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Processo nº 118/2017 Data: 23.02.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Passagem para peões.
Culpa.
Concorrência de culpas.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.


SUMÁRIO

1. Ao arguido (condutor) cabe a culpa exclusiva pelo acidente, se provado estiver que o veículo que conduzia embateu na ofendida enquanto esta se encontrava – ainda que, no momento, “parada” – em plena “passagem para peões”.
O facto de no momento do embate não estar a ofendida “em andamento (na passadeira)”, mas antes, “parada”, em nada altera o que se deixou consignado no que toca à culpa (exclusiva) do arguido (condutor), pois que não se apresenta como facto “causal” em relação ao acidente, e ao condutor cabia, (sempre, e em qualquer circunstância), “deixar passar os peões que se encontram a atravessar a faixa de rodagem”, (cfr., art. 37°, n.° 2, da Lei n.° 3/2007), não sendo o facto de o peão ter parado na passadeira, (por instantes), que lhe dá o direito de o atropelar.
Se a lei obriga o peão a atravessar a faixa de rodagem pela “passadeira”, (cfr., art. 70°, n.° 2 e 6 da Lei n.° 3/2007), e se nem aqui pode o peão beneficiar de (alguma) “confiança”, sentindo que está “protegido” e “seguro” e que é pelos condutores respeitado no seu direito de, como utente, partilhar e circular na via pública, então (muito) mal vão as coisas ….

2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

3. No fundo, tem-se em vista proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 118/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão datado de 15.11.2016 do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 e 94°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, (também) suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 1 mês, pagar MOP$5.000,00 à R.A.E.M.; e,
- condenar a demandada civil “B INSURANCE (MACAU) CO. LTD”, (B保險(澳門)股份有限公司), a pagar à demandante C, a quantia total de MOP$132.300,00 e juros; (cfr., fls. 235 a 242 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada com o decidido, a demandante recorreu.

Na sua motivação de recurso, imputa – em síntese – à decisão recorrida, os vícios de “erro notório na apreciação da prova”, “contradição insanável da fundamentação” e inadequação do montante arbitrado a título de “danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 252 a 270).

*

Respondendo diz a demandada que o recurso não merece provimento; (cfr, fls. 281 a 288).

*

Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 236 a 237-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a demandante recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B..

Entende que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova”, “contradição insanável da fundamentação”, pedindo também um aumento – de MOP$150.000,00 para MOP$300.000,00 – da indemnização decretada a título de “danos não patrimoniais”.

Vejamos se tem razão.

–– Comecemos, pelo alegado “erro”.

Repetidamente temos afirmando que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016, de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016).

No caso, a questão é a seguinte: em conformidade com a acusação, a ofendida/demandante (e ora recorrente) encontrava-se a “atravessar a passagem para peões, (zebra), quando foi abalroada pelo autocarro (de turismo) conduzido pelo arguido”.

E do julgamento provou-se apenas que, no momento, a ofendida encontrava-se “parada” na referida passadeira, o que levou a que o Colectivo a quo lhe fixasse 30% de culpa pelo acidente.

Entente a recorrente que o T.J.B. incorreu em “erro”, porque devia dar como provado o que constava da acusação: que se encontrava a “atravessar a passadeira” (e não que se encontrava “parada na passadeira”).

Ora, como é bom de ver, não se pode reconhecer razão à recorrente, pois que se limita a contradizer o que provado ficou, evidente se nos apresentando que não violou o Colectivo do T.J.B. qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, inexistindo assim o imputado “erro notório”.

Continuemos.

–– O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.10.2016, Proc. n.° 633/2016, de 12.01.2017, Proc. n.° 142/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

E aqui, diz a recorrente que o Tribunal a quo incorre na dita “contradição” devido a certas “considerações” feitas em sede de fundamentação da decisão que, como se referiu, fixou-lhe 30% de culpa pelo acidente.

Porém, a mesma é a solução.

O que sucede é que em sede de fundamentação, o Colectivo limita-se a “interpretar” a matéria de facto dada como provada, explicitando-a e dando-lhe a relevância e “enquadramento jurídico-penal” que entende adequado para chegar a decisão de declarar a recorrente “co-responsável pelo acidente”, (fixando-lhe os referidos 30% de culpa).

Pode, não se concordar com o assim decidido, porém, “contradição”, não existe.

Pode também haver “erro” na interpretação da matéria de facto e posterior decisão, mas, seja como for, e mesmo a haver – o que de seguida se verá – não é uma questão de “contradição”, sendo assim de julgar improcedente o recurso nesta parte.

–– E, aqui chegados, mostra-se de consignar o que segue: com os argumentos apresentados em sede dos aludidos vícios de “erro” e “contradição”, e ainda que de forma não muito explícita, não deixa a recorrente de impugnar a decisão que lhe fixou “30% de culpa pelo acidente”.

Nesta conformidade, passa-se a apreciar o assim decidido.

Vejamos.

Considerando que não se provou que a ora recorrente se encontrava a “atravessar a passadeira”, mas (tão só) que se encontrava “parada na dita passeira”, entendeu o Colectivo a quo que a dita recorrente “contribuiu” para o acidente, fixando-lhe a aludida percentagem de 30% culpa pelo mesmo.

Para tanto, teve em conta – invocou – o art. 70° da Lei n.° 3/2007 onde se preceitua que:

“1. Ao pretenderem atravessar a faixa de rodagem, os peões devem assegurar-se de que o podem fazer sem perigo, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximam, e efectuar o atravessamento rapidamente.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, o atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se pelas passagens para peões, devidamente sinalizadas.
3. Nas passagens equipadas com sinalização luminosa os peões devem obedecer às prescrições dos sinais.
4. Quando só o trânsito de veículos estiver regulado por sinalização luminosa ou por agentes, os peões não devem efectuar o atravessamento enquanto o trânsito estiver aberto para os veículos.
5. Os peões só podem atravessar fora das passagens que lhes estão destinadas se não existir nenhuma devidamente sinalizada a uma distância inferior a 50 metros e desde que não perturbem o trânsito de veículos, devendo, nesse caso, fazê-lo pelo trajecto mais curto e o mais rapidamente possível.
6. É punido com multa de 300,00 patacas quem infringir o disposto neste artigo”.

E, atenta a (referida) factualidade provada, considerou que a ora recorrente desrespeitou o consagrado no n.° 1 do transcrito comando legal, tendo parte da culpa no acidente.

Ora, compreende-se o raciocínio.

Porém, (e sem embargo do muito respeito), não se concorda com o mesmo.

Em nossa opinião, e ainda que se possa entender que a ora recorrente não adoptou a conduta mais correcta aquando da sua utilização da via pública, o certo é que se encontrava na “passagem para peões”, e que foi abalroada enquanto aí se encontrava.

É óbvio que a “passagem para peões” não é um sítio para se “olhar a paisagem”, “tirar (ou posar para) fotografias” ou “ler ou enviar mensagens pelo telemóvel”, devendo apenas ser utilizada – e da forma mais breve – para o “atravessamento da faixa de rodagem”. (Mostra-se aqui de notar que existem estudos que indicam que cerca de 30% da população, em especial, a mais jovem, atravessa a passadeira fazendo uso do telemóvel, o que até já levou a que em certos locais se instalassem sinais luminosos – verde/vermelho – no chão, como já sucedeu na Holanda).

Contudo, no caso, importa ponderar no seguinte.

É que está também provado que o arguido parou o autocarro antes da passagem para peões, aguardando por instruções para recomeçar a viagem, que acabou por receber pelo seu telefone, e, ao fazê-lo, voltando a por o veículo em marcha, introduziu-se na referida “passagem de peões”, vindo, (por manifesta falta de atenção e cuidado), a colher a ora recorrente que já lá se encontrava, (embora, no momento, parada).

Por outro lado, não se pode olvidar que o acidente ocorreu em pleno dia, estando o local bem iluminado, o piso seco e numa recta, nada havendo a perturbar ou dificultar a visibilidade ou manobra.

Outra se nos apresentaria a solução se provado estivesse que a recorrente apenas naquele momento, de forma inesperada, e súbita, se tivesse introduzido na passagem para peões.

Com efeito, temos como adequados os entendimentos no sentido de que nenhum condutor pode ser censurado pelo facto de, inopinadamente, lhe surgir um obstáculo impeditivo da sua livre circulação, isto é, é de exigir aos condutores que cumpram, estritamente, as disposições legais reguladoras do trânsito, mas não se lhes pode exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais, já que o condutor de um veículo não é obrigado a prever (ou contar) com a falta de prudência dos restantes utentes da via – veículos, peões ou transeuntes – antes devendo, razoavelmente, partir do princípio de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado inerentes.

Na verdade, não é de exigir a um condutor razoável ou medianamente prudente uma previsibilidade para além do que é normal, pois que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.

É, aliás, nesta sede que se invoca o que se tem apelidado de “princípio da confiança (rodoviária)”, “(…) segundo o qual, comportando-se um determinado utente da via de acordo com as normas de cuidado impostas na concreta situação, (…), deve poder confiar que o mesmo sucederá com os restantes utentes da via, partindo do princípio que as outras pessoas são seres igualmente responsáveis. Com efeito, o princípio da confiança encontra o seu fundamento material no princípio da auto-responsabilidade de terceiros: se as outras pessoas são também seres responsáveis; se se comportam descuidadamente, tal só poderá afectar, antes de tudo, a sua própria responsabilidade”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 03.12.2015, Proc. n.° 3969/07, in “www.dgsi.pt”).

Mas, no caso, assim não sucedeu, não se podendo esquecer que ao condutor cabia – antes de mais – assegurar que podia iniciar a marcha e circular em segurança, sem prejuízo ou perigo para terceiros, (utentes da via) e, em causa estando um “embate, (atropelamento), em plena passagem para peões”, na qual, a ora recorrente já se encontrava, cremos pois que ao mesmo se deve atribuir toda a culpa (exclusiva) pelo acidente.

Há pois que atentar que o “peão” deve ser encarado como “elemento central” do sistema rodoviário. O simples acto de “andar na via pública” – a deslocação pedonal – desempenha um papel fulcral no sistema de transportes de qualquer cidade (local), pois que para além de ser, (ou dever ser), um dos “meios de transporte” mais usados em curtas e médias distâncias, são os fios conectores entre o sistema de transportes e o edificado, (v.g., onde se habita e trabalha), e entre os diversos meios de transporte.

Daí que se tenham feito “passeios”, e, em especial as “passagens para peões”, (vulgo, “passadeiras”), que, em bom rigor, constituem espaços bem demarcados na faixa de rodagem e que são partilhados por veículos e peões, mas onde estes (os peões), tem, (pelo menos, em princípio), prioridade em situações de coexistência especial.

Com efeito, pode afirmar-se que a presença das passadeiras “avisa os condutores da possibilidade de se depararam com trânsito pedonal” e “mostra aos peões qual o local mais seguro para atravessaram a faixa de rodagem”.

Atente-se pois, no n.° 18 do art. 2° da Lei n.° 3/2007, onde se define “passagem para peões” como “faixa destinada ao atravessamento das faixas de rodagem pelos peões, devidamente sinalizada, delimitada por bandas paralelas de cor branca”.

Por sua vez, e consagrando o “princípio da liberdade de trânsito” estatui o art. 6° que:

“1. É livre a circulação nas vias públicas da RAEM, com as restrições constantes da presente lei e diplomas complementares.
2. Os utentes da via pública devem abster-se de quaisquer actos que possam impedir ou embaraçar o trânsito ou comprometer a segurança ou comodidade dos outros utentes”.

Porém, prescreve também o art. 17°, n.° 1 que “O condutor não pode iniciar ou retomar a marcha sem assinalar com a necessária antecedência a sua intenção e sem adoptar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente”, o art. 30°, n.° 1 que “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias especiais, possa, em condições de segurança, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surja em condições normalmente previsíveis” e o art. 32°, n.° 1, al. 1) que “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade na aproximação de:
1) Passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões.
(…)”.

Por fim, importa também ponderar no estatuído no art. 37°, que sob a epigrafe “procedimento dos condutores em relação aos peões” prescreve que:

“1. Ao aproximar-se de uma passagem para peões sinalizada, junto da qual o trânsito de veículos e de peões, ou só o primeiro, está regulado por sinalização luminosa ou por agente, o condutor deve, mesmo que autorizado a avançar, deixar passar os peões que já tenham iniciado o atravessamento da faixa de rodagem.
2. Ao aproximar-se de uma passagem para peões sinalizada, junto da qual o trânsito de veículos não é regulado por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar, a fim de deixar passar os peões que se encontrem a atravessar a faixa de rodagem.
3. Ao mudar de direcção, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar, a fim de deixar passar os peões que se encontrem a atravessar a faixa de rodagem à entrada da via que aquele condutor vai tomar, mesmo que não exista passagem para peões”; (sub. nosso).

No caso dos autos, e atento o que até aqui se expos, afigura-se-nos pois que razoável se mostra de concluir que a culpa do acidente cabe em exclusivo ao arguido, que inobservando o especial dever de cuidado, atenção e concentração a que estava vinculado, conduziu da forma que se deixou relatado, acabando por colher a assistente em plena passadeira para peões.

Com isto, não se quer dizer que a conduta da assistente foi (totalmente) correcta e/ou adequada.

Como é óbvio, não foi.

Porém, ainda assim, o facto de no momento do embate não estar “em andamento (na passadeira)”, mas antes, “parada”, em nada altera o que se deixou consignado no que toca à culpa (exclusiva) do arguido (condutor), pois que não se apresenta como facto “causal” em relação ao acidente, e ao condutor cabia, (sempre, e em qualquer circunstância), “deixar passar os peões que se encontram a atravessar a faixa de rodagem”, (cfr., art. 37°, n.° 2, da Lei n.° 3/2007), não sendo o facto de o peão nela parar, (por instantes), que lhe dá o direito de o atropelar.

Se a lei obriga o peão a atravessar a faixa de rodagem pela “passadeira”, (cfr., art. 70°, n.° 2 e 6 da Lei n.° 3/2007), e se nem aqui pode o peão beneficiar de (alguma) “confiança”, sentindo que está “protegido” e “seguro” e que é pelos condutores respeitado no seu direito de, como utente, partilhar e circular na via pública, então (muito) mal vão as coisas …, (como aliás, novamente nos dão conta as recentes notícias de mais um – outro – atropelamento mortal em plena passadeira, ocorrido, ontem, na zona do Porto Interior).

Dest’arte, há que revogar a decisão em questão.

–– Continuemos, passando agora para o quantum da indemnização por “danos não patrimoniais”.

Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M., “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.

Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 02.06.2016, Proc. n.° 384/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016, 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 02.06.2016, Proc. n.° 384/2016, de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016).


Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, que dizer?

Ora, não sendo de se imputar à ora recorrente qualquer culpa pelo acidente dos autos, e ponderando nas lesões que sofreu, (e que estão bem explicitadas na matéria de facto e igualmente documentadas nos autos), tendo nomeadamente sofrido uma fractura no pé, na zona do tornozelo, pela qual teve que ser intervencionada, tendo ficado internada 23 dias e necessitando de mais de 6 meses para se recuperar, cremos que excessivo não é o reclamado montante de MOP$300.000,00 a título de “danos não patrimoniais”.

Aqui chegados, uma última nota.

O Colectivo a quo fixou em MOP$39.000,00 o quantum da indemnização pelos “danos patrimoniais” da ora recorrente, arbitrando por sua vez MOP$150.000,00 pelos seus “danos não patrimoniais”, (perfazendo o total de MOP$189.000,00).

Posteriormente, atenta a percentagem de culpa da recorrente (30%) e do arguido (70%), acabou por condenar a seguradora deste a pagar à recorrente MOP$132.300,00 (= 189.000 X 70%).

Ora, se em relação aos “danos não patrimoniais” já se viu que para a sua indemnização se deve fixar o montante peticionado, (de MOP$300.000,00), evidente se nos mostra também, (até mesmo por imposição do estatuído no art. 393°, n.° 3 do C.P.P.M.), que motivos não existem para a “redução” no quantum encontrado para os “danos patrimoniais”, que assim se deve fixar em MOP$39.000,00.

Fica assim a seguradora (recorrida) condenada a pagar à recorrente o total de MOP$339.000,00.


Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, ficando a seguradora recorrida condenada a pagar à recorrente o total de MOP$339.000,00.

Custas pela recorrida.

Pelo seu decaimento, (no que toca aos “vícios da matéria de facto”), pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Fevereiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 118/2017 Pág. 30

Proc. 118/2017 Pág. 29