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Processo nº 625/2016
(Conhecimento de excepções)

Data: 16/Fevereiro/2017

Assuntos: Cumulação de pedidos

SUMÁRIO
- A alínea a) do artigo 24º, nº 1 do CPAC permite que, uma vez julgado procedente o recurso contencioso, se ordene a entidade recorrida a prática de acto legalmente devido, se esse for de conteúdo vinculado.
- A lei admite a dedução do pedido de indemnização de perdas e danos no próprio recurso contencioso, mas tal pedido terá que ser formulado contra a RAEM e não o autor do acto administrativo, por ser aquela pessoa colectiva quem devia responsabilizar-se pelo pagamento de eventuais indemnizações causadas pelo autor do acto.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 625/2016
(Autos de recurso contencioso)

Data: 16/Fevereiro/2017

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com os sinais nos autos, inconformada com o despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo de 1.7.2016, que decidiu adjudicar à empresa Companhia XXXX Limitada a «Empreitada de Melhoramento do Sistema de Drenagem na Estrada Flor de Lótus, Cotai», interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo, e ao mesmo tempo, formulou contra a mesma entidade o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido e o pedido de indemnização de perdas e danos.
Devidamente citada, suscitou a entidade recorrida duas excepções: a primeira refere-se à inadmissibilidade da cumulação de pedidos, e a segunda a falta de personalidade judiciária da entidade recorrida no tocante ao pedido de indemnização contra si deduzido.
O Digno Magistrado do Ministério Público vem defender pela admissibilidade da cumulação de pedidos, pugnando, no entanto, pelo indeferimento liminar do pedido de indemnização.
Vejamos.
Comecemos pela cumulação de pedidos.
Prevê-se na alínea a) do nº 1 do artigo 24º do CPAC que “qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso, o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado”.
Não obstante o previsto no artigo 103º do CPAC, nada obsta a que o recorrente de recurso contencioso venha a formular cumulativamente pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido.
De facto, o artigo 103º apenas impede que se formule ao mesmo tempo recurso contencioso e acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, com vista a evitar a prática de medidas processuais que tenham natureza semelhante e que possam, eventualmente, conduzir a decisões contraditórias.
Ao passo que a alínea a) do artigo 24º, nº 1 do CPAC permite que, uma vez julgado procedente o recurso contencioso, se ordene a entidade recorrida a prática de acto legalmente devido, se esse for de conteúdo vinculado.
Nestes termos, julga-se improcedente a excepção suscitada pela entidade recorrida quanto a esta parte, admitindo-se a cumulação do pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido no recurso contencioso.
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Defende ainda a entidade recorrida que no tocante ao pedido de indemnização formulado pela recorrente, tal deveria ser deduzido contra a RAEM e não contra um titular de um cargo político, por falta de personalidade judiciária, pugnando, a final, pela absolvição da entidade recorrida da instância.
Quid iuris?
Estatui-se na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do CPAC que “qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso, o pedido de indemnização de perdas e danos que, pela sua natureza, devam subsistir mesmo em caso de reposição da situação actual hipotética obtida através do provimento do recurso”.
Em princípio, a lei admite a dedução do pedido de indemnização de perdas e danos no próprio recurso contencioso.
Mas não deixa de ser verdade que tal pedido de indemnização terá que ser formulado contra a RAEM e não o autor do acto administrativo, por ser aquela pessoa colectiva quem devia responsabilizar-se pelo pagamento de eventuais indemnizações causadas pelo autor do acto.
No mesmo sentido, veja-se o decidido no Acórdão deste TSI, no Processo nº 620/2010.
Daí que não restam grandes dúvidas de que a entidade recorrida teria que ser absolvida da instância quanto ao pedido de indemnização.
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Mas outra é a questão de saber se deverá ser admitida a intervenção da RAEM, na qualidade de Ré no que se refere ao pedido de condenação em indemnização.
Em princípio, parece que se a lei permite a cumulação de pedidos conforme o previsto no artigo 24º da CPAC, não se vê razão para obstar a intervenção da RAEM na mesma causa, juntamente com o autor do acto de cujo recurso contencioso se interpõe.
No entanto, salvo melhor opinião, entendemos que antes disso, há-de apreciar se este TSI tem competência para julgar o pedido cumulado. Se não a havendo, não se vislumbra fundamento nem utilidade para se autorizar a intervenção da RAEM.
Ora nos autos, a recorrente pede a anulação do acto praticado por Sua Excelência o Chefe do Executivo que decidiu adjudicar uma obra pública ao contra-interessado, e pede posteriormente que seja autorizada a intervenção da RAEM para figurar como Ré quanto ao pedido de indemnização por perdas e danos traduzidos nos lucros que deixaria de receber caso lhe fosse adjudicada a obra.
De acordo com as normas previstas na Lei de Bases da Organização Judiciária, compete ao Tribunal de Segunda Instância julgar em primeira instância recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados por Chefe do Executivo (artigo 36º, nº 3, alínea 8) da LBOJM), enquanto é da competência do Tribunal Administrativo julgar as acções sobre contratos administrativos (artigo 30º, nº 1, alínea 3)III da LBOJM).
O Venerando TUI já teve oportunidade de se pronunciar sobre uma situação semelhante (Acórdão proferido no âmbito do recurso com fundamento em oposição de acórdãos - Processo nº 126/2014), destacando-se o seguinte:
“Como é sabido, a distribuição de competência entre vários tribunais em razão da hierarquia e da matéria é uma questão de ordem pública, prevista na Lei de Bases da Organização Judiciária, cujas regras não podem ser derrogadas sem norma expressa, por estar em causa um princípio de ordem pública.
Por outro lado, não resulta do art.º 24.º do CPAC que seja possível a cumulação quando a competência para os dois meios processuais caiba a tribunais diversos.
(…)
A razão de ser desta norma é semelhante à do n.º 3 do art.º 113.º do CPAC, permitindo a cumulação de pedidos por razões de economia processual, operada no âmbito do recurso contencioso.
Ora, não obstante a utilização da expressão “qualquer que seja o tribunal competente”, não se nos afigura possível a cumulação de pedidos que devem ser conhecidos por tribunais diversos.”
No caso vertente, embora a situação não seja exactamente a mesma, mas entendemos que os fundamentos seriam os mesmos, na medida em que não sendo este TSI competente para julgar o pedido de indemnização, não é possível haver cumulação de pedidos, razão pela qual se indefere o pedido de intervenção da RAEM.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar:
- admitir a cumulação do pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido no recurso contencioso, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 24º do CPAC;
- absolver a entidade recorrida da instância quanto ao pedido de indemnização;
- indeferir a intervenção da RAEM para figurar como Ré na acção de indemnização por perdas e danos.
Custas pela recorrente, com 2 U.C. de taxa de justiça.
Notifique.
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RAEM, 16 de Fevereiro de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Joao A. G. Gil de Oliveira
Fui presente
Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 625/2016 Página 1