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Processo n.º 85/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridas: B, C e D.
Assunto: Recurso da matéria de facto.
Data do Acórdão: 24 de Março de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
Impugnar a matéria de facto implica especificar os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e indicar qual a decisão diversa da recorrida que se imporia tomar [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 599.º do Código de Processo Civil].
O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B (1.ª ré) e C (2.ª ré), formulando vários pedidos principais e subsidiários, com fundamento em contrato promessa de compra e venda de imóvel sito na [Endereço (1)], em Macau, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX, que teria sido celebrado entre o autor (promitente comprador) e a 1.ª ré (promitente vendedora), intervindo D, como procuradora da promitente vendedora.
Alegou o autor que, entretanto a 1.ª ré, alegadamente, vendeu o prédio à 2.ª ré, mas que o contrato foi simulado.
Entretanto, na réplica, o autor requereu a intervenção principal como ré, de D, com fundamento em dúvida suscitada na contestação da 2.ª ré sobre a qualidade em que a interveniente interveio no contrato-promessa, o que foi admitido.
A sentença decidiu:
- Declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992 entre o Autor A e a 1ª Ré B e consequentemente, reconhecer ao Autor o direito de reaver, a título de dobro do sinal pago, no montante de HKD$45.594.918,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 05 de Outubro de 2010;
- Condenar as Rés B e C a pagar, solidariamente, ao Autor A o montante de HKD$45.594.918,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar a partir de 05 de Outubro de 2010, até efectivo e integral pagamento.
- Absolver as Rés e a interveniente D dos restantes pedidos formulados pelo Autor.
Interposto recurso da sentença pelas 1.ª e 2.ª rés, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 7 de Julho de 2016, decidiu, além do mais:
- Revogar na totalidade a sentença recorrida;
- Julgar procedente a impugnação da matéria de facto da resposta ao quesito 1.º da base instrutória, alterando-a, de modo a suprimir nela que a D interveio na celebração do acordo como procuradora da 1.ª R;
- Julgar improcedente a acção contra as Rés B e C;
- Absolver das Rés de todos os pedidos contra eles formulados pelo Autor;
- Julgar resolvido o contrato promessa de 12OUT1992, celebrado entre o Autor e a Interveniente D, e condenar, ao abrigo do disposto no artigo 270.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil, a Interveniente D a restituir ao Autor os sinais pagos no valor de MOP$23.481.383,00, acrescidos de juros de mora contados a partir da data do acórdão até ao integral pagamento.
Recorre o autor para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- O acórdão recorrido incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, por ter apreciado o recurso do artigo 1.º da base instrutória com base nas passagens da gravação e documentos mencionados pela 1.ª ré, que não impugnou a matéria de facto em causa;
- Tendo as partes anexado ao contrato-promessa a procuração outorgada pela 1.ª ré a favor da interveniente, não há como interpretar que a interveniente agiu ao abrigo de tal procuração, o que bastava para dar a resposta que foi dada pelo tribunal de 1.ª instância ao quesito 1.º.

II – Os factos
O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:
Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano em causa nos presentes autos, sito na [Endereço (1)], na Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, do livro X-XX, fls. 278v, e inscrito no respectiva matriz predial urbano sob o artigo XXXXXX, encontrava-se registado a favor da Segunda Ré com a inscrição XXXXXXX, resultante da Apresentação XX, de 16/03/2007. (alínea A) dos factos assentes)
- A Primeira Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade construção civil e investimento no sector imobiliário. (alínea B) dos factos assentes)
- A D é uma sociedade que se dedica ao investimento imobiliário. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a Primeira Ré celebrou com a Segunda Ré um contrato-promessa de compra e venda referente ao prédio melhor identificado nos presentes autos. (alínea D) dos factos assentes)
- Pelo preço de HKD$188,300,000.00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a Primeira Ré prometeu vender à Segunda Ré, e esta prometeu comprar-lhe o prédio atrás identificado. (alínea E) dos factos assentes)
- Na data de celebração deste contrato, ou seja, 16 de Março de 2007, e com base no mesmo, foi efectuado o registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré na Conservatória do Registo Predial, titulado pela Apresentação n.º XX de 16 de Março de 2007. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, em cumprimento do contrato-promessa entre ambas celebrado, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado E, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio melhor identificado nos presentes autos, declarando que o fazia pelo preço de HKD$188,300,000.00, equivalentes a MOP$194,231,450.00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea G) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base na mencionada escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, foi requerida e obtida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, conforme Apresentação n.º XX de 16 de Fevereiro de 2009. (alínea H) dos factos assentes)
- O prédio em apreço, em regime de propriedade privada, apto para construção, tem uma área de 56,166 (cinquenta e seis mil, cento e sessenta e seis) metros quadrados. (alínea I) dos factos assentes)
- Em 11 de Julho de 2008 a Primeira Ré intentou contra a Segunda Ré acção judicial com vista à obtenção de declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a Segunda Ré e datado de 18 de Janeiro de 2007, a qual correu termos sob o número de Processo CV2-08-0048-CAO. (alínea J) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- No dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a D, na qualidade de procuradora da 1ª R., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na [Endereço (1)]. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- De acordo com o estipulado na cláusula 1ª do contrato-promessa celebrado, o preço acordado pelas partes foi estabelecido à razão de HKD$250.00 (duzentas e cinquenta dólares de Hong Kong) por pé quadrado. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A área de construção prevista e então sujeita a aprovação do terreno objecto do contrato era de 173,730 (cento e setenta e três mil, setecentos e trinta) pés quadrados. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O preço de venda total foi de HKD$43,432,500.00 (quarenta e três milhões quatrocentos e trinta e dois mil e quinhentos dólares de Hong Kong) a que correspondiam MOP$44,735,475.00 (quarenta e quatro milhões, setentas e trinta e cinco mil, quatrocentas e setenta e cinco patacas). (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Mais acordaram as partes que, na data da celebração do contrato-promessa, o A. pagaria a título de sinal, o valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Até ao dia 15 de Novembro de 1992, também a título de sinal, pagaria mais HKD$11,716,250.00 (onze milhões, setecentos e dezasseis mil e duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- O remanescente do preço, ou seja, HKD$21,716,250.00 (vinte e um milhões, setecentos e dezasseis mil, duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong), seria pago aquando da celebração da escritura pública de compra e venda. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- A qual, nos termos do ponto 2 da cláusula 2ª, deveria ser celebrada no prazo de 20 dias a contar da aprovação do projecto de construção que havia sido apresentado junto da entidade administrativa competente, e que se previa acontecer em 12 de Abril de 1993. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Conforme o acordado, na data de celebração do contrato-promessa, o A. procedeu à entrega do valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares), à D. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Foi emitido ao A. um recibo comprovativo do pagamento de tal quantia em nome da F assinado por G. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Os representantes legais da D, os Senhores H e G, que intervieram na outorga do contrato-promessa de compra e venda, eram também sócios da F (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No dia 28 de Outubro de 1992, o A. entregou ao Senhor I, sócio da D, a quantia de HKD$9,112,885.00 (nove milhões, cento e doze mil e oitocentos e oitenta e cinco dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Foi emitido por aquele senhor ao A. um recibo em nome da F. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No dia 29 de Outubro de 1992, o A. procedeu à entrega de mais HKD$3,684,574.00 (três milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil e quinhentos e setenta e quatro dólares de Hong Kong) à D. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Novamente, foi-lhe emitido um recibo de quitação de tal quantia em nome da F (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- O A. nunca celebrou qualquer negócio ou estabeleceu qualquer relação comercial com a F (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O A. sempre aceitou os recibos que em nome da F lhe eram emitidos pelos legais representantes da D, com quem havia celebrado o contrato-promessa, por confiar nos mesmos e estes lhes transmitirem que não havia problema. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Alguns legais representantes da sociedade que, como procuradora da 1ª R., celebrou o contrato-promessa e da sociedade em nome da qual foram emitidos os recibos de quitação são os mesmos. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O A. procedeu ao pagamento do valor HKD$22,797,459.00 (vinte e dois milhões, setecentos e noventa e sete mil quatrocentos e cinquenta e nove dólares de Hong Kong), a título de sinal nos terreno contratualmente acordados. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Apesar dos contactos encetados pelo A. junto à 1ª R. ao longo de vários anos, nomeadamente junto do Sr. N, sócio da 1ª R., não foi possível até à presente data chegar a acordo quanto a celebração do contrato definitivo. (respostas aos quesitos 21º e 22º da base instrutória)
- O A. ainda não perdeu o interesse na celebração desse contrato. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- O prédio tinha, nos princípios de 2007, um valor de mercado de cerca de MOP$500,000,000.00 (quinhentos milhões de patacas). (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Provado apenas que o prédio referido nos autos é um prédio em regime de propriedade privada. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- O prédio encontra-se ocupado por um indivíduo chamado por J. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- O teor do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- O teor da cláusula 4ª do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Foi exibida ao A., aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda melhor identificado resposta ao quesito 1º uma procuração outorgada pela 1ª R. a favor da D. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Por força de tal procuração a 1ª R. conferiu à D, plenos poderes de administração e de disposição relativamente ao prédio [Endereço (1)], descrito na CR Predial de Macau sob o n.º XXXX, e bem assim, “a quaisquer edifícios, construções, edificações, incluindo prédios constituídos ou não em regime de propriedade horizontal e, na primeira hipótese, respectivas fracções, autónomas, e suas componentes que venham a implantar-se no terreno resultante da sua demolição”. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- A referida procuração confere ainda à procuradora poderes para celebrar negócios “consigo mesmo”. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- E foi outorgada também em benefício da procuradora. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Na data em que foi outorgado o contrato-promessa de compra e venda com o ora A., a D exibiu o original de tal procuração e facultou ao ora A. não só uma cópia da mesma, mas também a sua tradução para chinês. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- O A. sempre confiou nas pessoas que agiram em representação da 1ª R., e no âmbito dos poderes que lhe foram outorgados através daquela procuração. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Foi na posse desta procuração que a D, como procuradora da 1ª R., deu início à celebração dos contratos-promessa de compra e venda relativos aos prédios a construir no terreno sito na [Endereço (1)]. (respostas aos quesitos 47º e 48º da base instrutória)
- A D entregou os respectivos sinais à 1ª R.. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- A 1ª R. tinha pleno conhecimento dos contratos-promessa de compra e venda que, recorrendo a tal procuração, a D vinha celebrando sobre o imóvel sito na [Endereço (1)]. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- O contrato-promessa de 16 de Março de 2007 foi celebrado com o objectivo de se rectificar o lapso de escrita existente no nome do procurador da 1ª R. e legal representante da 2ª R. no contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- O teor da cláusula 5ª do contrato-promessa referida em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Para aquisição do terreno em causa, K pagou à 1ª R. HKD$110,000,000.00, e por conta da 1ª R., a 2ª R. pagou ao Tribunal Judicial de Base, as quantias de MOP$581,000,000.00 e de MOP$2,515,704.35, a título de encargos decorrentes da acção judicial por constituição de hipoteca sobre o terreno em causa a favor do [ Banco (1)] para garantia do crédito no valor de MOP$493,520,000.00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Está estipulado no artigo 5º do “Contrato-Promessa de Compra e Venda” de 16 de Março de 2007 o seguinte: o 2º outorgante tomou conhecimento da existência do registo de hipoteca/penhora do dito terreno (inscrito sob o n.º XXXXXº, a fls. 63 do Livro n.º XXXX, a favor do credor hipotecário: [Banco (1)]), do registo de arresto (inscrita sob o n.º XXXXXX, requerente: L) e da inscrição provisória de aquisição (sob o n.º XXXXXXX, a favor de M) na Conservatória do Registo Predial de Macau, tendo o proprietário do imóvel M prestado a declaração de renúncia. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)

III - O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são as suscitadas pelo recorrente. As de saber se:
1 - O acórdão recorrido incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, por ter apreciado o recurso do artigo 1.º da base instrutória com base nas passagens da gravação e documentos mencionados pela 1.ª ré, que não impugnou a matéria de facto em causa;
2 - Tendo as partes anexado ao contrato-promessa a procuração outorgada pela 1.ª ré a favor da interveniente, não há como interpretar que a interveniente agiu ao abrigo de tal procuração, o que bastava para dar a resposta que foi dada pelo tribunal de 1.ª instância ao quesito 1.º.

2. Âmbito da impugnação da matéria de facto no recurso para o TSI
1.ª Sub-questão da questão 1:
No recurso para o TSI a 1.ª ré não impugnou a resposta do Tribunal colectivo ao quesito 1.º da base instrutória?
Na verdade não impugnou. Como consta claramente das suas prolixas conclusões só impugnou claramente as respostas dadas aos quesitos 9, 12, 17, 20, 21, 22, 35, 36, 45, 46, 47, 48, 50 e 53 (conclusão 51).
Recordemos a resposta do Tribunal colectivo ao quesito 1.º da base instrutória:
“No dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a D, na qualidade de procuradora da 1ª R., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na [Endererço (1)]”.
Ao contrário do que sustenta a 1.ª ré, nas conclusões 1 a 3, a mesma ré não impugna a resposta dada ao quesito 1.º, limitando-se a referir que “A Recorrente não consegue descortinar em que medida é que os depoimentos das aludidas testemunhas do Autor e o conteúdo dos documentos apresentados contribuíram para a formação da convicção do tribunal relativamente à existência do contrato-promessa de compra e venda objecto dos presentes autos”.
A recorrente do recurso para o TSI faz uma afirmação vaga, mas não impugnatória.
Impugnar a matéria de facto implica especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e indicar qual a decisão diversa da recorrida que se imporia tomar [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 599.º do Código de Processo Civil].
Ora, tendo a recorrente (do recurso para o TSI) indicado numa conclusão da alegação de recurso quais as respostas aos quesitos que foram mal julgados, há que retirar a ilação que respostas não identificadas não fazem parte do objecto do recurso.
Por outro lado, não indicou qual a resposta que se imporia relativamente ao quesito 1.º.
Tem razão, nesta parte, o ora recorrente, o autor.

3. Fundamento para a alteração da resposta ao quesito 1.º, pelo TSI
2.ª Sub-questão da questão 1:
O acórdão recorrido apreciou o recurso da resposta do Tribunal colectivo ao artigo 1.º da base instrutória com base nas passagens da gravação e documentos mencionados pela 1.ª ré?
Antes de mais há que referir que a 2.ª ré impugnou concretamente a resposta do Tribunal Colectivo ao artigo 1.º da base instrutória.
Embora o acórdão recorrido tenha mencionado que os depoimentos de certas testemunhas e um documento indicado pela 1.ª ré não são suficientes para julgar provado o mencionado quesito 1.º, a verdadeira ratio decidendi para julgar que não se provou que a interveniente D, tenha actuado como procuradora da promitente-vendedora na celebração do contrato-promessa, foi a circunstância de não constar do texto do escrito que a D tenha agido como representante voluntária da 1.ª ré. O acórdão recorrido considerou que a lei não permite que se dêem provados factos que vão contra o texto de um escrito com base em prova testemunhal. Embora não o tenha invocado, o que quis significar foi que foi violado o disposto no n.º 1 do artigo 388.º do Código Civil, segundo o qual é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 367.º a 373.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
O autor não discorda deste entendimento.
Assim, não se pode entender que o acórdão recorrido apreciou o recurso da resposta do Tribunal colectivo ao quesito 1.º da base instrutória com base nas passagens da gravação e documentos mencionados pela 1.ª ré.
Aliás, o recorrente acaba por reconhecer isto quando, na questão seguinte (e que apreciaremos, de seguida) diz:
“… conclui-se que o que justificou a alteração que foi introduzida ao quesito 1.º por parte do Tribunal de Segunda Instância não se prendeu com questões de valoração e apreciação da prova, mas sim com a aplicação de regras atinentes a direito probatório material”.
Mas a ser assim, porque levou o Tribunal a perder tempo apreciar a questão em causa?
Logo, falece a imputação de excesso de pronúncia.

4. Interpretação do contrato
Considera o recorrente que tendo as partes anexado ao contrato-promessa a procuração outorgada pela 1.ª ré a favor da interveniente, não há como interpretar que a interveniente agiu ao abrigo de tal procuração, o que bastava para dar a resposta que foi dada pelo tribunal de 1.ª instância ao quesito 1.º.
Antes de mais, recordemos que decidiu este Tribunal, no seu acórdão de 14 de Junho de 2013, no Processo n.º 7/2013, que:
- Em recurso jurisdicional cível atinente a 3.º grau de jurisdição, ao TUI apenas compete conhecer de matéria de direito, embora com as seguintes duas excepções, mais aparentes que reais:
i) Quando o tribunal recorrido tenha dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência;
ii) Quando se tenham desrespeitado normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos na lei.
- O apuramento da vontade real das partes constitui questão de facto, para o qual o TUI não tem poder de cognição.
- Para os efeitos mencionados na conclusão anterior, pertence à esfera dos factos, a existência da declaração em si, pertencendo à esfera do direito as questões de qualificação e de eficácia jurídicas do que se prove ter sido declarado.
- É questão de direito averiguar se os tribunais de 1.ª e 2.ª instâncias fizeram correcta aplicação dos critérios interpretativos do negócio jurídico fixados na lei.
A interpretação do recorrente, ao contrário do que alega, não é a única possível, nem sequer a mais provável.
A procuração pode ter sido junta ao contrato apenas para que demonstrar que a D, tinha acesso e poderes sobre o imóvel em causa, de sorte a justificar a sua intervenção contratual. A procuração concede todos os poderes à D, para vender, prometer vender, hipotecar, trocar o imóvel, estando autorizada a utilizar a procuração para a prática de negócios consigo mesmo e, sendo também conferida em benefício da procuradora, não podia ser revogada sem consentimento desta. Ou seja, a procuração podia ter sido utilizada para mostrar ao promitente-comprador que a D podia efectivamente vender-lhe o imóvel quando se impusesse, dado que tinha todos os poderes para o fazer e de modo a justificar os pagamentos previstos no contrato-promessa. Mas não significa necessariamente que a D tenha actuado como representante da proprietária do imóvel.
Eis porque não procede a alegação do recorrente. A exibição da procuração passada à D, por esta, ao autor, promitente-comprador, aquando da celebração do contrato-promessa, em que consta como promitente-vendedora a mesma D, não significa necessariamente que esta actuasse como mera representante da proprietária do imóvel.
Falece, deste modo, este fundamento do recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Macau, 24 de Março de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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Processo n.º 85/2016

17
Processo n.º 85/2016