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Processo n.º 28/2017
(Recurso Laboral)

Relator: João Gil de Oliveira

Data : 23/Fevereiro/2017


ASSUNTOS:

- Acidente de trabalho
- Decisão judicial contra parecer da junta médica
    
    SUMÁRIO :
    
    É livre a apreciação da prova pericial e o juiz pode, desde que fundamente, apartar-se do veredicto da junta médica, especialmente se teve o cuidado de pedir um relatório e esclarecimentos complementares a um director de serviços da área da especialidade em causa.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira



Processo n.º 28/2017
(Recurso Civil)
Data : 23/Fevereiro/2017

Recorrente : Companhia de Seguros da A (Macau), S.A.

Recorrida : B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. Companhia de Seguros da A (Macau), S.A., Ré nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da douta sentença contra si proferida, e não se podendo conformar com a mesma, vem dela interpor recurso para este Tribunal da Segunda Instância, nos termos dos arts. 110°, n.º 1 alínea 3) e 111°, n.º 1 e 5, ambos do Código de Processo do Trabalho, alegando fundamentalmente e em síntese:
    I. A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que fixou a Incapacidade Permanente Parcial para o Trabalho à Autora B em 8% e uma Incapacidade Temporária Absoluta de 180 dias.
    II. Na referida decisão, o Tribunal a quo adoptou o resultado de uma perícia médica singular efectuada à Autora nos presentes autos, em detrimento da perícia colegial que havia sido efectuada à mesma, e da qual resultou por unanimidade dos 3 peritos integrantes da mesma, que a Incapacidade Permanente Parcial é de 0% e a Incapacidade Temporária Absoluta de 90 dias, condenando a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora uma indemnização no valor global de MOP$101,657.99.
    III. No dia 13 de Dezembro de 2013 ocorreu um acidente de trabalho no qual esteve envolvida a ora Autora B.
    IV. Na tentativa de conciliação realizada no âmbito do processo para a efectivação da responsabilidade decorrente de acidente de trabalho com o n.º LB1-14-0376-LAE, a ora Recorrente concordou que se tratou efectivamente de um acidente de trabalho, que existia nexo de causalidade entre o referido acidente e as lesões e ainda que a Autora auferia uma remuneração mensal de MOP$8,000.00, discordando com o período de 365 dias de Incapacidade Temporária Absoluta e dos 10% de valor de Incapacidade Permanente Parcial, resultantes do relatório médico constante de fls. 165 dos autos Recorridos.
    V. Foi requerida a competente perícia médica para, tendo para esse efeito, cada uma das partes designado um perito e o CHCSJ indicado, a pedido do Tribunal a quo, um especialista para completar o colégio de 3 peritos, tendo sido efectuado o exame no dia 16 de Julho de 2015, concluindo os 3 peritos presentes, de que a Incapacidade Permanente Parcial a atribuir no presente caso é de 0% e de que a Incapacidade Temporária Absoluta é de 90 dias.
    VI. A opinião dos 3 peritos foi unânime e inequívoca, tendo justificado com toda a clareza as suas conclusões médicas, que os levaram a considerar que o IPP era de 0% e o ITA foi de 90 dias.
    VII. No entanto, muito embora a referida justificação, os peritos foram instados a justificar com maior completude o facto de terem atribuído 90 dias de ITA, o que fízeram com total clareza.
    VIII. No entanto foí ordenada a realização de um exame complementar, o qual foi efectuado por um médico, Director do Departamento de Pediatria do CHCSJ, tendo este concluido que deveria ser arbitrada uma IPP de 8% e um ITA de 180 dias.
    IX. O douto Tribunal a quo, adoptou tal resultado, em detrimento do resultado do exame da junta médica, o qual reuniu o consenso dos 3 médicos integrantes do mesmo, sendo que um deles, é especialista em Ortopedia.
    X. Entende a ora Recorrente, que a decisão do douto Tribunal a quo não se encontra devidamente justificada, enfermando o vício de erro de julgamento.
    XI. Considerando não haver qualquer fundamento válido para desvalorizar o resultado da perícia colegial que, avaliando necessariamente os mesmos factos sobre que incidiu o exame complementar, ajuizou, por unanimidade dos seus membros, que a sinistrada não apresenta sequelas do acidente dos Autos e consequentemente concluiu pela atribuição de 0% de IPP e de que o ITA será de 90 dias.
    XII. Os peritos da Junta consultaram o processo e responderam ao que concretamente se lhes perguntou.
    XIII. Os relatórios médicos visam habilitar o Meritissimo Juiz, como "perito dos peritos", com os necessários conhecimentos técnicos de especialistas de forma a poder proferir a mais justa das decisões e ninguém melhor do que os especialistas na referida matéria para elucidarem quem não esteja na posse dos conhecimentos técnicos necessários a tal entendimento.
    XIV. No entanto, a argumentação utilizada para preterir o resultado da junta médica não é suportado por qualquer razão científica ou técnica, apoiada em sólidos e convincentes argumentos, que imponha decisão diversa da tirada pela Junta Médica: optou-se por uma mera adesão ao descritivo, considerandos e proposta do exame singular.
    XV. Não obstante a clara e unânime resposta dos Senhores peritos que integraram a Junta, entendeu-se que deveria prevalecer o laudo do perito singular, mas, com o devido respeito, sem fundada razão, a nosso ver.
    XVI. O valor probatório das respostas dos peritos é, como se sabe, livremente apreciado e fixado pelo Tribunal, conforme artigos 383.º do Código Civil e 512º do Código de Processo Civil.
    XVII. No entanto, entendemos que a livre apreciação deste tipo de prova tem contornos mais exigentes do que os postulados pela regra geral da livre apreciação das provas consagrada no número 1 do artigo 558º do C.P.C.
    XVIII. No presente caso, muito embora o Juiz a quo não esteja forçosamente vinculado à rigorosa observância das respostas periciais, ( ... ainda que unânimes), sempre terá de admitir que às conclusões a retirar presidam mais do que as regras normalmente decorrentes da lógica, da razão e das máximas da experiência comum, que terão naturalmente de ser precedidas/complementadas com as regras de uma ciência cultivada em especial pelos peritos intervenientes.
    XIX. Face às suas naturais limitações científicas, e tratando-se de uma valoração eminentemente técnica, é induzido a aceitar, por via de regra, o saber técnico-científico inerente às 'legis artis' dos peritos, nele se justificando
    XX. Por isso se entende pacificamente, há muito, que, sempre que o Julgador se desvie do teor das respostas dos peritos, se lhe impõe que fundamente adequadamente a sua motivação.
    XXI. A prova produzida nos presentes autos, nomeadamente os relatórios médicos e especialmente o relatório da junta médica, o qual expressa a opinião unânime dos 3 médicos designados, deveria ter sido valorado.
    XXII. Pelo que consideramos que houve erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, após a apreciação dos argumentos apresentados, por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o presente recurso, devendo dar-se como não justificada a preterição do resultado da junta médica, adoptando-se as conclusões constantes do mesmo.
    Pelas razões expostas
    V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã JUSTIÇA.
    
    2. A Magistrada do Ministério Público, junto ao T.J.B., tendo sido notificado das alegações do recurso interposto pela ré Companhia de Seguradora da A (Macau), S.A. veio, em patrocínio oficioso do trabalhador B, e ao abrigo do disposto no art. 114, n.º 2, do C.P.T., apresentar as suas alegações de resposta, o que fez, em síntese:
    1.) Na sequência de dúvidas suscitadas, foi o Tribunal a quo determinada a realização de um exame complementar com vista à boa decisão da causa nos termos do art. 73° n.º 3 do C.P.T.
    2.) Com base em todos os elementos clínicos constantes nos autos, de forma perfeitamente fundamentada, veio o Tribunal a quo a fixar em 8% o coeficiente de IPP de que a sinistrada se encontra afectada e em 180 dias em que esteve em ITA, o que em face de todos os elementos constantes dos autos, considerar ser o valor correcto afixar.
    3.) Pelo exposto, não cometeu o Tribunal a quo qualquer erro no julgamento da matéria de facto pois o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal ante os elementos probatórios dos autos não se mostra desrazoável à luz das experiências da vida humana ou aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do caso.
    4.) Nos termos do art. 383º do Código Civil, "A força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal"
    5.) A visão pessoal da recorrente em atribuir determinados sentidos às provas produzidas não vincula o tribunal recorrido.
    6.) O argumento da recorrente não merece procedente
    Nestes termos, e pelas razões acima expostas, o recurso ora interposto pela recorrente não mereça de provimento. Devendo o mesmo recurso julgado improcedente e mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    1. É do seguinte teor a douta sentença proferida:
    “Na presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado(a) B e entidade responsável "Companhia de Seguros da A (Macau), S.A.", realizou-se, sem êxito, a legal tentativa de conciliação, uma vez que a segunda não aceitou o resultado do exame médico efectuado pelo perito do tribunal que concluiu sofrer o(a) sinistrado(a) de uma IPP de 10% e de uma ITA de 365 dias (fls. 165, 177v. e 185).
    Nessa tentativa de conciliação, sinistrado(a) e seguradora acordaram, no entanto, nos seguintes pontos:
    - na existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho (ocorrido no dia 13/12/2013);
    - no nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo(a) sinistrado(a);
    - na retribuição por este(a) auferida à data do acidente (MOP8.000,00 mensais);
    - na transferência da responsabilidade da entidade patronal para a seguradora, atinente ao acidente em referência, pela totalidade do salário do sinistrado(a);
    - que ota) sinistrado(a) recebeu uma indemnização por ITA, relativa a 80 dias, de MOP 14.222,40 (cf. fls. 177v. e 185);
    - que o(a) sinistrado(a) recebeu a título de despesas médicas e medicamentosas efectuadasa quantia de MOP 8.218,00 (cf. fls. 177v., 180 e 185);
    - o(a) sinistrado(a) nasceu a 25/02/1959.
*
    Na junta médica da especialidade de ortopedia, realizada a requerimento da seguradora - requerimento que deu início a esta fase contenciosa - por unanimidade - os Srs. Peritos fixaram em 0% o coeficiente de IPP de que o(a) sinistrado(a) se encontra afectado e em 90 os dias em que esteve em ITA.
    Na sequência de dúvidas suscitadas (conforme documentam os autos), foi determinada a realização de um exame complementar, realizado pelo Sr. Director do departamento de Pediatria do HCSJ, com base em todos os elementos clínicos constantes dos autos, que, de forma perfeitamente fundamentada, veio a fixar em 8% o coeficiente de IPP de que o(a) sinistrado(a) se encontra afectado/a e em 180 os dias em que esteve em ITA, o que, em face de todos os elementos constantes dos autos, consideramos ser o valor correcto a fixar.
*
    O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
    Não há nulidades que invalidem todo o processo.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
    Inexistem outras excepções susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa de que cumpra conhecer.
*
    Pelo exposto, considerando a materialidade fáctica que ficou assente no auto lavrado na tentativa de conciliação e o resultado dos exames médicos realizados nesta fase contenciosa, considero o(a) sinistrado(a) portador(a) de uma I.T.A. de 180 dias e de uma LP.P. de 8%, a partir de 26 de Agosto de 2014, pelo que, atento o disposto nos artigos, 1.º, 2.°, n.º 1, 3.° a) e h) (1), 4.°, 12.°, 27.°, 46.°, a) e b) 47.°, n.º 1, a), d) 5.° e n.º 3, 54.°, n.º 1, a) e 8, 62.° e 63.° todos do Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovado pelo Decreto-lei 40/95/M decido condenar a companhia de seguros a pagar ao (à) sinistrado(a):
    - a quantia de MOP 61.440,00 a título de indemnização devida por IPP;
    - a quantia de MOP 31.999,99, devida por ITA, tendo em conta que já lhe foi paga a quantia de MOP 14.222,40.
    Custas a cargo da seguradora. Valor da acção: MOP 101.657,99.
    Registe e notifique.
    Macau, 26/09/2016.”
    
2. O processo foi instruído com o seguinte parecer:

“HOSPITAL KIANG WU
REF.:15/469 07/12/2015
Tribunal Judicial de Base da RAEM,
Sra. XXX, escrivão auxiliar do Juízo Laboral,
    Tendo recebido o vosso ofício n.º 1742/2015/LBl/CCL, o qual foi solicitado ao Dr. XXX do Hospital Kiang Wu para esclarecer as dúvidas apresentadas pelo tribunal, referente à sinistrada, B, feminino, titular do BIR de Macau n.º XXX, o signatário vem por este meio responder:
    1. A sinistrada encontrou-se dor na região lombar após o traumatismo, sendo considerado a entorse lombar. As dores existentes nos membros inferiores têm relação com a doença degenerativa da coluna lombar, sem/qualquer relação evidente com o traumatismo. Para tal, a I.P.P. é fixada em 0%.
    2. i. Dado que a sinistrada foi diagnosticada com a entorse lombar, em geral, o tempo de recuperação é mais curto.
    ii. Quando sentiu dor na região lombar após a entorse lombar, é necessário receber os tratamentos.
    iii. Não podia trabalhar no momento em que ficou a padecer de dor na região lombar.
    iv. Face às faltas de trabalho, já prestou uma justificação preliminar. v. Não consegue lembrar.
    As respostas acima referidas servem apenas para referência.

Hospital Kiang Wu
(ass. e carimbo: vide o original)
Dr. XXX “

3. Os Senhores Peritos médicos complementaram o seu relatório, esclarecendo:

“Examinada: B
    Exm. Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Base de Macau,
    Relativamente às dúvidas indicadas no vosso ofício n.º 1741/2015/LBl/CCL, os três signatários vêm por este meio responder:
    (1) Como dito no relatório da perícia médica, as lesões sofridas pela examinada são a "entorse lombar"; face às alterações degenerativas da coluna lombar e a hérnia discaI lombar de L4/5, são as doenças degenerativas, bem como os especialistas também entendem que as lesões aguadas, por exemplo entorse lombar, não podem provocar uma hérnia discaI lombar.
    (2) Tendo em consideração as experiências dos peritos, as teorias médicas e o ponto de vista de humanização, depois de ter tratamento regular, os três signatários fixaram a I.T.A. de 3 meses (90 dias) face a esse tipo de doença "entorse lombar".
    Por não haver mais a confirmar, o presente é devidamente assinado e confirmado.
(Ass.:vide o original) (Ass.:vide o original) (Ass.:vide o original)
Dr. XXX Dr. XXX Dr. XXX
    Macau, aos 14 de Março de 2016. “
    
4. O Exmo Director de Ortopedia, prestou os seguintes esclarecimentos e informações:
“RELATÓRIO PERICIAL DE CLÍNICA MÉDICO-LEGAL

Pro. n.º: LBI-14-0376-LAE
Examinada: B
Data de exame: 3 de Junho de 2016
Local de exame: Consulta Externa de Ortopedia do CHCSJ
    O signatário, Dr. XXX, médico consultor de ortopedia do CHCSJ, nomeado pelo Juízo Criminal (sic) do TJB de Macau, depois de proceder ao exame clínico da examinada na data e local acima referenciados, vem por este meio responder às perguntas colocadas pelo tribunal:
    1. A examinada lesionou-se, respectivamente, em 13 de Dezembro de 2013 e em 3 de Março de 2014, causando-lhe a entorse da região lombar. Em consequência, os sintomas das eventuais doenças pré-existentes (a hérnia de disco e a estenose espinal) foram agravados, portanto, ela fica a padecer de uma, incapacidade permanente parcial (LP.P.). O grau da LP.P. é fixado em 8% (nos termos do D.L. n.º 40/95/M, art. 7.°, al. c), 1)).
    2. A examinada lesionou-se em 13 de Dezembro de 2013 e regressou ao trabalho em 3 de Março de 2014. Uma vez que as lesões dela ainda não foram recuperadas, causou-lhe o agravamento da dor na região lombar devido ao levantamento e transporte dos objectos pesados em 20 de Março de 2014. O signatário entende que o período da I.T.A. da examinada é de 180 dias (prevalece os atestados médicos emitidos antes da fixação da I.P.P.).
    Nada mais a afirmar, o presente é devidamente assinado e confirmado.
    
    (Ass.: vide o original)
    Dr. XXX
    Macau, ao 1 de Julho de 2016.”

    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por saber, no fundo, se, não obstante o resultado da perícia médica, o tribunal é livre de estabelecer uma dada incapacidade, absoluta ou relativamente diferente, desde que para tanto fundamente devidamente a sua decisão.
    O nossa resposta é, desde já afirmativa.
    
    2. A situação é a seguinte:
    Houve um acidente de trabalho.
     Na conciliação foi estabelecido o nexo causal entre as lesões verificadas e o acidente.
    (A partir daí estamos perante uma matéria definitivamente fixada que já não será possível inverter – cfr. 54º/1 e 2, 56º/1, 58º/1 e 70º/1 do CPT)
    Atente-se que seguradora ora recorrente não pôs em causa o referido nexo causal.
    Foi convocada uma junta médica que se pronunciou por um grau de incapacidade de 0%, considerando que as lesões eram pré-existentes e que não havia nexo causal.
    Convocada a junta para esclarecer e melhor concretizar o seu veredicto, mantém a posição por unanimidade.
    Perante isto, o que fez o Mmo Juiz?
    Pediu esclarecimentos complementares ao Director de Ortopedia – dentro da especialidade referente às lesões (e não ao Director de Pediatria, como alega a recorrente) que, fundadamente se inclina no sentido da existência de uma probabilidade de aumento da lesão, ainda que pré-existente, por força da ocorrência do acidente.
    
    3. Foi neste parecer que o Mmo Juiz se louvou e essa pronúncia não nos merece censura.
    O que se poderá estranhar, numa primeira aparência, é o facto de a junta médica ter afirmado e reafirmado a sua posição quanto à existência de uma incapacidade de 0%, o que apontaria para uma negação de um nexo causal, questão que já não se pode inverter, uma vez que se mostra fixada nos autos e as partes aceitaram esse nexo causal.
    A solução do Mmo Juiz não foi apenas a de conciliar o que parecia inconciliável. Com muita responsabilidade e prudência foi complementar a sua informação para a tomada de uma recta decisão e, louvando-se no relatório de um outro médico, especialista na matéria, sobrelevou o aspecto de o acidente ter potenciado o aumento das sequelas das lesões ainda que pretéritas ao acidente.
    Esta interpretação dos poderes do juiz na fixação da incapacidade e na valorização de diferentes elementos não deixa de estar bem patente na jurisprudência comparada, de que o caso adiante sumariado não deixa de ser paradigma:
    “I - Não se devem confundir lesões com sequelas de lesões, já que, traduzindo aquelas os traumatismos sofridos pelo corpo do sinistrado em consequência directa da produção do acidente, já estas traduzem certos efeitos das lesões sofridas e que persistem após a cura das mesmas através de terapêutica adequada.
II - Qualquer exame médico existente nos autos – a par de quaisquer outros elementos de prova, seja ela pericial ou não – deve ser considerado pelo julgador na livre apreciação que lhe é conferida pelas regras do processo civil (art.… do C.P.C) ao ser chamado a decidir sobre os factos relevantes para a decisão da causa. A circunstância do senhor juiz, porventura, dar maior ênfase ou relevância a um exame médico em detrimento de outro ou outros, não significa que não tenha considerado qualquer dos outros exames, mas apenas que aquele foi prevalente na convicção que criou no tocante à incapacidade permanente de que o sinistrado ficou portador em consequência do acidente de que foi vítima.”1
    A posição adoptada e aqui sufragada decorre do disposto no art. 383º do CC, 73º/3 do CPT e 512º do CPC, todos esses normativos apontando para a a superior e livre convicção do juiz, o que não significa, de forma alguma, arbitrariedade, mas sim responsabilidade e legitimidade que decorre da fundamentação da sua decisão e motivação da sua convicção.
    
    Razão por que somos a sufragar o doutamente decidido.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 23 de Fevereiro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. RL, de 21/3/2012, Proc. n.º 370/11.5TTLSB.L1-4
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