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Processo nº 144/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Março de 2017

ASSUNTO:
- Prescrição

SUMÁRIO:
- Os créditos peticionados ao abrigo da cláusula penal compensatória do contrato têm por fonte na cláusula penal compensatória, ou seja, só têm lugar quando se verifica a situação da violação do contrato, pelo que constituem obrigações autónomas e não acessórias.
- Nesta conformidade, não podem ser configuradas como prestações periódicas renováveis, já que o decurso do tempo não contribui decisivamente para a determinação do seu objecto.
- Não sendo prestação periódica renovável e não tendo a lei fixado outro prazo especial, é de aplicar o prazo da prescrição ordinário previsto no artº 302º do CCM, que é de 15 anos.
O Relator

Ho Wai Neng



Processo nº 144/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Março de 2017
Recorrente: A (Autora)
Recorrida: B (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 08/09/2016, julgou-se procedente a excepção da prescrição do direito suscitada pela Ré B.
Dessa decisão vem recorrer a Autora A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. A sentença recorrida julgou procedente a excepção de prescrição da cláusula penal acordada entre as partes, por aplicação do prazo de prescrição estabelecido na alínea f) do n.º 1 do artigo 303.º do Código Civil.
B. Isto porque apenas considera a existência de obrigações contratuais da Recorrida tendo por objecto prestações periódicas e ignora todas as demais obrigações da Recorrida, quer as que realizam por via de prestações instantâneas, quer as que se realizam através de prestações de execução continuada.
C. A cláusula penal acordada pelas partes na Cláusula 41.7 do Contrato foi fixada tendo em vista compensar todos os danos resultantes do incumprimento de obrigações contratuais, devendo, em particular, compensar o período em que a loja ficou desocupada e ainda quaisquer outros danos, incluindo perdas de negócio, resultantes da resolução contratual.
D. A Recorrida incumpriu prestações instantâneas - não entregou a garantia bancária, não apresentou os planos para a decoração da loja, não obteve a aprovação de tais planos por parte da Recorrente e não fez prova da contratação do seguro - e foi com base nesse incumprimento que a Recorrente decidiu resolver o Contrato.
E. Duas das prestações principais a que a Recorrida se obrigou no Contrato foram a de abrir (prestação instantânea) e a de manter aberta a loja durante toda a duração do mesmo (prestação de execução continuada), tendo incumprido ambas.
F. As partes assentaram num critério de cálculo da cláusula penal com referência ao valor das prestações periódicas por se tratar da forma mais fácil e menos aleatória de fixar tal valor, não sendo por esse facto que a cláusula penal assume a natureza de prestação periódica ou que passa a sancionar, apenas, o incumprimento da obrigação de pagar tais prestações periódicas.
G. O prazo de prescrição a que a cláusula penal está sujeita é, pois, o prazo normal de 15 anos, conforme decorre do artigo 302.º do Código Civil.
H. As Cláusulas 41.7 e 41.8 do Contrato determinam que são, a título de cláusula penal, devidas todas as remunerações que se venceriam até ao termo do Contrato, depois de deduzido todo o rendimento efectivamente obtido de um lojista substituto durante o termo inicialmente acordado.
I. Pelo que, antes do termo final do Contrato, 28 de Dezembro de 2010, não podia a Recorrente saber sequer se existia ou não um dano e, por conseguinte, um direito à indemnização e muito menos o podia efectivamente liquidar.
J. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 299.º do Código Civil o prazo começa a correr quando "o direito puder ser exercido".
K. A sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 302.º do Código Civil, na alínea f) do n.º 1 do artigo 303.º do Código Civil e no n.º 1 do artigo 299.º do Código Civil.
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A Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 195 a 201 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
É assente a seguinte factualidade com base nos elementos existentes nos autos:
- Em 08/09/2016, o Mmº. Juíz a quo proferiu o seguinte despacho:
  “…
  Da prescrição da obrigação
Nos presentes autos vem a A., A, com os sinais melhor identificados nos autos pedir à R, B, também com os sinais melhor identificados nos autos, o pagamento da prestação decorrente do contrato de cedência de uso de espaço alegadamente celebrado entre ambas as partes e demais indeminizações decorrentes do não cumprimento do contrato em crise.
A R. na contestação para além de alegar a existência da resolução do contrato ocorrido em 29 de Dezembro de 2007, invoca ainda a prescrição, entendo que uma vez estão envolvido prestações periodicamente renováveis, o prazo de prescrição é de 5 anos (artigo 303.º n.º 1 al. f)), pelo que as obrigações já se encontram prescritas.
A A. entende que não há aplicação do disposto na al. f do n.º 1 do artigo 303.º, porque se entende que não se trata de prestações periódicas, pelo que há de aplicar o regime geral de prescrição consagrado no artigo 302.º do CC, que é de 15 anos.
Cumpre decidir.
A divergência reside em saber se as obrigações decorrentes do contrato de cedência de uso de espaço consistem em prestações periódicas ou não.
Segundo os dados carreados nos autos a A. afirma que a A., no âmbito do contrato em crise, procedeu à cessão remunerada de espaços por um período total de 3 anos, e que em contrapartida, a R. tinha a obrigação de pagar mensalmente um montante denominado por "Base Fee" e que esse pagamento vence-se no dia 1 de cada mês.
Além disso, a A entende que também tinha a R. a obrigação de proceder mensalmente ao pagamento à A. das taxas de gestão ou taxas de participação nas despesas comuns (o chamado "Management Fee"), uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de promoção (o chamado "Promotion Levy"), uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento (o chamado "Streetmosphere Levy").
Todas essas despesas vencem-se no dia 1 de cada mês.
Como se vê, o pagamento da contrapartida e dos demais despesas é mensal, isto é, renovável mensalmente.
A doutrina ensina-nos que as prestações duradouras propriamente ditas são aquelas em que a sua duração contribui decisivamente para a determinação do seu objecto, maxime no seu montante global, como sucede na obrigação de pagamento da renda, em que o montante da renda depende da duração do contrato de arrendamento e do tempo de efectiva disponibilidade do gozo do arrendado (cfr. art. 998.°).
Ora, se no caso concreto e segundo o acordado entre a A. e a R., o pagamento das contra-prestações em que a R estava obrigado é mensal e vence-se em 1 de cada mês, dúvidas não restarão que efetivamente se tratam de prestações periódicas.
Neste sentido, e quanto à prescrição deve aplicar o disposto no artigo 303.° al f) em que consagra o prazo de prescrição de 5 anos.
Outra questão que deve resolver é a de saber quando é que começa correr o prazo de prescrição.
Entende a A. que segundo o acordado o termo inicial foi fixado em 29 de Dezembro de 2007 (artigo 10.° do pi) e face ao incumprimento da R. este foi interpelado pela A. para o cumprimento. Mantendo a R. em incumprimento contratual, depois de ter sido interpelado, a A, fixou o dia 14 de Fevereiro de 2008, como a data em que ocorreu a resolução do contrato (cfr. artigo 36.° a 39.° do p.i.).
Ora, na perspectiva da A., a resolução do contrato ocorreu em 14/02/2008 e a partir dessa data as obrigações de indemnização invocadas pela A. já se encontram vencidas, por isso, é que vem com a presente acção pedir o ressarcimento dos danos causados.
Nos termos do artigo 299.° n.º 1 do CC., o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
Quanto ao começo da contagem da prescrição, a A. entende que deve iniciar a contagem em 28/12/2010, ou seja, fim dos 3 anos do contrato.
Parece-nos que não assiste razão a A.
Ora, se a resolução do contato já tiver tido ocorrido antes da data prevista para o termo do contrato (na ótica da A., em 14/02/2008), o efeito da resolução repercute-se na esfera jurídica tanto do devedor como do credor quando se deu a tal resolução. E nesta medida, não faz sentido invocar uma outra data prevista no contrato para o terminus do contrato, pois, uma vez resolvido o contrato, o terminus aí previsto já é um facto que nunca iria acontecer, uma vez que se deu a resolução do contrato antes dessa data.
Assim, entendemos que uma vez resolvido o contrato, as eventuais prestações decorrentes desse contrato encontram-se já vencidas.
No caso concreto, as prestações periódicas vencem-se mensalmente a partir do termo inicial, ou seja, em 29/12/2007.
A A. alega que a resolução do contrato ocorreu em 14/02/2008, enquanto que a R. alega que com a comunicação do abandono do contrato à A., a resolução operou-se em 29/12/2007.
Seja em que data se deu a resolução, a verdade é que desde o vencimento das obrigações até à data em que a R. foi citada, ou mesmo até à data da propositura da presente acção, já tinham decorrido mais que cinco anos.
Assim, encontram-se prescritas as obrigações atinentes ao "Base Fee" , à taxa de gestão ou taxas de participação nas despesas comuns (o chamado "Management Fee"), à taxa de comparticipação nas despesas comuns de promoção (o chamado "Promotion Levy") e à taxa de comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento (o chamado "Streetmosphere Levy"), nos termos do artigo 303.° al f) do CC.
Prescritas as obrigações principais, todas as outras acessórias nomeadamente os juros e as derivadas das cláusulas penais também se encontram prescritas, por princípio de acessoriedade.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente porque as obrigações invocadas pela A. já se encontram prescritas.
Custas a cargo da A.
Registe e Notifique.
DN. ”
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III – Fundamentação:
No caso sub justice, a Autora pediu o pagamento pela Ré dos seguintes créditos:
a) a quantia de HKD281,992.52 a titulo da prestação contratual, respeitante ao período entre 29/12/2007 a 14/02/2008;
b) a quantia de HKD2,657,657.40 ao abrigo da cláusula penal compensatória;
c) os juros de mora calculados sobre a quantia prevista nas alíneas a) e b) desde a data da citação, à taxa de juros legal, acrescida de uma sobretaxa de 2% ao ano;
d) o reembolso do imposto de selo efectivamente pago pela Autora, no valor de MOP27.966,03, mas cujo montante final está ainda por fixar em processo judicial pendente.
O Tribunal a quo decidiu que todos os créditos peticionados pela Autora já se encontram prescritos.
Será uma decisão correcta que aponta para a boa solução do caso?
Para nós, e salvo o devido respeito, não se nos afigura que se trate duma decisão totalmente correcta.
Em relação aos créditos peticionados a título da prestação contratual, bem como aos respectivos juros de mora, respeitante ao período entre 29/12/2007 a 14/02/2008, concordamos com a decisão recorrida no sentido de que são obrigações periódicas renováveis cujo prazo de prescrição é de 5 anos, a contar das respectivas datas do vencimento, sendo a última data de vencimento em 14/02/2008, uma vez que são obrigações que se renovam mensalmente.
Assim, estes créditos, bem como os respectivos juros de mora peticionados, já se encontram prescritos à data da propositura de acção (dia 01/12/2014).
Nesta conformidade, é de negar provimento ao recurso nesta parte, confirmando a decisão recorrida nesta parte nos seus exactos termos para os quais ora se remete.
Quanto aos créditos peticionados ao abrigo da cláusula penal compensatória do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, já não nos parece que a decisão recorrida tenha decidido de forma correcta.
Estes alegados créditos têm por fonte na cláusula penal compensatória, ou seja, só têm lugar quando se verifica a situação da violação do contrato, pelo que constituem obrigações autónomas e não acessórias.
Nesta conformidade, não podem ser configuradas como prestações periódicas renováveis, já que o decurso do tempo não contribui decisivamente para a determinação do seu objecto.
É certo que as partes acordaram que o quantum indemnizatório para o incumprimento do contrato era calculado em função das prestações periódicas que a Autora deixaria receber, subtraído as eventuais receitas provenientes de outro lojista que iria ocupar a loja abandonada, mas isto não significa que as obrigações delas resultantes têm necessariamente a mesma natureza.
Uma coisa é a forma do cálculo do quantum indemnizatório, outra é a natureza da obrigação indemnizatória.
Ora, não sendo prestação periódica renovável e não tendo a lei fixado outro prazo especial, é de aplicar o prazo da prescrição ordinário previsto no artº 302º do CCM, que é de 15 anos, para a alegada obrigação indemnizatória em referência.
No que respeita ao início do curso da prescrição, o artº 299º do CCM prevê que:
1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.
3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele ou, caso se trate de pessoa colectiva, da sua extinção.
4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença transitada em julgado.
No caso em apreço, não obstante as partes terem acordado que o quantum indemnizatório para o incumprimento do contrato era calculado em função das prestações periódicas que a Autora deixaria receber, o certo é que ainda não se trata dum quantum indemnizatório líquido, já que as partes mais acordaram que a esse valor há de subtrair as eventuais receitas provenientes de outro lojista que iria ocupar a loja abandonada.
Assim sendo e nos termos do nº 4 do artº 299º do CCM, a prescrição só começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação.
Quando é que é lícito para a Autora promover a liquidação do quantum indemnizatório?
Para nós, a partir da data em que vigora o novo contrato celebrado entre a Autora e o outro lojista para ocupar a loja deixada pela Ré, isto é, em 01/07/2008, já é lícito para a Autora promover a liquidação, já que naquele momento, a Autora já possui todos os elementos necessários para exercer o seu direito indemnizatório, nomeadamente já sabia o período exacto das prestações periódicas que deixou receber em consequência da eventual violação do contrato por parte da Ré.
Portanto, o prazo da prescrição inicia-se no dia 01/07/2008, e não em 28/12/2010 tal como é pretendido pela Autora, nem em 14/02/2008 tal como é determinado na decisão recorrida.
Como se vê, para a alegada obrigação indemnizatória, bem como os respectivos juros de mora peticionados, ainda não decorreu o prazo da prescrição tanto na data da propositura da acção como na data da citação da Ré.
O mesmo acontece com o pedido do reembolso do imposto do selo formulado pela Autora, visto que este, caso vier julgar-se procedente, também não constitui uma obrigação periódica renovável.
Face ao expendido, o presente recurso não deixará de se julgar como provido parcialmente.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida na parte correspondente e ordenando a baixa dos autos para a prosseguir os termos processuais ulteriores se a tal não existir outras causas que obstem.
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Custas a final em conformidade com o respectivo vencimento.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Março de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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