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Processo n.º 18/2017. Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação.
Recorrente: Cheong Weng Fat, na qualidade de representante de Macau Power People.
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Assunto: Direito de reunião. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública. Área para reunião ou manifestação.
Data da Sessão: 24 de Março de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
A Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores, com fundamento em considerações de segurança pública e de manutenção da ordem e tranquilidade públicas.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. Cheong Weng Fat, na qualidade de representante de Macau Power People, promotora de reunião, a realizar de 17 a 31 de Março de 2017, entre as 7:30 horas e as 21 horas, na zona das Portas do Cerco, no corredor para peões, coberto, interpôs recurso do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 15 de Março de 2017 - que impediu a reunião no mencionado corredor, determinando que esta tivesse lugar nessa zona, mas fora do corredor - para este Tribunal de Última Instância (TUI).

2. O mencionado despacho recorrido do Comandante do CPSP, de 15 de Março de 2017, é do seguinte teor:
“Despacho
I. Aviso prévio do promotor:
Em 13 de Março de 2017, Macau People Power deu conhecimento ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais de reunião, designadamente:
“Tema: Combate à corrupção eleitoral, contra o financiamento às associações.
Data: 17 de Março de 2017 a 31 de Março de 2017
Hora: 07h30 às 21h00
Local de reunião: Portas do Cerco – corredor contra chuvas e ventos – colocação das faixas com dizeres.
Durante a reunião: As faixas serão colocadas nas paredes para não afectar os passageiros.
II. Análise:
1. O Posto Fronteiriço das Portas do Cerco é o posto fronteiriço mais importante que liga Macau ao Interior da China, onde se registam o maior de fluxo de pessoas entre todos os postos de Macau, e uma grande quantidade de residentes e turistas que entram e saem de Macau todos os dias, sendo extremamente ocupado o edifício, que é uma construção importante do governo. Este Corpo tem de garantir que o funcionamento do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco não seja impedido, de forma a garantir a entrada e saída segura dos residentes e turistas;
2. A Praça das Portas do Cerco fica ligada ao Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, onde se passa ou reúne, frequentemente, grande número de residentes e turistas, sobretudo nos feriados, pelo que este Corpo também toma, com base na condição do fluxo de pessoas, medidas de controlo nesta praça; ademais, o corredor contra chuvas e ventos na Praça das Portas do Cerco é um lugar que grande quantidade de residentes e turistas tem de passar, e é relativamente estreito, e se for ocupada ou impedida uma grande área do corredor, causará grave obstáculo ao trânsito de pessoas, bem como influência à ordem e segurança pública, pelo que este Corpo tem de tomar medidas necessárias para manter o bom trânsito no corredor em causa.
III. Decisão:
1. Pelo exposto, de acordo com o art.º 8.º da Lei n.º 2/93/M, a reunião deve ser realizada na Praça das Portas do Cerco num lugar que respeite uma distância de 30 metros do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco (não pode ser realizada nas zonas vermelhas no anexo), sem constituir obstáculo ao trânsito do público e causa grave influência à ordem pública;
2. A reunião não pode ser realizada no corredor contra chuvas e ventos na Praça das Portas do Cerco (zonas verdes na anexo);
3. Deve-se observar, designadamente, o disposto no art.º 11.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 2/93/M, e na realização da reunião, é proibido praticar actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas, e em consequência, afastem a reunião ou manifestação da sua finalidade;
4. A área ocupada pelas coisas de reunião não pode ser demasiado extensa e deve ser aumentada ou reduzida conforme a escala real da reunião e segundo a instrução da polícia, a fim de evitar prejudicar gravemente o trânsito público ou a ordem pública. Quanto às reuniões realizadas nas Praças das Portas do Cerco com três ou menos participantes, a área máxima destinada à instalação ou colocação das coisas de reunião não pode exceder 4 metros quadrados (2m x 2m); em caso da necessidade do uso de suportes, o seu comprimento não pode superar 2 metros;
5. Deve ser garantido que não seja prejudicado o funcionamento dos serviços públicos ou organismos privados, não podendo, sobretudo, ser bloqueadas as entradas e saídas ou prejudicados os lugares de acesso público;
6. Não pode ser prejudicado o uso público das instalações públicas ou rodoviária, devendo, sobretudo, ser mantida distância adequada com as instalações destinadas ao atravessamento das ruas, tais como a passagem para peões. As faixas usadas nas reuniões não podem ser colocadas nas vedações ao lado das ruas, nem nas outras instalações públicas, para não perturbar a ordem pública ou pôr em perigo a segurança pública;
7. Se no local de reunião haver outros grupos a realizar actividades ou outras obras em curso, os promotores devem conter-se de perturbar uns aos outros para evitar causar perturbações à ordem ou à segurança públicas, e coordenar, conforme as directivas policiais, com os outros grupos que lá realizem actividades ou reuniões e manifestações relativamente ao uso do espaço do local;
8. O promotor deve cooperar com a ordem da Polícia in loco, realizar a reunião em lugares seguros e não obstantes ao tráfego seguro das massas, especialmente deve reduzir ou remover de imediato os objectos associados à reunião ou alterar o lugar da reunião conforme a ordem quando se encontrar grande número das pessoas reunidas ou excessiva densidade populacional na reunião e se gerarem riscos notórios para a ordem ou a segurança pública.
IV. A associação promotora/o promotor deve cumprir nomeadamente as obrigações de:
1. O promotor deve respeitar o teor da carta resposta do IACM ao realizar a reunião;
2. Nos termos do art.º 4.º da Lei n.º 2/93/M, não é permitido realizar reunião ou manifestação das 00H30 às 7H30;
3. Deve manter a ordem da actividade e garantir que seja realizada com paz e racionalidade;
4. Deve respeitar o Regulamento Geral dos Espaços Públicos, garantir que não pratique condutas que prejudiquem o ambiente, nomeadamente não descarte lixos e não queime coisas, deve remover imediatamente os objectos instalados quando a reunião e a manifestação terminarem, para evitar a ocupação ilegal dos espaços públicos;
5. Deve respeitar a Lei da Prevenção e controlo do ruído ambiental, garantir que não produza ruídos que incomodem as outras pessoas;
6. Aquele que realize a reunião ou a manifestação com violação do presente despacho pode ser condenado pela prática do crime de desobediência qualificada previsto no art.º 14.º da Lei n.º 2/93/M”.

3. O recorrente alega apenas que anteriormente a Polícia permitia a reunião no corredor em causa.

II – O Direito
1. As questões a apreciar
Está em causa saber se o despacho recorrido violou a lei ao limitar a área que a pessoa ou o grupo de pessoas pretendia ocupar no corredor para peões na zona das Portas do Cerco, corredor esse que conduz ao Posto Fronteiriço da Região Administrativa Especial de Macau, com ligação ao Interior da China.

2. Direitos de reunião e manifestação. Poderes do presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e do comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
No acórdão deste Tribunal, de 11 de Março de 2016, no Processo 15/2016, relativamente a uma reunião, em determinado local da cidade de Macau, fizemos as seguintes considerações:
“Dissemos no nosso Acórdão de 12 de Julho de 2013, no Processo n.º 44/2013, o seguinte:
«O artigo 27.º da Lei Básica dispõe que os residentes de Macau gozam, além de outros, do direito de reunião, de desfile e de manifestação.
O artigo 1.º da Lei n.º 2/93/M, de 17.5, estatui que todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização.
Os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 8.º (da mesma Lei n.º 2/93/M, como serão todos os artigos doravante referidos sem indicação da proveniência) estabelecem algumas proibições e permitem a imposição de restrições espaciais e temporais às reuniões e manifestações.
Assim, sem prejuízo do direito à crítica, não são permitidas as reuniões ou manifestações para fins contrários à lei (artigo 2.º).
Como também não é permitida a realização de reuniões ou manifestações com ocupação ilegal de lugares públicos, abertos ao público ou particulares (artigo 3.º).
Por outro lado, não é permitida a realização de reuniões ou manifestações entre as 0,30 e as 7,30 horas, salvo se realizadas em recinto fechado, em salas de espectáculos, em edifícios sem moradores ou, no caso de terem moradores, se forem estes os promotores ou tiverem dado o seu consentimento por escrito (artigo 4.º).
A proibição de reunião ou de manifestação, ao abrigo do artigo 2.º e a imposição de restrições espaciais e temporais às reuniões e manifestações, nos termos dos artigos 3.º e 4.º, competem ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, que as comunica ao promotor da reunião ou da manifestação em determinado prazo, previsto nos artigos 6.º e 7.º.
O comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) pode, até 24 horas antes do seu início, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem, se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas (artigo 8.º, n.º 2).
O comandante do CPSP pode, até 24 horas antes do seu início, fundada em razões de segurança pública devidamente justificadas, exigir que as reuniões ou manifestações respeitem uma distância não superior a 30 metros das sedes do Governo e da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, dos edifícios afectos directamente ao funcionamento destes, da sede do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, das instalações dos tribunais e das autoridades policiais, dos estabelecimentos prisionais e das sedes de missões com estatuto diplomático ou de representações consulares (artigo 8.º, n.os 3 e 4).
Este TUI lembrou no seu acórdão de 29 de Abril de 2010, no Processo n.º 16/2010, que, de acordo com o artigo 40.º da Lei Básica, os direitos e liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei e as restrições aos direitos e liberdades não podem contrariar as convenções internacionais aplicáveis em Macau, bem como que também o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 2/93/M, determina que o exercício dos direitos de reunião ou manifestação apenas pode ser restringido, limitado ou condicionado nos casos previstos na lei.
Relativamente aos direitos de reunião e manifestação, no sentido de proibir ou impor restrições antes da sua realização, o comandante do CPSP apenas tem competência para exercer os poderes previstos no artigo 8.º, n. os 2 e 3.
Já no decurso de tais actividades, as autoridades policiais têm outros poderes, previstos no artigo 11.º, no sentido da sua interrupção, quando tenha sido regularmente comunicada aos promotores a sua não permissão, quando as mesmas, afastando-se da sua finalidade ou não tendo sido objecto de aviso prévio, infrinjam o disposto no artigo 2.º ou quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas”».
No mesmo Acórdão de 12 de Julho de 2013 lembrámos que o estatuído no n.º 2 do mencionado artigo 8.º, só se aplica a alteração de trajectos de desfiles ou cortejos e não a uma reunião num local fixo. Mantemos o que então dissemos>.
Só que no caso dos autos não está em causa a aplicação do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 2/93/M.
O Comandante do CPSP não determinou nenhuma alteração do local da reunião/manifestação, limitou-se a fixar uma faixa dentro da zona das Portas do Cerco, onde a pessoa/o grupo (?) deve efectuar a reunião/manifestação.
Podia fazê-lo ou terá violado a lei?
No mesmo acórdão deste Tribunal, de 11 de Março de 2016, referimos:
É certo, por outro lado, que a lei não pode prever tudo.
Ora, é sabido que ao CPSP incumbem atribuições de manutenção da ordem e tranquilidade públicas, bem como da segurança pública.
Com base no artigo 11.º da Lei n.º 2/93/M, a Polícia pode interromper manifestações quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas.
Cabe também ao CPSP, em sede de manifestações, zelar pelo bom ordenamento do trânsito de pessoas nas vias públicas (artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 2/93/M).
Assim sendo, com base neste conjunto de normas, afigura-se-nos poder extrair um princípio segundo o qual a Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores, com fundamento em considerações de segurança pública e de manutenção da ordem e tranquilidade públicas.
Referimos no Acórdão de 29 de Abril de 2010, no Processo n.º 16/2010, que os órgãos policiais têm poderes para organizar espacialmente várias actividades de reunião ou manifestação previstas para o mesmo local, quando várias destas realizações estão programadas para o mesmo lugar>.
A zona das Portas do Cerco é uma área com muito movimento de pessoas (na parte agora em causa). Pelo corredor coberto, para peões, transitam permanentemente centenas de pessoas. Por outro lado, se estivesse em causa uma reunião que durasse algumas horas, em dia determinado, seria razoável permitir a manifestação no local, apesar do evidente incómodo para as pessoas que por ali passam, num sopesar do direito à reunião/manifestação, por um lado, e, por outro, nos incómodos para terceiros (todos aqueles que por ali passam e que não são os manifestantes).
Mas não é isso que está em causa. O promotor pretende manifestar-se continuamente durante 15 dias, ininterruptamente, de 17 a 31 de Março de 2017, desde as 7:30 até às 21 horas de cada dia (A entidade recorrida, na sua resposta, refere que o ora recorrente, desde Junho de 2016, realiza diária e permanentemente manifestações, desde o amanhecer ao entardecer, em vários locais, adiantando, com algum humor, que o mesmo age “como um manifestante profissional”).
Por outro lado, o recorrente utiliza vários caixotes, como adereços, que pode pôr em causa a segurança das pessoas, atento o elevado tráfico.
A circunstância de a Polícia anteriormente ter autorizado o recorrente a manifestar-se no local, argumento utilizado pelo recorrente, não significa que aquela não possa mudar a sua avaliação da situação.
Em conclusão, não se nos afigura desproporcionada a limitação imposta pelo acto recorrido, de fazer a reunião fora do corredor, ao lado do mesmo.
Assim, o despacho recorrido não violou a lei.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Macau, 24 de Março de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




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Processo n.º 18/2017

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