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Processo nº 462/2016
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Fevereiro de 2017

ASSUNTO:
- Objecto do recurso contencioso
- Cláusulas do programa do concurso

SUMÁRIO:
- O objecto do recurso contencioso é o acto administrativo, que é uma decisão do órgão administrativo praticada no âmbito do direito público e que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta – cfr. artº 110º do CPA.
- As cláusulas do programa do concurso não são actos administrativos, mas sim actos de carácter regulamentar, por visar produzir efeitos jurídicos numa situação geral e abstracta.
O Relator,

Ho Wai Neng





Processo nº 462/2016
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Fevereiro de 2016
Recorrente: Consórcio de A – Investimentos e Serviços, SA – B, Limitada
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Consórcio de A – Investimentos e Serviços, SA – B, Limitada, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/03/2016, pelo qual se aprovou o programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedmentais releventes para o concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, concluíndo que:
1. A ora recorrente vem interpor recurso contencioso do despacho do Exmo. Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Março de 2016, exarado na Proposta 111/CGIA/2016 de 23 de Março de 2016, que aprovou o programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedimentais relevantes para o concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau";
2. A Recorrente só tomou conhecimento do acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas depois de notificada da contestação ao pedido de suspensão de eficácia do Chefe do Executivo de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016 que aprovou a abertura do concurso público;
3. não sendo o acto de publicação obrigatória, a recorrente só tomou dele conhecimento no dia 8 de Junho de 2016, data da emissão da certidão que requereu para junção ao Proe. n.º 385/2016/A e da apresentação da respectiva contestação, e como tal está em tempo para interpor o presente recurso - conforme dispõem os artigos 25.º, n.º 2, al a) e 26.°, n.º 5 do Código de Processo Administrativo Contencioso;
4. A ora recorrente é líder e membro do Consórcio denominado A INVESTIMENTOS E SERVIÇOS, S.A., C - INDÚSTRIA E GESTÃO DE ÁGUAS, S.A. e D CO., Ltd., actual adjudicatário da prestação de serviços de "Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau";
5. A Recorrente tem interesse pessoal, directo e legítimo no provimento do presente recurso, conforme artigo 33.°, al. a), in fine, do Código de Processo Administrativo Contencioso, uma vez que o anúncio de abertura e programa do concurso público autorizados pela entidade recorrida, foram elaborados por forma a impedir a recorrente e as suas subsidiárias de nele participarem, em clara violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, previstos nos artigos 5.º, 7.º, e 8.º do Código de Procedimento Administrativo, bem como do princípio da livre concorrência, que constitui a essência do concurso público;
6. Com a definição daqueles critérios de qualificação pretende-se excluir a participação da recorrente, que tem sido a prestadora dos serviços de operação e manutenção da ETAR nos últimos 5 anos, conjuntamente com as suas consorciadas;
7. Um concurso público é, por natureza, um procedimento em que se faz apelo à concorrência, admitindo-se que vários interessados disputem a celebração do contrato administrativo em causa;
8. O princípio que rege o concurso público é o da maior abertura do procedimento de contratação, sendo deste modo ilegítimas todas as disposições que restrinjam a concorrência, impondo requisitos que transformem o concurso em limitado ou mesmo em ajuste directo;
9. Os princípios da imparcialidade e da livre concorrência coíbem a Administração de vedar, ainda que de modo genérico, o acesso ao contrato de determinadas pessoas, a fim de assegurar a mais viva competição entre o maior número possível de concorrentes;
10. Criar condições de qualificação de concorrentes com o exclusivo propósito de excluir o actual prestador de serviços, é claramente atentatório dos princípios da igualdade e proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé e concorrência, bem como das regras de estabilidade e razoabilidade que devem imperar na administração;
11. Com os requisitos de qualificação estabelecidos no anúncio e no programa do concurso, ora em apreço, só duas sociedades locais, as actuais prestadoras dos serviços de operação e manutenção das Estações de Tratamento de Águas Residuais da Taipa, do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau e de Coloane é que podem candidatar-se ao concurso (como se de um "concurso-retrato" se tratasse);
12. Importa frisar que, durante o prazo para a apresentação das propostas nesse concurso de 2010, não foram facultados os desenhos, plantas e cálculos de engenharia, concebidos e utilizados em 1993 pela Engenharia Hidráulica de Macau Limitada e pelo então Gabinete da Central de Incineração e da Estação de Tratamento, que permitissem aos concorrentes atestar a alegada capacidade de tratamento de águas residuais;
13. No programa do concurso de 2010 também não foi feita menção de que esses documentos pudessem ter desaparecido ou sido extraviados, como agora surpreendentemente se admite no ponto 3.2 do Prefácio do Programa do Concurso de 2016;
14. Desde o início das operações na ETAR que a recorrente tem vindo a comunicar à entidade adjudicante que a capacidade de tratamento de águas residuais é inferior à referida no programa do concurso (144.000m3/dia), pelo que não é possível restaurar o que nunca existiu;
15. O Consórcio informou a DSPA, por escrito e em várias reuniões, do estado em que se encontrava a ETAR, dando nota que não era a proposta do Consórcio que estava em desconformidade com o programa e caderno de encargos do concurso, mas que eram, sim, estes documentos que estavam em desconformidade com a realidade factual da ETAR;
16. A Recorrente enviou à DSPA três relatórios técnicos independentes que demonstram que a real capacidade de tratamento de águas residuais é cerca de 50% a 60% inferior à capacidade de tratamento de águas residuais que foi erradamente referida nos documentos do concurso de 2010 pela entidade adjudicante (ou seja, os alegados 144.000m3/dia);
17. Em Fevereiro de 1996 (data em que as instalações e mecanismos ainda eram novos e supostamente a trabalhar em pleno), a ETAR, apesar de receber diariamente 73,331m3, só conseguia tratar 62,291m3, menos de metade da suposta capacidade original de tratamento de águas residuais;
18. O dissídio entre a DSPA e a recorrente e suas consorciadas sobre a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR culminou com uma reunião, realizada em 30 de Outubro de 2015, durante a qual aquela Direcção solicitou que as empresas consorciadas se comprometessem a não participar no presente concurso público, pedido que a recorrente recusou;
19. Foi precisamente a recusa da recorrente em assinar o compromisso de não participar no concurso que motivou a DSPA a estabelecer os supra referidos critérios de qualificação dos concorrentes, com os quais se pretende impedir, por esta via, a sua participação, em clara violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, concorrência e boa-fé;
20. Como tal, pela violação dos princípios supra mencionados, deve o acto administrativo ora recorrido ser anulado de acordo com o artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 715 a 730v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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As contra-interessadas E (em consórcio) e F, Serviço de Tratamento de Águas (Macau) Limitada contestaram nos termos constantes a fls. 781 a 788 e fls. 793 a 795 dos autos, cujos teores aqui se dão integralmente reproduzidos, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente, a saber:
   “Nas respectivas contestações (vide fls.715 a 730 e 793 a 795 dos autos), o órgão recorrido e a contra-interessada «F – Serviços de Tratamento de Águas (Macau) Limitada» aduziram excepções de ilegitimidade activa, a caducidade de direito de recurso, e a falta de objecto de recurso.
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   1. Do acto recorrido
   No intróito da petição, a recorrente indica propositadamente que o presente recurso contencioso incide no despacho do Exmo. Senhor STOP de 29/03/2016, exarado na Proposta n.º111/CGIA/2016 de 23/03/2016 (doc. de fls.29 a 31 dos autos). Eis o objecto configurado pela própria recorrente.
   Ora, o teor da sobredita Proposta evidencia inequivocamente que o despacho aí lançada pelo Exmo. Sr. STOP não toca o anúncio da abertura do concurso público identificado na mesma Proposta, nem autorizando nem aprovando, mas sim consiste em aprovar o programa do concurso e o caderno de encargos. Assim, é manifestamente inexacta a 5ª conclusão da petição, que reza «uma vez que o anúncio da abertura …… autorizados pela entidade recorrida, foram elaborados por forma a impedir a recorrente e as suas subsidiárias de nele participam, ……»
   Ensina-se que «Durante o procedimento pré-contratual, o caderno de encargos tem natureza regulamentar, obrigando a Administração a decidir com as regras nele contidas.» (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, p.956) Daí flui que o despacho de aprovação de caderno de encargos é normativo e de natureza de regulamento.
   O que conduz a que no vertente caso, o meio processual apropriado seja, a impugnação de normas regulamentada pelas disposições legais nos arts.88º a 93º do CPAC e, em consequência, surja o erro na escolha prescrito no n.º1 do art.12º do mesmo Código.
   Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que não há lugar a dar baixa para redistribuição, visto que se verificam: de um lado, a ilegitimidade excepcionada pela entidade recorrida na sua contestação e, de outro lado, a inutilidade superveniente da lide.
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   2. Sobre a ilegitimidade activa
   Recorte-se que o acto sob sindicância configurado na petição se reporta ao despacho exarado, em 29/03/2016, pelo Exmo. Senhor STOP na Proposta n.º111/CGIA/2016, cujo teor revela que, em bom rigor, tal acto consiste em aprovar o programa do concurso e o caderno de encargos, sendo ambos elaborados para vigorarem no concurso público identificado na mesma Proposta e regido pelo D.L. n.º63/85/M.
   Em esteira da sensata doutrina supra citada, podemos retirar que pelo menos, nos procedimentos de concurso público como acontece no este caso, o programa do concurso e o caderno de encargos são abstractos por natureza, pelo que não se dispõem de virtualidade de lesarem directa-mente os direitos ou interesses legalmente protegidos da recorrente.
   Por definições consignadas respectivamente no art.11º e no n.º1 do art.12º do D.L. n.º63/85/M, o programa do concurso destina-se a definir os termos a que obedece o processo de concurso, por sua vez, o caderno de encargos visa a estabelecer as especificações a que deverão obedecer os bens e serviços a adquirir e, bem assim, as cláusulas jurídicas e técnicas, gerais e especiais, a incluir no contrato.
   A nossa intervenção do Processo n.º385/2016/A leva-nos a saber que a Comissão de Abertura de Propostas tomou já decisão de admitir a proposta da recorrente no referido concurso público, Eis o fundamento do douto aresto judicial de declarar extinta a instância do sobredito processo n.º385/2016/A. Essa decisão de admissão indicia, a posteriori e de modo suficiente, que a recorrente não obterá interesse directo no provimento do presente recurso contencioso.
   Ponderando tudo isto em harmonia às jurisprudências e doutrinas autorizadas no que respeite a legitimidade contemplada na a) do art.31º e também no n.º1 do art.91º do CPAC, chegamos a acompanhar a excepção aduzida pela entidade recorrida, no sentido de que se verifica in casu a ilegitimidade activa.
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   3. Quanto à caducidade
   A coerência da posição leva-nos que ao caso sub iudice se aplica o preceituado no n.º1 do art.91º do CPAC, segundo o qual a impugnação de normas pode ser instaurada a todo o tempo. No fundo, o que significa que a impugnação de normas não se sujeita a prazo.
   Nesta linha de consideração, inclinamos a opinar que não se verifica a caducidade invocada pela entidade recorrida, embora seja impróprio o recurso contencioso para atacar o despacho em escrutínio por se tratar de despacho normativo.
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   4. Da falta de objecto
   Recorde-se que o objecto deste recurso contencioso se reporta ao despacho exarado na Proposta n.º111/CGIA/2016 pelo Exmo. Sr. STOP, e traduzido em aprovar o programa do concurso e o caderno de encargos, do concurso público referido na dita Proposta.
   Sabemos também que a Comissão de Abertura de Propostas tomou já deliberação de admitir a proposta da recorrente no sobredito concurso público, classificando-a em segundo lugar (doc. de fls.813 a 816 dos autos), embora a recorrente ficasse, afinal, vencida nesse concurso público. Pois bem, os serviços públicos objecto do mesmo concurso público foram adjudicados ao concorrente «E em Consórcio» pelo despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
   Seja como for, o que é incontroverso e facilmente compreensível é que a apontada deliberação de admissão tomada pela Comissão de Abertura de Propostas não conduz à extinção ou caducidade, seja originária seja superveniente, do despacho em causa. Daí que não tem cabimento a excepção da «falta de objecto de recurso» suscitada pela contra-interessada «F – Serviços de Tratamento de Águas (Macau) Limitada».
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   5. Da inutilidade superveniente
   Nos termos da causa de pedir configurada na petição, o pedido de anulação do despacho em sindicância tem por finalidade não exclusão da participação da recorrente no concurso público supra referido, finalidade que viu, como sabemos, alcançada com a admissão da sua proposta.
   Sendo assim, e visto que a ora recorrente interpôs já o recurso do despacho de adjudicação lançado pelo Exmo. Sr. Chefe do Executivo na Proposta n.º300/CGIA/2016 (doc. de fls.813 a 816 dos autos), recurso que corre seus termos no Venerando TSI sob o n.º804/2016, parece-nos que encontram com a inutilidade superveniente o pedido de anulação e a baixa para efeito de redistribuição.
   Com efeito, formula ainda o pedido de informação, no sentido de que: Mais se requer a V. Exª. se digne mandar notificar a entidade recorrida para informar se, de facto, não dispõe dos desenhos, plantas e cálculos de engenharia do projecto original da ETAR, bem como para juntar aos autos o relatório de avaliação da capacidade das instalações da ETAR elaborado pela AECOM Macau Companhia Limitada que permitiu ao Director DSPA dar a informação aos jornais de Macau de que foram descobertos limites na estrutura dos edifícios e na sua capacidade.
   É sensível que tal pedido de informação não satisfaz aos requisitos consagrados no n.º1 do art.24º do CPAC. Pois, o instrumento processual adequado para obter as informações acima mencionadas é a acção para prestação de informação, consulta de processo e passagem de certidão. E a recorrente não demonstra ter interesse legítimo em obter estas informações, nem esclarece a intrínseca conexão de tais informações com o acto recorrido ou a causa de pedir.
   Nesta medida, e dado que se trata, notoriamente, de informações que ficam fora do âmbito do procedimento de concurso público em que se insere o despacho recorrido, o pedido de informação não pode deixar de ser inevitavelmente ilegal.
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   Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência da excepção de ilegitimidade activa; ou, caso a nossa modesta opinião veja o douto acolhimento de V. Exª., pela declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
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III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O Chefe do Executivo, autorizou, por despacho de 02/02/2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016, de 06/01/2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, a abertura do concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
2. O Programa do concurso, o Caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes foram aprovados por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/03/2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/03/2016, da mesma Direcção de Serviços, ao abrigo da competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014.
3. O anúncio do concurso foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, n.° 16, de 20/04/2016, sem indicação quanto ao autor do acto que aprova o programa do concurso, o caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes.
4. Na cláusula 6 do Programado concurso é exigido como condição de qualificação dos concorrentes que:
6.1.- Para poderem participar neste concurso público, os concorrentes devem ser sociedades estabelecidas e registadas na RAEM, cuja natureza comercial deve estar relacionada com o tratamento de águas residuais. A sede das sociedades e os principais serviços administrativos devem estar localizados na RAEM, sem prejuízo do disposto na cláusula 6.5. Os concorrentes também pode ser um consócio de sociedades.
6.2.- Os concorrentes devem possuir as seguintes experiências (só é reconhecida a experiência provada com o original ou pública-forma do contrato ou documento comprovativo equivalente apresentado pelo concorrente):
Experiência relacionada com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais: dois serviços, pelo menos, relacionados com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso. As instalações de tratamento de águas residuais acima mencionadas devem ter adoptado um tratamento secundário e métodos biológicos para a remoção de poluentes em águas residuais, com uma capacidade de tratamento projectada não inferior a 50.000 m3 por dia, tendo cada uma das experiências acima mencionadas sido executada por um período de, pelo menos, 2 anos até à data da publicacão do anúncio do concurso:
6.3.- A experiência mencionada na cláusula 6.2 deve estar em conformidade com qualquer um dos seguintes requisitos:
a) Se os concorrentes forem sociedades, as experiências mencionadas na cláusula 6.2 devem ter sido adquiridas directamente pelos concorrentes; ou
b) Se os concorrentes participarem no concurso sob a forma de consórcio, as experiências mencionadas na cláusula 6.2, devem ter sido adquiridas directamente por uma das sociedades do consórcio que possua, no mínimo, 40% da quota do consórcio.
6.4.- Os concorrentes devem submeter a "Declaração sobre a Qualificação do Concorrente" reconhecida notarialmente. (vide o anexo IV).
6.5.- A entidade que preside ao concurso pode aceitar, também, os concorrentes que satisfaçam os requisitos estipulados nas cláusulas 6.2 a 6.3 no entanto, se lhe for finalmente adjudicada a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", os requisitos da cláusula 6.1 devem ser cumpridos até à data da celebração do contrato.
6.6.- Se o respectivo concorrente não conseguir satisfazer os requisitos da cláusula 6.1 até à data da celebração do contrato, a entidade adjudicante tem o direito de cancelar a adjudicação da prestação dos serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", sem prejuízo do disposto na cláusula 2.5 das "III.1. Cláusulas Gerais" do "III Caderno de Encargos" do Processo do Concurso.
5. Em 20/04/2016, A – Investimentos e Serviços, SA, em chinês A集團控股份有限公司, adquiriu junto da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) cópia de todo o Processo de concurso.
6. Em 19/05/2016, A – Investimentos e Serviços, SA requereu ao director da DSPA a consulta do processo de concurso, bem, como fotocópia autenticada do despacho do Chefe do Executivo que aprova o concurso em referência.
7. Ainda em 19/05/2016, em requerimento imediatamente posterior, dirigido à mesma entidade, veio dizer: “Em tempo, venho solicitar que me seja apenas por ora facultada a indicação das datas dos despachos do Chefe do Executivo que autorizaram a abertura dos concursos públicos serviços de “Operação e Manutenção da Estação do Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau e do Parque Transfronteiriço de Macau e que me seja enviada fotocópia autenticada dos referidos despachos para a morada...”.
8. Em 20/05/2016, A – Investimentos e Serviços, SA interpôs recurso do acto do Chefe do Executivo de 02/02/2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016 (que aprovou a abertura do concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Águas Residuais da Península de Macau”), o qual corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 385/2016, tendo requerido a suspensão de eficácia do mesmo acto (procedimento em apenso sob o n.º 385/2016/A), pedido este que foi indeferido por Acórdão de 30/06/2016, desse Tribunal de Segunda Instância.
9. Em 20/05/2016 a DSPA respondeu, por escrito, a pedidos de esclarecimento de dúvidas relativas à interpretação do processo de concurso, onde se inclui A – Investimentos e Serviços, SA.
10. E, em 25/05/2016, fez saber através de anúncio publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, n.º 21, a páginas 11446, que “a entidade que realiza o processo do concurso já prestou esclarecimentos nos termos do ponto 2.2 do programa do concurso, assim como esclarecimentos complementares correspondentes à necessidade real, integrando-os no processo do concurso” e que “Os esclarecimentos, bem como os esclarecimentos complementares acima referidos, encontram-se disponíveis para consulta durante o horário de expediente na sede da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, sita na Estrada de D. Maria II, n.ºs 11 a 11-D, Edifício dos Correios, 10.º andar, Macau.”.
11. Em 30/05/2016, foi enviado, para o escritório do advogado representante da A – Investimentos e Serviços, SA, o ofício com a referência 2427/324/CGIA/2016, da DSPA, comunicando que a cópia autenticada de documentos solicitada em 19 de Maio de 2016, estava preparada, podendo ser levantada durante o horário de expediente, comunicando ainda, o seguinte:
“No entanto, quanto à requerida consulta do processo do concurso, tendo em conta que as respectivas propostas de realização de concurso público, integrantes do processo do concurso dos dois citados projectos, contêm informações relativas ao orçamento das despesas destinadas aos projectos relevantes, e que essas informações não devem ser reveladas antes da apresentação das propostas pelos concorrentes, sob pena de serem comprometidos o objectivo e afinalidade a atingir com o concurso público, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 63.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, lamentamos não poder autorizar, neste momento, o requerimento por V. Exa.”.
12. Em 06/06/2016, A – Investimentos e Serviços, SA, em consórcio com B, Limitada, entregou uma proposta para admissão ao concurso para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
13. Em 08/06/2016, foi enviado à A – Investimentos e Serviços, SA, o ofício com a referência 2636/363/CGIA/2016, da DSPA, informando que a cópia autenticada de documentos, solicitada em 06/06/2016, podia ser levantada durante o horário de expediente.
14. O acto público de abertura das propostas ao concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau" teve lugar a 22/06/2016.
15. A proposta do consórcio formado pelas A – Investimentos e Serviços, SA e B, Limitada, foi admitida ao concurso, tal como as restantes três propostas.
16. Por deliberação da Comissão de Avaliação de Propostas, de 27/06/2016, a proposta apresentada pelo Consórcio formado pelas Recorrentes foi excluída na fase de avaliação por não reunir os requisitos de qualificação exigidos no Programa de concurso.
17. Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 22/09/2016, foi autorizada a adjudicação dos serviços de Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau ao concorrente Consórcio E.
18. A Recorrente recorreu contenciosamente do despacho do Senhor Chefe do Executivo acima em referência, que corre termos no TSI sob o Proc. nº 804/2016.
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IV – Fundamentação:
1. Do erro na forma do processo:
Como é sabido, o objecto do recurso contencioso é o acto administrativo, que é uma decisão do órgão administrativo praticada no âmbito do direito público e que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta – cfr. artº 110º do CPA.
No caso em apreço, apesar a Recorrente indicar o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/03/2016, pelo qual se aprovou o programa do concurso, caderno de encargos e outras peças procedmentais releventes para o concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” como acto recorrido, o certo é que o que pretendem impugnar na realidade, tal como resulta de forma clara da sua petição inicial, são as cláusulas 6.2 e 6.3 do Programa do Concurso, a saber:
6.2.- Os concorrentes devem possuir as seguintes experiências (só é reconhecida a experiência provada com o original ou pública-forma do contrato ou documento comprovativo equivalente apresentado pelo concorrente):
Experiência relacionada com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais: dois serviços, pelo menos, relacionados com a O&M de instalações de tratamento de águas residuais, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso. As instalações de tratamento de águas residuais acima mencionadas devem ter adoptado um tratamento secundário e métodos biológicos para a remoção de poluentes em águas residuais, com uma capacidade de tratamento projectada não inferior a 50.000 m3 por dia, tendo cada uma das experiências acima mencionadas sido executada por um período de, pelo menos, 2 anos até à data da publicacão do anúncio do concurso:
6.3.- A experiência mencionada na cláusula 6.2 deve estar em conformidade com qualquer um dos seguintes requisitos:
a) Se os concorrentes forem sociedades, as experiências mencionadas na cláusula 6.2 devem ter sido adquiridas directamente pelos concorrentes; ou
b) Se os concorrentes participarem no concurso sob a forma de consórcio, as experiências mencionadas na cláusula 6.2, devem ter sido adquiridas directamente por uma das sociedades do consórcio que possua, no mínimo, 40% da quota do consórcio.
Ora, as referidas cláusulas não são actos administrativos, mas sim actos de carácter regulamentar, por visar produzir efeitos jurídicos numa situação geral e abstracta.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Editora Fundação Macau e SAFP, pág. 956.
Sendo acto de carácter regulamentar, a forma correcta do processo seria a Impugnação de Normas, cuja tramitação processual está prevista no artº 88º e seguintes do CPAC.
Dispõe o nº 1 do artº 12º do CPAC que “Quando haja erro na escolha do meio processual ou do procedimento adequados à satisfação do pedido formulado, transitado o despacho de rejeição liminar e sendo o tribunal competente para o conhecimento daquele pedido, é oficiosamente ordenada a baixa na distribuição efectuada e a sua repetição na espécie própria”.
O Mº Pº entende que tendo em conta o procedimento administrativo do concurso público já ter chegado ao seu termo com a adjudicação e a ora Recorrente também ter reagido judicialmente com vista a atacar a decisão da sua exclusão na fase de avaliação e de adjudicação (Proc. nº 804/2016), já não tem qualquer utilidade prática para dar baixa na distribuição efectuada e a sua repetição na espécie própria.
Quid iuris?
Prevê o nº 1 do artº 90º do CPAC que “A declaração de ilegalidade pode ser pedida quando a norma tenha sido julgada ilegal por qualquer tribunal em três casos concretos ou quando os seus efeitos se produzam imediatamente, independentemente de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação”.
No caso sub justice, não temos elementos para concluir que as cláusulas em causa foram objecto da declaração da ilegalidade por qualquer tribunal em três casos concretos.
Serão normas que produzem efeitos imediatamente, independentemente de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação?
Para se apurar se a norma regulamentar tem uma natureza imediatamente operativa ou não, WLADIMIR BRITO propõe o seguinte critério (in Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Editora Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, pág. 286):
   “a) É mediatamente operativa, logo, directamente insindicável, a norma regulamentar que confere ao administrador poderes discricionários, impondo-lhe, por isso mesmo, a necessidade da prática de actos administrativos de concretização da posição ou opção da Administração, actos esses que podem efectivar lesões de direitos ou de interesses legítimos do particular:
   b) É imediatamente operativo, logo, directamente sindicável, a norma regulamentar que vincula o administrador, nomeadamente as relativas a concretos meios de prova, não necessitando, portanto, para ofender direitos e/ou interesses particulares senão de actos instrumentais ou materiais que não envolvem decisão de autoridade”.
No caso em apreço, para concretizar a previsão das normas, isto é, excluir um concorrente do concurso com fundamento na falta de condição de qualificação exigida nas cláusulas em referência é necessária uma prévia avaliação por parte do júri do concurso quanto à experiência profissional do mesmo, o que evidencia que as cláusulas em causa não são imediatamente operativas, pelo que a Recorrente não pode as sindicar directamente através desse meio processual.
Nesta conformidade, não pode proceder-se à conversão dos autos em processo de Impugnação de normas.
Face ao exposto, afigura-se que o meio correcto de impugnação seria interpor o recurso contencioso contra a decisão da sua exclusão do concurso, com fundamento na ilegalidade das cláusulas em referência, o que parece a Recorrente já o ter feito sob o Proc. nº 804/2019, que corre termos neste Tribunal.
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Fica prejudicado o conhecimento de demais questões invocadas.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em rejeitar o presente recurso contencioso com fundamento no erro na escolha da forma do processo.
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Custas pela Recorrente pela rejeição com 8UC taxa de justiça.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos de 16 de Fevereiro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong Fui presente
Mai Man Ieng
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462/2016