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Processo n.º 15/2017
Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 22 de Março de 2017

Assuntos: - Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal
- Oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito
 - Novos factos e meio de prova


SUMÁRIO
1. No que concerne à existência de dois acórdão que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, são exigidos:
- As questões decididas em dois acórdãos são idênticas;
- A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental, que versa sobre a matéria de direito, e não de facto;
- A oposição de acórdãos deve ser expressa e não apenas tácita, não bastando que um deles aceite tacitamente a doutrina contrária do outro.
2. Verifica-se a divergência das soluções vertidas nos dois acórdãos sobre a mesma questão de direito, respeitante à interpretação da norma contida na al. d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP, nomeadamente sobre o conceito de “novos factos ou meios de prova” aí preceituado, se um entende que, no caso de o interessado ter tido na altura de julgamento conhecimento de elementos de prova alegados para pedir a revisão da sentença, não se considera como novos os factos ou meios de prova invocados e o outro decide que os alegados “factos ou meios de prova” devem ser “novos” no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo recorrente no momento em que o julgamento teve lugar.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, recorrente nos autos de recurso extraordinário de revisão da sentença n.º 755/2016 do Tribunal de Segunda Instância, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância do acórdão proferido nos mencionados autos, alegando que esta decisão judicial se encontrava em oposição com o acórdão proferido em 23 de Outubro de 2014 pelo mesmo Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 385/2013.
Na óptica do recorrente, os acórdãos em confronto assentam em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito que se prende com a interpretação do alcance do conceito de “novos factos ou meios de prova” a que se refere o art.º 431.º, al. d) do Código de Processo Penal e foram proferidos no domínio da mesma legislação.
Respondeu o Ministério Público, entendendo que estão reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, pelo que deve ser admitido o recurso, com prosseguimento dos respectivos trâmites.
Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Adjunta emitiu o douto parecer, mantendo a posição já assumida na resposta.

2. Fundamentos
2.1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal
O art.º 419.º do Código de Processo Penal de Macau, na redacção introduzida pelo art.º 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro, prevê os fundamentos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com a seguinte disposição:
“1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.”

Decorre da norma transcrita que são requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência:
- Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- As decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
- Não é admissível recurso ordinário do acórdão recorrido;
- O recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2.2. O caso concreto
No que concerne ao pressuposto sobre a existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, tanto a doutrina como a jurisprudência apontam para a identidade da questão decidida em dois acórdãos e que a oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita, não sendo bastante que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.1
No acórdão ora recorrido, proferido em 13 de Dezembro de 2016 e no Processo n.º 755/2016, o Tribunal de Segunda Instância fez consignar o seguinte:
“O preceito do art.º 431.º, n.º 1, alínea d) do CPP exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades:
- superveniência objectiva;
- e superveniência subjectiva.
Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter.
Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaiu.
Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.”
Resumindo, foi entendido que a verificação do fundamento da revisão prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP pressupõe o não conhecimento, pelo interessado e na altura de julgamento, de elementos de prova alegados para pedir a revisão da sentença, sendo que, no caso contrário, não se considera como novos os factos ou meios de prova invocados.
No Acórdão fundamento, de 23 de Outubro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância considera que “para invocar o fundamento previsto no artigo 431.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal, os alegados ‘factos ou meios de prova’ devem ser ‘novos’ no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo recorrente no momento em que o julgamento teve lugar”.
Verifica-se, assim, a divergência das soluções vertidas nos dois Acórdãos sobre a mesma questão de direito, respeitante à interpretação da norma contida na al. d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP, nomeadamente sobre o conceito de “novos factos ou meios de prova” aí preceituado.
Estamos no âmbito da mesma legislação, reparando-se que a norma fundamental para a solução da questão – art.º 431.º n.º 1, al. d) do CPP – não sofreu qualquer alteração.
O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e ambos já transitaram em julgado.
O presente recurso para a fixação de jurisprudência foi interposto no prazo legal, isto é, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, tendo este transitado em 11 de Janeiro de 2017, conforme se constata na fls. 69 dos autos.
E até à presente data este Tribunal de Última Instância não fixou jurisprudência sobre a questão em causa.
Estão assim preenchidos todos os pressupostos para que o Tribunal de Última Instância profira acórdão de uniformização de jurisprudência.

3. Decisão
Face ao expendido, determina-se o prosseguimento do recurso.
Notifique os sujeitos processuais interessados para apresentarem alegações (art.º 424.º n.º 1 do CPP).

Macau, 22 de Março de 2017

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


1 Cfr. Acórdãos do TUI, de 14 de Maio de 2008 e de 11 de Março de 2009, nos Processos n.ºs 10/2008 e 6/2009.
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