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Processo nº 241/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam A, B e C, (1°, 2ª e 3°) arguidos com os restantes sinais dos autos.

A final, decidiu o Tribunal:
–– condenar o (1°) arguido A, como co-autor da prática, na forma consumada, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 13 anos de prisão;

–– condenar a (2ª) arguida B, como co-autora da prática, na forma tentada, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009 e art. 22° e 67° do C.P.M., na pena de 6 anos de prisão; e,

–– condenar o (3°) arguido C, como co-autor da prática, na forma tentada, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009 e art. 22° e 67° do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão; (cfr., fls. 503 a 513 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, recorreram os (1° e 3°) arguidos A e C.
O (1°) arguido A, imputa à decisão recorrida os vícios de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 532 a 548).

O (3°) arguido C, considera também que “excessiva” é a pena; (cfr., fls. 525 a 527).

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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 553 a 556-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Do douto Acórdão de fls.503 a 513 dos autos, ambos os recorrentes interpuseram recursos, mediante Motivações respectivamente de fls.525 a 527 e 533 a 548 dos autos.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.553 a 556v dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
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1. Do recurso do 1° arguido A
Na Motivação de fls.533 a 548 dos autos, o recorrente assacou, ao douto Acórdão sob sindicância, o erro notório na apreciação de prova por ele não ter dolo, e a excessiva severidade da pena de prisão de 13 anos aplicada pelo Tribunal a quo no dito Acórdão.
1.1- No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
No caso sub iudice, a fundamentação do Tribunal a quo relativa à matéria de facto mostra iniludivelmente que a apreciação a avaliação das provas pelo Tribunal a quo não ofendem as regras da experiência nem as sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, também não se divisa incompatibilidade, desconformidade ou absurdidade lógica.
Bem ponderando, afigura-se-nos penetrante a observação da ilustre colega, no sentido de que «5. 另外,上訴人A具有大學畢業的學歷,已是46歲的成年人,職業為商人,有一定的人生經驗,不是無知的小伙子,其從沒有親眼看過對方使用有關粉末清洗金錢,又怎會輕易相信用粉末清洗紙幣的說法,將淨重逾9,000克的粉末從巴西帶到澳門». E para todos os devidos efeitos, importa ter presente que, como já doutamente referiu a ilustre colega na Resposta, «6. 再者,本案是基於情報指有人從外地運送毒品到澳門,且事先已鎖定上訴人A為目標人物。»
Em harmonia com a prudente orientação jurisprudencial dominante no ordenamento jurídico de Macau, a matéria de facto provada na sua totalidade leva-nos entender, sem hesitação, que não se verifica, no vertente caso, o erro notório na apreciação de prova imputado ao facto provado de que o recorrente/arguido tinha dolo em praticar, como autor material e na forma consumada, dum crime p.p. pelo n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009.
1.2- Repara-se que o recorrente/arguido cometeu o crime de tráfico de droga com dolo e de modo transfronteiriço, e a quantidade líquida dos materiais estupefacientes na sua posse e apreendida atinge aos 7,560.00 gramas (vide. o 15° facto provado no Acórdão em escrutínio).
Sendo assim, e à luz da moldura penal consagrada no n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009, temos por equilibrada a pena de prisão de 13 anos aplicada pelo Tribunal a quo no sobredito Acórdão, e o pedido de redução da pena à não superior a 8 anos de prisão não parece procedente.
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2. Do recurso do 3° arguido C
Na Motivação de fls.525 a 527 dos autos, o recorrente/3° arguido criticou apenas a graduação da pena na de 5 anos de prisão, entendendo que a qual deve ser reduzida à inferior a 4 anos de prisão, em virtude da sua confissão e arrependimento na audiência de julgamento.
Note-se que ao graduar a pena, o Tribunal a quo mencionou, de modo propositado, que «尤其是第三嫌犯的認罪態度良好,且對發現本案的事實真相有一定的重要性». Comparada com a pena de 6 anos de prisão imposta ao 2° arguido, aquela pena de 5 anos de prisão patenteia que o recorrente e 3° arguido já beneficiou a sua boa conduta, e o Tribunal a quo atendeu e valorizou prudentemente a boa conduta do 3° arguido.
De outro lado, não se pode perder da vista o dolo directo do mesmo arguido, a quantidade que ele queria comprar ao 1° arguido, e o seu fim de vender materiais estupefacientes a outrem para ganhar lucro.
Ponderando tudo isto, e sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que a pena de 5 anos de prisão imposta ao recorrente/3° arguido mostra justa e proporcional, e por isso não merece provimento o pedido de redução supra referido”; (cfr., fls. 572 a 573-v).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 506 a 508-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem os (1° e 3°) arguidos A e C recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

Entende o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, pedindo uma outra não superior a 8 anos de prisão.

Por sua vez, considera o (3°) arguido C que excessiva é a pena que devia ser reduzida para outra não superior a 4 anos de prisão.

–– Comecemos, assim, pelo assacado “erro notório”, (pois que sem uma boa “decisão da matéria de facto” inviável é uma adequada “decisão de direito”).

Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. considerado que “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016, de 26.01.2017, Proc. n.° 776/2016 e de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.

Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016, de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016 e de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016).

No caso, lida a “decisão da matéria de facto” e a sua fundamentação, pelo Tribunal a quo exposta no Acórdão recorrido, onde se explicitam, as razões da sua convicção, patente é que inexiste qualquer “erro”, (muito menos, notório), pois que aquela apresenta-se clara e lógica, evidente sendo que não violou o Colectivo do T.J.B. qualquer “regra sobre o valor das provas legais ou tarifadas” – que nem o recorrente índica – o mesmo sucedendo com as “regras de experiência” ou “legis artis”.

Com a invocação do alegado “erro”, limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova”, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), o que, como é óbvio, não colhe, (bastando, aliás, ver as “comunicações” pelo arguido feitas e documentadas nos autos para se constatar do seu dolo e consciência da ilicitude), sendo também de se subscrever, na íntegra, o sobre a “questão” considerado no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto cujo teor que aqui se dá como reproduzido, mais não se mostrando de dizer sobre a mesma.

–– Aqui chegados, vejamos agora da “pena” imposta ao (1°) arguido A.

Pois bem, temos vindo a entender que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016, de 12.01.2017, Proc. n° 498/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016).

Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016 e 12.01.2017, Proc. n.° 795/2016).

Recentemente, e no mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

Parente isto, que dizer?
Ora, tendo presente a moldura penal para o crime de “tráfico” – 3 a 15 anos de prisão, cfr., art. 8° da Lei n.° 17/2009 – e ponderando na factualidade dada como provada, também aqui se nos apresenta que nenhuma razão tem o recorrente.

Eis o porque deste nosso entendimento.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

No caso, agiu o arguido com dolo directo e intenso, sendo muito elevado o grau de ilicitude da sua conduta, pois que não sendo residente de Macau, para aqui se deslocou, em conformidade com um plano préviamente traçado, (e que a factualidade provada revela tratar-se de uma “organização com contactos a nível internacional”), transportando e introduzindo estupefaciente, tendo sido detido em flagrante delito, com – note-se – 7.560,00 gramas de “Cocaína”, (constituindo, tanto quanto tem sido notícia pública, uma das maiores apreensões de estupefaciente em Macau).

Por sua vez, face aos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico de estupefacientes” causa para a saúde pública, evidentes se mostram as (fortes) razões de prevenção criminal.

E, nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, (e sem se olvidar que em causa estão “13 anos de prisão”), entende-se que o presente recurso se apresenta “manifestamente improcedente”, sendo assim de rejeitar.

–– Quanto à pena aplicada ao (3°) arguido C.

Como se viu, fixou-lhe o Tribunal a quo a pena de “5 anos de prisão” e pede o arguido uma “pena não superior a 4 anos de prisão”.
Vejamos.

Desde já há que dizer que a sua alegada “colaboração” e “confissão” tem pouco valor atenuativo, já que foi detido, em “flagrante delito”, quando foi ao estabelecimento onde se encontrava hospedado o 1° arguido para, conforme combinado, comprar “50 gramas de Cocaína” a pedido de um outro indivíduo desconhecido.

Por sua vez, dúvidas não há que agiu com dolo directo e intenso, e que fortes são as necessidades de prevenção criminal deste tipo de crime.

Porém, atenta a moldura penal em questão, de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão, (cfr., art. 22° e 67° do C.P.M.), afigura-se-nos que adequada é a pena de 4 anos de prisão, assim se julgando procedente o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso do (1°) arguido A, concedendo-se provimento ao recurso do (3°) arguido C, ficando este arguido condenado na pena de 4 anos de prisão.

Custas, pelo (1°) arguido A, com a taxa de justiça de 5 UCs, e como sanção pela rejeição, o equivalente a 4 UCs.

Honorários aos Exmos. Defensores no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 241/2017 Pág. 18

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