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Processo n.º 223/2017 Data do acórdão: 2017-3-23 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– detenção indevida de utensílio
– art.o 15.o da Lei n.o 17/2009
– garrafa com tubo de uso comum na vida quotidiana
S U M Á R I O
A garrafa com tubo de uso comum na vida quotidiana não é um utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, pelo que a mesma não pode suportar a condenação do arguido em sede do tipo legal de detenção indevida de utensílio do art.o 15.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 223/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.º arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 491 e seguintes dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-16-0290-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto (doravante abreviada como Lei de droga), com circunstância agravante da medida da pena prevista no art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de oito anos de prisão, com pena acessória, prevista no art.º 21.º, n.º 1, alínea 1), subalínea 7), da Lei de droga, de proibição de entrada em Macau por um período de sete anos, contado a partir da soltura prisional, e de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.º 15.º da Lei de droga, com circunstância agravante do art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, na pena de dois meses de prisão, e ainda de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, na pena de quatro meses de prisão, e finalmente, em cúmulo jurídico dessas penas com a pena de dois anos e seis meses de prisão então aplicada no Processo Comum Colectivo n.º CR4-15-0145-PCC (por um crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documento), na pena única de nove anos e nove meses de prisão, com proibição de entrada em Macau por sete anos, depois da soltura prisional, veio o 1.º arguido desse processo chamado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando e pedindo, em suma, que como não há prova suficiente para o incriminar em sede do tipo legal de tráfico de estupefaciente, este crime deve ser absolvido, e que as penas aplicadas para os crimes de detenção indevida de utensílio e de reentrada ilegal podem ser reduzidas ainda, dado o excesso na medida da pena cometido pelo Tribunal recorrido (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 511 a 515 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 547 a 550 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 566 a 567v), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 491 a 503v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– é uma garrafa com tubo que está em causa na incriminação do recorrente em sede do crime de detenção indevida de utensílio, garrafa e tubo esses que são de uso comum na vida quotidiana.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O recorrente começa por pretender a absolvição do crime de tráfico de estupefacientes, alegando que não foi feita prova suficiente para sustentar a sua incriminação neste tipo legal de conduta delituosa.
Mas, para este Tribunal ad quem, sem razão, porquanto após vistos todos os elementos probatórios dos autos referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, quando da formação da sua convicção sobre os factos acusados ao arguido recorrente respeitantes ao tipo legal de tráfico de estupefaciente, tenha violado de forma patente quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou quaisquer regras da experiência da vida humana ou quaisquer leges artis a observar neste campo de tarefa jurisdicional, pelo que não pode o recorrente vir aproveitar o mecanismo de recurso para tentar fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre as provas, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
Pretende o recorrente a redução das penas dos crimes de detenção indevida de utensílio e de reentrada ilegal.
Tendo em conta todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância pertinentes à medida da pena, afigura-se, à luz dos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, ser de respeitar a pena concreta já imposta ao ora recorrente no acórdão recorrido para punição do crime de reentrada ilegal e, em princípio, também do crime de detenção indevida de utensílio (se não houver o problema seguinte).
É que importa antes, oficiosamente, absolver o recorrente do crime de detenção de utensílio, porquanto a garrafa com tubo em causa, sendo de uso comum na vida quotidiana, não é um utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, e como tal não pode suportar a condenação dele em sede de detenção indevida de utensílio.
Por fim, cabe refazer o cúmulo jurídico das penas, na sequência da absolvição oficiosa deste crime.
Ponderando sobretudo nos termos e para os efeitos do art.o 71.o, n.o 1, do Código Penal, julga-se por justo e equilibrado passar a impor ao recorrente a pena única de nove anos e oito meses de prisão, como resultante do cúmulo jurídico, achado ao critério mormente do n.o 2 deste preceito legal, das seguintes penas parcelares:
– oito anos de prisão por um crime de tráfico de estupefaciente;
– quatro meses de prisão por um crime de reentrada ilegal;
– e dois anos e seis meses de prisão por um crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documento (sendo esta última pena então aplicada no Processo n.o CR4-15-0145-PCC).
Sendo intacta, nos termos do art.º 71.º, n.º 4, do Código Penal, a pena acessória (do crime de tráfico de estupefaciente do recorrente) de proibição de entrada em Macau por um período de sete anos, contado a partir da soltura prisional.
Improcede, propriamente, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, embora com absolvição oficiosa do crime de detenção indevida de utensílio.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso, e, não obstante, absolver oficiosamente o arguido recorrente A do acusado crime de detenção indevida de utensílio, passando, por conseguinte, a impor-lhe a pena única de nove anos e oito meses de prisão, com proibição de entrada em Macau por sete anos.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e duas mil e quinhentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique a presente decisão ao Processo n.o CR4-15-0145-PCC.
Macau, 23 de Março de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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