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Processo nº 533/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 23/Março/2017

Assunto: Marcas

SUMÁRIO
Não obstante a recorrente ter pedido junto da DSE a caducidade de uma marca registada em nome da recorrida, mas antes do trânsito em julgado da decisão que declare a sua caducidade, o registo dessa marca mantém-se válido para todos os efeitos legais.


O Relator,

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Tong Hio Fong


Processo nº 533/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 23/Março/2017

Recorrente:
- A Limitada

Recorrida:
- B Limited


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Limitada, sociedade comercial com sede em Macau, devidamente identificada nos autos (doravante designada por recorrente), interpôs recurso da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que recusou o registo da marca N/XXX78 destinada para assinalar produtos da classe 30ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso e, em consequência, mantida a recusa do registo da referida marca.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida que se limitou a confirmar a decisão da DSE em recusar o registo da Marca que tomou o número N/XXX78 à recorrente.
2. A marca da Recorrente “C” é, assim, usada para designar os serviços directamente prestados pela recorrente sob esta marca, em Macau há mais de 41 anos.
3. Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da recorrente a sua marca “C” é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da recorrente, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
4. Assim, o nome e a Marca “C” é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da recorrente pois, a marca da recorrente só por esta foi usada no Território de Macau e só aqui é reconhecida por ser usada pela recorrente.
5. Pelo que, os consumidores de Macau, só podem associar o nome e Marca “C” aos produtos de Pastelaria da recorrente.
6. Todos estes factos, ou melhor, uma vida de 41 anos de actividade comercial da recorrente foram completamente ignorados pelo Tribunal a quo.
7. Mesmo sabendo, que houve já tribunais em Macau que os tiveram em consideração.
8. Nomeadamente, no CV3-11-0038-CAO, primeiro, e no TSI n.º 261/2012, depois, que confirmou a decisão de cancelar a marca da Reclamante N/4XXX6, na classe 30: “D”.
9. Também no CV2-15-0025-CRJ, o Tribunal cancelou a marca da recorrida N/9XXX3, “E”.
10. O mesmo se passando quando a DSE reconheceu que não ficou provado o uso sério da utilização da marcas registadas N/XXX47 e N/XXX51 por parte da aqui recorrida durante três anos consecutivos desde o registo das marcas em 28/4/2009, decidindo declarar a caducidade parcial das referidas marcas da reclamante.
11. Também, quando a DSE apreciou o pedido de registo das marcas N/XXX79 “C” e N/XXX80 “F”, na classe 30ª por parte da parte contrária entendeu recusar ambos os pedidos.
12. Fê-lo, certamente, por entender que tais marcas colidiriam com os direitos da, ora, recorrente.
13. Pelo que se estranha que agora, o entendimento vá em sentido contrário.
14. Mais, em 27/11/2015 a DSE reconheceu que não ficou provado o uso sério da utilização das marcas registadas N/4XXX1, N/4XXX3 e N/4XXX8 por parte da recorrida durante três anos consecutivos desde o registo das marcas, declarando a respectiva caducidade de tais registos.
15. O Tribunal a quo tinha conhecimento desse pedido de caducidade, mas tinha pressa.
16. Ao contrário dos processos CV2-15-0025-CRJ e CV3-15-0041-CRJ, onde os respectivos Meritíssimos Juízes cuidaram de saber o andamento do pedido de caducidade, entendendo que o resultado desse pedido de caducidade das marcas N/4XXX1, N/4XXX3 e N/4XXX8 podia influir na decisão a tomar.
17. Nos presentes autos, em 19/02/2016, o Meritíssimo Juiz a quo, entendeu por bem que o sinal registando imita a marca registada N/4XXX1!
18. Aquela cujo registo foi cancelado, por caducidade, 3 meses antes, em 27/11/2015!
19. Salvo o devido respeito andou mal o Tribunal a quo.
20. O Tribunal a quo violou os arts. 9º, n.º 1, al. c), 214º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. b), 215º, n.º1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro.”
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, e em consequência, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que conceda o registo das marcas N/XXX78.
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Ao recurso respondeu a recorrida, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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Enquanto a Direcção dos Serviços de Economia não ofereceu qualquer resposta.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão de primeira instância:
“A Limitada requereu o registo de um sinal (C) como marca para assinalar produtos da classe 30ª.
A DSE recusou o registo fundamentando a recusa dizendo, em suma, que o sinal registando imita uma marca anteriormente registada por terceiro (D - N/4XXX1) e pode ser instrumento de concorrência desleal.
A requerente do registo não se conformou e recorreu da decisão de recusa, pretendendo que seja substituída por outra que conceda o registo, invocando dois fundamentos:
- A própria recorrente é titular de marcas registadas em data anterior àquela em que foi registada a marca N/4XXX1 e tais marcas são semelhantes a esta, pelo que a prioridade é das marcas da recorrente e não da que motivou a recusa;
- A marca N/4XXX1 nunca foi utilizada para assinalar bens em Macau, razão por que da concessão do registo recusado não pode resultar confusão para os consumidores.
Feitas as citações, a DSE não respondeu, mas fê-lo a parte contrária nos termos que constam de fls. 89 a 117 batendo-se pela improcedência do recurso.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito.
Ainda em sede de “saneamento” há a apreciar a questão colocada pela recorrente a fls. 124. Tendo a recorrida parte contrária apresentado documentos em suporte digital e não sendo legível o duplicado enviado à recorrente considera esta que faltam duplicados legais e que a apresentante faltosa deve ser condenada em multa nos termos do nº 3 do art. 102º do CPC.
Afigura-se que não ocorre razão para aplicação da referida multa. Com efeito, a situação não se enquadra na falta de entrega de duplicados ou cópias, mas sim na sua entrega em condições que a recorrente não conseguiu “ler”, desconhecendo-se a essa dificuldade se deve à “gravação” ou à “leitura”.
Não se aplica, pois, a requerida multa.
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Este recurso é de plena jurisdição. Porém, não se vendo razões para considerar oficiosamente outros motivos de recusa do registo, serão apenas considerados os invocados pela decisão recorrida e na medida em que foram contrariados pelos fundamentos do recurso, tendo sempre em consideração que, verificando-se um desses motivos de recusa do registo, tal recusa deve ser confirmada sendo desnecessário analisar outros motivos de recusa.
Assim perspectivado o objecto do recurso, é desnecessário inventariar os factos provados, uma vez que as questões a apreciar e decidir são meramente de direito: saber se uma marca anteriormente registada confere ao seu titular o direito de registar outra semelhante e saber se a confusão entre sinais que obsta ao registo daquele que não tem prioridade depende do uso efectivo do sinal anteriormente registado.
Ora bem, afigura-se que falta razão às duas teses que fundamentam o recurso.
O registo de uma marca apenas concede ao seu titular o direito de impedir o registo de outras novas confundíveis, não dá qualquer direito a registar marcas novas (art. 219º do RJPI). Desta forma, enquanto se mantiver em vigor o registo da marca N/4XXX1, a titularidade das marcas da recorrente não lhe concedem o direito de imitá-la através de marcas novas, “ultrapassando” a prioridade da marca registada de terceiros (N/4XXX1) em relação à marca registanda. A recorrente disse que já pediu a caducidade da marca N/4XXX1, mas terá que esperar que lhe seja atendido o pedido para que esta marca não continue a ser obstáculo ao registo pretendido, pois que tal obstáculo de prioridade só será removido com a caducidade do registo e esta não opera automaticamente nem aqui pode ser conhecida, apesar de poder ser invocada para outros fins independentemente de prévia declaração (art. 51º, nº 3 e 231º, nº 5 do RJPI). Não adianta, pois, à recorrente dizer que tem marcas anteriores e semelhantes à marca N/4XXX1, pois isso não lhe concede a faculdade de evitar e contornar a prioridade desta marca em relação à marca registanda.
O segundo fundamento do recurso também não procede de direito. Com efeito, a susceptibilidade de indução de confusão nos consumidores oriunda da semelhança dos sinais registado e registando é avaliada em abstracto, em nada dependendo do uso e da divulgação antes feita dos sinais em confronto (arts. 214º, nº 2, al. b) e 215º do RJPI). Pode até tratar-se de sinais sem qualquer uso prévio por não terem ainda sido utilizados na actividade comercial. Assim, mesmo que a marca registada nunca tenha sido utilizada, não fica afastada a possibilidade de indução dos consumidores em confusão, caso venha a sê-lo como é direito do seu titular enquanto se não extinguir, designadamente por caducidade.
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Pelo exposto, não procedendo os fundamentos do recurso e não se vendo outras razões que contrariem a conclusão da decisão recorrida (que o sinal registando imita a marca registada N/4XXX1), julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a referida decisão.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.”
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Analisada a douta sentença de primeira instância que antecede, louvamos a acertada decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito doutrinária e jurisprudencial constante da sentença recorrida, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631º, nº 5 do CPC.
Apenas mais uns esclarecimentos.
No vertente caso, não obstante a recorrente ter pedido junto da DSE a caducidade da marca N/4XXX1 registada em nome da recorrida, dúvidas não restam de que antes do trânsito em julgado da decisão que declare a sua caducidade, o registo dessa marca mantém-se válido para todos os efeitos legais.
Veja-se o que se disse no Acórdão deste TSI, no Processo nº 940/2015:
“Na verdade, o que neste caso importava era olhar para o quadro de facto existente na altura e decidi-lo em harmonia com o direito então vigente (“tempus regit actum”). Logo, a Administração não tinha que esperar pela decisão do pedido de caducidade, se nada a impedia de decidir logo na ocasião de acordo com os dados existentes. A caducidade, se decretada e confirmada judicialmente, claro que poderia facilitar a decisão acerca do pedido de registo da recorrente. Mas não estava obrigada a fazê-lo.
E não estava obrigada a fazê-lo, não só por inexistir norma a impor tal suspensão, como a própria natureza das coisas não aconselhava a suspensão, porque a decisão sobre a caducidade não se apresentava como questão prejudicial. É por isso que a sentença a proferir no âmbito do processo x, mesmo que venha a declarar a caducidade da marca da recorrida y, não se repercute necessariamente no âmbito do presente processo judicial. Se a caducidade vier a ser reconhecida, a recorrente poderá, então, formular novo pedido com o mesmo sentido e, nessa altura, a Administração já não poderá invocar esse fundamento (registo anterior da marca em favor da recorrida) para lhe recusar o registo (neste sentido se decidiu neste TSI, em acórdão de 3/12/2015, Proc. nº 568/2015).”
E seguindo de perto o Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 575/2016, deste TSI: “se uma interessada já tem inúmeras marcas registadas em Macau que incluem os sinais nominativos C, não se pode falar em concorrência desleal, nem imitação de marcas, relativamente a outra empresa com registos vários de marcas com a designação C, se obtém uma vez mais na RAEM um registo de marca que integre, entre outros, os mesmos caracteres C”.
Por tudo o que se disse, sem necessidade de delongas considerações, temos que negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, fixando-se o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 23 de Março de 2017
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira




Recurso cível 533/2016 Página 10