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Processo nº 776/2016-I
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por acórdão de 26.01.2017 deste T.S.I.(1) decidiu-se negar

provimento ao recurso por A, assistente, interposto do Acórdão do T.J.B. que absolveu o arguido B da imputada prática de 1 crime de “falsificação de documento” e 1 outro de “burla”, p. e p. pelo art. 244° e 245°, e 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M.; (cfr., fls. 662 a 668-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

Verificando-se que no dito recurso insurgia-se também o assistente contra o segmento decisório que apreciou o pedido civil que enxertou nos autos, e sendo que em relação a esta parte não houve expressa pronúncia, importa consignar o que segue, mantendo-se, na íntegra, o que se consignou no acórdão deste T.S.I. de 26.01.2017.

Fundamentação

2. Com o aludido enxerto civil, demandava o assistente: o referido arguido B, e “C – Sociedade Unipessoal” (C一人有限公司), D e “E (Macau) Limitada” (E(澳門)有限公司), respectivamente, 1°, 2ª, 3° e 4ª demandados, pedindo a condenação destes no pagamento a seu favor de MOP$2.575.000,00; (cfr., fls. 395 a 406).

Contudo, parente o que em audiência de julgamento se provou, decidiu o T.J.B. julgar improcedente o aludido pedido civil, absolvendo todos os (4) demandados nos termos do exposto no seu Acórdão, (cfr., fls. 559 a 560), onde, em síntese, considerou que da matéria de facto dada como provada não resultava qualquer dolo ou negligência do arguido e restantes (2ª, 3° e 4ª) demandados, e que inexistente era também o necessário “nexo de causalidade” entre a conduta (provada) do (3°) demandado D e o alegado prejuízo do demandante.

E sendo que no acórdão deste T.S.I. de 26.01.2017 se considerou que o decidido pelo T.J.B. não padecia de qualquer “vício da decisão da matéria de facto”, e, desta forma, havendo que a ter como definitivamente fixada, motivos não há para se alterar a decisão agora em questão, quanto o “pedido de indemnização civil” pelo recorrente enxertado.

De facto, provado não estando que o arguido – e os restantes demandados – agiu – agiram – com dolo ou negligência e/ou em conluio com os dois indivíduos não identificados no Acórdão recorrido – e tão só referenciados como personagem “A” e “B” – e que em conformidade com a factualidade provada serão os “responsáveis” pelo prejuízo sofrido pelo ora recorrente, evidente se nos apresenta a sua absolvição, como decidido foi.

Por sua vez, provado estando que o dinheiro pelo recorrente reclamado foi pela 2ª demandada, “C – Sociedade Unipessoal”, entregue ao referido “indivíduo A” em conformidade e no respeito do acordado com o próprio recorrente, evidente se nos parece também que inviável é assacar-se-lhe qualquer responsabilidade, o mesmo se mostrando de dizer em relação aos 3° e 4ª demandados, já que se nos apresentam como “terceiros alheios” e que nada tem a ver com a “transacção” em resultado da qual se entregou ao aludido “indivíduo A” a quantia que com o deduzido pedido civil pretende o recorrente obter.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam manter o decidido no acórdão de 26.01.2017, e, em aditamento ao que aí se fez constar, decide-se confirmar a decisão do T.J.B. no que diz respeito ao pedido de indemnização civil pelo assistente enxertado nos presentes autos, negando-se provimento ao recurso quanto a este segmento decisório.

Custas pelo recorrente.

Macau, aos 16 de Fevereiro de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

(1) Tem este acórdão o teor seguinte:
  “Relatório
  1. A, assistente com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que absolveu o arguido B da imputada prática de 1 crime de “falsificação de documento” e 1 outro de “burla”, p. e p. pelos art°s 244° e 245° e 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., assacando ao decidido os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 566 a 591 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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   Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos a este T.S.I., onde se deu observância ao estatuído no art. 406° do C.P.P.M..
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   Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
   “Na Motivação de fls.566 a 591 dos autos, o recorrente assacou, ao douto Acórdão sob sindicância que absolveu o arguido B dos crimes imputados a si na Acusação, a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação de prova, arrogando que é manifestamente incrível o depoimento do arguido
   Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfl. fls.641 a 645 dos autos), no sentido da improcedência do recurso.
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   Acolhendo as boas doutrinas, o Venerando TUI consolida a firme jurisprudência que proclama (vide. Acórdão no Processo n.°9/2015): «A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.»
   Em esteira, cremos com tranquilidade que não se verifica in casu a invocada contradição insanável da fundamentação. Pois, os argumentos do recorrente revelam que em nome da contradição insanável da fundamentação, ele tentou o esforçou por fazer crer que a avaliação da prova pelo Tribunal a quo infringia as regras da experiência.
   De outro lado, basta-nos acompanhar a muito prudente observação do ilustre colega, que apontou: «雖然檢察院也認為嫌犯之口供及聲明不足以完全採信,但是僅憑對嫌犯口供及聲明的質疑尚不足以判定原審判決在說明理由方面存有不可補救的矛盾。»
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   No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
   O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
   De outro lado, impõe-se ter presente o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
   Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc. n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
   Em conformidade com todas as sensatas jurisprudências supra citadas, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica o invocado «erro notório na apreciação de prova», embora o depoimento e declaração do arguido apresentem pontos dubitáveis.
   De facto, nos autos não se encontram provas virtuosas que possam suficientemente comprovar plano comum, o conluio ou a conjugação de esforço entre o arguido e um indivíduo não apurado denominado “B”. E por outro lado, o próprio recorrente reconheceu que ele não havia tido certeza se o arguido soubera o código secreto da sua conta bancária.
   Não se pode olvidar que a absolvição se baseou não só na declaração do arguido, mas também da avaliação e ponderação globais de todas as provas constantes dos autos pelo Tribunal a quo. A leitura atenciosa dos elementos probatórios deixa-nos a convicção de que são judiciosas a avaliação e a ponderação pelo Tribunal a quo.
   Perante a séria dúvida no que concerne à suficiência da prova para a condenação, resta ao Tribunal a quo obedecer ao princípio de in dúbio pro reo. O que conduz à absolvição do arguido, por isso, afigura-se-nos que não existe in casu os dois vícios invocados pelo recorrente”; (cfr., fls. 658 a 659-v).
*
   Nada obstando, cumpre decidir.
  
  Fundamentação
  Dos factos
  2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 555 a 557, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
  
  Do direito
  3. Insurge-se o assistente contra o decidido no Acórdão do Colectivo do T.J.B. que absolveu o arguido da imputada prática de 1 crime de “falsificação de documento” e 1 outro de “burla”, p. e p. pelos art°s 244° e 245° e 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M..
   É de opinião que incorreu o Tribunal a quo nos vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
   Vejamos.
   Como repetidamente temos afirmado:
   O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.07.2016, Proc. n.° 418/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 550/2016 e de 20.10.2016, Proc. n.° 633/2016).
   Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
   Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
   De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
   Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 562/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 465/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).
   Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
   “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
   Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
   O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
   Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016).
   Aqui chegados, sendo de se manter o entendimento assumido quanto aos ditos vícios, cremos que censura não merece a decisão recorrida.
   Com efeito, não existe nenhuma contradição (muito menos, insanável), pois que a decisão apresenta-se clara e lógica, mais não se justificando dizer sobre o ponto em questão.
   E o mesmo sucede com o apontado “erro”.
   Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.
   Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc…
   Como temos realçado repetidamente, ao Tribunal cabe determinar como os factos se passaram, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações.
   O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.
   A circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade, não significa, necessariamente, que seja falsa toda a sua narrativa, não estando o Tribunal “obrigado” à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios. Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o Tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.
   Com efeito, mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 09.03.2016, Proc. n.° 436/14).
   Dest’arte, e analisando a decisão recorrida, afigura-se-nos que nenhuma censura merece, pois que não se vislumbra onde, como ou que termos se tenha violado qualquer regra sobre a valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.
   Com efeito, em nossa apreciação, revela-se justificada a opção e decisão do T.J.B., (dando aliás correcta aplicação prática ao “princípio in dubio pro reo”), não existindo nela qualquer vício decisório por erro ostensivo ou contradição irresolúvel, havendo, assim, que negar provimento ao recurso.
  
  Decisão
  4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
   (…)
   Macau, aos 26 de Janeiro de 2017”
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