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Processo n.º 323/2016
(Recurso jurisdicional administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
   
  Data: 23/Março/2017
   
Assuntos:
   - Ónus de instrução do particular interessado na junção da documentação e dever da Administração no suprimento das dificuldades que obstam ao cumprimento daquele ónus

 SUMÁRIO :
    Se, no âmbito de um processo de candidatura a uma habitação social, o particular interessado alega que não consegue juntar um documento de identificação da sua mulher, de quem está separado, dizendo não saber do seu paradeiro, elementos que não deixam de poder ser obtidos pela Administração, não deve aquele interessado ser excluído apenas por essa razão.
    
              O Relator,




Processo n.º 323/2016
(Recurso jurisdicional administrativo)


Data : 23 de Março de 2017

Recorrente: Presidente do Instituto de Habitação

Recorrido: A
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
1. O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação interpõe recurso da sentença proferida no TA, alegando em síntese conclusiva:

1) A sentença recorrida julgou procedente o recurso contencioso e anulou, consequentemente, a decisão da entidade recorrida que indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente, por entender que é evidente que o Instituto de Habitação não deu cumprimento ao dever inquisitório nos termos legais, visto que, adoptando uma postura do tipo “um tamanho serve para todos”, o Instituto de Habitação decidiu excluir o candidato do concurso pelo fundamento de este não ter suprido a deficiência documental por sua iniciativa, sem sequer ter apurado a razão da falta de documentos, fazendo com que o acto recorrido padeça de vício na apreciação da prova, e viole o disposto no art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», e no art.º 86.º, art.º 87.º, n.º 1, 2ª parte do CPA.
2) Porém, de harmonia com o art.º 4.º, n.º 1, al. 1) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, para além de outros elementos que forem exigidos no aviso de abertura do concurso, o boletim de candidatura é obrigatoriamente instruído com os seguintes documentos: fotocópia dos documentos de identificação de todos os elementos do agregado familiar. E dispõe o art.º 3.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 25/2009: Com excepção dos cônjuges não residentes na RAEM, os cônjuges dos elementos do agregado familiar devem constar do mesmo boletim de candidatura.
3) Conforme os elementos juntos a fls. 13 do processo administrativo n.º 1191/15-ADM, depois de o Instituto de Habitação, mediante o ofício n.º 141280051/DHS, ter notificado o recorrente para entregar outros documentos ao Instituto de Habitação no dia e hora indicada, o recorrente enviou carta ao Instituto de Habitação, contando que estava a requerer o divórcio, e que o seu cônjuge era suspeito de corrupção activa e corrupção passiva.
4) Por outras palavras, antes da interposição da reclamação, o recorrente, durante o seu processo de candidatura, nunca tinha mencionado que não sabia o paradeiro do seu cônjuge e, por isso, não conseguia apresentar o documento de identificação dela.
5) O recorrente só apresentou reclamação em 16 de Outubro de 2014, afirmando que, não sabendo o paradeiro do seu cônjuge B, ele não conseguia apresentar o documento de identificação dela, mas estava a pedir apoio judiciário para requerer o divórcio litigioso, adiantando ainda que o proprietário da fracção sita no endereço de contacto que tinha preenchido não lhe comunicou, pelo que não recebeu a dita notificação do Instituto de Habitação e, por conseguinte, não chegou a entregar os documentos em falta atempadamente. Junto entregou os respectivos documentos comprovativos.
6) Face à aludida reclamação, o Presidente Substituto do Instituto de Habitação, por despacho de 5 de Novembro de 2014, concordou com a proposta n.º 0865/DHP/DHS/2014, onde se expôs:
“11.1 O documento comprovativo das habilitações literárias do impugnante revelou que ele começou a estudar em Macau em 1964, ficando, assim, demonstrado que A reúne o requisito de ter residido na RAEM por período não inferior a sete anos.
11.2 Apesar de o impugnante ter entregado no mesmo dia parte dos documentos comprovativos em falta, a sua candidatura carece ainda do documento de identificação do cônjuge ou do documento comprovativo da sentença judicial do casamento. ... Pese embora o impugnante haja pedido apoio judiciário a 26 de Setembro de 2013, até à presente data, não há nenhum documento subsequente que demonstre o seu estado civil actual, daí ser impossível este Instituto apreciar se o impugnante preenche os requisitos de candidatura para a atribuição de habitação social. É um facto inegável que o impugnante não chegou a suprir a deficiência documental no prazo fixado. E a justificação por ele feita não satisfaz os requisitos consagrados para a candidatura à habitação social. 13.Tendo embora o impugnante deduzido reclamação e apresentado justificação, não se acolhe a respectiva justificação. ...”
7) A sentença recorrida, por um lado, reconheceu: “o recorrente (a então entidade recorrida) não merece censura na sua actuação de exigir ao recorrente (no recurso contencioso), na apreciação da reclamação por este apresentada, a entrega do documento de identificação do seu cônjuge e do documento comprovativo do casamento e entender ser impossível verificar a habilitação do então recorrente para candidatura à habitação social devido ao não suprimento pelo mesmo da deficiência documental.” (sic)
8) Mas, por outro lado, adiantou: “após informado da razão por que o recorrente não podia apresentar o documento de identificação do seu cônjuge, o Instituto de Habitação não deixou de solicitar ao recorrente que entregasse o documento de identificação do seu cônjuge ou, até mesmo, o documento comprovativo da sentença judicial do casamento, considerando que só assim teria condições para verificar o estado civil do recorrente e a sua habilitação para candidatura. Parece que o Instituto de Habitação perdeu completamente de vista o dever inquisitório imposto à Administração Pública na apreciação. Ademais, nos autos há indícios suficientes de que a Administração Pública não analisou com cautela as provas documentais existentes no processo.”
9) Salvo o devido respeito, a propósito da mesma reclamação, parece que a sentença recorrida manifestou dois entendimentos completamente diferentes e contraditórios entre si, ou pelo menos contrários a disposições legais.
10) Em conformidade com o art.º 146.º do Código do Procedimento Administrativo: “Salvo disposição em contrário, as reclamações e os recursos podem ter por fundamento a ilegalidade ou a inconveniência do acto administrativo impugnado.”
11) O Dr. Lino Ribeiro ensinou: “A reclamação representa uma garantia do administrado na tentativa de alcançar do órgão decisor uma nova decisão a seu contento, mediante o fornecimento de novos elementos que o autor do acto não tenha porventura devidamente ponderado ou tido eventualmente na devida conta” (Lino Ribeiro, Curso de Procedimento Administrativo, 2002, p. 224)
12) Nesta conformidade, a reclamação não se traduz numa fase que deixa a Administração realizar uma nova instrução como aquela que levou a cabo no procedimento administrativo, mas antes, é, maxime, um meio de pedir à Administração para reapreciar os elementos existentes ou posteriormente surgidos de forma a rever a decisão tomada.
13) Outrossim, acerca do primeiro motivo da exclusão do recorrente (no recurso contencioso) do concurso para candidatura à habitação social -- o recorrente reside em Macau há menos de 7 anos -- a Administração, em face do documento comprovativo de habilitações literárias entregue pelo recorrente (no recurso contencioso), reconheceu que este último já começou a estudar em Macau em 1964, e reviu, por isso, a decisão anterior que colocou o mesmo na lista dos excluídos por não lhe estar verificado o requisito de ter residido em Macau pelo menos 7 anos.
14) No que concerne à falta de entrega do documento de identificação do cônjuge, a sentença recorrida exprimiu: “após informado da razão por que o recorrente não podia apresentar o documento de identificação do seu cônjuge, o Instituto de Habitação não deixou de solicitar ao recorrente que entregasse o documento de identificação do seu cônjuge ou, até mesmo, o documento comprovativo da sentença judicial do casamento, considerando que só assim teria condições para verificar o estado civil do recorrente e a sua habilitação para candidatura. Parece que o Instituto de Habitação perdeu completamente de vista o dever inquisitório imposto à Administração Pública na apreciação. ...”
15) Antes de mais, por força do art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, o não suprimento de alguma deficiência documental no prazo fixado para o efeito é uma das causas de exclusão do concurso. Na opinião do recorrente, se fosse permitido ao recorrente (no recurso contencioso) apresentar aquando da reclamação os documentos que devia ter entregado no momento da candidatura, tratar-se-ia de uma desconsideração da referida disposição legal respeitante à exclusão, e uma injustiça para os candidatos que entregaram os documentos exigidos atempadamente.
16) Por outra banda, o ponto 3.º das observações no formulário de reclamação disponibilizado pelo recorrente, está expressamente indicado: para efeitos de apreciação da reclamação, caso o candidato tenha provas testemunhais, materiais, documentais ou outros meios de prova favoráveis à sua candidatura, é favor entregá-las juntamente com a reclamação.
17) O Dr. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e o Dr. José Cândido de Pinho também apontaram: “Pode reclamar-se de acto administrativo com fundamentos em ilegalidade e/ou na inconveniência. O pedido deve ser sempre fundamentado do ponto de vista fáctico. No plano jurídico é necessário também que o interessado desenvolva as razões de direito que sustentam a sua tese, sobretudo quando o fundamento é o da ilegalidade do acto.
(...) Com o pedido, o reclamante deve apresentar todos os documentos e outros elementos instrutórios que repute adequados.”
18) O recorrente (no recurso contencioso) limitou-se a alegar não conseguir apresentar o documento de identificação do seu cônjuge B por não saber o paradeiro dela. Porém, cabe ao interessado provar os factos por ele alegados. Portanto, no entender do ora recorrente, o recorrente (no recurso contencioso) devia, pelo menos, prestar documentos ou provas capazes de demonstrar o alegado, por exemplo, documento que mostrasse o recorrente ter pedido ajuda às autoridades competentes em virtude da ausência do seu cônjuge (é presumível que o candidato não ia ficar à espera sem fazer nada enquanto o seu cônjuge estava ausente.)
19) É verdade que, conforme o Boletim de Candidatura para Atribuição de Habitação Social alterado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 141/2012, ou seja, aquilo que consta do n.º 11 da 7ª parte (Declaração) do boletim de candidatura apresentado pelo recorrente a fim de se candidatar à habitação social, o recorrente (no recurso contencioso) já autorizou que os respectivos dados pudessem ser verificados e conferidos pelo IH em outros serviços do Governo (...), e concordou que qualquer serviço do Governo e (...) fornecessem os seus dados pessoais ao IH, a fim de serem usados na comparação ou conferência dos dados do presente boletim de candidatura.
20) É certo também que, segundo o art.º 7.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social), o IH pode confirmar, a todo o tempo, as informações prestadas pelos candidatos no preenchimento do boletim de candidatura, junto de qualquer entidade pública ou privada, sendo as falsas declarações sancionadas nos termos da lei.
21) Mas, na verdade, através dessas disposições e mecanismos de autorização, a lei só confere ao Instituto de Habitação poderes para, quando necessário, verificar e conferir, por diferentes vias, as informações prestadas pelos candidatos no preenchimento do boletim de candidatura. O objectivo, obviamente, reside em dar ao mesmo Instituto instrumentos adequados que lhe permitem cumprir o seu dever inquisitório e, em particular, realizar averiguação caso duvide a veracidade ou exactidão das informações declaradas pelos candidatos. E não se pretende permitir o suprimento da deficiência com recurso ao princípio do inquisitório no caso de o recorrente (no recurso contencioso), sem justa causa, não apresentar os documentos que devem acompanhar o boletim de candidatura.
22) Ainda manifestou a sentença recorrida: “deveria a Administração, naturalmente, tomar diligências de investigação, designadamente consultar as autoridades competentes por carta (a Direcção dos Serviços de Identificação, o Fundo de Segurança Social, entre outros), ...”
23) No entanto, o que a sentença recorrida não levou em conta é que mesmo que a Administração enviasse carta aos serviços competentes (a Direcção dos Serviços de Identificação, o Fundo de Segurança Social, entre outros) para consulta, no máximo, teria acesso aos dados pessoais dos candidatos (dos elementos carreados decorre que a Administração já expediu carta ao Fundo de Segurança Social para efeitos de consulta). Ora, em relação ao exposto pela proposta n.º 0865/DHP/DHS/2014 -- “este Instituto não pode verificar a situação do rendimento e do património do seu cônjuge” -- como podia a Administração averiguar a situação do rendimento e património do cônjuge dele sem a sua autorização expressa?
24) Ainda por cima, em sintonia com o art.º 7.º, n.ºs 2 e 3 (sic) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009: Podem ser interpostas reclamações das respectivas listas, dirigidas ao presidente do IH, no prazo de 15 dias a contar do dia seguinte ao da publicação do aviso no Boletim Oficial da RAEM. As reclamações apresentadas são decididas pelo presidente do IH, no prazo de 20 dias a contar da data da sua apresentação.
25) A lei estabelece que as reclamações apresentadas devem ser decididas pelo presidente do IH, no prazo de 20 dias a contar da data da sua apresentação. Manifestamente, o respectivo prazo limita o âmbito de apreciação da Administração à revisão, no dito prazo, da decisão tomada, sendo que, diversamente do entendido pela sentença recorrida, não cabe à Administração averiguar de novo a candidatura ora em questão ou enviar carta aos serviços competentes para efeitos de consulta.
26) Por outro lado, a sentença recorrida asseverou “... Ademais, nos autos há indícios suficientes de que a Administração Pública não analisou com cautela as provas documentais existentes no processo. ...” e indicou “entre os documentos comprovativos que o recorrente entregou junto com a reclamação, havia um Certificado de Dados Pessoais emitido pela DSI em 16 de Outubro de 2014, em que foi indicado que o estado civil do recorrente era o de casado. Assim, o facto de a entidade recorrida ter solicitado ao recorrente o documento comprovativo da sentença judicial do casamento a fim de apurar o seu estado civil demonstra que o documento acima mencionado não foi devidamente considerado pela entidade recorrida.”
27) Obviamente, a Administração pediu ao recorrente (no recurso contencioso) para apresentar o documento comprovativo da sentença judicial do casamento para apurar o seu estado civil, não porque não atendeu ao Certificado de Dados Pessoais emitido pela DSI em 16 de Outubro de 2014 (em que se indicou estado civil do recorrente (no recurso contencioso) como sendo casado) e à Certidão de Casamento emitida pela República popular da China entregues pelo mesmo juntamente com a reclamação;
28) Mas porque, em circunstâncias normais, o documento comprovativo da sentença judicial de casamento não serve para comprovar a celebração do casamento, mas antes a dissolução do casamento. Por isso, tal como se adiantou na proposta n.º 0865/DHP/DHS/2014 onde o Presidente Substituto do Instituto de Habitação proferiu despacho de concordância em 5 de Novembro de 2014:
“... Pese embora o impugnante haja pedido apoio judiciário a 26 de Setembro de 2013, até à presente data, não há nenhum documento subsequente que demonstre o seu estado civil actual, daí ser impossível este Instituto apreciar se o impugnante preenche os requisitos de candidatura para a atribuição de habitação social. É um facto inegável que o impugnante não chegou a suprir a deficiência documental no prazo fixado. E a justificação por ele feita não satisfaz os requisitos consagrados para a candidatura à habitação social.”
29) Importa salientar que o acto recorrido não deve ser interpretado como referiu a sentença recorrida, ou seja, “o facto de a entidade recorrida ter solicitado ao recorrente o documento comprovativo da sentença judicial do casamento a fim de apurar o seu estado civil demonstra que o documento acima mencionado não foi devidamente considerado pela entidade recorrida.” Pelo contrário, foi exactamente depois de considerado o dito documento que a Administração reconheceu que o estado civil do recorrente (no recurso contencioso) era o de casado. Pese embora tenha o recorrente (no recurso contencioso) alegado estar a pedir o divórcio litigioso, na falta de documento subsequente (sobre o divórcio litigioso) que demonstre que o seu estado civil actual é o de divorciado, é impossível apreciar a sua habilitação para candidatura como um agregado familiar composto por um único elemento.
30) Por fim, a sentença recorrida colocou as seguintes perguntas:
“Quando um candidato à habitação social, por causa que não lhe seja imputável (por exemplo, a separação do casal, a ausência do cônjuge, a recusa da prestação de informações por parte do cônjuge), não possa prestar determinados documentos e/ou informações não encontrados em posse dele, como o documento de identificação do seu cônjuge e as informações sobre o rendimento e património do seu cônjuge, o mesmo candidato será necessariamente excluído do concurso para habitação social devido à deficiência documental da sua candidatura?” e
“Caso a Administração desconfie da alegação do candidato de não poder entregar os documentos e/ou informações exigidos, deverá ou não diligenciar adequadamente no sentido de averiguar se o candidato encobre as informações intencionalmente ou não pode prestá-las por impedimento objectivo?”
31) Todavia, parece que o legislador não excepciona a situação em que os candidatos, por causa que não lhes seja imputável (por exemplo, a separação do casal, a ausência do cônjuge, a recusa da prestação de informações por parte do cônjuge), não possam prestar determinados documentos e/ou informações não encontrados em sua posse. Por esse motivo, a Administração só pode excluir tais candidatos conforme a lei, em particular, os art.ºs 4.º e 6.º do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009.
32) Ademais, parece que o legislador não concede à Administração poderes para fazer outras averiguações que não a comparação e conferência das informações prestadas no preenchimento do boletim de candidatura. Mesmo que seja necessário a Administração tomar diligências de investigação adequadas, as circunstâncias objectivas dificilmente demonstram se, no plano subjectivo, os candidatos encobrem os factos intencionalmente. Será que todos os candidatos que invoquem fundamentos semelhantes àqueles em causa podem ser dispensados da obrigação de entrega de documentos, deixando a Administração fazer averiguação em seu lugar?
33) Ora, como é evidente, a interpretação no sentido da dispensa da obrigação de entrega de documentos mostra-se contrária às disposições legais a propósito da candidatura à habitação social, designadamente o art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social» aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, segundo o qual o não suprimento da deficiência documental no prazo fixado é uma causa de exclusão dos candidatos. Afigura-se que tal interpretação viola a letra e o espírito da lei e, de certo modo, inverte o ónus da prova.
34) Na verdade, mesmo em sede do recurso de anulação, o ónus da prova recai sobre quem alega os factos, pelo que cabe ao recorrente provar os factos que alegou no procedimento de candidatura, entretanto a favor da Administração Pública pesa o princípio da presunção de legitimidade de actos administrativos. Além disso, no caso sub judice, o recorrente (no recurso contencioso) não provou os factos relativos à inexistência dos pressupostos que motivaram a decisão tomada pela Administração. (cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 18/2002)
35) Nos termos acima expostos, como a Administração já deu cumprimento ao dever inquisitório, o acto recorrido, na apreciação da prova, não incorreu em vício, mas foi praticado nos termos legais. Entretanto, a sentença recorrida desrespeitou o art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», e os art.ºs 86.º, 87.º, n.,º 1, 2ª parte do CPA, razão pela qual existe, inequivocamente, vício de violação de lei na sentença posta em crise, que decidiu pela anulação da decisão do ora recorrente ao abrigo do art.º 124.º do CPA e do art.º 21.º, n.º 4 do CPAC.

Face ao exposto, solicita-se ao Mm.º Juiz do TSI que conceda provimento ao recurso vertente, anulando a sentença recorrida e indeferindo o recurso contencioso interposto para o Tribunal Administrativo.

    2. Este recurso não foi contra-alegado.
    
    3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença de 17 de Dezembro de 2015 que, com fundamento em violação de lei, por omissão de diligências que o princípio do inquisitório impunha na instrução do procedimento, anulou o acto de 5 de Novembro de 2014, da autoria do Presidente Substituto do Instituto da Habitação.
    Este acto, proferido em via de reclamação necessária, manteve a exclusão da candidatura de A e seu agregado familiar, no âmbito de um concurso para acesso a habitação social, porquanto o reclamante A (requerente e representante do agregado familiar no procedimento) não lograra apresentar documento de identificação do cônjuge ou certidão da sentença judicial relativa ao casamento.
    O ora recorrente acha que a decisão recorrida violou os preceitos dos artigos 6.°, n.º 1, alínea 3), do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social anexo ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, bem como os artigos 86.° e 87.°, n.º 1; 2.ª parte, do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, exactamente aqueles que a decisão recorrida julgara afrontados pelo acto administrativo de 5 de Novembro de 2014.
    Não se afigura que a alegação de recurso se apresente procedente.
    Para avançar esta conclusão seja-nos permitido, antes de mais, sufragar inteiramente a fundamentação adoptada na decisão recorrida, cuja solidez e clarividência, na esteira, aliás, do bem fundado e estruturado parecer do Ministério Público que a precedeu, são suficientes para pôr a nu a fragilidade da argumentação do recurso jurisdicional.
    No fundo, o que está em causa é saber se um interessado, casado, que encabeça a candidatura de uma família num concurso para atribuição de habitação social, tem a irrefragável obrigação de apresentar o documento de identidade da mulher, também residente na RAEM, ou juntar cópia desse documento ao processo de candidatura, mesmo que alegue não o poder fazer, por não dispor do documento nem saber do paradeiro da mulher, que está ausente do agregado, numa situação de separação de facto.
    O recorrente entende que sim, esgrimindo a favor desse entendimento a obrigatoriedade que impende sobre os interessados de instruírem o processo de candidatura com tal elemento, por força do artigo 4.°, n.º 1, alínea 1), do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social.
    Trata-se de uma visão demasiado estanque e redutora que não podemos partilhar.
    É óbvio que os particulares devem instruir os requerimentos de candidatura com os elementos exigidos pelos programas dos concursos e, no caso concreto, pelo Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social. São eles, na verdade, quem está em melhores condições para fornecer os dados necessários, nomeadamente aqueles que a si e ao agregado que encabeçam dizem respeito. Esta é, de resto, uma decorrência da regra do ónus da prova previsto no artigo 87.° do Código do Procedimento Administrativo, que integra a secção dedicada à instrução do procedimento. Mas esta regra não pode ser, nem é, absoluta, como resulta, com clareza meridiana, do próprio artigo 87.º n.º1, do Código do Procedimento Administrativo, onde pode ler-se que cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.° 1 do artigo anterior. E o n.° 1 do artigo anterior reza que "o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito".
    Como se vê, a lei não cauciona o entendimento restritivo do princípio do inquisitório que subjaz à tese do recorrente.
    É claro que os mecanismos decorrentes do inquisitório, que a lei coloca ao serviço do procedimento, devem ser objecto de uso adequado e ponderado, em função das concretas situações que a riqueza da vida real coloca, não servindo, evidentemente, para desonerar relapsos e colmatar inércias injustificadas. Muito menos para caucionar uma interpretação da lei que possa levar à dispensa da obrigação legal de fornecimento de documentos por parte dos interessados, como refere o recorrente.
    Dito isto, se na instrução de um procedimento de candidatura a habitação social, um interessado, notificado para entregar certo documento em falta, diz que o não pode fazer, por se tratar de documento pessoal de identificação da mulher e esta não estar contactável, é razoável que a Administração oficiosamente averigúe ou confirme a identidade desse elemento do agregado e faça instruir o procedimento com cópia do documento em falta. Esta é uma obrigação imposta pelo princípio do inquisitório, genericamente aplicável no procedimento administrativo, por força do artigo 86.°, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo, mas é também uma decorrência do poder/dever que assiste ao Instituto da Habitação de confirmar, a todo o tempo, as informações prestadas pelos candidatos no preenchimento do boletim de candidatura, junto de qualquer entidade pública ou privada - artigo 7.°, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.° 25/2009 - havendo que ter presente que, no caso, o concorrente e representante do agregado no concurso, até conferiu ao Instituto da Habitação, no acto de candidatura, autorização para averiguar a exactidão dos dados, conforme nota a decisão recorrida.
    Não assiste, pois, razão ao recorrente, no que tange ao uso e alcance do princípio do inquisitório.
    Por outro lado, também não pode ter-se por pertinente ou relevante a suscitada questão do prazo da reclamação e da sua compatibilidade com a realização tempestiva de diligências de averiguação. Como procedimento de 2.° grau, a reclamação vai debruçar-se, por regra, sobre um processado desenvolvidamente instruído e com prova já produzida, o que porventura terá pesado, no critério do legislador, para fixar um prazo decisório curto (15 dias). Mas a exiguidade deste prazo - prazo disciplinador, não peremptório - não pode, evidentemente, constituir um argumento válido para caucionar défices instrutórios imputáveis à Administração no procedimento de 1.º grau. Se existe essa falha instrutória e incumbia à Administração supri-la oficiosamente - e já vimos que sim -, não pode a reclamação ser decidida em prejuízo do particular interessado, a pretexto de que o prazo normal para a respectiva decisão não permite efectuar as diligências em falta.
    Também este argumento do prazo da reclamação se mostra manifestamente improcedente.
    Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
    Em 19 de Agosto de 2013, o recorrente entregou ao Instituto de Habitação o boletim de candidatura n.º 31201305229 (cfr. fls. 2-A e 2-Av a 4 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 28 de Janeiro de 2014, o Instituto de Habitação, mediante o ofício n.º 1401280051/DHS, notificou o recorrente para entregar outros documentos ao Instituto de Habitação no dia e hora indicada, incluindo o documento de identificação do seu cônjuge e o documento comprovativo do casamento, e para confirmar os dados dos elementos do agregado familiar constantes do boletim de candidatura, além de corrigir as informações prestadas no preenchimento do boletim (cfr. fls. 9 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 13 de Maio de 2014, o Instituto de Habitação, mediante o ofício n.º 1405120426/DHS, respondeu ao recorrente que tinha recebido a sua carta com esclarecimento sobre as relações entre ele e o seu cônjuge, apontando que devido à insuficiência das informações prestadas pelo recorrente, o Instituto não podia dar seguimento ou tratamento ao assunto (cfr. fls. 11 e 13 a 15 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Por despacho de 26 de Setembro de 2014, o Presidente Substituto do Instituto de Habitação concordou com a proposta n.º 0772/DHP/DHS/2014, mandando publicar a lista provisória de espera e a lista dos excluídos do concurso para atribuição de habitação social de 2013. A candidatura do recorrente à habitação social foi colocada na lista dos excluídos, pelas razões de que o recorrente residia na RAEM há menos de 7 anos, e não supriu a deficiência documental no prazo fixado para o efeito (cfr. fls. 54 a 64 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 8 de Outubro de 2014, o Instituto de Habitação publicou no Boletim Oficial da RAEM, n.º 41, II Série, o «Anúncio sobre a publicação da lista provisória de espera e da lista dos excluídos do concurso para atribuição de habitação social», no qual indicou que os candidatos podiam consultar a lista provisória de espera e a lista dos excluídos no prazo e no local fixados e das referidas listas podiam ser interpostas reclamações para o presidente do Instituto de Habitação no prazo fixado.
Em 16 de Outubro de 2014, o recorrente apresentou reclamação à entidade recorrida, afirmando que, não sabendo o paradeiro do seu cônjuge B, ele não conseguia apresentar o documento de identificação dela, mas estava a pedir apoio judiciário para requerer o divórcio litigioso, adiantando ainda que o proprietário da fracção sita no endereço de contacto que tinha preenchido não lhe comunicou, pelo que não recebeu a dita notificação do Instituto de Habitação e, por conseguinte, não chegou a entregar os documentos em falta atempadamente. Junto entregou os respectivos documentos comprovativos (cfr. fls. 20 a 22, 26 a 32 e 34 a 35 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Por despacho de 5 de Novembro de 2014, o Presidente Substituto do Instituto de Habitação concordou com a proposta n.º 0865/DHP/DHS/2014, apontando que o documento comprovativo das habilitações literárias entregue pelo recorrente demonstrava que o mesmo reunia o requisito de ter residido na RAEM pelo menos 7 anos, porém, a sua candidatura carecia ainda do documento de identificação do cônjuge ou do documento comprovativo da sentença judicial do casamento, pelo que o Instituto de Habitação não podia verificar a situação do rendimento e do património do seu cônjuge ou o seu estado civil actual, daí não poder apreciar se o recorrente reunia os requisitos de candidatura à habitação social. Entendeu que era um facto inegável que o impugnante não supriu a deficiência documental no prazo fixado, dizendo que pese embora o recorrente tivesse interposto reclamação, não se acolhia a respectiva justificação. Consequentemente, decidiu indeferir a reclamação apresentada pelo recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 e alterado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 141/2012 (cfr. fls. 36 a 39 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 13 de Novembro de 2014, o Instituto de Habitação, através do ofício n.º 1410220104/DHS, notificou o recorrente da decisão acima referida, informando o mesmo de que podia deduzir impugnação pelo meio constante do aviso da lista definitiva de espera que viesse a ser publicado pelo Instituto (cfr. fls. 40 a 41 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Por despacho de 15 de Dezembro de 2014, o Presidente Substituto do Instituto de Habitação concordou com a proposta n.º 1319/DHP/DHS/2014, mandando publicar a lista definitiva de espera e a lista dos excluídos do concurso para atribuição de habitação social de 2013. A candidatura do recorrente à habitação social foi colocada na lista dos excluídos, pelo motivo de não se ter suprido a deficiência documental no prazo fixado para o efeito (cfr. fls. 65 a 78 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 26 de Dezembro de 2014, o Instituto de Habitação publicou no Boletim Oficial da RAEM, n.º 52, II Série, o «Aviso referente à publicação das listas definitivas de espera e da lista dos excluídos do concurso para atribuição de habitação social», no qual indicou que os candidatos podiam consultar a lista definitiva de espera e a lista dos excluídos no prazo e no local fixados e das referidas listas podiam ser interpostos recursos contenciosos para o Tribunal Administrativo no prazo fixado (cfr. fls. 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 9 de Janeiro de 2015, o recorrente formulou pedido de apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário (cfr. fls. 44 do processo apensado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
O pedido de apoio judiciário do recorrente foi deferido, tendo-se a respectiva decisão tornado inimpugnável no dia 13 de Fevereiro de 2015 (cfr. fls. 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 16 de Março de 2015, da aludida decisão que indeferiu a reclamação, a patrona nomeada ao recorrente interpôs o recurso contencioso sub judice para este Tribunal.
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. A questão que se aqui se coloca é a de saber se houve violação de lei por parte da entidade recorrida ao não relevar a falta do documento identificativo da esposa do recorrente e ao não suprir oficiosamente tal falta, candidato à habitação social, alegando não saber do paradeiro daquela e tencionando intentar a acção de divórcio, não lhe sendo possível, nesse circunstancialismo, juntar aquele documento.
    2. O MP em ambas as instâncias pronuncia-se no sentido que veio a ser acolhido na douta sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

“Na petição, o recorrente argumentou que, relativamente ao facto por ele alegado de que não consegue apresentar o documento de identificação do seu cônjuge por não saber o paradeiro dela, a entidade recorrida, sem ter efectuado qualquer averiguação, excluiu logo o recorrente do concurso para atribuição de habitação social com base no não suprimento da deficiência documental, afigurando-se ao recorrente que o acto recorrido deve ser anulado devido à violação do dever inquisitório e dos princípios da boa fé, da colaboração e da desburocratização.
No «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 e alterado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 141/2012, está previsto o seguinte:
“Artigo 4.º
Da candidatura
1. A candidatura ao concurso formaliza-se com a entrega no IH, do boletim de candidatura devidamente preenchido e assinado, cujo modelo consta do Anexo I ao presente regulamento e do qual faz parte integrante.
2. Para além de outros elementos que forem exigidos no aviso de abertura do concurso, o boletim de candidatura é obrigatoriamente instruído com os seguintes documentos:
1) Fotocópia dos documentos de identificação de todos os elementos do agregado familiar;
2) Documentos comprovativos do rendimento mensal dos elementos do agregado familiar;
3) Declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar, cujo modelo consta do boletim de candidatura
3. O rendimento referido na alínea 3) do número anterior inclui o rendimento auferido na RAEM ou no exterior, designadamente:
1) Rendimento proveniente do trabalho por conta própria ou por conta de outrem;
2) Abonos e pensões de aposentação ou reforma;
3) Montantes concedidos legalmente pelos regimes de assistência ou segurança social, salvo os montantes que não são considerados legalmente como rendimento;
4) Rendimento proveniente de actividades comerciais ou industriais, imóveis, direitos de autor e aplicações financeiras.
4. O património líquido referido na alínea 3) do n.º 2 inclui os activos patrimoniais detidos na RAEM ou no exterior, designadamente imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais, quotas, acções, participações ou outras partes sociais de capital em sociedades civis ou comerciais, direitos sobre embarcações, aeronaves ou veículos, carteiras de títulos, bem como depósitos bancários, numerário, direitos de crédito, obras de arte ou de joalharia e outros objectos de valor superior a 5 000 patacas, sendo deduzidos os débitos de valor superior a 5 000 patacas.
5. O requisito de residência pode ser provado através de documento de identificação ou, se este não for suficiente, por documento comprovativo emitido por entidade competente.
6. O boletim de candidatura, bem como os documentos que o devem instruir, podem ser entregues pessoalmente ou remetidos por carta registada, salvo se no aviso de abertura do concurso for fixada uma única forma de entrega.
7. Consideram-se entregues dentro do prazo os boletins de candidatura e respectivos documentos remetidos pela via postal até ao termo do prazo de encerramento do concurso, fixado no aviso de abertura do concurso, fazendo fé a data de expedição do correio.
Artigo 5.º
Requisitos da candidatura
1. As candidaturas devem preencher os requisitos gerais estabelecidos no Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) e satisfazer as condições estipuladas no presente regulamento e no respectivo aviso de abertura do concurso.
2. Os requisitos referidos no número anterior devem estar preenchidos até à atribuição de habitação, porém, durante a atribuição de habitação, a limitação do total do rendimento mensal e do património líquido do agregado familiar é feita com base nos montantes estabelecidos nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social).
Artigo 6.º
Exclusão
1. Os candidatos são excluídos do concurso se:
1) Apresentarem a candidatura fora de prazo;
2) Não reunirem os requisitos exigidos para a candidatura;
3) Não suprirem alguma deficiência documental no prazo que lhes tiver sido fixado para o efeito;
4) Qualquer elemento do agregado familiar figurar em mais do que um boletim de candidatura.
2. Sem prejuízo de eventual procedimento criminal, é cancelada a candidatura dos candidatos que prestarem declarações falsas ou inexactas ou usarem de qualquer meio fraudulento para arrendarem habitação, até à data do recebimento da chave.

Artigo 7.º
Listas
1. Findo o prazo de apresentação das candidaturas, o IH elabora uma lista provisória de espera por classificação dos candidatos admitidos e a lista dos excluídos com indicação dos motivos da exclusão.
2. As listas referidas no número anterior são afixadas nos locais referidos no aviso a publicar no Boletim Oficial da RAEM e na imprensa de língua chinesa e língua portuguesa.
3. Podem ser interpostas reclamações das respectivas listas, dirigidas ao presidente do IH, no prazo de 15 dias a contar do dia seguinte ao da publicação do aviso no Boletim Oficial da RAEM.
4. As reclamações apresentadas são decididas pelo presidente do IH, no prazo de 20 dias a contar da data da sua apresentação.
5. Decididas as reclamações é elaborada a lista definitiva de espera, a qual é divulgada nos termos do n.º 2.
6. Caso não haja reclamações, a lista provisória converte-se em lista definitiva de espera, a qual é divulgada nos termos do n.º 2.
7. A lista definitiva de espera referida no número anterior é colocada no fim da lista de espera do concurso anterior, constituindo-se uma lista geral englobando todos os candidatos.
8. As alterações do número de elementos que se verificarem no agregado familiar, em virtude de falecimento, nascimento, adopção, casamento, divórcio, fixação de residência na RAEM de cônjuges ou filhos menores e demais factos jurídicos ocorridos após a apresentação do boletim de candidatura, só relevam para efeitos de classificação se forem apresentadas as respectivas provas, antes da publicação da lista indicada no n.º 1.”
As disposições supracitadas especificaram, sobretudo, os documentos de entrega obrigatória para instrução da candidatura, que incluem fotocópia dos documentos de identificação dos elementos do agregado familiar, documentos comprovativos do rendimento mensal dos elementos do agregado familiar, bem como declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar. E são motivos de exclusão do concurso não só o não preenchimento dos requisitos exigidos para a candidatura, mas também o não suprimento de alguma deficiência documental no prazo fixado para o efeito.
Acerca dos requisitos para o arrendamento de habitação social, dispõe o art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social):
“Artigo 3.º
Requisitos para arrendamento de habitação
1. Podem candidatar-se ao arrendamento de habitações sociais referidas no artigo anterior, os agregados familiares ou indivíduos residentes na RAEM e em situação económica desfavorecida.
2. A candidatura tem de ser sempre apresentada por um elemento do agregado familiar que reúna cumulativamente os seguintes requisitos:
1) Tenha idade mínima de 18 anos;
2) Resida na RAEM no mínimo há 7 anos;
3) Seja portador do bilhete de identidade de residente permanente da RAEM.
3. Com excepção dos cônjuges não residentes na RAEM, os cônjuges dos elementos do agregado familiar devem constar do mesmo boletim de candidatura.
4. Nenhum elemento do agregado familiar e seu cônjuge, em situação desfavorecida, pode:
1) Ser ou ter sido proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, no período de três anos antes do termo do prazo para entrega do boletim de candidatura;
2) Ser proprietário ou promitente-comprador de qualquer prédio ou fracção autónoma na RAEM, ou proprietário ou concessionário de qualquer terreno do domínio privado da RAEM, desde o termo do prazo para entrega do boletim de candidatura até à data de assinatura do contrato de arrendamento com o IH;
3) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação construída em regime de contratos de desenvolvimento para a habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril;
4) Ser elemento que figure no boletim de candidatura de outro agregado familiar, ao qual o IH já tenha autorizado a aquisição de habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria);
5) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, rescindido contrato de arrendamento nos termos do artigo 19.º;
6) Ser elemento de agregado familiar contra o qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, emitido mandado de despejo nos termos do artigo 42.º, do n.º 3 do artigo 44.º ou do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 69/88/M, de 8 de Agosto;
7) Ser elemento de agregado familiar ao qual tenha sido, nos 2 anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura, cancelada anterior candidatura por prestação de declarações falsas ou inexactas ou uso de qualquer meio fraudulento para arrendamento de habitação, nos termos fixados por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.
5. O presidente do IH, a título excepcional, desde que devidamente justificado, pode autorizar a candidatura à habitação social a elemento que tenha deixado de fazer parte de agregado familiar ao qual tenha sido autorizada a bonificação, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 17/2009 (Regime de bonificação de juros de crédito concedido para aquisição de habitação própria), ou a aquisição de habitação, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/96/M, de 8 de Julho, do Regulamento Administrativo n.º 24/2000 (Regime de bonificação ao crédito para aquisição ou locação financeira de habitação própria) ou do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril.
6. Os indivíduos que se candidatem à atribuição de habitações sociais devem reunir as condições equivalentes exigidas para os elementos do agregado familiar residente na RAEM.”
De acordo com os n.ºs 1 e 3 da cláusula acima citada, salvo se o seu cônjuge não for residente da RAEM, toda pessoa casada tem que se candidatar em conjunto com o seu cônjuge, em vez de formular candidatura individual. Não é difícil perceber porque é que o legislador estabelece tal restrição aos candidatos cujos cônjuges também são residentes de Macau. A razão consiste justamente em evitar que os cônjuges, no caso de ambos reunirem os demais requisitos de candidatura, se candidatem separadamente de modo a aumentar a possibilidade de serem seleccionados, o que agravaria a carência dos recursos de habitação social já existente e causaria injustiça para os outros candidatos que reúnem os requisitos de candidatura.
Na causa vertente, dado que o recorrente, no boletim de candidatura à habitação social, indicou que ele é casado e suprimiu as informações sobre o seu cônjuge e filho, o Instituto de Habitação, ao pedir ao recorrente para prestar informações suplementares na fase inicial da apreciação, nomeadamente o documento de identificação do cônjuge e a certidão de casamento, e para confirmar e corrigir as informações dos elementos do agregado familiar constantes do boletim de candidatura, com o objectivo de verificar a composição do agregado familiar do recorrente e da sua habilitação para candidatura, não infringiu ao disposto no art.º 3.º, n.ºs 1, 3, 6 do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) ou no art.º 4.º, n.º 2, al. 1) do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social.
Segundo os documentos juntos aos autos, o Instituto de Habitação colocou o recorrente na lista dos excluídos do concurso para atribuição de habitação social de 2013, por que este não preencheu o requisito de ter residido em Macau pelo menos 7 anos, e não entregou os documentos exigidos no prazo que lhe foi fixado para o efeito.
Na reclamação interposta pelo recorrente da mencionada decisão que o excluiu do concurso, alegou o mesmo que não conseguia apresentar o documento de identificação do seu cônjuge por não saber o paradeiro dela, além de que estava a pedir apoio judiciário para requerer o divórcio litigioso. Ainda explicou que o proprietário da fracção sita no endereço de contacto que tinha preenchido não lhe comunicou, pelo que não recebeu a notificação do Instituto de Habitação sobre a entrega de documentos em falta. Entregou, ao mesmo tempo, os documentos comprovativos do seu casamento, habilitações literárias e rendimento, assim também o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário por ele formulado.
Vem transcrita abaixo parte da proposta n.º 0865/DHP/DHS/2014 de que consta o acto recorrido:
“...
11. É verdade que o impugnante deduziu reclamação e deu justificação (vide o n.º 3 da presente proposta), mas da análise dos documentos por ele entregues conclui-se que:
11.1 O documento comprovativo das habilitações literárias do impugnante revelou que ele começou a estudar em Macau em 1964, ficando, assim, demonstrado que A reúne o requisito de ter residido na RAEM por período não inferior a sete anos.
11.2 Apesar de o impugnante ter entregado no mesmo dia parte dos documentos comprovativos em falta, a sua candidatura carece ainda do documento de identificação do cônjuge ou do documento comprovativo da sentença judicial do casamento. Segundo as disposições legais respeitantes à habitação social, “com excepção dos cônjuges não residentes na RAEM, os cônjuges dos elementos do agregado familiar devem constar do mesmo boletim de candidatura.” Pelo facto de o impugnante não ter apresentado o documento de identificação do seu cônjuge, este Instituto não pode verificar a situação do rendimento e do património do seu cônjuge. Caso o total do rendimento e do património do seu agregado familiar ultrapassem os limites máximos estabelecidos, ou o seu cônjuge seja proprietário de qualquer fracção autónoma em Macau, tenha beneficiado do regime de bonificações ou adquirido habitação económica, poderá ser afectada a candidatura do seu agregado familiar. Pese embora o impugnante haja pedido apoio judiciário a 26 de Setembro de 2013, até à presente data, não há nenhum documento subsequente que demonstre o seu estado civil actual, daí ser impossível este Instituto apreciar se o impugnante preenche os requisitos de candidatura para a atribuição de habitação social. É um facto inegável que o impugnante não chegou a suprir a deficiência documental no prazo fixado. E a justificação por ele feita não satisfaz os requisitos consagrados para a candidatura à habitação social.
...”
Dos parágrafos acima citados resulta que, na apreciação da reclamação apresentada pelo recorrente, a entidade recorrida entendeu ser impossível verificar se o recorrente preenchia os requisitos de candidatura à habitação social devido ao não suprimento pelo mesmo da deficiência documental no que respeita, nomeadamente, ao documento de identificação do seu cônjuge ou ao documento comprovativo da sentença judicial do casamento. Como se referiu acima, à luz do art.º 3.º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento Administrativo sobre a «Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social», os candidatos casados devem candidatar-se à habitação social em conjunto com os seus cônjuges, desde que estes também sejam residentes da RAEM. Por isso, o Instituto de Habitação, de facto, necessita de apurar o estado civil dos candidatos e os dados dos cônjuges deles, de forma a confirmar a composição e a habilitação dos agregados familiares. Assim sendo, o Instituto de Habitação não merece censura na sua actuação de exigir ao recorrente a entrega do documento de identificação do seu cônjuge e do documento comprovativo do casamento.
Aliás, o recorrente também mencionou na carta de impugnação dirigida ao Instituto de Habitação que o seu cônjuge obteve o BIRM no dia 8 de Maio de 2013. Em conformidade das disposições legais acima referenciadas, se o cônjuge do recorrente é elemento desse agregado familiar candidato, é necessário os dois formularem a candidatura conjuntamente.
Todavia, após informado da razão por que o recorrente não podia apresentar o documento de identificação do seu cônjuge, o Instituto de Habitação não deixou de solicitar ao recorrente que entregasse o documento de identificação do seu cônjuge ou, até mesmo, o documento comprovativo da sentença judicial do casamento, considerando que só assim teria condições para verificar o estado civil do recorrente e a sua habilitação para candidatura. Parece que o Instituto de Habitação perdeu completamente de vista o dever inquisitório imposto à Administração Pública na apreciação. Ademais, nos autos há indícios suficientes de que a Administração Pública não analisou com cautela as provas documentais existentes no processo.
Na realidade, o candidato, no acto de entrega do boletim de candidatura, já autorizou o Instituto de Habitação a verificar os dados contidos no Bilhete de Identidade, para que a Administração Pública melhor cumprisse o seu dever inquisitório, no sentido de averiguar todos os factos cujo conhecimento fosse conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento (cfr. o art.º 86.º e 87.º, n.º 1, 2ª parte, do CPA). Portanto, quando o recorrente manifestou expressamente que não conseguia apresentar o documento de identificação do seu cônjuge por não saber o paradeiro dela, deveria a Administração, naturalmente, tomar diligências de investigação, designadamente consultar as autoridades competentes por carta (a Direcção dos Serviços de Identificação, o Fundo de Segurança Social, entre outros), em vez de afastar o dever inquisitório imposto à Administração invocando, de forma genérica, a repartição do ónus da prova.
Além de tudo, entre os documentos comprovativos que o recorrente entregou junto com a reclamação, havia um Certificado de Dados Pessoais emitido pela DSI em 16 de Outubro de 2014 (cfr. fls. 20 a 21 do processo apensado), em que foi indicado que o estado civil do recorrente era o de casado. Assim, o facto de a entidade recorrida ter solicitado ao recorrente o documento comprovativo da sentença judicial do casamento a fim de apurar o seu estado civil demonstra que o documento acima mencionado não foi devidamente considerado pela entidade recorrida.
É de frisar que, quando um candidato à habitação social, por causa que não lhe seja imputável (por exemplo, a separação do casal, a ausência do cônjuge, a recusa da prestação de informações por parte do cônjuge), não possa prestar determinados documentos e/ou informações não encontrados em posse dele, como o documento de identificação do seu cônjuge e as informações sobre o rendimento e património do seu cônjuge, o mesmo candidato será necessariamente excluído do concurso para habitação social devido à deficiência documental da sua candidatura?
Caso a Administração desconfie da alegação do candidato de não poder entregar os documentos e/ou informações exigidos, deverá ou não diligenciar adequadamente no sentido de averiguar se o candidato encobre as informações intencionalmente ou não pode prestá-las por impedimento objectivo?
Com base nisto, é evidente que o Instituto de Habitação não deu cumprimento ao dever inquisitório nos termos legais, visto que, adoptando uma postura do tipo “um tamanho serve para todos”, o Instituto de Habitação decidiu excluir o candidato do concurso pelo fundamento de este não ter suprido a deficiência documental por sua iniciativa, sem sequer ter apurado a razão da falta de documentos, fazendo com que o acto recorrido padeça de vício na apreciação da prova, e viole o disposto no art.º 6.º, n.º 1, al. 3) do «Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social», e no art.º 86.º, art.º 87.º, n.º 1, 2ª parte do CPA, devendo, pois, ser anulado por força do art.º 124.º do CPA e do art.º 21.º, n.º 1 do CPAC.
Em relação à alegada violação pelo acto recorrido dos princípios da boa fé, da colaboração e da desburocratização, tendo em conta que o recorrente somente fez alegações genéricas e conclusivas, sem especificar na petição os motivos que o levaram a entender existirem no acto recorrido esse vícios de violação de lei, este Tribunal não se pronuncia sobre tal fundamento de recurso.”

3. A sentença proferida contém as razões bastantes que conduzem a que este tribunal sufrague a decisão proferida, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 631º/5 do CPC, tanto bastaria para nos ficarmos por aqui.

Não deixaremos, no entanto, de introduzir alguns aditamentos, procurando dar resposta a questões que são concretamente suscitadas sobre a douta sentença proferida.

4. O primeiro apontamento refere-se a uma falta de rigor - para não falar em falta de seriedade -, por parte da entidade recorrida, ao tentar convencer que a questão da impossibilidade de junção do documento da esposa só em sede de recurso foi suscitada, quando vem claramente dado como comprovado que o recorrente, desde logo invocou, em sede do procedimento administrativo, a sua situação familiar e o desconhecimento do paradeiro da esposa, o que o impedia de dar satisfação à pretensa junção do documento em falta.

5. O segundo apontamento respeita a uma alegada contradição nos termos da sentença que terá admitido, por um lado, a junção desse documento, como necessária à instrução do processo de candidatura à habitação social e, por outro, o juízo produzido no sentido da sua “dispensa”.
    Não há contradição alguma. A Mma Juíza limita-se a afirmar os requisitos da candidatura e o dever de instrução que compete aos particulares interesses, não deixando, a seguir, de elaborar sobre os diferentes deveres e a obrigação impendente sobre a Administração de facilitar a tarefa dos particulares, removendo as dificuldades, justificando as omissões que tenham uma causa justificativa e assumindo uma dinâmica activa no sentido de oficiosamente suprir as lacunas que aqueles por si só não possam remover, fazendo apelo aos princípios e normas pertinentes, tal como acima dito e transcrito.
    No fundo, a Administração colocou-se numa posição rígida sobre o dever que comete ao particular o ónus de instrução do referido processo de candidatura, quando sabemos que em matéria administrativa, mesmo em termos de ónus da prova, tal ónus assume algumas particularidades.
    Mutatis mautandis, valerá aqui o entendimento adoptado para o ónus da prova, já se tendo afirmado por diversas vezes nesta instância1 que, pese embora o facto de não valer no processo administrativo um ónus da prova subjectivo ou formal2, o que implica que o juiz só possa considerar os factos alegados e provados por cada uma das partes interessadas, o certo é que há sempre um ónus de prova objectivo, na medida em que se pressupõe uma repartição adequada dos encargos de alegação, isto é, de modo a repartir os riscos da falta de prova, desfavorecendo quem não veja provados os factos em que assenta a posição por si sustentada no processo. Importará, não obstante o princípio da presunção da legalidade do acto administrativa, considerar os limites da actuação da Administração que se deve pautar pela juridicidade das suas opções e pela obrigatoriedade de fundamentação do acto, dentro do respeito pela imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade, o que implica um ónus da prova dos pressupostos de facto subjacentes às decisões desfavoráveis aos interessados, em respeito pelo princípio de justiça e legalidade. Pode, nesta perspectiva, continuar a falar-se, mesmo em sede do recurso de anulação, de um ónus da prova, a cargo de quem alega os factos3, no entendimento de que “há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.4
    6. Por último, o dever omitido da Administração decorrerá ainda da violação do dever do inquisitório, plasmado no art. 59º do CPA, devendo aquela averiguar oficiosamente os factos alegados pelo recorrente e proceder às diligências necessárias ao seu apuramento, se, perante os factos alegados, o particular interessado invoca factos impeditivos de satisfazer a comprovação de um requisito, prova que pode ser suprida pela Administração.5
    Como bem sintetizam Lino Ribeiro e Cândido Pinho, este princípio, que denominam de inquisitivo, “não é senão a consagração do elevado valor do interesse público e do respeito pela sua prossecução por parte da Administração. Não se pretende que esta demonstre aquilo que ao interessado cumpre fazer. Mas sim que ela procure pelos meios disponíveis a solução material mais adequada e acertada do ponto de vista da sua legalidade.”6
    Nesta conformidade não deixaremos de confirmar a douta sentença recorrida.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso, mantendo a sentença recorrida.
    Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrente.
Macau, 23 de Março de 2017,
_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
               
1 - Ac. TSI 1222 de 5/Dez, 193/2000 de 27/Março, 99/2002, de 15/5/2003
2 - Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, Lições, 1999, 268
3 - Marcello Caetano, Manual de DA, II, 1972,1351
4 - Vieira de Andrade, ob. cit., 269
5 - Ac. do STA, de 28/5/1996, Proc. 31654; Marcello Caetano, Man. Dto Adm. II, 9.ª ed., 1271.
6 - CPA de Macau, Anot. e Com., 1998, 378
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323/2016 37/37