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Processo n.º 385/2016
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
   
  Data: 23/Fevereiro/2017
   
Assuntos:
   
   - Legitimidade passiva
   - Ineptidão da petição de recurso
   - Manifesta inviabilidade do pedido

 
 SUMÁRIO :
    1. Nos termos do artigo 37.º do CPAC, considera-se como entidade recorrida o órgão que tenha praticado o acto, ou que, por alteração legislativa ou regulamentar, lhe tenha sucedido na respectiva competência.
    2. No âmbito do Direito Administrativo, na aferição da legitimidade, passa a tónica a residir, estando em causa a validade de um acto ou de uma norma, não já tanto na titularidade de uma posição jurídica subjectiva substantiva, mas mais na existência de um interesse directo, pessoal e legítimo na invalidação do acto ou da norma, do lado activo, e, do lado passivo, a legitimidade caberá à autoridade que praticou o acto ou emitiu a norma.
    3. Se o acto e o sujeito do acto impugnando estão devidamente identificados, sendo o acto do Exmo Senhor Chefe do Executivo, o que aprovou a abertura de um concurso, cujo programa foi aprovado pelo Exmo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, também este acto autonomamente impugnado, ainda que aquele acto impugnando tenha um conteúdo diferente do alegado, não se estará perante uma situação de ilegitimidade passiva, mas perante uma situação de manifesta improcedência do pedido de anulação por o pedido incidir sobre um conteúdo inexistente e por eventual anulação do acto não destruir o programa e as regras do concurso.
    4. Se a anulação do acto praticado, não altera por si o programa de concurso, se as alegadas condições restritivas e injustas que levaram à exclusão das recorrentes pela comissão de avaliação das propostas, não foram criadas nem aprovadas pelo acto recorrido, que se limitou a aprovar a abertura do concurso, não deixa de se estar perante um pedido que não é suportado ou é contraditado até pela alegada causa de pedir, o que não deixa de gerar uma situação de ineptidão e sempre de manifesta inviabilidade do pedido.
              O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
              




Processo n.º 385/2016
(Recurso Contencioso)

Data : 23 de Fevereiro de 2017

Recorrente: Consórcio formado por A e B

Entidade Recorrida: Chefe do Executivo

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, em chinês, XXX e, em inglês, XXX, sociedade anónima, com os melhores sinais dos autos, , vem interpor RECURSO CONTENCIOSO do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016 (do qual, apesar de requerido, não foi possível obter cópia mas que consta do processo administrativo que deverá ser enviado com a contestação), que aprovou o programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedimentais relevantes para o concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", cujo anúncio de abertura foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, n.º 16, de 20 de Abril de 2016, o que faz, alegando em sede conclusiva:
    1. A ora recorrente vem interpor recurso contencioso do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016 (do qual não foi possível obter cópia mas que consta do processo administrativo que deverá ser enviado com a contestação), que aprovou o programa e caderno de encargos para o concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", cujo anúncio de abertura foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, n.° 16, de 20 de Abril de 2016;
    2. A ora recorrente é líder e membro do Consórcio denominado A, C e D, actual adjudicatário da prestação de serviços de "Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau";
    3. A Recorrente tem interesse pessoal, directo e legítimo no provimento do presente recurso, conforme artigo 33.0, al. a), in fine, do Código de Processo Administrativo Contencioso, uma vez que o anúncio de abertura e programa do concurso público autorizados pela entidade recorrida, foram elaborados por forma a impedir a recorrente e as suas subsidiárias de nele participarem, em clara violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, previstos nos artigos 5.º, 7.º, e 8.º do Código de Procedimento Administrativo, bem como do princípio da livre concorrência, que constitui a essência do concurso público;
    4. Com a definição daqueles critérios de qualificação pretende-se excluir a participação da recorrente, que tem sido a prestadora dos serviços de operação e manutenção da ETAR nos últimos 5 anos, conjuntamente com as suas consorciadas;
    5. Um concurso público é, por natureza, um procedimento em que se faz apelo à concorrência, admitindo-se que vários interessados disputem a celebração do contrato administrativo em causa;
    6. O princípio que rege o concurso público é o da maior abertura do procedimento de contratação, sendo deste modo ilegítimas todas as disposições que restrinjam a concorrência, impondo requisitos que transformem o concurso em limitado ou mesmo em ajuste directo;
    7. Os princípios da imparcialidade e da livre concorrência coíbem a Administração de vedar, ainda que de modo genérico, o acesso ao contrato de determinadas pessoas, a fim de assegurar a mais viva competição entre o maior número possível de concorrentes;
    8. Criar condições de qualificação de concorrentes com o exclusivo propósito de excluir o actual prestador de serviços, é claramente atentatório dos princípios da igualdade e proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé e concorrência, bem como das regras de estabilidade e razoabilidade que devem imperar na administração;
    9. Com os requisitos de qualificação estabelecidos no anúncio e no programa do concurso, ora em apreço, só duas sociedades locais, as actuais prestadoras dos serviços de operação e manutenção das Estações de Tratamento de Águas Residuais da Taipa, do Parque Industrial Transfronteiriço de Macau e de Coloane é que podem candidatar-se ao concurso (como se de um "concurso-retrato" se tratasse);
    10. Importa frisar que, durante o prazo para a apresentação das propostas nesse concurso de 2010, não foram facultados os desenhos, plantas e cálculos de engenharia, concebidos e utilizados em 1993 pela Engenharia Hidráulica de Macau Limitada e pelo então Gabinete da Central de Incineração e da Estação de Tratamento, que permitissem aos concorrentes atestar a alegada capacidade de tratamento de águas residuais;
    11. No programa do concurso de 2010 também não foi feita menção de que esses documentos pudessem ter desaparecido ou sido extraviados, como agora surpreendentemente se admite no ponto 3.2 do Prefácio do Programa do Concurso de 2016;
    12. Desde o início das operações na ETAR que a recorrente tem vindo a comunicar a entidade adjudicante que a capacidade de tratamento de águas residuais é inferior à referida no programa do concurso (144.000m3/dia), pelo que não é possível restaurar o que nunca existiu;
    13. O Consórcio informou a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, por escrito e em várias reuniões, do estado em que se encontrava a ETAR, dando nota que não era a proposta do Consórcio que estava em desconformidade com o programa e caderno de encargos do concurso, mas que eram, sim, estes documentos que estavam em desconformidade com a realidade factual da ETAR;
    14. A Recorrente enviou à Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental três relatórios técnicos independentes que demonstram que a real capacidade de tratamento de águas residuais é cerca de 50% a 60% inferior à capacidade de tratamento de águas residuais que foi erradamente referida nos documentos do concurso de 2010 pela entidade adjudicante (ou seja, os alegados 144.000m3/dia);
    15. Em Fevereiro de 1996 (data em que as instalações e mecanismos ainda eram novos e supostamente a trabalhar em pleno), a ETAR, apesar de receber diariamente 73,331m3, só conseguia tratar 62,291m3, menos de metade da suposta capacidade original de tratamento de águas residuais;
    16. O dissídio entre a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental e a recorrente e suas consorciadas sobre a capacidade de tratamento de águas residuais da ETAR culminou com uma reunião, realizada em 30 de Outubro de 2015, durante a qual aquela Direcção solicitou que as empresas consorciadas se comprometessem a não participar no presente concurso público, pedido que a recorrente recusou;
    17. Foi precisamente a recusa da recorrente em assinar o compromisso de não participar no concurso que motivou a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental a estabelecer os supra referidos critérios de qualificação dos concorrentes, com os quais se pretende impedir, por esta via, a sua participação, em clara violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, concorrência e boa-fé;
    18. Como tal, pela violação dos princípios supra mencionados, deve o acto administrativo ora recorrido ser anulado de acordo com o artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
    Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por o acto recorrido estar ferido de ilegalidade, devendo por isso ser anulado, com as consequências legais.

    2. O Exmo Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos de recurso contencioso à margem identificados, oferece a sua contestação, dizendo, em suma:
    QUESTÃO PRÉVIA
    O artigo 42.° n.º 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso (CPAC) indica os requisitos que devem constar da petição de recurso, nomeadamente nas alíneas:
    g) Indicar os factos cuja prova pretende fazer;
    h) Requerer os meios de prova que entenda necessários, reportando-os especificadamente aos factos indicados.
    As deficiências podem ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, a que alude o artigo 51.°. Porém,
    A Recorrente já teve oportunidade de corrigir a omissão, quando da necessária intervenção da Recorrente B, nomeadamente elaborar a petição de recurso por forma articulada, como o impõe o n.º 1 do artigo 42.° do CPAC.
    Por isso não pode ser relevada a omissão de requisitos como os previstos naquelas alíneas, tais como sejam os factos cuja prova pretende fazer e o de, ao requerer a produção de prova testemunhal, dizer quais os factos que pretende ver provados por força do artigo 43.°, n.º 1, alínea c) do CPAC.
    I - Ilegitimidade Activa
    A eventual anulação do acto do Chefe do executivo que autorizou a abertura do concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau" não aproveita directamente a qualquer das recorrentes, pelo que não se lhe pode reconhecer qualquer interesse legalmente reconhecido.
    A circunstância de a Recorrente A ser, actualmente e em consórcio com outras entidades, entidade contratada no âmbito do, ainda em curso (até 30/9/2016), contrato de "Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", não lhe confere tal interesse.
    Nem muito menos à Recorrente B, a qual nem sequer é parte no contrato atrás referido.
    Além do mais, as Recorrentes não alegam nem fundamentam interesse directo - de modo a que a anulação do acto tenha repercussão imediata nas respectivas esferas jurídicas - pessoal e legítimo - quais os direitos e interesses que a ordem jurídica proteja como interesses concretos das Recorrentes.
    A verdade é que a anulação do acto administrativo - aliás, já executado - não aproveita a qualquer das Recorrentes e como tal não lhes pode ser reconhecido um interesse directo imediato e legalmente protegido.
    Certo é que da anulação do acto, como é pedido, não decorre que a Recorrente A obtenha a adjudicação directa da prestação do serviço de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", objecto do concurso público, como pretende fazer crer no articulado da petição inicial.
    Pode afirmar-se que a anulação do acto administrativo não tem qualquer repercussão efectiva na esfera de qualquer das Recorrentes - A ou, em litisconsórcio, da B, caso este exista.
    Consequentemente, a Recorrente é parte ilegítima no presente pedido de anulação, nos termos do artigo 33.º do CPAC, o que obsta ao conhecimento do mérito do pedido,. conduzindo à rejeição liminar do recurso por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º do mesmo CPAC.
    E quando assim se não entenda,
    Sempre a entidade ora Recorrida igualmente deve ser declarada parte ilegítima no presente recurso.
    II - Ilegitimidade passiva
    Como já referido no artigo 3.º da presente contestação, o programa do concurso, o caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes do concurso para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau" foram aprovados por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/3/2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/03/2016, da mesma Direcção de Serviços, ao abrigo da competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014 (publicada em número extraordinário da I Série, do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, de 20 de Dezembro de 20141.
    Donde que o Chefe do Executivo deva ser declarado parte ilegítima no presente recurso, por ilegitimidade passiva, nos termos do artigos 37.° e 38.° do CPAC, por, de acordo com a Ordem Executiva n.º 113/2014, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ser a entidade competente para a aprovação do programa do concurso e demais documentos relevantes, por subdelegação do Chefe do Executivo, publicada em Boletim Oficial.
    III - Inutilidade superveniente do recurso
    A Recorrente A, em consórcio com a B, entregou, em 6 de Junho de 2016, uma proposta de admissão ao concurso para os serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”2.
    Proposta do consórcio que foi admitida ao concurso, tal como as restantes três propostas, conforme consta de cópia da acta da comissão de abertura das propostas3.
    Assim, estes factos, comprovados pelo documento junto pela Recorrente, demonstram que a A não foi impedida de se candidatar e participar no concurso para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau".
    Antes pelo contrário, a Recorrente apresentou proposta ao concurso (em consórcio com outra sociedade), proposta esta que foi admitida.
    Logo, existe uma situação de inutilidade superveniente do presente recurso contencioso, por falta de objecto, resultante da admissão ao concurso da Recorrente A e da sua consorciada B.
    De acordo com a alínea e) do artigo 84.º do CPA, e alínea e) do artigo 229.° do CPC, a inutilidade superveniente da lide é causa geral de extinção da instância.
    Assim, e pelas razões invocadas, deve ser julgada extinta a instância do recurso contencioso por inutilidade superveniente da lide, o que desde já se requer.
    POR IMPUGNAÇÃO
    (…)
    
Termos em que requer a V. Ex.ª se digne:
    Rejeitar liminarmente o presente recurso contencioso por ilegitimidade activa das Recorrentes, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 46.° do CPAC;
    Ou, quando assim não entenda,
    Absolver a entidade Recorrida da instância administrativa de recurso por falta de legitimidade desta, ao abrigo da alínea d) do artigo 230.° do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPAC;
    Ou, para o caso de considerar que as partes têm legitimidade,
    Declarar extinta a instância por inutilidade superveniente do presente recurso contencioso, por falta de objecto, resultante da admissão das Recorrentes ao concurso, ao abrigo da alínea e) do artigo 84.° do CPAC, e por alínea e) do artigo 229.° do CPC;
    Ou, caso entenda que o recurso deve prosseguir,
    Julgar o mesmo improcedente, mantendo o acto recorrido.
    
    3. E, e F, sociedade comercial registada em Nieuwstraat (WSP) XX, XXXX, Bélgica, Europa, concorrentes em Consórcio como "E-F em Consórcio" no Concurso para a prestação de serviços de «Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau» a que se reportam os autos supra, mais bem identificadas nos autos, vêm contestar, dizendo, em boa e oportuna síntese:
    1. o consórcio recorrente não é titular de quaisquer "direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido." - art. 33° alínea a) do CPAC.
    2. pelo contrário, sendo 30/09/2016, como efectivamente era, o termo do contrato de adjudicação que tem vigorado na sequência de concurso de 2010, era e é poder/dever da Administração proceder a novo concurso para adjudicação que assegure os serviços da ETAR a partir da expiração daquele contrato;
    3. deve por isso o recurso ser liminarmente rejeitado por ilegitimidade recursiva das recorrentes - art. 46° n° 2 alínea d) conjugado com o art. 33º alínea a), ambos do CPAC;
    4. Ora, tendo-se a parte recorrente candidatado e sido admitida ao concurso, um eventual provimento do recurso seria a total negação do seu direito de candidatura e seu direito de admissão sem impecilho. Seria exactamente impedir esse alegado direito mediante anulação da mesma como efeito directo e necessário da anulação do acto recorrido;
    5. consequentemente, a parte recorrente também não tem "interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso" (cit art. 33° alínea a) do CPAC) mas sim no seu contrário;
    6. também por isso, e mais uma vez, deve o recurso ser liminarmente rejeitado por ilegitimidade recursiva da parte recorrente - art. 46° n° 2 alínea d) conjugado com o art. 33° alínea a), ambos do CPAC;
    7. todo o recurso se funda em alegada desfavor concursal por forma a impedi-la de participar no concurso em igualdade de circunstâncias, com consequente violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, previstos nos artigos 5°, 7° e 8° do Código de Procedimento Administrativo, bem como do princípio da livre concorrência, que constitui a essência do concurso público;
    8. porém o aviso de abertura do concurso, programa, caderno de encargos e peças relevantes foram exactamente as mesmas para todos, gozando todos em igualdade de circunstâncias de plena e igual liberdade e direito de constituir os consórcios que quisessem, sem qualquer restrição de se consorciarem com locais ou não locais que quisessem, em total direito e liberdade de concorrência com quem e como entendessem;
    9. as recorrentes estabeleceram o consórcio que quiseram, candidataram-se como entenderam, em consórcio, particicipando no concurso como quiseram, e, sem de nada terem sido impedidas, candidatram-se e foram admitidas ao concurso tão plenamente quanto o foram os outros, sem impecilho nenhum, sem reservas, nem discriminação;
    10. daí que, deva o recurso improceder por manifesta inexistência da alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, previstos nos artigos 5°, 7° e 8° do Código de Procedimento Administrativo nem do direito de concorrência em concurso com iguais condições e tratamento exactamente iguais para todos os interessados;
    11. além disso, dado que as recorrentes foram admitidas ao concurso, há manisfesta inutilidade superveniente da lide, o que acarreta a extinção da instância - art. 229°, al. e), do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art. 1 ° do CPAC.
    Termos e conclusões em que se pede a rejeição liminar do rcurso por ilegitimidade ou, se assim não for entendido, se julgue extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ou, ainda, se julgue o mesmo improcedente por inexistência de nenhum dos alegados vícios.
    
    4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Em sede de contestação, a autoridade recorrida e as recorridas particulares "E" e "F" suscitaram questões que obstam ao prosseguimento do recurso, a saber: ineptidão da petição de recurso, ilegitimidade activa, ilegitimidade passiva e inutilidade superveniente da lide.
    Quanto a tais questões, pronunciou-se a recorrente, aduzindo, em suma, que só com a contestação do Chefe do Executivo ao pedido de suspensão de eficácia n.º 385/2016/A tomou conhecimento da existência de um acto da autoria do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a aprovar os documentos do concurso, distinto daquele que impugna nos presentes autos.
    De todo o modo, reafirma que o objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 2 de Fevereiro de 2016, da autoria do Chefe do executivo, exarado na proposta 016/CGIA/2016, e que o presente recurso continua a ser válido e eficaz sobre a parte que diz respeito à aprovação da abertura do concurso... Isto porque As recorrentes foram excluídas pela Comissão da Avaliação de Propostas, por não terem satisfeito as condições restritivas e injustas que fazem parte do concurso público cuja realização foi aprovada pela Entidade Recorrida. Assim, é evidente que o presente recurso contencioso pode e deve prosseguir.
    Vejamos.
    O acto recorrido é, na realidade, o despacho de 2 de Fevereiro de 2016, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, exarado na proposta 016/CGIA/2016.
    Através deste despacho, a autoridade recorrida autorizou, tal como lhe fora proposto, a abertura de concurso público para adjudicação do serviço de Operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau. Apenas isso. Nada tendo aprovado em termos de condições de candidatura, nomeadamente não tendo aprovado o programa ou regulamento do concurso e o caderno de encargos.
    Não obstante, constata-se que a recorrente veio atacar aquele despacho com o fundamento essencial de que ele aprovou regras que a prejudicam e estavam destinadas a excluí-la do concurso.
    É esta discrepância, entre o conteúdo real do despacho e o conteúdo que a recorrente lhe atribui, que está na base da matéria obstativa do prosseguimento do recurso suscitada nas contestações.
    Mas sendo assim, como parece, a razão que indubitavelmente assiste às contestações, no que toca ao errado alcance do acto vertido na petição de recurso, não encontrará guarida processual através dos meios formalmente suscitados, mas sim apelando à irrecorribilidade do acto, esta igualmente implícita no raciocínio das contestantes.
    Na verdade, encarando o acto com o alcance que a recorrente lhe atribuiu, ou seja, encarando a relação controvertida na configuração que a recorrente lhe dá - posto que errada - não se poderá falar de ineptidão da petição. Com efeito, recorrente imputa o programa do concurso - onde figuram as tais cláusulas que ela diz terem sido aprovadas com o fito de a prejudicarem - ao despacho recorrido. Portanto, atendendo à lógica da petição de recurso, não se detecta a incongruência assinalada pelas recorridas particulares para se poder falar de ineptidão da petição.
    Do mesmo modo, e por idêntica razão, não há ilegitimidade activa ou passiva. Atendendo ao conteúdo que a recorrente consegue ou crê surpreender no acto, este apresenta-se prejudicial ao seu alegado interesse em participar no concurso, interesse que aparenta ser directo, pessoal e legítimo - artigo 33.°, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso. Por outro lado, na qualidade de autor do acto recorrido, é o Chefe do Executivo a autoridade que deve figurar no recurso como entidade recorrida, tal como foi indicado pela recorrente - artigo 37.° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Por fim, também parece não estar suficientemente caracterizada uma situação de inutilidade superveniente. A circunstância de a recorrente haver sido admitida a participar no concurso, em consórcio, não significa que esteja necessariamente ultrapassada a filtragem a efectuar através das normas concursais alegadamente editadas com o propósito de a excluir do concurso, normas cuja aprovação ela imputa, como se referiu, ao despacho que pretende ver sindicado contenciosamente. E sendo assim, como cremos, também não estará evidenciada uma situação de inutilidade superveniente do recurso.
    Não significa isto que o presente recurso contencioso possa e deva prosseguir, como se pretende nas peças de fls. 1050 a 1053 e 1203 e seguintes.
    Contrariamente ao que aí se veicula, as condições restritivas e injustas que levaram à exclusão das recorrentes pela comissão de avaliação das propostas, não foram criadas nem aprovadas pelo acto recorrido. Este, como se disse, apenas estatui no sentido de autorizar a abertura do concurso. As condições de candidatura e demais normas por que se rege o concurso constam do respectivo programa e do caderno de encargos que foram aprovados posteriormente por acto da autoria do Secretário para os Transportes e Obras Públicas - ver fls. 5 a 19 do processo instrutor, que actualmente se encontra apenso ao recurso contencioso n.º 462/2016.
    Porque assim é, o acto aqui sindicado apresenta-se perfeitamente inócuo em termos de interferir com a apresentação ou viabilidade das candidaturas, nenhum efeito prejudicial externo podendo acarretar, nomeadamente para quem quer que pretenda candidatar-se, bem pelo contrário, tal como as entidades recorridas fizeram questão de vincar. Então, trata-se de acto irrecorrível porquanto, sendo meramente preparatório ou instrumental da decisão final do procedimento, não possui apetência lesiva autónoma para afectar a esfera jurídica individual dos administrados.
    Neste mesmo sentido, e num quadro legislativo semelhante ao de Macau, vejam-se, v.g., os acórdãos de 11/10/1992 e de 28/06/2001, do S.T.A., acessíveis através de www.dgsi.pt. prolatados nos processos 024133 e 047592, de que foram relatores, respectivamente, Vaz Rebordão e Santos Botelho.
    Ante o exposto, e na procedência da excepção de irrecorribilidade do acto, ínsita nas contestações da autoridade recorrida e das recorridas particulares, deve rejeitar-se o recurso.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - Factos relevantes:
    1. O Exmo Senhor Chefe do Executivo, autorizou, por despacho de 2 de Fevereiro de 2016, ex arado na Proposta 016/CGIA/2016, de 06/01/2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, a abertura do concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau"4.
    2. O Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas aprovou, por despacho de 29/3/2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/03/2016, da mesma Direcção de Serviços, ao abrigo da competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014 (publicada em número extraordinário da I Série, do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, de 20 de Dezembro de 2014), os respectivos programa do concurso, caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes5.
    3. O anúncio do concurso foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, n.º 16, de 20 de Abril de 2016 - documento n.º 1 junto à petição inicial de recurso -, respeitando, na íntegra, o disposto no artigo 13.° do Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho, nomeadamente por que esta norma não exige que seja dada indicação quanto ao autor do acto que aprova o programa do concurso, o caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes.
    4. A Recorrente A, em chinês XXXX adquiriu junto da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (doravante apenas designada por DSPA), em 20 de Abril de 2016, cópia de todo o Processo de concurso, de acordo com o n.º 15 do anúncio atrás referido - Documento do qual se junta côpia6.
    5. DSPA, em 20 de Maio de 2016, respondeu por escrito a vários pedidos de esclarecimento de dúvidas relativas à interpretação do processo de concurso, onde se inclui a ora Recorrente A7.
    6. E, em 25 de Maio de 2016, fez saber através de anúncio publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, n.º 21, a páginas 11446, que "a entidade que realiza o processo do concurso já prestou esclarecimentos nos termos do ponto 2.2 do programa do concurso, assim como esclarecimentos complementares correspondentes à necessidade real, integrando-os no processo do concurso" e que "Os esclarecimentos, bem como os esclarecimentos complementares acima referidos, encontram-se disponíveis para consulta durante o horário de expediente na sede da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, sita na Estrada de D. Maria II, n.ºs 11 a 11-D, Edificio dos Correios, 10.º andar, Macau."
    7. Em 6 de Junho de 2016, a recorrente A, em consórcio com a B, entregou uma proposta para admissão ao concurso para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”8.
    8. O acto público de abertura das propostas ao concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau" teve lugar a 22 de Junho de 20169.
    9. A proposta do consórcio formado pelas ora Recorrentes, A e B, foi admitida ao concurso, tal como as restantes três propostas, conforme consta de cópia da acta da comissão de abertura das propostas10.

    IV - FUNDAMENTOS
1. Objecto do recurso
    A Recorrente diz interpor recurso contencioso do "despacho de Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta 016/CGIA/2016, que aprovou o programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedimentais relevantes para o concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", cujo anúncio de abertura foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, n.º 16, de 20 de Abril de 2016" - documento n.º 1 junto à petição inicial -, considerando-o o objecto do recurso contencioso.
    2. Competência
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    3. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária.
    4. Ineptidão da petição de recurso
    O despacho do Ex. Senhor Chefe do Executivo, de 02/01/2016, não contém o conteúdo respeitante ao segmento que refere “caderno de encargos, e outras peças procedimentais relevantes para o concurso público para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macaunão é verdade que tenha aprovado tais peças ou acto.”
    Como observa a E, dos documentos juntos alcança-se claramente que o acto do Exmo Senhor Chefe do Executivo se limitou a autorizar a abertura do concurso.
    O acto de aprovação do programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedimentais foi praticado, com este alcance, pelo Sr. Secretário Para os Transportes e Obras Públicas através de 29.03.2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/02/2016, ao abrigo de competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014, publicada em número extraordinário do BüRAEM, 1ª Série, de 20/12/2014.
    E contra este acto já foi interposto o competente Recurso Contencioso de Anulação, o qual corre termos por esse Tribunal sob o n.º 462/2016.
    A recorrente invoca (e prova com os documentos juntos) que o objecto do seu recurso, causa de pedir e pedido de anulação incidem sobre um objecto, causa de pedir e pedido de anulação do despacho do Sr Chefe do Executivo de 02/01/2016 que não existe com tal conteúdo ou causa de pedir. Existe, na verdade, esse acto de 02/01/2016 mas como acto diferente, com outro conteúdo diferente do recorrido.
    Afigura-se-lhe, pois, que há manifesta contradição entre o pedido de anulação do acto de aprovação do programa do concurso, pelo Senhor Chefe do Executivo, em 02/01/2016, que não existe, e o pedido de anulação do acto de aprovação do programa do concurso, que é outro acto praticado, por outra entidade, noutra data.
    Somos a entender que as contra-interessadas não deixam de ter razão na alegação de uma contradição, contradição entre o pedido e a causa de pedir – se não mesmo falta de causa de pedir - (o pedido é a anulação dum acto praticado a 02/01/2016 pelo Exmo Senhor Chefe do Executivo mas a causa de pedir não é a ilegalidade desse acto de 02/01/2016, mas sim a ilegalidade dum outro acto praticado em 29/03/2016 por uma outra entidade - o Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas), não se deixando de observar aqui um vício de ordem processual que conduzirá à impossibilidade de se poder conhecer de um acto que não foi proferido “qua tale”.
    Pede-se a anulação de um acto com fundamento que as regras do concurso, basicamente, visam a exclusão de um concorrente. Mas o acto recorrido limitou-se a aprovar a abertura do concurso. O pedido formulado não comporta a causa de pedir em que assenta o pedido. Como se pode anular um acto de abertura de um concurso, se as razões dessa anulação residem nas regras capciosas insertas no programa de um concurso, acto autónomo praticado a montante?
    A petição de recurso não se deixa de afigura inepta, pois contém um pedido que não se coaduna com uma alegada causa de pedir, fundamento que não se contém no acto praticado, do acto que não encerra aquilo que se lhe atribui.
    Daí sermos do entendimento que estamos perante uma situação de ineptidão de petição, geradora de indeferimento da petição de recurso e, sendo conhecida nesta fase, sempre de absolvição da intância da entidade recorrida.
    Prevenindo, porém, diferente entendimento, iremos conhecer das outras excepções que vêm suscitadas.
    5. Ilegitimidade activa da parte recorrente - art. 33° al. a do CPAC
    O Consórcio operador daquele contrato é o consórcio "A / C / D"
    Enquanto que o consórcio ora recorrente é formado por aquela A e por B, em consórcio (consórcio A e B'').
    Alega-se que, não sendo o mesmo consórcio, são constituídos por membros diferentes, em regime de solidariedade dos membros de cada consórcio, mas não solidariedade entre esses dois diferentes consórcios.
    Por outro lado, é certo que se fez intervir a sociedade B e, aparentemente, a questão da legitimidade activa ficou resolvida nos autos.
    Estaria aqui realçado um desfasamento entre a titularidade de quem actualmente explora aquele serviço e se deve ter por lesado e quem concorre de novo à prestação desse serviço.
    Vejamos.
    Se atentarmos bem, esta última sociedad (B), ao intervir, diz duas coisas: que não se sente prejudicada pelo acto praticado pelo Senhor Secretário; que adere à petição, esta dirigida ao acto do senhor Chefe do Executivo.
    Denota-se aqui uma grande confusão. Em primeiro lugar, o acto que está em causa não é o do Senhor Secretário, mas sim o do Senhor Chefe do Executivo. Depois, fica-se sem saber onde é que está o seu prejuízo com o acto praticado pelo Senhor Chefe do Executivo, se este se limitou a aprovar a abertura do concurso e já a provação do programa e demais pretensas ilegalidades não foram de sua lavra.
    No meio desta “confusão” vamos relevar a intervenção e adesão desta última Sociedade, considerando que inexiste a apontada ilegitimidade activa, seja por falta de titularidade do interesse tutelado, seja por violação do litisconsórcio decorrente do consórcio, vista a sua intervenção, a sua adesão à petição de recurso e a alegação que daí decorre, aferindo-se, ainda aqui a legitimidade activa em função da configuração da relação controvertida.
    Em relação ao desfasamento, dizendo as recorrentes, que o acto praticado as visou excluir do concurso, somos ainda a destacar o interesse da concorrente A, interessada comum a ambos os consórcios.
    6. Ilegitimidade passiva do Sr. Chefe do Executivo:
     Por outro lado, sustentam a entidade recorrida e contra-interessadas que ocorre uma ilegitimidade passiva no presente recurso.
    Nos termos do artigo 37.º do CPAC, considera-se como entidade recorrida o órgão que tenha praticado o acto, ou que, por alteração legislativa ou regulamentar, lhe tenha sucedido na respectiva competência.
    O que se observa, no presente caso, o programa do concurso, o caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes do concurso para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau" foram aprovados por despacho do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/3/2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016, de 23/03/2016, da mesma Direcção de Serviços, ao abrigo da competência delegada pela Ordem Executiva n.º 113/2014 (publicada em número extraordinário da I Série, do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, de 20 de Dezembro de 2014.
    A entidade ora Recorrida, Chefe do Executivo, apenas autorizou - como lhe competia, por tal poder não ter sido por si delegado - a realização (a abertura) do concurso público, como aliás decorre da leitura da Proposta 016/CGIA/2016, de 6/01/2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental - vide tradução da Proposta, para a língua portuguesa, transcrita no Acórdão de 30 de Junho de 2016, Proc. n.º 385/2016/A (suspensão de eficácia), páginas 32 a 37, em apenso aos presentes autos de recurso.
    Aliás, a recorrente A já interpôs recurso contencioso de anulação daquele acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29/3/2016, que aprovou o programa do concurso, o caderno de encargos e outras peças procedimentais relevantes do concurso para a prestação de serviços de "Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau", cujos autos de recurso correm termos neste Tribunal de Segunda Instância, Proc. n.º 462/2016, pendendo ainda, por apenso a estes, os autos de suspensão de eficácia n.º 462/2016/A.
    Ora, não só a recorrente identifica, incorrectamente, na petição inicial, o conteúdo do objecto do despacho da entidade recorrida, expressamente dizendo que interpõe recurso contencioso "do despacho ... que aprovou o programa do concurso, caderno de encargos, e outras peças procedimentais relevantes ... ", como ainda, ao longo de toda a petição e nas conclusões apenas se refere ao programa do concurso - a causa de pedir incide, pois, segundo a recorrente, nos critérios ou condições de qualificação estabelecidos no programa do concurso que, conforme defende, pretendem impedir a sua participação no concurso - para, a final, pedir a anulação do despacho da entidade ora recorrida, quando esta apenas autorizou a realização do concurso.
    Numa determinada asserção do enquadramento doutrinário, na linha de Alberto dos Reis, estar-se-á perante uma ilegitimidade, se se verificar que quem pratica o acto proclamado não foi o sujeito demandado, mas sim uma outra entidade, sendo esta efectivamente a titular da relação jurídico-administrativa consubstanciada no acto praticado. Não foi, porém essa a tese acolhida no nosso Código, optando-se pela tese de Barbosa de Magalhães, configurando-se a legitimidade em função dos sujeitos da relação material configurada, bastando para tanto a configuração dada pelo autor - art. 58º do CPC.11
    Mas bem vistas as coisas, divergentemente do que defende a entidade recorrida e contra-interessadas, não estamos aqui perante uma situação de ilegitimidade passiva.
    Por regra, importa saber se a parte demandada, face à configuração da relação controvertida, é a parte titular dessa mesma relação. Análise que poderá resultar logo dos próprios termos e documentação exibida ou só perante um julgamento se aferirá. Exemplificando, A diz que comprou a B a coisa X e pede a anulação do contrato. Se se levasse ao extremo a tese de que as partes indicadas são sempre as partes legítimas, aquela norma (58º do CPC) ficaria esvaziada de conteúdo. É que se pode verificar, logo, pela própria alegação do autor que quem vendeu x não foi B, mas sim C. B será parte ilegítima, se da configuração da relação jurídica, se verifica logo que B está ali por engano, não foi ele que vendeu, não sendo necessária qualquer comprovação para se aferir se foi ele que vendeu ou não.
    Esta doutrina merece alguma adaptação nos meios impugnatórios, no âmbito do Direito Administrativo, e passa a tónica a residir, estando em causa a validade de um acto ou de uma norma, não já tanto a titularidade de uma posição jurídica subjectiva substantiva, mas sim mais na existência de um interesse directo, pessoal e legítimo na invalidação do acto ou da norma, do lado activo, e, do lado passivo, a legitimidade caberá à autoridade que praticou o acto ou emitiu a norma.12
    No nosso caso não há qualquer erro na identificação do acto e do seu autor. Logo à partida, perante a configuração da relação controvertida e pela alegação da recorrente, verificamos que o acto aludido, que vem posto em causa, é o do Senhor Chefe do Executivo. Apenas se lhe atribui um conteúdo que nele não se contém. Esse conteúdo está ínsito a um outro acto, praticado pelo Senhor Secretário, mas essa é outra questão e que adiante se curará de integrar. O certo é que o acto está identificado, datada e imputado a determinada entidade, sendo que o outro acto com o conteúdo que se lhe atribui, praticado pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, não deixou de ser ele também autonomamente impugnado.
    Como vimos, a recorrente pretende a anulação de um acto que não tem o conteúdo que ela lhe dá. Diz que o Senhor Chefe do Executivo, aprovou o programa, as regras do concurso, estabelece critérios que visam o seu afastamento, que esse acto aprovou o caderno de encargos e outras peças procedimentais do concurso.
    Ora, nada disto aconteceu. O Exmo Senhor Chefe do Executivo limitou-se a aprovar a abertura do concurso e é parte legitima no presente recurso.
    Saber se o pedido de anulação formulado comporta a causa invocada, se tem por fundamento quanto se alega, se a anulação pretendida é apta ao efeito pretendido, essas são outras questões que acima se analisaram e adiante se analisarão.
    7. Da inutilidade superveniente do recurso
    Alegam as contra-interessadas que as condições do concurso permitiam a todos os concorrentes, em pleno pé de igualdade, escolher quem melhor encontrassem e entendessem melhor satisfazer as condições concursais.
    E tanto assim que, as recorrentes estabeleceram o consórcio que quiseram, candidataram-se como entenderam, em consórcio, participando no concurso como quiseram, livremente.
    Saber se a parte recorrente constituiu melhor ou pior consórcio que os restantes contra-interessados, e que melhor ou pior satisfizessem as condições concursais, é outra questão.
    Nada impediu a parte recorrente de concorrer, não podendo agora queixar-se de que as condições concursais não eram ajustadas ao consórcio das recorrentes. Elas é que tinham o dever de constituir consórcio ajustado às condições concursais e já não o inverso.
    E se receios que tinha de que o conteúdo de tais peças do procedimento concursal viesse a ser interpretado contra a sua candidatura, isto é, viesse a ser interpretado em sentido contrário ao que sucedeu (plena admissão, sem desigualdade nem discriminção), eles deixaram de existir com a sua admissão ao concurso nos mesmos termos em que o foram os restantes concorrentes.
    Pelo que, concluem, este circunstancialismo configura uma situação de inutilidade superveniente da lide, face à sua admissão ao concurso.
    Segundo os factos apurados, apesar de a recorrente ter sido admitida ao concurso na fase liminar, acabou por ser excluída na fase de avaliação com fundamento naquelas cláusulas, que, segundo ela, foram intencionalmente criadas para a excluir, o que viola as regras de mercado e livre concorrência concursal.
     Sobre esta matéria, acompanha-se, em certa medida, quanto diz o MP, já que pelo facto de a recorrente haver sido admitida a participar no concurso, em consórcio, não significa que esteja necessariamente ultrapassada a filtragem a efectuar através das normas concursais alegadamente editadas com o propósito de a excluir do concurso, normas cuja aprovação ela imputa, como se referiu, ao despacho que pretende ver sindicado contenciosamente.
    Isto é, a recorrente tem direito abstractamente a fazer prova de que houve má-fé, que houve intenção, através das regras do concurso, de a excluir, que houve regras que foram desenhadas, não em função do interesse público superior, não em função da resposta às necessidades do serviço público visado, mas sim de afastar uma ou mais pessoas jurídicas, numa actuação “ad hominem”, uma ou mais empresas ou companhias, em violação das regras do mercado, da livre concorrência e da transparência concursal.
    Mas esta discussão não pode ser feita neste recurso, uma vez que o acto recorrido não tem aquele conteúdo, questão que se reconduz à discussão abordada no número seguinte, sobre a inviabilidade do recurso.
    Pelo que se conclui no sentido da não verificação de uma situação de inutilidade superveniente da lide, antes sim a impossibilidade de discussão dessas regras neste recurso.
    
    8. Da manifesta inviabilidade do recurso de anulação do acto
    Assim se entra numa outra questão de natureza exceptiva, para que, aliás, de alguma forma, se vinha apontando.
    Como vimos, a recorrente pretende a anulação de um acto que não tem o conteúdo que ela lhe dá. Diz que o Senhor Chefe do Executivo, aprovou o programa, as regras do concurso, estabelece critérios que visam o seu afastamento, que esse acto aprovou o caderno de encargos e outras peças procedimentais do concurso.
    Ora, nada disto aconteceu. O Exmo Senhor Chefe do Executivo limitou-se a aprovar a abertura do concurso.
    É evidente que não se pode anular algo que não foi praticado, ou, pelo menos, praticado por ele. Cai-se, então, numa manifesta inviabilidade, configurável ainda como uma manifesta improcedência do pedido prevista no n.º 1, al. d) do art. 394º do CPC., situação a que o art. 46º do CPAC não deixa de abrir portas com o advérbio “designadamente”, na parte final do corpo do seu n.º 2.
    Isto, se não se entender que a situação é a de ineptidão da petição nos termos acima vistos.
    Na verdade, o recurso estará necessariamente votado ao fracasso. Imaginemos, por mero exercício de raciocínio, que, em ganho de causa, a recorrente lograria a anulação do acto. O que resultaria daí? A anulação do concurso e já não do programo do mesmo. Não faz sentido estar a anular algo que, ainda que implícito, devia ter sido impugnado noutro momento e noutra sede.
    Se, neste caso, o acto e o sujeito do acto impugnando estão devidamente identificados, sendo o acto do Exmo Senhor Chefe do Executivo, o que aprovou a abertura de um concurso, cujo programa foi aprovado pelo Exmo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, também este acto autonomamente impugnado, estar-se-á perante uma situação de manifesta improcedência do pedido de anulação por o pedido incidir sobre um conteúdo inexistente e por eventual anulação do acto não destruir o programa e as regras do concurso.
    Donde propendermos ainda para uma situação de natureza exceptiva que se traduz numa manifesta impossibilidade de procedência da pretensão da recorrente
    9. Da (ir)recorribilidade do acto
    Ainda, numa outra abordagem, como salienta o Digno Magistrado do MP, “as condições restritivas e injustas que levaram à exclusão das recorrentes pela comissão de avaliação das propostas, não foram criadas nem aprovadas pelo acto recorrido. Este, como se disse, apenas estatui no sentido de autorizar a abertura do concurso. As condições de candidatura e demais normas por que se rege o concurso constam do respectivo programa e do caderno de encargos que foram aprovados posteriormente por acto da autoria do Secretário para os Transportes e Obras Públicas - ver fls. 5 a 19 do processo instrutor, que actualmente se encontra apenso ao recurso contencioso n.º 462/2016.
    Porque assim é, o acto aqui sindicado apresenta-se perfeitamente inócuo em termos de interferir com a apresentação ou viabilidade das candidaturas, nenhum efeito prejudicial externo podendo acarretar, nomeadamente para quem quer que pretenda candidatar-se, bem pelo contrário, tal como as entidades recorridas fizeram questão de vincar. Então, trata-se de acto irrecorrível porquanto, sendo meramente preparatório ou instrumental da decisão final do procedimento, não possui apetência lesiva autónoma para afectar a esfera jurídica individual dos administrados.”
    Nesta conformidade, ainda que percebendo o que pretende dizer o Digno Magistrado do MP, ao referir-se à irrecorribilidade do acto, não deixamos de relevar antes a inocuidade que adviria de uma pretensa anulação em relação à intangibilidade das regras do concurso e não já a uma natureza instrumental, sendo o acto abstractamente recorrível.
    Donde nos fixarmos antes na questão exceptiva por que nos pronunciámos em 8. supra.
    
    10. Foi suscitada uma questão prévia pela entidade recorrida, atinente à falta de indicação dos factos cuja prova recorrente pretendia fazer e quanto ao requerimento dos meios de prova, que deviam ser reportados especificadamente aos factos indicados.
    Essa matéria, vista a solução ora avançada, fica prejudicada.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em rejeitar o presente recurso contencioso, absolvendo a entidade recorrida da instância, vista a invocada ineptidão e, sempre, em todo o caso, vista a manifesta inviabilidade do recurso de anulação do acto.
    Custas pela recorrente, com 8 UC de taxa de justiça.
               Macau, 23 de Fevereiro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Fui presente Ho Wai Neng
Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho

1 Documento n.° 1 junto pela entidade recorrida na contestação ao pedido de suspensão de eficácia, Proc. n.º 385/2016/A, por apenso aos presentes autos de recurso contencioso, e também documento original constante do processo administrativo já junto com a contestação aos autos de recurso contencioso, em que é entidade recorrida o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Proc. n.º 462/2016, a correr junto desse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
2 Documento n.º 2 junto com a contestação da ora Entidade Recorrida nos autos de suspensão de eficácia n.º 385/2016/A.
3 Documento a fls. 575 a 579 dos presentes autos de recurso (documento n.º 3 junto pela Recorrente A, quando do requerimento de indicação das contra-· interessadas, a fls. 570 dos presentes autos de recurso).

4 Documento de fls. 542 a 545 dos presentes autos de recurso, junto pela Recorrente, e também documento original constante do processo administrativo já junto com a contestação aos autos de recurso contencioso, em que é entidade recorrida o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Proc. n.º 462/2016, a correr junto desse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
5 Documento n.º 1 junto pela entidade Recorrida na contestação ao pedido de suspensão de eficácia, Proc. n.º 385/2016/A, por apenso aos presentes autos de recurso contencioso, e também documento original constante do processo administrativo já junto com a contestação aos autos de recurso contencioso, em que é entidade recorrida o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Proc. n.º 462/2016, a correr junto desse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
6 Ver, também, documento n.º 3 junto à contestação da entidade requerida nos autos de suspensão de eficácia n.° 462/2016/A.
7 Documento a fls. 478 a 517 dos presentes autos de recurso.

8 Documento n.º 2 junto com a contestação da ora Entidade Recorrida nos autos de suspensão de eficácia n.º 385/2016/A.
9 Documento a fls. 575 a 579 dos presentes autos de recurso.
10 Documento a fls. 575 a 579 dos presentes autos de recurso (documento n.º 3 junto pela Recorrente A, quando do requerimento de indicação das contra- interessadas, a fls. 570 dos presentes autos de recurso).
11 - Vd., sobre a discussão clássica, entre as teses em confronto, Lebre de Freitas, CPC Anot., Coimbra Ed., 1999, Vol. 1º, 51.
12 - Vieira de Andrade, A justiça Administrativa, 3.ª ed. Almedina, 222 e Cândido de Pinho, Man. Formação de Dto Proc. Adm. Contencioso, CFJJ, 2015, 74
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385/2016 13/35