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Proc. nº 461/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Fevereiro de 2017
Descritores:
-Contrato de Concessão
-Caducidade
-Novos vícios
-Usurpação de poderes
-Elementos essenciais do acto
-Fundamentação por remissão
-Acto de execução
-Audiência de interessados

SUMÁRIO:

I. Tal como resulta do art. 68º, do CPAC, a invocação superveniente de novos vícios na fase de alegações facultativas, só é possível desde que o conhecimento da nova matéria tenha chegado ao conhecimento do recorrente após a apresentação da petição inicial. Na hipótese contrária, o tribunal não poderá conhecer deles.

II. Isto só não é assim, se os vícios forem sancionáveis com a nulidade, pois aí, tal como o tribunal os pode conhecer oficiosamente, também já a sua alegação não fica limitada pela regra não absoluta do art. 68º do CPA, face ao disposto nos arts. 123º, nº2, do CPA e 279º do CC.
III. Não usurpa os poderes legislativos a Administração que, cumprindo o art. 179º, nº2 da Lei de Terras, e perante a ausência de norma específica sobre o modo de proceder com os bens do concessionário que encontrar no momento em que for proceder ao despejo coercivo (cfr. arts. 55º e 56º do DL nº 79/85/M: Regulamento Geral da Construção Urbana), avisa o destinatário do acto que relativamente a eles procederá ao abrigo do art. 210º da Lei de Terras.

IV. Quando o acto é um simples “concordo”, tanto a sua fundamentação, como a sua dispositividade, são aquelas que constam da informação, do parecer ou da proposta sobre que ele recai.

V. O acto de execução do acto administrativo que declara a caducidade da concessão, sem que se interponham novos elementos relevantes em relação ao acto declarativo, não carece de ser precedido da audiência de interessados.

VI. Não precisa de ser feita menção à delegação de poderes no acto do Secretário do Governo que procede à execução do acto declarativo da caducidade do Chefe do Executivo desde que este tenha sido objecto de publicação no Boletim Oficial, face ao disposto no art. 113º, nº 3, do CPA.



Proc. nº 461/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
“A, LIMITADA”, com sede em 澳門…, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º …, interpôs neste TSI recurso contencioso do despacho de 5/05/2016 do Ex.mo Secretário Para os Transportes e Obras Públicas, que, na sequência da declaração de caducidade decidida pelo Chefe do Executivo de 9/03/2016, determinou o despejo do terreno identificado nos autos no prazo de 60 dias, sob pena de execução coerciva a expensas da recorrente, bem como a reversão das benfeitorias para a RAEM.
*
Na petição inicial apresentou as seguintes conclusões:
“1) O Senhor Chefe do Executivo praticou, em 9 de Março de 2016, acto administrativo que consiste na aposição da fórmula «Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo no. 8/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho»;
2) O acto praticado pelo Senhor Chefe do Executivo foi impugnado contenciosamente pela aqui recorrente nos autos de Recurso Contencioso de Anulação que corre os seus termos nesse Tribunal de Segunda Instância sob o Processo no. 375/2016.
3) O acto administrativo aqui em crise, praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes impõe ao Recorrente obrigações adicionais ao mencionado acto administrativo do Chefe do Executivo,
4) Incluindo a obrigação de suportar custos com o despejo não quantificados.
5) E o tratamento dos objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno de acordo com as disposições do artigo 210º da Lei de Terras.
6) Este acto administrativo amplia, desnecessariamente, a lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente,
7) Portanto, o acto recorrido é recorrível.
8) Tanto mais que, salvo o devido respeito, o acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes padece de vícios autónomos que seguidamente se expõem:
9) Desde logo, o Recorrido não cumpriu o dever de Audiência Prévia disposto nos artigos 93º e ss. do Código do Procedimento Administrativo.
10) A preterição da Audiência Prévia inquina o acto recorrido de anulabilidade.
11) Em segundo lugar, a competência para a decisão de ordenar o despejo é urna competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
12) O acto Recorrido foi praticado por órgão que não tem competência, sendo por isso, anulável.
13) Tanto mais que a Lei de Terras não habilita a delegação destas competências do Chefe do Executivo.
14) De resto não está publicado no Boletim Oficial qualquer acto do Chefe do Executivo que delegue as competências que lhe estão determinadas no âmbito da Lei de Terras e que especifique os poderes delegados, corno seria exigível, para haver delegação de competências, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do CPA.
15) E o acto administrativo impugnado nem contém a menção da qualidade de delegado, corno seria exigível, se pudesse haver delegação de competências, nos termos do disposto no artigo 38º do CPA.
16) Corno é sabido, na falta de lei de habilitação apenas se consideram delegados os poderes para a prática de actos de administração ordinária.
17) A emissão de uma ordem de despejo não é um acto de administração ordinária, conforme resulta do teor literal da norma constante do artigo 179º/1 da Lei de Terras.
18) Trata-se de urna competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
19) O acto recorrido padece ainda de erro nos pressupostos:
20) Por um lado, não foi emitida pelo Chefe do Executivo nem publicada no Boletim 1 Oficial urna declaração de caducidade nos termos do artigo 167.º da Lei de Terras pelo que não se verifica, na realidade, a situação factual prevista na alínea 1) do artigo 179.º desse diploma.
21) Por outro lado a notificação do acto recorrido refere-se a normas e consequências sancionatórias que não resultam do acto recorrido,
22) Com o objectivo de ameaçar a Recorrente com mal grave,
23) Fora dos pressupostos e limites estatuídos na norma constante do artigo 210º da Lei de Terras,
24) O acto recorrido é anulável por erro nos pressupostos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente hão-de suprir, deve o presente recurso contencioso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, deve o acto recorrido ser declarado nulo ou anulado.”.
*
Houve lugar a contestação por parte da entidade recorrida, que terminou com as seguintes conclusões:
“1.ª - O objecto do presente recurso contencioso é o despacho de “concordo” do STOP, de 5 de Maio de 2016, exarado na proposta n.º 172/DSODEP/2016, de 29 de Abril de 2016, que ao abrigo do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 e nos artigos 55.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, ordenou à Recorrente o despejo/desocupação do terreno dos autos;
2.ª - O acto impugnado não enferma do assacado vício de forma por preterição da audiência prévia, porquanto é evidente que não havia que cumprir essa formalidade.
3.ª - Desde logo porque tendo o acto recorrido assentado na emissão do acto que declarou a caducidade da concessão pelo decurso do prazo, a ser necessário ouvir a Recorrente teria que ser antes de proferido o acto do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno ora em questão.
4.ª - Por outro lado, não se pode perder de vista que in casu está em causa uma caducidade preclusiva, com efeitos meramente declarativos que operam automaticamente como consequência do decurso do prazo máximo de 25 anos, não se vendo por isso que outros elementos poderia a Recorrente trazer que conseguissem influir numa conformação para mais do prazo estabelecido pela própria lei e pelo contrato.
5.ª - Se relativamente ao acto que declarou a caducidade da concessão pelo decurso do seu prazo não havia que cumprir a formalidade da audiência prévia, por maioria de razão essa formalidade se mostrava desnecessária e inútil no tocante ao acto recorrido.
6.ª - Caso se entenda que na situação vertente deveria ter sido realizada a audiência prévia relativamente ao acto que ordenou a desocupação do terreno, não podemos perder de vista que o acto em crise (despacho do STOP a ordenar a desocupação do terreno), face ao estipulado na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013, era o único concretamente possível.
7.a - Pelo que tendo a Entidade Recorrida atuado de forma estritamente vinculada e no estrito cumprimento da legislação em vigor, certo é que, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos actos, mesmo que alguma omissão tivesse havido, sempre a mesma se teria degradado em mera irregularidade não invalidante.
8.ª - Também não se verifica a alegada incompetência do STOP para a prática do acto em crise, pois o mesmo foi praticado ao abrigo da delegação de competências do Chefe do Executivo efectuada através da Ordem Executiva n.º 113/2014 (cfr. n.º 1 da Ordem Executiva n.º 113/2014 em conjugação com o estipulado no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999);
9.a - É certo que o órgão delegado deve, nos termos do artigo 40.º, mencionar essa qualidade para efeitos de determinar os meios de reacção que contra os seus actos se podem usar e que, conforme exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 113.º, ambos do CPA, do acto deve constar a menção da delegação de poderes;
10.a - Todavia, no caso concreto, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 113.º do CPA, estava dispensada a menção da delegação de poderes, porquanto a Ordem Executiva n.º 113/2014 foi publicada no Boletim Oficial;
11.ª - E, por outro lado, a falta da menção da qualidade de delegado não impediu a Recorrente de reagir contra o acto recorrido;
12.ª - Por último, a Recorrente assaca ao acto recorrido erro nos pressupostos de facto ou de direito, mas, também aqui, sem qualquer razão;
13.ª - Com efeito, o pressuposto que o acto recorrido partiu - ter sido declarada a caducidade da concessão - existiu e é verdadeiro, sendo também certo que o mesmo foi prol atado nos precisos termos do disposto na alínea 1) do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 e, por isso, esta norma foi correctamente interpretada e aplicada;
14.ª - A Entidade Recorrida não errou nos pressupostos da sua actuação, pelo contrário, fez correcta subsunção dos factos e consequente aplicação do direito;
15.ª - Assim, não se verificam quaisquer dos vícios alegados pela Recorrente que possam fundamentar a declaração de nulidade ou a anulação do acto impugnado.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não verificação de quaisquer dos alegados vícios, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.”.
*
As partes produziram alegações facultativas, tendo a recorrente formulado as seguintes conclusões:
“1) O objecto do presente recurso é o acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes (STOP) e consiste na aposição da fórmula “Concordo” na primeira folha de um documento autónomo intitulado “Proposta no. 172/DSODEP/2016”, assinado pelo Técnico Chan Leong Fat, no texto da qual se pode ler:
«Assunto: Sobre o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca, por despacho do Chefe do Executivo de 9 de Março de 2016. (Proc. No. 2342.04)
1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 6480 m2, designado por lote..., situado na península de Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na CRP sob o n.º ... a fl. … do livro …, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2016, e que foi notificada à concessionária, sociedade “A, Limitada” representada pela “B, Limitada”, através do ofício n.º 161/DAT/2016 de 7 de Abril de 2016. (Anexo)
3. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
3.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo Código;
3.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do CPA, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
3.3. Assim sendo, quer a concessionária em apreço interponha o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado;
3.4. Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com o artigo 55: do Decreto-Lei 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU), o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca; [em nota: Vide o n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras»]
3.5. Além disso, quando a concessionária não abandone o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela D.S.S.O.P.T. segundo o artigo 56.º do RGCU.
3.6. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de Terras».
4. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de Terras» e com os artigos 55.º e 56.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração de V. Exª, a fim de:
4.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da concessionária, sociedade “A, Limitada” representada pela “B, Limitada”, do terreno com a área de 6 480 m2, designado por lote..., situado na península de Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na CRP sob o n.º ... a fl. … do livro …, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 9 de Março de 2016;
Caso não se execute no prazo de 60 dias,
4.2. Autorizar o Departamento de Urbanização da D.S.S.O.P.T. a executar coercivamente o despejo de acordo com o artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
À consideração superior.»
2) O acto recorrido é um acto administrativo definitivo e executório que constitui, na situação individual e concreta, deveres e encargos para a Concessionária, ora Recorrente.
3) É uma estatuição autoritária que impõe à Recorrente as seguintes obrigações, encargos e perdas adicionais ao despacho de declaração de caducidade da concessão:
- Despejar e renunciar à posse ou detenção do terreno no prazo de 60 dias, sob pena de
- O despejo ser executado coercivamente, e
- Os objectos, materiais e equipamentos encontrados no terreno serem tratados como bens abandonados no terreno.
- Suportar todas as despesas resultantes da retirada dos bens ter que ocorrer no prazo de 60 dias e não num prazo mais dilatado ou suportar as despesas do despejo coercivo e os prejuízos da perda dos bens móveis que não consiga retirar, naquele prazo, do terreno;
- Suportar os custos resultantes da impossibilidade de continuação da ocupação do terreno, ao menos por período que permitisse diminuir aquelas despesas.
4) O acto administrativo praticado pelo STOP amplia desnecessariamente e sem fundamento legal a lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, e padece de vícios próprios que devem implicar a declaração da sua nulidade ou a sua anulação;
5) A Recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de ilegalidade e de usurpação de poder, por violação designadamente do disposto nos artigos 6.º e 103.º da Lei Básica, conjugado com o disposto no artigo 1232.º do Código Civil, pelo que dever ser declarado nulo nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA e na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC;
6) Isto porque, a entidade Recorrida determina que se consideram abandonados no terreno, os objectos, materiais e equipamentos, ou seja, as coisas móveis que a Recorrente não consiga retirar do terreno dentro do prazo de 60 dias; a entidade Recorrida não ignora que a Recorrente é dona e possuidora desses móveis, mas determina a extinção dos direitos reais da Recorrente, para os tratar como bens abandonados (res nullius);
7) Ora, para além da criação de norma através de analogia estar proibida quando se trate de normas excepcionais (artigo 10.º do Código Civil), e em face do disposto na Lei Básica e no artigo 1232.º do Código Civil, é sempre excepcional uma norma que impõe a perda do direito de propriedade ou de outro direito real sobre coisas móveis,
8) Tanto mais que, independentemente do facto aquisitivo de cada uma das coisas móveis em causa, a Recorrente goza, nos termos do n.º 1 do artigo 1193.º do Código Civil, da presunção da titularidade do direito de propriedade sobre essas coisas; por conseguinte, se a Concessionária não conseguir retirar as coisas móveis do terreno dentro do prazo determinado, as leis da RAEM não suscitam dúvidas sobre a continuidade dos seus direitos reais sobre essas coisas;
9) No entendimento da Recorrente, o acto recorrido cria e aplica uma norma sancionatória à Concessionária, sanção que consiste na ablação do direito de propriedade: se a Concessionária não conseguir despejar o terreno e não conseguir retirar, no prazo determinado, as coisas móveis que lá se encontrem, a Concessionária perde os seus direitos reais sobre essas coisas móveis, as quais passam a ser tratadas como coisas abandonadas;
10) Com este procedimento “analógico”, a Administração está a exercer uma competência legislativa e a invadir a esfera da reserva de lei, pois só a lei pode prever uma tal sanção; nem mesmo por Regulamento Administrativo pode o Executivo criar essa norma, designadamente em face do disposto nas alíneas 1), 9) e 18) do artigo 6.º da Lei 13/2009;
11) Por outro lado, a Recorrente entende que o acto administrativo recorrido não contém as menções obrigatórias que são especialmente exigidas por lei, para os actos administrativos com este conteúdo e sentido, por força do disposto no n.º 1 do artigo 113.º do CPA e, ainda, da al. f) deste mesmo n.º 1, pelo que deve ser declarado nulo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 122.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do CPAC;
12) De facto, o acto praticado pelo STOP é genérico e incompleto: é um mero” concordo”;
13) Só pelo texto da Proposta do Técnico dirigida à Chefe do DSODEP, é que se fica a saber o assunto da decisão, o conteúdo da decisão e o seu objecto;
14) E só por inferência lógica, por construção de raciocínio a partir dos actos materiais subsequentemente praticados, nomeadamente a notificação do despacho à Procuradora da Concessionária, é que se pode supor o sentido do acto do STOP; porque se nos guiarmos pelo texto da Proposta do Técnico dirigida à Chefe do DSODEP, então ao mero «Concordo» do STOP, o que se seguiria era a apresentação do assunto a despacho do Chefe do Executivo, porque é essa a informação constante da Proposta: o Chefe do Executivo pode ordenar o despejo;
15) Ou seja, é o receptor da notificação, por construção de raciocínio, que infere: se é este o único acto notificado à Procuradora da Concessionária, então não houve despacho do Chefe do Executivo, e o acto previsto no artigo 179.º da Lei de Terras foi praticado pelo STOP;
16) A imprecisão e a incompletude do acto recorrido abrangem a ausência de elementos que são exigidos pela alínea f) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 113.º do CPA, pelo que a falta destas menções obrigatórias inquinam o acto administrativo; o conteúdo ou o sentido do acto administrativo devem constar do próprio acto; não podem ser-lhe atribuídos por outro documento, de outra entidade:
17) «se a lei admite que a fundamentação do acto seja indicada por remissão (para propostas, etc.), já não o permite, contudo, no que respeita ao seu “conteúdo” ou “sentido”: uma decisão administrativa não pode, pois, consistir (nunca) num mero “concordo”; há-de ser, pelo menos, um “concordo e (in)defiro”. Os efeitos, o conteúdo ou sentido, do acto têm sempre de vir enunciados nele próprio (Mário Esteves de Oliveira / Pedro Costa Gonçalves / J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed., anotação IV ao artigo 125.º, p. 604);
18) Como ensina Freitas do Amaral, no estudo das menções obrigatórias no acto administrativo, «por não conterem elementos essenciais, sem os quais o acto carece de qualquer validade, são nulos (...) os actos a que falte: a indicação do seu autor (...); a identificação adequada do destinatário ou destinatários (...); o conteúdo ou o sentido da decisão (...); e, finalmente, a assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª ed. 2014, p. 280);
19) A Recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de incompetência, por violação do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras, pelo que deve ser anulado nos termos do artigo 124.º do CPA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC;
20) A competência para praticar o acto administrativo está fixada no Chefe do Executivo, pelo n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013;
21) O acto recorrido por ter sido praticado por órgão que não tem competência é anulável.
22) A Lei de Terras não habilita a delegação destas competências do Chefe do Executivo;
23) Não está publicado no Boletim Oficial qualquer acto do Chefe do Executivo que delegue as competências que lhe estão determinadas no âmbito da Lei de Terras e que especifique os poderes delegados, como seria exigível, para haver delegação de competências, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do CPA;
24) O acto administrativo impugnado não contém a menção da qualidade de delegado, corno seria exigível, se pudesse haver delegação de competências, nos termos do disposto no artigo 38º do CPA;
25) Na falta de lei de habilitação apenas se consideram delegados os poderes para a prática de actos de administração ordinária;
26) O que não é o caso da ordem de desocupação de um terreno em sessenta dias e entrega do mesmo à RAEM, prevista no artigo 179º/1 da Lei de Terras;
27) A Ordem Executiva n.º 113/2014 não delega no STOP as competências definidas ao Chefe do Executivo na Lei n.º 10/2013, mormente a competência para praticar o acto administrativo previsto no n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras;
28) As competências executivas em matéria de atribuições próprias da DSSOPT são definidas ao director da DSSOPT, que as pode delegar no restante pessoal de direcção e chefia, nos termos da alínea c) do artigo 4.º do mesmo Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho; as competências decisórias são também exercidas pelo STOP, em virtude do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 2/1999 e do artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
Não constituem, por isso, após a criação da RAEM, assunto da delegação de competências do Chefe do Executivo no STOP.
29) O assunto de que trata o n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 não é subsumível a nenhuma das matérias referidas no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto;
30) Trata-se de uma competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo, por se tratar do Órgão superior da Administração;
31) O referido artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto não é lei habilitante para um acto de delegação desses poderes;
32) A falta de aderência à realidade jurídica do argumento da entidade Recorrida, ao invocar a Ordem Executiva n.º 113/2014 para tentar evitar a verificação do vício da incompetência, pode ser comprovada ainda por outra via: olhando à prática habitual na RAEM nestes assuntos;
Caso as competências do Chefe do Executivo para ordenar a desocupação dos terrenos e a sua entrega à RAEM andassem efectivamente delegadas no STOP, ao abrigo do disposto no n.º 1 das Ordens Executivas n.º 15/2000, n.º 13/2207, n.º 124/2009 e n.º 113/2014, então os eventuais recursos contenciosos de impugnação das ordens de desocupação de terrenos seriam recursos a impugnar actos administrativos praticados pelo STOP;
Porém, pelo contrário, a pesquisa de Acórdãos do TUI e do TSI revela que é o Chefe do Executivo a dar ordem de desocupação do terreno e entrega do mesmo à RAEM.
33) Em todo o caso, a concluir-se que a Ordem Executiva inclui tais poderes, como alega a entidade Recorrida, mas que a Recorrente coloca como mera hipótese de raciocínio, então o próprio acto delegante será nulo, por envolver renúncia ou alienação da competência, e o acto recorrido continua a padecer do vício de incompetência;
34) Depois, o acto recorrido padece de vícios de forma e também por isso é anulável.
35) A Recorrente entende que o acto recorrido padece de vícios de forma por preterição da audiência dos interessados, prevista no artigo 93.º do CPA, e por violação do artigo 10.º do mesmo Código, pelo que deve ser anulado nos termos previstos no artigo 125.º do CPA e na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC
36) Não foi facultada à Recorrente a oportunidade para se pronunciar sobre o sentido provável da decisão e apresentar os elementos que achasse úteis e necessários, para tentar demonstrar a razoabilidade de uma decisão alternativa que fixasse um prazo mais alargado para a concessionária despejar e retirar os seus bens do terreno, ou de modo a tentar sensibilizar o Governo da RAEM para a possibilidade de o Chefe do Executivo ordenar, em vez do despejo, a emissão de uma licença de ocupação precária.
37) De facto, o serviço público que instruiu o procedimento administrativo que culminou no acto recorrido dispensou-se de cumprir o disposto nos artigos 93.º e seguintes do CPA e dispensou-se de cumprir o dever estabelecido no artigo 10.º do mesmo Código,
38) O direito subjectivo fundamental de participação do particular na formação das decisões que lhe dizem respeito foi convertido num benefício que é concedido, ou não, em função do arbítrio do órgão instrutor;
39) Nem se objecte que o acto em crise era o único concretamente possível, para pedir ao Tribunal que se abstenha de anular o acto recorrido, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos actos administrativos;
40) A decisão de fixar um prazo de apenas 60 dias, em lugar de um prazo mais alargado, não é uma decisão vinculada; assim como também não é vinculada a opção do STOP pela prática imediata da ordem de despejo, sem dar oportunidade à Concessionária de se pronunciar e apresentar fundamentos para outra solução, nomeadamente a ocupação precária.
41) Acresce ainda que racionando na perspectiva da legalidade administrativa, é legítimo ponderar que, se o assunto lhe tivesse sido representado na sequência de participação da Concessionária no procedimento administrativo, o Chefe do Executivo pudesse mostrar abertura à apreciação de um pedido de licença de ocupação (precária) a apresentar pela Concessionária ou pudesse mostrar abertura à fixação de um prazo mais alargado do que os 60 dias, para a Recorrente ter tempo suficiente para cumprir voluntariamente as obrigações de desocupação do terreno e entrega do mesmo à RAEM; são cenários de alternativas legais que podiam ter sido concretizadas e que ainda podem futuramente ser concretizadas, caso se dê oportunidade à recorrente de apresentar os elementos pertinentes na instrução do procedimento administrativo;
42) Portanto, se o acto for anulado, existe a possibilidade de a Administração e a Concessionária encontrarem uma via de conciliação amigável que mitigue os prejuízos desta, incluindo danos puramente económicos que uma ocupação precária possa evitar;
43) A Recorrente entende que o acto recorrido faz errada aplicação do artigo 179.º da Lei de Terras, por ter incorrido em erros sobre os pressupostos, e em violação do n.ºs 1 e 3 do artigo 120.º do CPA, pelo que enferma do vício de violação de lei e deve ser anulado nos termos previstos no artigo 125.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC;
44) A entidade Recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, supondo que o despacho do Chefe do Executivo já fora publicado no Boletim Oficial, ou então incorreu em erro de direito sobre os pressupostos de facto, supondo que a satisfação dos requisitos de notificação é suficiente para satisfazer as exigências legais de publicidade; senão vejamos:
45) O pressuposto de legitimação do acto recorrido é a existência e eficácia do acto administrativo que declara a caducidade da concessão, nos termos previstos na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de Terras: o acto recorrido tem no acto que declara a caducidade da concessão o seu pressuposto, é consequente dele;
46) Simplesmente, nos termos do artigo 167.º da Lei de Terras, a caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial.
47) Pelo que, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 120.º do CPA, existe uma norma legal - a disposição do artigo 167.º da Lei de Terras - que exige e toma obrigatória a publicidade, mediante publicação no Boletim Oficial, do despacho de declaração da caducidade da concessão.
48) A consequência é consabida: a falta de publicação no Boletim Oficial do despacho do Chefe do Executivo de declaração da caducidade da concessão implica a sua ineficácia, nos termos do artigo 167.º da Lei de Terras em conjugação com o disposto no n.º 3 do artigo 120.º do CPA.
49) E, de facto, o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão da Recorrente nunca foi publicado em Boletim Oficial.
50) Neste aspecto, a Recorrente louva-se no ensinamento da doutrina administrativa: «A exigência de publicação ou publicidade dos actos administrativos liga-se à sua divulgação ou difusão junto do público - sem cuidar de saber quem soube dessa divulgação -, enquanto a exigência da sua notificação respeita ao conhecimento que é (deve ser) dado ao respectivo destinatário ou destinatários. (...) Enquanto não for publicitado na forma legalmente exigida, o acto administrativo é ineficaz (...). Os direitos e deveres que dele derivam não podem ser exigidos de (ou por) ninguém» (Mário Esteves de Oliveira / Pedro Costa Gonçalves / J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed., anotações I e IV ao artigo 130.º, pp. 627-629).
51) O acto recorrido padece, pois, do vício de violação de lei por erro nos seus pressupostos, porque invoca como seu pressuposto um acto administrativo que é ineficaz por falta da respectiva publicação no Boletim Oficial.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente hão-de suprir, deve o presente recurso contencioso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, deve o acto recorrido ser declarado nulo ou anulado.”.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer na sua vista final:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 05 de Maio de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que ordenou o despejo da recorrente do terreno identificado por lote..., de que era concessionária e cuja concessão foi objecto de declaração de caducidade mediante acto de 9 de Março de 2016, da autoria de Sua Excelência o Chefe do Executivo.
A recorrente, “A, Limitada”, imputou ao acto os vícios de falta de audiência, incompetência e erro nos pressupostos.
Por seu turno, a autoridade recorrida assevera a legalidade do acto.
Vejamos, não sem antes aludir à alteração que, em matéria de vícios, se observa nas alegações facultativas da recorrente. Nesta peça, a recorrente imputa novos vícios ao acto, conducentes à sua nulidade, a saber: usurpação de poder e falta de elementos essenciais. Ora, os fundamentos do recurso, ou seja, os vícios que corporizam a causa de pedir e sustentam a invalidade do acto, devem ser arguidos na petição de recurso - artigos 21.º e 42.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Administrativo Contencioso. A invocação de novos vícios ou fundamentos apenas pode ser feita posteriormente, em alegações facultativas, quando o seu conhecimento seja superveniente. Pois bem, as agora alegadas usurpação de poder e falta de elementos essenciais são vícios detectáveis a partir do conhecimento do acto, pelo que deviam ter sido invocados na petição de recurso. Não o tendo sido, e não se evidenciando ao ponto de reclamarem o seu conhecimento oficioso, não se deve deles conhecer.
Avançando, agora quanto aos vícios de que cumpre conhecer, começa a recorrente por afirmar que o acto preteriu a formalidade de audiência prévia.
Crê-se que, no caso, a formalidade não era exigível, pelo que não lhe assistirá razão.
Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que este acto de execução seja recorrível - não foi, aliás, suscitada qualquer questão quanto a isso -, trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. Está pendente o recurso contencioso n.º 375/2016, onde é impugnada a decisão principal, ou seja, o despacho do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade. Conforme se constata da petição de recurso apresentada nesse processo n.º 375/2016, a recorrente imputa ao acto aí sindicado o vício de forma por falta de audiência prévia. Crê-se que é relativamente a essa decisão principal, que se seguiu à fase procedimental da instrução, que faz sentido colocar, como a recorrente fez, a questão da necessidade e acuidade da exercitação da audiência prévia. Não quanto ao despejo que, como se referiu, é uma decorrência normal daquela decisão sobre a caducidade.
Ainda que, em tese, pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, porquanto não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento - cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede o vício de forma por preterição da audiência.
Segue-se a imputação do vício de incompetência, entendendo a recorrente que a competência para a ordem de despejo pertence ao Chefe do Executivo, que a não delegou nem podia delegar, pelo que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas não estava habilitado com a competência necessária para ordenar o despejo.
É verdade que, havendo declaração de caducidade da concessão, a Lei de Terras comete ao Chefe do Executivo a competência para ordenar o despejo do concessionário - artigo 179.º, n.º 1, alínea 1). Mas já não é exacto que essa competência não possa ser, e não tenha sido, delegada. Pouco importa que a Lei de Terras não trate da questão da delegação. Por regra, as leis que concedem competências não são as leis habilitantes da delegação de poderes. No caso, a competência não é indelegável, há lei de habilitação, que é o DL 85/84/M (artigo 3.º) e há instrumento de delegação, constituído pela Ordem Executiva 113/2014, que se encontra publicada no Boletim Oficial de 20.12.2014, I Série, Número Extraordinário, sendo que, neste caso, nem se toma necessária a menção, no acto, da delegação de poderes - artigo 113.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo.
Soçobra, assim, o arguido vício de incompetência.
Vem, por fim, assacado ao acto o vício de erro nos pressupostos.
Tal como vem configurado, crê-se que estará em causa eventual erro nos pressupostos de facto.
Por um lado, a recorrente acha que o acto que declarou a caducidade, como pressuposto necessário do ordenado despejo, ainda não existia quando foi tomada a decisão de despejo ora recorrida, porquanto não fora - nem foi até ao momento, diz em alegações - publicado no Boletim Oficial; por outro, sustenta que a notificação do acto enumera normas e consequências sancionatórias que o próprio acto não prevê.
Não explicita devidamente a recorrente o que pretende significar quando sustenta que não há acto de caducidade publicado no Boletim Oficial. Uma coisa, porém, é certa, o acto de declaração de caducidade, produzido mediante recurso à fórmula “concordo”, constitui uma forma válida de declarar a caducidade, mediante apropriação ou homologação de propostas ou pareceres exarados por elementos situados em escalão inferior na estrutura hierárquica em que se insere a autoridade competente, forma que é típica e usual nos regimes de administração executiva, como é o de Macau, e tem sido invariavelmente aceite pelos tribunais. Ora, esse acto de caducidade, no qual se ancora a ordem de despejo agora sindicada, foi objecto de publicação em Boletim Oficial, como consta a páginas 6687 a 6688 do Boletim Oficial n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2016, de que a recorrente juntou cópia, sob o doc. n.º 1, ao recurso contencioso n.º 375/2016. Portanto, não se vislumbra, por esse prisma, onde reside o erro nos pressupostos.
Ademais, quanto à questão da hipotética desconformidade entre o acto e a respectiva notificação, cabe notar que o recurso contencioso escrutina os vícios do acto administrativo. A notificação não faz parte do acto administrativo, é um acto posterior, que se destina a levar o acto administrativo ao conhecimento dos interessados. Eventuais deficiências ou excessos de que padeça a notificação não possuem virtualidade para interferir no acto administrativo, sendo-lhe inteiramente estranhas e em nada contendendo com a sua validade. Daí que os vícios de que porventura padeça o acto de notificação sejam manifestamente improcedentes quanto ao acto administrativo objecto do recurso contencioso.
Improcede, pois, o invocado erro nos pressupostos.
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Damos por provada a seguinte factualidade:
1 – A recorrente “A, Limitada” foi titular do direito resultante da concessão por arrendamento do terreno com a área de 6480 m2, designado por lote..., situado na península de Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na Conservatória do Registo Predial RP sob o n.º … a fl. … do livro …, a que se refere o Processo n.º 8/2016.
2 – A concessão do referido lote foi titulada por escritura pública de 27 de Julho de 1990, revista por escritura de 9 de Agosto de 1991 e pelo Despacho nº 98/SATOP/99.
3 – É procuradora da recorrente a “B”, com sede na…, em Macau, registada ana Conservatória dos registos Comercial de Bens Móveis sob o nº ….
4 – No dia 9/03/2016 o Chefe do Executivo declarou a caducidade da concessão pelo decurso do seu prazo, tendo sido publicado por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2016, e que foi notificada à concessionária, sociedade “A, Limitada” representada pela “B, Limitada”, através do ofício n.º 161/DAT/2016 de 7 de Abril de 2016.
5 – Este despacho foi publicado no Boletim Oficial nº 14, II Série, de 6 de Abril de 2016 e foi notificado à recorrente através do ofício nº 161/DAT/2016, de 7 de Abril.
6 – No dia 29/04/2016 foi lavrada a Proposta nº 172/DSODEP/2016 com o seguinte teor:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 6 480 m2, designado por lote..., situado na península de Macau, nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na CRP sob o n.º ... a fl. … do livro …, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2016, e que foi notificada à concessionária, sociedade “A, Limitada” representada pela “B, Limitada”, através do ofício n.º 161/DAT/2016 de 7 de Abril de 2016. (Anexo).
3. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
3.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo Código;
3.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do CPA, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
3.3. Assim sendo, quer a concessionária em apreço interponha o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado;
3.4. Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» e com o artigo 55.º do Decreto-Lei 79/85/M «Regulamento Geral da Construção Urbana»1 (RGCU), o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despeja da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca;
3.5. Além disso, quando a concessionária não abandone o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela DSSOPT segundo o artigo 56.º do RGCU.
3.6. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras»
4. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com os artigos 55.º e 56.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração da V. Ex.ª, a fim de:
4.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da concessionária, sociedade “A, Limitada” representada pela “B, Limitada”, do terreno com a área de 6 480 m2, designado por lote..., situado na península de Macau, nos NAPE, descrito na CRP sob o n.º ... a fl. … do livro …, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 9 de Março de 2016;
Caso não se execute no prazo de 60 dias,
4.2. Autorizar o Departamento de Urbanização da DSSOPT a executar coercivamente o despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU;
À consideração superior.”
7 – No dia 5/05/2016, o Secretário para as Obras Públicas e Transportes proferiu o seguinte despacho: “Concordo” (fls. 13).
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IV – O Direito
1 – Introdução
Antes de mais nada, importa assinalar que a recorrente trouxe às alegações facultativas vícios que não tinham sido invocados na petição inicial.
Ora, como é sabido, e tal resulta do art. 68º, do CPAC, a invocação superveniente nesta fase processual só é possível desde que o conhecimento da nova matéria, capaz de sustentar novos vícios, tenha chegado ao conhecimento do recorrente após a apresentação da petição inicial (v.g., Ac. TUI, de 17/06/2015, Proc. nº 37/2015). Na hipótese contrária, o tribunal não poderá conhecer deles.
Isto só não é assim, se os vícios forem sancionáveis com a nulidade, pois aí, da mesma maneira que o tribunal os pode conhecer oficiosamente, também já a sua alegação não fica limitada pela regra não absoluta do art.68º do CPA, face ao disposto nos arts. 123º, nº2, do CPA e 279º do CC (sobre o assunto, entre outros, na jurisprudência comparada, Acs. do STA, de 23/06/1999, Proc. nº 039125; 4/07/2002, Proc. nº 048133; 22/02/2006, Proc. nº 0728/05; 1/02/2007, Proc. nº 0549/05).
Desta maneira, dos novos vícios apenas conheceremos o de usurpação de poderes e o de omissão dos elementos essenciais do acto, precisamente por lhes estar cominada a sanção de nulidade (cfr. art. 122º, nº1 e nº2, al. a), do CPA; art. 74º, nº2, do CPAC). E por eles, aliás, começaremos.

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2 – Da usurpação de poderes
Na opinião da recorrente, o acto em causa ofende o disposto nos arts. 6º e 103º da Lei Básica, em conjugação com o disposto nos arts. 1193º, nº1 e 1232º do Código Civil.
E isto por a entidade recorrida considerar abandonados no terreno os objectos, materiais e equipamentos que a recorrente não consiga retirar dentro do terreno no prazo de 60 dias e que são sua propriedade. O que, em sua opinião, configura o exercício de uma competência legislativa e uma invasão da esfera da reserva de lei.
Ora, face a esta fundamentação densificadora do vício em apreço, não nos parece que ele deva proceder.
É certo que, de acordo com o ponto 3.6 da Proposta nº 172/DSODEP/2016, e de que o acto se apropriou, os “objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210º da «Lei de terras»”.
Porém, e ao contrário do que a recorrente alega, a Administração não considerou já abandonados os bens, antes se limitou a anunciar que procederia ao disposto nos comandos do art. 210º da Lei de Terras relativamente aos bens que viesse a encontrar “abandonados”.
Ou seja, simplesmente procedeu à comunicação sobre o modo como iria proceder, uma vez decorrido o prazo sem a desocupação.
Depois, e mesmo que o instituto do abandono não conste expressamente do art. 210º da Lei, o que importa destacar, mais do que a qualificação feita pelo acto, é o anunciado respeito pelo preceito referido. E assim, independentemente no nomen iuris, ou mesmo sem nomen iuris, interessa é saber que se cumpriria o preceito.
É claro que no cumprimento do despejo, haverá que proceder como manda o art. 179º, nº2, da Lei de Terras, ou seja, com as necessárias adaptações, observando-se o disposto no DL nº 79/85/M, de 21/08. E este diploma, nomeadamente nos arts. 55º e 56º, nada dispõe sobre como proceder a respeito dos bens encontrados.
Mas, havendo na Lei de Terras uma norma apropriada ao fim em vista, ao Administrador pareceu sensato aplicá-la no pressuposto de que a situação é de aplicação analógica. Nada este tribunal tem contra isso, se o problema do destino a dar aos bens encontrados no momento da execução coerciva do despejo não tiver uma solução no quadro legal específico. A solução encontrada acaba por obedecer ao disposto no art. 9º do Código Civil. De resto, assim também o tribunal costuma fazer, e não se vê como daí seja possível alguém encontrar uma usurpação do poder legislativo pelo poder judicial.
E, de resto, tal solução não atenta contra o direito de propriedade da recorrente, porque os bens e documentos encontrados no local seriam objecto do tratamento consignado nos nºs 2, 3 e 4 do art. 210º. Ora, ao dizer isto, a Administração está a deixar ao proprietário o livre alvedrio de levantar os documentos e bens ali existentes. Não existe por parte da Administração, ao abrigo das referidas normas, um acto de confisco ou de “expropriação” contra a vontade da recorrente, uma vez que lhe é dada a oportunidade de os levantar com antecipação.
Significa, pois, que a Administração não se substituiu ao legislador ou que tenha violado o princípio da reserva da lei. Limitou-se a aplicar uma norma legal dentro do articulado da Lei de Terras.
Improcede, pois, o vício.
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3 – Da falta de elementos essenciais
Acha a recorrente que o acto não contém os elementos essenciais do acto, o que o tornaria nulo, face ao disposto no art. 122º, nº1, do CPA, com referência ao art. 113º, nº1, do mesmo diploma.
Não tem razão.
Efectivamente, os elementos essenciais do acto não estão a se no acto administrativo, mas dele fazem parte pelo método de remissão. Ao concordar com a acima aludida Proposta 172/DSODEP/2016, está o acto a fazer seus os fundamentos nela vazados. E tal modo de agir está expressamente previsto no art. 115º do CPA.
Assim, a posição que a recorrente aqui sustenta2, além de extremamente formal e excessivamente burocratizada3, não tem merecido o aplauso da jurisprudência.
É que ela, se bem que reportada principalmente à falta de fundamentação, e não tanto à falta dos elementos essenciais, esquece que a concordância nesse caso não apenas é feita para os fundamentos, mas também com a decisão. Quer dizer, quando o acto é um simples “concordo”, tanto a sua fundamentação, como a sua dispositividade, são aquelas que constam da informação, do parecer ou da proposta sobre que ele recai (no direito comparado, Ac. STA, de 17/06/1998, Proc. nº 041980).
Assim, se a proposta contiver apenas uma fundamentação que é sugerida ao órgão decisor competente, parece que este não pode apenas limitar-se a uma concordância, pois lhe falta retirar as conclusões da fundamentação para a qual remete; poderá dizer-se aí que ao acto falta um elemento essencial, que é o seu segmento decisor.
Mas, se a proposta é completa e sugere a fundamentação e decisão a tomar, então a concordância deve ser entendida no plano holístico e não apenas parcial reservada à fundamentação. Isto é, deve ser tomada como reportada a todo o conteúdo daquele elemento administrativo instrutório, sem qualquer cisão entre fundamentos e dispositivo.
Assim sendo, o conteúdo e sentido da decisão deste acto específico está integrado na proposta com a qual a entidade recorrida manifesta a sua concordância.
Claudica, pois, a recorrente quanto a este vício.
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4 – Da falta de audiência prévia
Defende a recorrente que, contra a imposição do art. 93º e sgs. do CPA, não teve possibilidade de se pronunciar sobre a decisão.
Não acolhemos esta posição.
Com efeito, de acordo com o nº1, do art. 93º do CPA, a audiência prévia só tem lugar desde que haja lugar a instrução (“…concluída a instrução…”). E, neste caso, não houve instrução.
E não houve, por desnecessidade, porque a caducidade da concessão tinha sido declarada por despacho do Chefe do Executivo, sendo que apenas bastaria concretizar a dispositividade dessa decisão administrativa num acto de execução, como foi este do Secretário do Governo.
Ora, no recurso interposto do acto do Chefe do Executivo (Proc. nº 375/2016) foi suscitada a falta de audiência prévia, sendo esse, segundo nos parece, o palco privilegiado para se discutir a validade ou a necessidade dessa diligência procedimental. É, aliás, por isso que o direito a ser ouvido deve ocorrer “…antes de ser tomada a decisão final…” (art. 93º, nº1, do CPA), do procedimento. E é também por tal motivo que este direito deve ser observado no procedimento de 1º grau, sendo que mesmo no 2º grau (i.é., impugnação administrativa) tal formalidade apenas deve ter lugar sempre que haja superveniência de novos elementos de facto que não tiverem podido ser levados à instrução do procedimento de 1º grau.
Ora, se é assim que pensamos, então do mesmo modo não se vê que tivesse havido imperiosa necessidade de ser cumprida esta formalidade na fase de execução do acto administrativo, uma vez que ele se destina a dar (con)sequência ao acto primário, ou seja à “decisão final” do procedimento, salvo se houvesse alguns elementos novos que fosse preciso ponderar, o que não é o caso, uma vez que a Administração não faz mais do que cumprir a Lei de Terras no que a esta matéria concerne.
Improcede, pois, o vício.
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5 – Da incompetência
Entende a recorrente que esta é uma matéria para a qual apenas o Chefe do Executivo dispõe de competência, tal como resulta do art. 179º da Lei de Terras nº 10/2013, do art. 55º do DL nº 79/85/M (Regulamento Geral da Construção Urbana: RGCU) e do art. 15º da Lei nº 2/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo: LBOG).
Sem embargo, diz, nem o despacho contém qualquer referência a alguma delegação de poderes nos termos do art. 38º do CPA, nem foi publicado no Boletim Oficial qualquer acto de delegação no Secretário do Governo, ao contrário do que seria preciso, face ao disposto no art. 39º, nºs 1 e 2 do CPA.
Pois bem. Concordamos que o art. 179º da Lei de Terras confere ao Chefe do Executivo a competência específica para a decisão em apreço (despejo/desocupação do terreno). Quer dizer, do ponto de vista administrativo, isto é, no interior da Administração, será uma competência própria e exclusiva e só o Chefe do Executivo a pode aplicar.
Mas, certamente também reconhecerá a recorrente que ali não está vazada nenhuma proibição de delegação. Ou seja, o preceito não refere que aquela competência é indelegável, ao contrário do que por vezes vemos suceder.
Significa que o exercício dessa competência por outrem não estava legalmente vedado, desde que suportado por um acto prévio de delegação de poderes (cfr., v.g., art. 3º do DL nº 85/84/M, de 11 de Agosto e art. 37º, nº1, do CPA).
Ora, a Ordem Executiva (Boletim Oficial, de 20/12/2014, número extraordinário), serve de instrumento de delegação, estando a lei de habilitação cometida ao DL nº 85/84/M (art. 3º). Serve isto para dizer que a lei habilitante não tinha que ser a própria Lei de Terras, sendo improcedente a invocação da recorrente sobre esta questão, para a qual orientou um esforço que, apesar de tudo, merece uma palavra de apreço. Poderia a delegação estar habilitada na Lei específica da Lei de Terras, sim, podia. Mas, a circunstância de o não estar não torna inválida a delegação (nem inválido o acto praticado à sua sombra), visto que a matéria do DL nº 85/84/M (art. 3º, nºs 1 e 3) não pode deixar de se referir à do serviço público que domina a área de gestão e utilização dos solos, dos Serviços de Solos e Obras Públicas (art. 6º, nº2 e anexo VI ao Regulamento Administrativo nº 6/1999).
Por outro lado, se essa é uma competência do Chefe do Executivo (art. 15º da Lei nº 2/1999) e se na delegação couberam ampla e genericamente as suas competências executivas em relação a “todos os assuntos relativos às áreas de governação…” não se vê como a delegação esteja ferida de alguma invalidade que contamine o acto praticado ao abrigo dela.
Acresce referir que o facto de o acto sindicado não ter feito qualquer alusão à delegação não surte qualquer efeito invalidante, em virtude de o diploma de delegação ter sido publicado no BO, o que dispensa a referida menção, tendo em conta o disposto nos arts. 40º, 113º, nºs 1, al. b) e 3, do CPA).
Improcede, pois, o vício.
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6 – Do vício de erro sobre os pressupostos
6.1 - Neste passo, defende a recorrente que o despacho de declaração de caducidade não foi objecto de publicação no BO, como o impunha o art. 167º da Lei de Terras. Logo, é ineficaz, face ao disposto no art. 120º do CPA.
O raciocínio é este, se bem o interpretamos: Sendo ineficaz o acto de declaração de caducidade, também não podia ser dado à execução através do acto aqui sindicado. Ou seja, na óptica da recorrente ter-se-ia procedido à execução, ordenando-se o despejo do terreno, sem que o acto antecedente tivesse aptidão para produzir quaisquer efeitos. Dito ainda de outra maneira, inexistiria o pressuposto da eficácia pela via da publicação, necessário ao acto consequente ora em crise.
Ora bem, independentemente da qualificação do vício – que numa primeira análise talvez mais se adequasse à sindicância ao acto antecedente - mas cujo alcance apreendemos claramente, não podemos dar razão à recorrente.
É que o acto de declaração de caducidade (de 9/3/2016) foi publicado no Boletim Oficial nº 14, II Série, em 6 de Abril de 2016, cerca de dois meses antes da interposição do recurso contencioso.
Em face disto, este fundamento, tão estranho na sua impugnação, quanto é certo que a própria recorrente fez juntar ao recurso contencioso nº 375/2016 cópia da respectiva publicação, tem que ser dado por improcedente.
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6.2 – Na conclusão 21 da p.i., ainda submetido a este vício, a recorrente vem arguir que a notificação se refere a normas e consequências sancionatórias que não resultam do acto recorrido.

Em parte isso é certo. Na verdade, a notificação alude a uma desocupação, quando a lei fala em despejo. E por outro lado, no acto alude-se aos arts. 55º e 56º do RGCU (DL nº 79/85/M), quando na notificação (fls. 17) se alude apenas ao art. 56º deste diploma.
No entanto, são minudências tão inexpressivas que não deveriam ser motivo para invocação. Aliás, qualquer discrepância entre acto e notificação é inoperante e não se reflecte na validade do primeiro, visto que o vício só pode ser apontado ao acto (esse é o único objecto possível do recurso) e não à notificação (acto integrativo de eficácia e, logicamente irrecorrível, como é sabido).
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Improcede, pois, este vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 23 de Fevereiro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Vide o n.º 2 do artigo 179.º da «Lei de Terras».
2 Com o apoio de Mário Esteves de Oliveira e Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., pág. 604.
3 Para utilizar a terminologia de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, III, Dom Quixote, pág. 110.
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461/2016 37