente que «Enquanto a técnica legislativa do direito criminal recorre ao tipo legal de crime, que se traduz na formulação exacta e precisa da conduta proibida, originando tipos legais de infracção fora de cujo esquema não é admissível a punibilidade, é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais.» e «A infracção disciplinar é atípica. É o dever infringido que individualiza a infracção.» (Acórdão do TUI no processo n.º 8/2001)
Em esteira das sensatas jurisprudências supra citadas, entendemos que não existe a assacada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão da aplicação à recorrente da pena disciplinar de suspensão por período de seis meses.
Com efeito, recorde-se que está indiscutivelmente provado que ela procedeu, dolosamente ou, ao menos, com grosseira negligência, à falsa qualificação da dita verba de MOP$2,060,000.00 e, deste modo, infringiu o disposto na alínea g) do n. º3 do art. 87º do Estatuto dos Auditores de Contas aprovado pelo art. 1º do D.L. n.º 71/99/M.
De outro lado, como bem frisou a entidade recorrida (vide. art. 82º da contestação), o que impediu da produção do prejuízo à Fazenda Pública não é a iniciativa da recorrente, mas foi a correcção oficiosamente operada pelos Serviços de Finanças sobre a aludida falsa qualificação.
E o teor da Informação n.º 37/DIR/AS/2014 torna indubitável e bem evidente que ao graduar a pena disciplinar a aplicar, a inexistência do prejuízo efectivo à Fazenda Pública foi valorizada como circunstância de atenuação especial da responsabilidade disciplinar. (doc. de fls. 34 a 36 dos autos)
Tudo isto aconselha-nos a conclusão de que a matéria de facto provada pode, suficiente e seguramente, apoiar e sustentar a decisão de lhe aplicar pena disciplinar de suspensão por período de seis meses, decisão que vê titulada pelo despacho em causa.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
O Tribunal é o competente em razão da matéria e hierarquia, e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
A recorrente é auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas com o nº 275 desde 2.2.2000.
A recorrente elaborou e assinou as declarações do imposto complementar de rendimentos relativas aos exercícios de 2008 e 2009 para a Cia. de B, Lda, a qual é contribuinte do Grupo A com contabilidade organizada.
Do relatório técnico da contabilidade da Cia. de B, Lda, do exercício de 2008, anexado ao modelo M/1 da Declaração de Rendimentos do ICR – Grupo A do exercício de 2008, constam como custos as despesas de consultadoria pagas à empresa C, Ltd, no valor de MOP$2.142.400,00. (fls. 61 do processo disciplinar)
Entretanto, essas despesas de consultadoria não foram consideradas como custos fiscais nos termos do nº 4 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial por a prestadora de serviços de consultadoria não ter apresentado a declaração a que se refere o artigo 8º do mesmo Regulamento.
Em 30.7.2010, a recorrente assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo A referente ao exercício de 2009 da Cia. de B, Lda, assim como os respectivos anexos. (fls. 22 e 23)
Em 31.7.2010, a referida declaração foi apresentada à Direcção dos Serviços de Finanças.
Nesse quadro 16 do Modelo M/1, a recorrente declarou, entre outros assuntos, o seguinte:
“Verifiquei/Verificámos os dados declarados nesta declaração de rendimentos, confirmando que estão conforme com os livros de escrituração da empresa, cujas “Demonstrações financeiras” foram elaboradas de acordo com as “Normas de Contabilidade” aprovadas pelo REGA nº 25/2005, não se tendo detectado qualquer violação às referidas Normas em todos os aspectos materiais.” (fls. 23 do processo disciplinar)
Nessa declaração foi apresentado o montante de MOP$2.060.000,00 como aquisição de materiais à empresa C, Ltd, na “Discriminação dos Fornecedores do Exercício de 2009 da Companhia de B, Lda”, anexada ao modelo M/1 da Declaração de Rendimentos do ICR do Grupo A do exercício de 2009 da contribuinte. (fls. 57 do processo disciplinar)
Esse montante de MOP$2.060.000,00 encontra-se incluído no total de MOP$223.527.182,00 constante do Relatório Técnico referente a materiais. (fls. 54 do processo disciplinar)
Não se encontra qualquer referência sobre as despesas de consultadoria na Declaração de Rendimentos do modelo M/1 do exercício de 2009 nem nos documentos a ela anexados. (fls. 57, 22 e 23 do processo disciplinar)
Na análise da referida declaração feita pelo técnico da Divisão de Inspecção e Fiscalização Tributárias da Direcção dos Serviços de Finanças, detectaram-se anomalias nas despesas pagas à empresa C, Ltd, pelo que se promoveu uma fiscalização para verificar a veracidade do conteúdo constante dessa declaração de imposto.
Conforme a escrituração da Companhia de B, Lda, esse montante de MOP$2.060.000,00 pago à C, Ltd corresponde a despesas de consultadoria. (fls. 20 e 38 do processo disciplinar)
Tratando-se do pagamento da primeira prestação referente ao Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento de Terreno celebrado em 18.3.2009 com a C, Ltd. (fls. 37 do processo disciplinar)
A C, Ltd é uma empresa da China Continental sem estabelecimento estável em Macau e não fez o registo fiscal previsto nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial.
Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, de 29.1.2014, foi fixado o rendimento colectável do exercício de 2009 nos termos propostos, nele se incluindo o valor de MOP$2.060.000,00.
Por despacho nº 003/DIR/2014 da Directora da DSF, datado de 23.1.2014, foi mandado instaurar processo disciplinar contra a recorrente. (fls. 104)
A recorrente foi acusada pela prática dolosa de falsificação da declaração fiscal da contribuinte relativa ao exercício de 2009, nos seguintes termos:
“Com base na prova alcançada com os documentos juntos aos presentes autos de processo disciplinar a fls. 20, 22 a 23, 25, 26, 27 a 28, 29, 31, 33, 34, 35, 36 a 37, 38, 40, 41, 42 a 43, 44, 45, 46 a 47, 49v a 49, 51v a 51, 52v a 52, 54v a 54, 55v a 55, 57, 59, 61v a 61, 90 a 92, 93, 94, 201, 225v a 237, 238 a 249 e 262v a 262, com os testemunhos a fls. 179 a 183, 188 a 192, 204 a 206 e 211 e 213 e com as declarações da arguida a fls. 218 a 223 dos presentes autos, apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da instrutora nos termos previstos do artigo 114º do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável ao processo disciplinar, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida é auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas com o n.º 275, de 02.02.00, conforme Lista de auditores de contas registados relativa a 31 de Dezembro de 2013, publicada no Boletim Oficial da RAEM, II Série, n.º 3, n.º 2 suplemento de 15.01.14, e tem domicílio profissional na Rua de XX, n.º XX, Centro Comercial “XX”, XXº andar XX, em Macau.
2. A arguida foi, pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 99/2013, publicado no Boletim Oficial da RAEM, II Série, n.º 1, de 02.01.14, nomeada Vogal suplente da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas até 31 de Dezembro de 2014.
3. A arguida elabora e assina as declarações de impostos para a Cia. de B, Lda.
4. A Cia. de B, Lda é um contribuinte do Grupo A com contabilidade organizada.
5. No dia 30 de Junho de 2009, a arguida assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” referente ao exercício de 2008 da Cia. De B, Lda, assim como os respectivos anexos.
6. A referida declaração foi recebida no departamento de Auditoria Inspecção e Justiça Tributária, no Núcleo de Imposto Complementar – Grupo A, da Direcção dos Serviços de Finanças, em 31 de Julho de 2009.
7. Relativamente ao exercício de 2008 foi pago pela contribuinte à “C, Lda”, o montante de MOP$2.142.400,00 a título de despesas de consultadoria.
8. A “C, Lda” é uma empresa da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
9. Foi aquele montante registado como custos de prestações de serviços no Anexo A da declaração de rendimentos para fins de dedução fiscal (fls. 52).
10. Do relatório técnico da contabilidade relativo ao exercício de 2008, anexado ao Modelo M/1 da Declaração de Rendimentos, no ponto 4, relativo a receitas e despesas dos honorários de consultadoria, consta como custos as despesas de consultadoria pagas à “C, Lda” no valor de MOP$2.142.400,00. (fls. 61)
11. No ponto 5 do mesmo relatório, relativo aos custos do exercício, consta o valor de MOP$172.011.698,00 no qual se encontram incluídas as despesas com aquisições de materiais.
12. Na relação dos fornecedores em anexo à mesma declaração constam as despesas de aquisição de materiais pagas à “C, Lda” nos valores respectivamente de MOP$12.295.000,00 e de MOP$18.540.000,00. (fls. 59)
13. No registo contabilístico de fls. 29, relativamente ao dia 31.07.2008, consta, sob a rubrica 1XXX0-0XX2 outras despesas – despesas de análise e consultadoria, a transacção relativa a consultadoria para as obras de D no valor de MOP$2.142.400.00.
14. Esse movimento é relativo ao pagamento de HKD$2.080.000,00 que foi solicitado, em 29.07.08, pela “C, Lda” (fls. 27) a efectuar à Sra. E relativamente ao Planeamento do Aterro de D.
15. Ou seja, ao “Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento do Terreno” de 18.05.08 a fls. 28.
16. Que foi pago em 30.07.08. (fls. 26)
17. Correspondendo ao recibo no valor de HKD$2.080.000,00 (fls. 25) que refere destinar-se ao pagamento de despesas de consultadoria do Planeamento dos Aterros de D.
18. Valor esse que convertido em patacas à taxa de 1.03 referida no registo de fls. 29 resulta no valor de MOP$2.142.400,00.
19. Estas despesas de consultadoria não foram consideradas como custos fiscais nos termos do n.º 4 do artigo 9º do RCI por a prestadora de serviços de consultadoria “C, Lda” não ter apresentado a declaração a que se refere o artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, conforme lhe foi solicitado pela Administração Fiscal.
20. Com efeito, no “Mapa de apuramento do lucro tributável” relativo ao exercício de 2008, a fls. 51 verso, na linha 14 foi corrigido o valor de MOP$2.142.000,00 com a referência que “As despesas não estão de acordo com o artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial”.
21. No quadro 10 em observações é referido que “De acordo com a resposta dada pela contribuinte em 27 de Abril de 2011, a sua empresa de consultadoria “C, Lda” não tem registo fiscal na DSF conforme o artigo 8º do RCI, assim, nos termos do n.º 4 do artigo 9º desse mesmo Regulamento as respectivas despesas de consultadoria não são consideradas como despesas fiscais”. (fls. 51)
22. Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de 11.10.11 foi fixado o rendimento colectável nos termos propostos, nele se incluindo o valor de MOP$2.142.400,00.
23. No dia 30 de Junho de 2010, a arguida assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” relativo ao exercício de 2009 da Cia. de B, Lda., assim como os respectivos anexos.
24. A referida declaração foi recebida no Departamento de Auditoria Inspecção e Justiça Tributária, no Núcleo de Imposto Complementar – Grupo A, da Direcção dos Serviços de Finanças, em 31 de Julho de 2010.
25. A assinatura bem como o nome da arguida A e o seu n.º de cartão profissional 0275 vem seguido à seguinte expressão: “Verifiquei/Verificámos os dados declarados nesta declaração de rendimentos, confirmando que estão conforme com os livros de escrituração da empresa, cujas “Demonstrações financeiras” foram elaboradas de acordo com as “Normas de Contabilidade” aprovadas pela REGA n.º 25/2005, não se tendo detectado qualquer violação às referidas Normas em todos os aspectos materiais”. (fls. 23)
26. No entanto, o declarado na Declaração de Rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos e sues anexos, não coincide com os dados constantes da escrita do referido exercício.
27. Naquela declaração foi apresentado o montante de MOP$2.060.000,00 como aquisição de materiais à empresa de Cantão “C, Lda”, na “Discriminação dos fornecedores do Exercício de 2009”. (fls. 57)
28. “C, Lda” que é uma empresa da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
29. Esse montante encontra-se incluído no total de MOP$223.527.182,00 constante do Relatório Técnico referente a materiais. (fls. 54)
30. Não tendo sido feita qualquer referência no Relatório Técnico de 2009 a despesas de consultadoria.
31. Ou seja, na Declaração de Rendimentos modelo M/1 relativa ao exercício de 2009 ou nos documentos a ela anexados não consta qualquer referência a despesas de consultadoria.
32. Todavia, na escrituração da Cia. de B, Lda. o montante de MOP$2.060.000,00 pago à “C, Lda”, corresponde a despesa de consultadoria.
33. Com efeito, no registo contabilístico a fls. 38, relativamente ao dia 31.05.09, consta o valor de MOP$2.060.000,00, sob a rubrica 18210-0002 outras despesas – despesas de análise e consultadoria, bem como o seu pagamento à senhora E.
34. Daquele registo resulta que o valor de MOP$2.060.000,00 é o resultado da conversão em patacas da quantia de HKD$2.000.000,00 à taxa de câmbio 1 HKD - 1.03.
35. Esse movimento é relativo ao pagamento do montante de HKD$2.000.000,00 que foi solicitado, em 29.05.09, pela “C, Lda” (fls. 35) a efectuar à Sra. E relativamente à primeira prestação referente ao Contrato de Consultadoria e de Planeamento celebrado em 18.03.09 a fls. 37.
36. Por aquele contrato a “C, Lda” foi contratada para prestar serviços de consultadoria especializada em Macau para a proposta de desenvolvimento do plano de Aterros de D Coloane em Macau.
37. Sendo a primeira prestação no valor de HKD$2.000.000,00 conforme contrato que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
38. Que foi pago pelo cheque da contribuinte (fls. 34) datado de 29.05.09 no valor de HKD$2.000.000,00 à ordem da Senhora E.
39. A que corresponde o recibo de fls. 33 no mesmo valor emitido pela “C, Lda” que faz menção a que é relativo à primeira prestação do contrato celebrado em 18.03.09.
40. Da demonstração do exercício de 2009 da contribuinte, a fls. 20 estão nitidamente registadas na rubrica da conta “1XXX0-0XXX2 outras despesas – despesas de análise e consultadoria”, as despesas de consultadoria, no valor de MOP$2.060.000,00, referidas como “despesas de consultadoria pagos à C, Ltd”.
41. A outra quantia paga à Companhia C, Lda do montante de MOP$85.047.762,04 constante da relação de fornecedores relativa ao exercício de 2009 corresponde, conforme verificado por amostragem, a contratos de aquisições de materiais que expressamente referem ser contratos de aquisição de materiais resultando isso mesmo do seu conteúdo (fls. 42, 43, 46 e 47) bem como das solicitações para pagamentos no seu âmbito (fls. 40, 41, 44 e 45).
42. A verdadeira natureza da despesa de MOP$2.060.000,00 só foi apurada na sequência de exame à escrita em virtude do técnico encarregado da análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 ter sido o mesmo que procedeu à análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2008 e ter verificado a continuação de movimento comercial com a empresa sem estabelecimento estável na RAEM cujos pagamentos não tinham sido aceites como custos fiscais, tendo relativamente ao exercício de 2009 sido apenas indicadas despesas com aquela empresa a título de aquisição de materiais.
43. Na sequência dos elementos apurados em sede de inspecção no “Mapa de apuramento do lucro tributável” relativo ao exercício de 2009 a fls. 262 na linha 14 foi corrigido o valor de MOP$2.060.000,00 com a referência de que “São custos que violam o artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial”.
44. No quadro 10 em observações é referido “Os fiscais verificaram que aquelas despesas foram pagas à fornecedora C mas esta não fez o seu registo fiscal nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial. Nos termos do n.º 4 do artigo 9º do referido Regulamento e de acordo com o despacho de 31.10.13 da Directora (e dos detalhes na informação n.º 0285/DIFT/DAIJ/2013) as respectivas despesas de consultadoria não foram aceites como despesas fiscais (fls. 262 verso)”.
45. Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de 29.01.14 foi fixado o rendimento colectável nos termos propostos nele se incluindo, portanto, o valor de MOP$2.060.000,00.
46. A arguida bem sabia que o montante de MOP$2.060.000,00 constava da escrita como despesa de consultadoria e que a mesma correspondia a consultadoria sobre aterros prestada pela C, Ltd em Macau.
47. E que a C, Ltd era uma Companhia da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
48. A arguida decidiu, no entanto, colocar essa despesa como despesa de aquisição de materiais fazendo-a registar desse modo no relatório técnico e na relação de fornecedores anexos à Declaração de Rendimentos modelo M/1.
49. Inserindo, pois, na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 dados que sabia não corresponderem à realidade alterando a natureza daquela despesa.
50. Certificando na dita declaração em como verificou os dados da declaração e de que estavam em conformidade com os livros de escrituração da empresa o que não era verdade.
51. Integrando, embora ambas as despesas, de aquisição de materiais e de consultadoria, o conceito de custo a deduzir da matéria colectável, quando está em causa uma empresa sem estabelecimento estável em Macau e que aqui preste os serviços a que se refere o n.º 3 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial e que aqui não fez a declaração fiscal nos termos do artigo 8º do mesmo Regulamento, tal implica que a despesa de consultadoria não pode ser aceite como custo fiscal em conformidade com o n.º 4 do citado artigo 9º.
52. O que era do conhecimento da arguida.
53. Constituindo matéria fiscalmente relevante fazer constar determinada despesa como de aquisição de materiais em vez de consultadoria.
54. Impossibilitando ou dificultando à Administração Fiscal apurar a prestação tributária que relativamente aos contribuintes pertencentes ao Grupo A são tributados nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 4º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
55. A arguida agiu do modo descrito porque ao ocultar a verdadeira natureza da despesa como de consultadoria a Administração Fiscal não iria solicitar a prova do cumprimento por parte da C Ltd, do disposto no artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, ou seja, solicitar a prova do registo fiscal daquela em Macau, e desse modo não fazer integrar no rendimento colectável da sua cliente o montante de MOP$2.060.000,00, tendo sido determinada pela obtenção para o cliente de um benefício ilegítimo.
56. Bem sabendo que a C, Ltd não tinha efectuado registo em Macau.
57. Uma vez que o disposto no n.º 4 do artigo 9º daquele Regulamento não se aplica aos contratos de aquisição de materiais mas tão só os contratos para a realização das actividades referidas no seu n.º 3 no âmbito do qual se encontram a prestação de serviços de consultadoria.
58. Situação que a arguida não ignorava.
59. A arguida agiu deliberada, livre, e conscientemente bem sabendo que com tal conduta infringia o dever geral de contribuir para o prestígio da profissão, desempenhando consciente e diligentemente as suas funções e evitando qualquer actuação contrária à dignidade da mesma e o dever para com a Administração Fiscal de se abster da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam à falsificação das declarações fiscais previstos, respectivamente na alínea a) do artigo 37º e na alínea c) do artigo 42º, ambos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, assim como o dever de se pautar pelos princípios fundamentais consignados no Regulamento da Ética e Deontologia Profissional dos Auditores de Contas, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 36/2004, adoptando uma conduta que prestigie a profissão, e o dever de observar os princípios de integridade, respeitar as leis, regulamentos e normas técnicas, e possuir competência profissional, previstos no artigo 2º, no n.º 1 do artigo 3º, no n.º 2 do artigo 5º e no n.º 1 do artigo 6º, todos do citado Regulamento da Ética e Deontologia Profissional, deveres estes a que está adstrita enquanto auditora de contas registada, o que foi por si previsto e querido.
60. Nada consta do registo disciplinar da arguida.”
Por despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014, foi aplicada à recorrente uma pena de suspensão da profissão pelo período de 6 meses, por violação dolosa dos deveres previstos no artigo 2º, nº 1 do artigo 3º, nº 2 do artigo 5º e nº 1 do artigo 6º do Regulamento da Ética e Deontologia Profissional aprovado pelo Regulamento Administrativo nº 36/2004, e os previstos na alínea a) do artigo 37º e alínea c) do artigo 42º do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 71/99/M, de 1 de Novembro. (fls. 481)
*
O caso
À recorrente foi aplicada uma pena de suspensão da profissão pelo período de 6 meses, pela prática dolosa de falsificação da declaração fiscal de contribuinte relativa ao exercício de 2009, nomeadamente por se verificar que a recorrente declarou o montante de MOP$2.060.000,00 como despesa para aquisição de materiais, mas na realidade tal quantia revestia a natureza de despesa de consultadoria.
A recorrente assaca vícios ao referido acto sancionatório.
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Do alegado erro na apreciação da matéria de facto
Admite a recorrente ter declarado o montante de MOP$2.060.000,00 como despesa para aquisição de materiais relativamente ao exercício de 2009.
Entretanto, conforme a escrituração da sua cliente, tal montante foi inscrito, efectivamente, como despesa de consultadoria.
Diz a recorrente que a alteração da natureza desse montante foi feita com base na sua apreciação profissional, bem como foi consentida pela sua cliente.
Mais refere a recorrente que, independentemente de se ter declarado como despesa para aquisição de materiais ou como despesa de consultadoria, não resultam quaisquer benefícios para a contribuinte, especialmente relativos a redução fiscal e cálculo do rendimento colectável.
Pelo que entende a recorrente que ao integrar a conduta da recorrente na violação dos deveres profissionais previstos no Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 71/99/M, de 1/Nov, o acto recorrido incorreu em erro na apreciação da matéria de facto.
Vejamos.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, não se descortina o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
Em boa verdade, a alteração da natureza do montante de MOP$2.060.000,00 é um facto inquestionável, e nada justifica que a recorrente tenha classificado o contrato celebrado em 18.3.2009, intitulado “Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento de Terreno” como um contrato de aquisição de materiais e inserido o respectivo pagamento na Declaração de Rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos referente ao exercício de 2009 como despesa de aquisição de materiais, se, face aos termos do próprio contrato, aquele valor se refere a despesa de consultadoria.
Aliás, a prova constante dos autos aponta inequivocamente que aquele montante de MOP$2.060.000,00 relativo ao exercício de 2009 revestiu a natureza de despesa de consultadoria.
E não obstante argumentar a recorrente que a alteração da natureza daquela despesa no montante de MOP$2.060.000,00 foi consentida pela sua cliente, mas não faria sentido nem seria necessário obter o consentimento da sua cliente, uma vez que o contabilista ou o auditor tem a obrigação de assegurar a veracidade das declarações de rendimentos dos seus clientes de acordo com os termos legais e profissionalismo.
Defende ainda a recorrente que aquela alteração não acarretou benefícios ilegítimos para a sua cliente.
Embora seja verdade que a sua cliente não conseguiu obter benefício ilegítimo (por que a situação foi descoberta pelos Serviços de Finanças), mas provado está que a recorrente tinha intenção de obter benefícios ilegítimos para a sua cliente.
De acordo com a lei, tanto as despesas de consultadoria como os gastos para aquisição de materiais integram o conceito de custo a deduzir da matéria colectável (alíneas a) e e) do artigo 21º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos).
Mas quando está em causa uma empresa sem estabelecimento estável em Macau e que aqui preste os serviços de consultadoria (artigo 9º, nº 1 e nº 3, alínea b) do Regulamento da Contribuição Industrial), se aquela empresa não tivesse apresentado a declaração fiscal exigida nos termos do artigo 8º do mesmo Regulamento, a respectiva despesa de consultadoria não poderia ser aceite como custo fiscal nos termos do nº 4 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial.
E se tivesse sido declarada como despesa para aquisição de materiais, já não estaria sujeita àquela limitação.
Mais precisamente, se se declarar determinados montantes como despesas para aquisição de materiais, quer os materiais sejam adquiridos em Macau quer sejam adquiridos junto de empresas sem estabelecimento estável em Macau, mesmo que essas empresas não tenham apresentado a declaração do início da actividade exigida nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, os respectivos pagamentos são considerados como custos a ser deduzidos do rendimento colectável.
No vertente caso, provado está que o montante de MOP$2.060.000,00 é uma despesa de consultadoria, sendo a prestadora uma empresa da China sem estabelecimento estável em Macau.
Mais se provou que aquela empresa prestadora da China não fez o registo fiscal previsto nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial.
Portanto, em princípio, se fosse declarado o montante de MOP$2.060.000,00 como despesa de consultadoria tal como vinha descrita na escrituração, uma vez que essa empresa da China não fez o registo fiscal (declaração do início da actividade) previsto nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, a respectiva despesa de consultadoria não poderia ser aceite como custo fiscal nos termos do nº 4 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial.
Mas tendo a recorrente inserido, como efectivamente fez, o montante de MOP$2.060.000,00 como despesa para aquisição de materiais na declaração relativa ao exercício de 2009, em princípio terá direito a obter a redução do lucro tributável.
Ao ocultar a verdadeira natureza do montante de MOP$2.060.000,00, a recorrente tinha a intenção de causar prejuízos à Fazenda da RAEM na medida em que esta receberia menos imposto complementar de rendimentos incidindo sobre esse montante, mas não foi causado efectivamente prejuízo por ter sido descoberta atempadamente a verdadeira natureza daquele montante por parte dos Serviços de Finanças.
Tudo isto para concluir que a recorrente tinha intenção de obter benefícios ilegítimos para a sua cliente ao inserir na declaração do exercício de 2009 o montante de MOP$2.060.000,00 como despesa de aquisição de materiais, em vez de despesa de consultadoria, para efeitos de custos fiscais.
Aqui chegados, não se vislumbrando o alegado erro na apreciação da matéria de facto, improcedem, pois, as razões aduzidas pela recorrente.
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Do alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão
Alega a recorrente que a matéria de facto apurada em sede do processo disciplinar não era suficiente para sustentar a decisão recorrida, defendendo que existe divergência notória entre os pontos 1 a 5 da Informação nº 37/DIR/AS/2014 e o conteúdo e as conclusões do Relatório Final do processo disciplinar.
A jurisprudência da RAEM tem entendido que a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão só se verifica quando “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.”1
Salvo o devido respeito, entendemos que não se verifica o alegado vício, uma vez que a Informação nº 37/DIR/AS/2014 apenas se limitou a apreciar de novo os factores para a determinação da pena, e não chegou a pôr em causa os factos cometidos pela recorrente e devidamente descritos no Relatório Final do processo disciplinar.
Nestes termos, face à matéria de facto que se encontra provada, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dúvidas não restam de que inexiste o alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, improcedendo, pois, as razões invocadas pela recorrente quanto a esta parte.
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Do erro na aplicação de direito
Defende a recorrente que a pena aplicada nunca podia ser o cancelamento do registo previsto no nº 4 do artigo 87º do Estatuto dos Auditores de Contas, quando muito só podia ser a pena de suspensão da profissão prevista no nº 3 do artigo 87º, e conjugando com a circunstância atenuante prevista no artigo 91º do mesmo Estatuto, que manda aplicar a pena de escalão inferior, terá que aplicar-se a pena de multa.
Vejamos.
Preceitua-se no nº 3 e 4 do artigo 87º do Estatuto dos Auditores de Contas o seguinte:
“3. A pena de suspensão é aplicada em casos de negligência grave ou grave desinteresse dos seus deveres profissionais, nomeadamente quando:
(…)
       g) subscrevam declarações fiscais em que se venham a detectar divergências materialmente relevantes entre estas e os dados constantes dos livros e registos das entidades servidas;
4. A pena de cancelamento é aplicável aos casos que inviabilizem o exercício das funções e, designadamente, quando:
       b) Pratiquem dolosamente quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam à ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação dos documentos ou das declarações fiscais a seu cargo.” – realçado nosso
Prevê-se no próprio Estatuto que a recorrente tem o dever de contribuir para o prestígio da profissão, desempenhando consciente e diligentemente as suas funções e evitando quaisquer actuação contrária à dignidade da mesma (artigo 37º, alínea a) do Estatuto), e nas suas relações com a Administração Fiscal, abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam à ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação da revisão e da certificação legal de contas e da contabilidade a seu cargo, dos respectivos documentos ou das consequentes declarações fiscais (artigo 42º, alínea c) do Estatuto).
De acordo com os factos trazidos na acusação constante do respectivo processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido e provado, refere-se, entre outros, que a arguida bem sabia que o montante de MOP$2.060.000,00 constava da escrita como despesa de consultadoria e que a mesma correspondia a consultadoria sobre aterros prestada pela C, Ltd em Macau, e que esta era uma companhia da China Continental sem estabelecimento estável em Macau. Não obstante, a arguida decidiu colocar essa despesa como despesa de aquisição de materiais fazendo-a registar desse modo no relatório técnico e na relação de fornecedores anexos à Declaração de Rendimentos modelo M/1, inserindo na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 dados que sabia não corresponderem à realidade, actuando com o objectivo de obter um benefício ilegítimo para o seu cliente.
Nestes termos, dúvidas não restam de que a recorrente não agiu com mera negligência ou falta de interesse dos seus deveres profissionais mas sim violou de forma dolosa e grave os deveres profissionais a que está adstrito nos termos do Estatuto, nomeadamente, adoptou uma conduta que seja susceptível de pôr em causa o prestígio da profissão e do exercício das suas funções, nos termos previstos na alínea b) do nº 4 do artigo 87º do Estatuto dos Auditores de Contas.
Sendo de realçar que o prejuízo causado não é um pressuposto de aplicação da pena de cancelamento do registo, quando muito, trata-se de uma circunstância que será atendida na graduação da pena (alínea f) do artigo 90º do Estatuto).
Nestes termos, sem embargo de melhor opinião, somos a entender que não merece censura a decisão da entidade recorrida ao aplicar à recorrente a pena de cancelamento, entretanto foi especialmente atenuada ao abrigo dos termos previstos no artigo 91º do mesmo Estatuto, ou seja, foi-lhe aplicada a pena de escalão inferior, que é a pena de suspensão do exercício de profissão.
Face ao exposto, improcedem as razões aduzidas pela recorrente quanto a esta parte, por não se vislumbrar o alegado erro na aplicação do direito.
*
Tudo ponderado, julga-se improcedente o presente recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
***
RAEM, 16 de Fevereiro de 2017
_________________________ _________________________
Tong Hio Fong Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Lai Kin Hong
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira

1 Acórdãos do TUI, Proc. n.º 17/2000, Proc. n.º 14/2000, Proc. n.º 16/2000, Proc. n.º 3/2002, Proc. n.º 12/2014
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Recurso Contencioso 776/2014 Página 37