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Processo n.º 504/2016
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 23/Março/2017
   
Assuntos:
- Interpretação e integração da lei fiscal
- Imposto de selo
- Tributação dos rendimentos auferidos pela cedência dos espaços a lojistas em centros comerciais
 
  SUMÁRIO :
    1. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojista em Centro Comercial são contratos atípicos e não sujeitos a incidência de imposto de selo, nos termos dos arts. 26º a 30º do RIS e respectiva Tabela, não sendo possível equipará-los ao arrendamento para efeitos de tributação.
    
    2. Pode colher-se, com alguma consistência, a ideia de que igualmente os princípios interpretativos parcelares baseados nas doutrinas da interpretação literal, funcional ou económica não bastam para responder às dificuldades que se colocam no âmbito do direito fiscal, donde se estabeleceu o consenso de que uma solução de equilíbrio, plasmada nas regras gerais da interpretação das normas, tal como decorre entre nós do artigo 8º do Código Civil, é a que melhor tutela os vários interesses em presença.
    
    3. Tal não significa que se desprezem, como decorre daquela norma geral, os princípios próprios do direito fiscal que dimanam da natureza, v.g. das isenções tributárias, dos benefícios e isenções fiscais, seja para restringir, seja para permitir a interpretação extensiva e se esta última é possível, já o não será não a integração das lacunas, no domínio dos elementos essenciais do imposto, face ao princípio da legalidade e tipicidade fiscal.
              O Relator,
              
João A. G. Gil de Oliveira











Processo n.º 504/2016
(Recurso Contencioso)

Data : 23 de Março de 2017

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificada nos autos,
    notificada, através do ofício n.º 016/NAJ/DB/2016, do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 26 de Abril de 2016, que indeferiu a pretensão formulada em sede de recurso hierárquico necessário, onde se peticionou a revogação do acto de liquidação oficiosa de Imposto do Selo incidente sobre contratos de arrendamento,
    vem, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, conjugado com a subalínea (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999 (com as alterações introduzidas pela Leis n.ºs 7/2004 e n.º 9/2004) e com o artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, interpor
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO,
sustentando, em síntese:
    1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e objecto do presente recurso contencioso o seu Despacho de 26 de Abril de 2016, que indeferiu o recurso hierárquico necessário em que se impugnou a liquidação de Imposto do Selo sobre arrendamento.
    2. O acto recorrido qualificou o contrato de cedência de uso da loja XX do rés-do-chão do Edifício XXXXX, celebrado entre a Recorrente e a sociedade denominada B, como um contrato de arrendamento.
    3. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojistas em espaços comerciais não são contratos de arrendamento.
    4. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojistas em espaços comerciais são contratos atípicos não sujeitos às normas de incidência do Regulamento do Imposto do Selo, previstas nos artigos 26º a 30º deste Regulamento.
    5. O acto recorrido, ao tributar o contrato em causa, padece de vício de violação de lei, por ofensa aos artigos 1º e 26º e seguintes do RIS e artigo 6 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21º, nº 1, alínea d) do CPAC.
    6. O acto recorrido enferma de vício de violação de lei, por determinar a aplicação das regras dos artigos 26º e 27º do Regulamento do Imposto do Selo e 6 da Tabela Geral do Imposto do Selo ao contrato de cedência de uso de espaço, violando os Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal e a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009, na medida em que as normas de incidência em causa são de aplicação exclusiva aos contratos de arrendamento, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21º, nº 1, alínea d) do CPAC.
    7. O acto recorrido, ao tributar o contrato de cedência de uso ao abrigo dos artigos 26º e 27º Regulamento do Imposto do Selo e 6 da Tabela Geral, que são normas de incidência de aplicação exclusiva aos contratos de arrendamento procede à integração de lacunas.
    8. A integração de lacunas em Direito Fiscal é proibida, atenta a especialidade das referidas normas de incidência, pelo que o acto recorrido padece de vício de violação de lei, por ofensa ao princípio da proibição da integração de lacunas em Direito Fiscal, do artigo 6º, alínea 15) da Lei n.º 13/2006 e artigo 71º, alínea 3) da Lei Básica da Região, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC
    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ª entenda por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26 de Abril de 2016, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei por ofensa aos artigos 26º a 30º do Regulamento do Imposto do Selo e 6 da tabela Geral do Imposto do Selo, dos Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal, da proibição de integração analógica em Direito Fiscal e, consequentemente, do artigo 6º, alínea 15) da Lei n.º 13/2009 e artigo 71º, alínea 3) da Lei Básica da Região.
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, vem, para o efeito, nos termos dos artigos 52° e 53° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) apresentar a sua CONTESTAÇÃO, concluindo:
I
    O recurso que ora se contesta tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26 de Abril de 2016, exarado na Proposta n° 008/NAJ/DB/2016, e notificado à recorrente através do Oficio n° 16/NAJ/DB/2016, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela ora recorrente, onde peticionou a revogação do acto de liquidação do imposto do selo incidente sobre um contrato de arrendamento celebrado entre si e a sociedade B, no valor de MOP$60,812.00.
II
    Para a recorrente a ilegalidade do acto recorrido assenta no facto da administração tributária ter qualificado o contrato celebrado com o lojista como contrato de arrendamento quando, no entender da recorrente, aquele contrato é um contrato atípico e logo não se enquadra no âmbito das normas de incidência do imposto do selo.
III
    Mas em sede de Direito Fiscal os arrendamentos representam uma manifestação de riqueza, quer seja em Portugal quer em Macau, e logo são taxáveis em ambos os sistemas.
IV
    Em Portugal, onde foi introduzido o imposto sobre o consumo, mais comummente imposto sobre o valor acrescentado (lVA), as operações que são sujeitas a este imposto não são sujeitas a imposto do selo. Isto, porque, o IVA incide sobre todas as prestações onerosas de serviços e logo sobre todas as actividades empresariais.
V
    Portanto, em Portugal, a administração tributária entende que, em regra, os contratos de locação de bens imóveis é isenta de IVA e sujeitos a imposto do selo, com a excepção, entre outras, da locação de espaços destinados a actividades de natureza comercial e/ou industrial.
VI
    A fim de evitar a dupla tributação, o legislador português, quando previu a tributação daqueles contratos em sede de IVA exclui os mesmos da incidência de imposto do selo ao abrigo da norma de delimitação negativa do n.º 2 do artigo 1.° do CIS.
VII
    "Tal exclusão do campo de incidência impede, assim, que o imposto do selo possa vir a ser repercutido no preço dos bens e serviços sujeitos a IVA, agravando a base de incidência deste último imposto e gerando um efeito de dupla tributação. O imposto do selo assume, por isso, um carácter residual face ao IVA, apenas incidindo sobre factos ou actos que além de previstos na Tabela Geral não estão sujeitos a IVA, ou que estando sujeitos, dele se encontrem isentos". (Cfr. Saldanha Sanches/M.Anselmo Torres, "A incidência de selo sobre o trespasse", Fiscalidade, n.º 32, pp5)
VIII
    Já em Macau, o contrato sub judice reúne os 3 elementos essenciais da locação/arrendamento nos termos dos artigos 969.° e 970.° do c.c., a saber: obrigação do locador proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte, ou seja, o aproveitamento das utilidades da coisa no âmbito do contrato, que podem ser o uso ou o uso e a fruição da coisa locada, o prazo, o gozo da coisa locada deve ser temporário, valendo o prazo estipulado pelas partes; e a retribuição (pelo gozo da coisa locada).
IX
    E no Capítulo VII do Regulamento do Imposto do Selo, sob a epígrafe "Arrendamentos", bem como da Tabela Geral, não consta qualquer distinção de que tipo de arrendamento se trate.
X
    A posição da recorrente segundo a qual o contrato em questão não é susceptível de ser qualificado como um arrendamento, julgamos não se adequar às novas realidades e desde logo àquela que foi criada pela proliferação de grandes superfícies comerciais em Macau, o que tomou evidente a desadequação de um regime de locação rígido subordinado às clássicas regras tipificadas, tendo aparecido neste contexto os chamados contratos atípicos de instalação de lojistas em centros comerciais.
XI
    E muito embora tais contratos, a coberto do princípio da liberdade contratual, acabem por estipular regras que, em vários aspectos, diferem daquelas que o legislador manda aplicar aos típicos contratos de arrendamento, a verdade é que não estamos perante uma realidade deveras diferente daquela que constitui a locação e o arrendamento, tal como o legislador os configura, nem daqueles contratos que teve em mente nos artigos 26.º e ss. do RIS aprovado, recorde-se, em 1988, quando em Macau não existiam as grandes superficies comerciais actuais.
XII
    O contrato de cedência de loja em centro comercial centra-se na cedência temporária do gozo de um espaço, mediante retribuição, no qual o lojista vai instalar um estabelecimento comercial e ali exercer a sua actividade de comerciante, tratando-se pois de contratos necessariamente assentes numa base locatícia.
XIII
    Para o que aqui releva, os denominados contratos de cedência de loja em centro comercial, posto que contemplem uma realidade não totalmente coberta pelo regime de arrendamento têm, no entanto, uma inegável componente de arrendamento, numa conjugação de "arrendamento" com uma "prestação de serviços", o chamado contrato misto.
XIV
    Devendo pois ser considerados para efeitos fiscais, atendendo à vertente locatícia do negócio, como arrendamentos previstos taxativamente no Regulamento do Imposto do Selo e respectiva Tabela Geral.
XV
    Pelo que agiu a administração fiscal em estrito cumprimento do princípio da legalidade ao aplicar os artigos 26.º e segts do RIS, artigo 6.º da TGIS e artigo 14.º do RCPU ao contrato celebrado entre a recorrente e o lojista.
XVI
    Não se verifica pois quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
    Termos em que se requer a V.Exa, que seja o presente recurso declarado improcedente e, consequentemente, mantido o acto recorrido.
    5
    3. A., veio apresentar as suas, ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, dizendo, em síntese:
    1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e objecto do presente recurso contencioso o seu Despacho de 26 de Abril de 2016, que indeferiu o recurso hierárquico necessário em que se impugnou a liquidação de Imposto do Selo sobre arrendamento.
    2. O acto recorrido qualificou o contrato de cedência de uso da loj a XX do rés-dochão do Edifício XXXXX, celebrado entre a Recorrente e a sociedade denominada B, como um contrato de arrendamento.
    3. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojistas em espaços comerciais não são contratos de arrendamento.
    4. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojistas em espaços comerciais são contratos atípicos não sujeitos às normas de incidência do Regulamento do Imposto do Selo, previstas nos artigos 26º a 30º deste Regulamento.
    5. O acto recorrido, ao tributar o contrato em causa, padece de vício de violação de lei, por ofensa aos artigos 1º e 26º e seguintes do Regulamento do Imposto do Selo e artigo 6 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
    6. O acto recorrido enferma de vício de violação de lei, por determinar a aplicação das regras dos artigos 26º e 27º do Regulamento do Imposto do Selo e 6 da Tabela Geral do Imposto do Selo ao contrato de cedência de uso de espaço, violando os Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal e a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009, na medida em que as normas de incidência em causa são de aplicação exclusiva aos contratos de arrendamento, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21 º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
    7. O acto recorrido, ao tributar o contrato de cedência de uso ao abrigo dos artigos 26º e 27º Regulamento do Imposto do Selo e 6 da Tabela Geral, que são normas de incidência de aplicação exclusiva aos contratos de arrendamento, procede à integração de lacunas.
    8. A integração de lacunas em Direito Fiscal é proibida, atenta a especialidade das referidas normas de incidência, pelo que o acto recorrido padece de vício de violação de lei, por ofensa ao princípio da proibição da integração de lacunas em Direito Fiscal, do artigo 6º, alínea 15) da Lei n.º 13/2006 e artigo 71º, alínea 3) da Lei Básica da Região, sendo anulável, ao abrigo do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 21 º, n.º 1, alínea d) do CPAC
    Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.s entenda por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 26 de Abril de 2016, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei por ofensa aos artigos 26º a 30º do Regulamento do Imposto do Selo e 6 da tabela Geral do Imposto do Selo, dos Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal, da proibição de integração analógica em Direito Fiscal e, consequentemente, do artigo 6º, alínea 15) da Lei n.º 13/2009 e artigo 71º, alínea 3) da Lei Básica da Região.

    4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 26 de Abril de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o recurso hierárquico que A havia interposto do indeferimento de uma reclamação contra o acto de liquidação de imposto de selo relativamente a um contrato que a recorrente celebrara com a sociedade B.
    A recorrente entende que o imposto liquidado não é devido, já que não cabe no âmbito da norma de incidência, imputando ao acto os vícios de violação de lei por ofensa dos artigos 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo aprovado pela Lei 17/88/M, de 27 de Junho, e 6.° e 23.° da Tabela Geral anexa, por ofensa do princípio da tipicidade tributária e por ilegal integração da lei fiscal.
    Está em causa a tributação, em imposto de selo, de um contrato de cedência de uso de loja em centro comercial.
    E a questão primeira que se coloca é a de saber se, atentas as características específicas deste tipo de contratos, é possível considerá-los contratos de arrendamento ou detectar-lhes alguma realidade autonomizável e enquadrável na noção de arrendamento, tal como ela é recebida do direito civil, pois o direito fiscal não elegeu, nesta matéria, uma noção diversa daquela.
    Em casos idênticos, sobre os quais anteriormente tivemos oportunidade de nos pronunciar, considerámos que os denominados contratos de cedência de loja em centro comercial, posto que contemplando uma realidade não totalmente coberta pelo regime do arrendamento, assentavam numa inegável base locatícia imobiliária. Daí que tenhamos concluído pelo englobamento de tais contratos na norma de incidência, embora tão só na parte relativa à normalmente denominada base fee, que constituiria a contrapartida locatícia.
    A jurisprudência dos tribunais superiores de Macau vem, no entanto, firmando entendimento segundo o qual os questionados contratos substanciam puros contratos inominados, que, dada a substancial diferença que apresentam relativamente aos típicos contratos de arrendamento, não podem subordinar-se ao regime destes. Trata-se de entendimento que vai ao encontro da doutrina e da jurisprudência largamente maioritárias no Ocidente, onde primeiro se equacionaram as questões derivadas da nova realidade de integração de estabelecimentos proporcionada pelos modernos e polivalentes centros comerciais. Assim sucedeu com o Tribunal de Segunda Instância, através dos acórdãos de 28.04.2016 e de 22.09.2016, tirados respectivamente nos processos 814/2015 e 91/2016, sendo de idêntico sentido o recente acórdão de 16 de Novembro de 2016, do Tribunal de Última Instância, prolatado no processo 71/2016.
    Vista esta tendencial orientação jurisprudencial, à qual os intérpretes do direito não podem ficar indiferentes, haverá que aceitar que o acto recorrido, ao sancionar a tributação em imposto de selo, a título de arrendamento, de uma realidade que escapa ao conceito de arrendamento, incorreu em violação das normas do Regulamento do Imposto de Selo e da Tabela apontadas pela recorrente.
    Termos em que, na procedência do inerente vício de violação de lei, somos pelo provimento do recurso.
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    III - FACTOS
A recorrente foi notificada do facto impugnado nos seguintes termos:
“Nossa ref.: 016/NAJ/DB/2016
Assunto : Notificação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 26/04/2016.
    Na sequência do recurso hierárquico interposto, fica pelo presente notificado, nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, do despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 26.04.2016, exarado na Proposta n.º 008/NAJ/DB/2016, sendo o seu teor o que a seguir se transcreve:
    “Concordo com a proposta. Indefiro o recurso hierárquico necessário”
    Ass.: C, aos 26/04/2016.
    Da Proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
"I. Do Recurso Hierárquico Necessário - Pressupostos processuais.
    Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, vem a sociedade A, recorrer hierarquicamente do acto de indeferimento que recaiu sobre a reclamação apresentada a 14 de Dezembro de 2015 contra o acto de liquidação do imposto do selo, notificado mediante o Oficio n.º 4241/NIS/DOI/RFM/2015, que calculou o imposto do selo relativo a 1 contrato de arrendamento celebrado entre sociedade supra identificada e a sociedade B, no valor de MOP$60,812.00.
    O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 6.º da Lei n.º 15/96/M, sendo o Senhor Secretário para a Economia e Finanças a entidade competente para decidir, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003. A interposição do presente recurso suspende a eficácia do acto recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 157º do Código do Procedimento Administrativo.
II. Factos e fundamentos do recurso.
    Os Factos.
    1) A Direcção dos Serviços de Finanças notificou a A, do despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças de 6 de Outubro de 2015 que autorizou a liquidação do imposto do selo, mediante o Oficio n.º 3749/NIS/DOI/RFM/2015, de 27 de Novembro, onde se informava que nos termos do artigo 27.º do Regulamento do Imposto do Selo e artigo 6.º da Tabela Geral anexa, a contribuinte se encontra obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 0,5% sobre o montante do contrato de arrendamento celebrado com a sociedade B, no valor de MOP$60,812.00.
    2) Nesse Oficio foi CE A, igualmente notificada que daquele acto cabia reclamação, no prazo de 15 dias, para o Director dos Serviços de Finanças nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 em conjugação com o artigo 4.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
    3) Em sede de reclamação veio a agora recorrente, entre a alegação de outros vicios, declarar não concordar com a qualificação daquele contrato como arrendamento.
    4) A referida reclamação foi indeferida mediante o despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças de 28 de Dezembro de 2015, exarado na Informação n.º 2670/NVT/DOI/RFM/2015, sendo esse despacho o objecto do presente recurso hierárquico necessário, que deu entrada na DSF no dia 3 de Fevereiro de 2016.
    Os Fundamentos.
    Em síntese, entende a recorrente:
    a) que foi preterido o direito de audiência no procedimento de Liquidação, prevista no artigo 93.º do CPA;
    b) que o acto administrativo impugnado não se encontra fundamentado, enquadrando-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 114.º do CPA;
    c) que o contrato objecto de tributação em sede de imposto do selo não é qualificável como contrato de arrendamento mas como contrato atípico e inominada e que, como tal, o âmbito de incidência taxativo do imposto do selo não abrange estes contratos;
    d) que foi violado o principio da legalidade na vertente do princípio da tipicidade tributária, uma vez que foi tributado em sede de imposto do selo um contrato atipico, não havendo norma que o preveja;
    e) e nessa sequência, ao alargar o âmbito de incidência do Imposto de selo a contratos não previstos na lei, violou a administração a proibição de integração de lacunas em direito fiscal.
    A recorrente pede, afinal, a revogação do acto que indeferiu o pedido de anulação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo, formulado em sede de reclamação, por verificação dos vícios supra citados.
III. Apreciação.
a) Da preterição do direito de audiência
    Relativamente ao pretenso vício de forma por preterição da formalidade de audiência do interessado sempre se dirá que no caso em apreço não há lugar a audiência dos interessados uma vez que as disposições do CPA relativas à audiência não são aplicáveis ao procedimento tributário em causa.
    Com efeito, enquanto o CPA, por um lado, estabelece a aplicação CI todas as actuações da Administração Pública das disposiçôes nele contidas relativas à organização e à actividade administrativa (n.º 5 do artigo 2.º do CPA), ou seja, as regras de direito substantivo que regulam a actividade administrativa, por outro lado, os trâmites processuais que regulam os procedimentos especiais prevalecem sobre as regras genéricas do CPA, nos termos do n.º 6 do seu artigo 2.º, que estabelece que o CPA é aplicável supletivamente aos procedimentos especiais, ou seja apenas em caso de lacuna.
    É o que sucede, para o que aqui nos interessa, no caso da não previsão da existência de audiência prévia dos interessados nos casos de liquidação oficiosa, "por não se tratar aí de uma imperfeição contrária ao plano normativo do respectivo procedimento, mas, sim, de uma omissão querida pelo legislador, ao entender que nesses procedimentos tributários tal formalidade constituiria uma degeneração do sistema instituído, retirando a utilidade prática da liquidação oficiosa que é a reparação de prejuízos já sofridos.
    São de considerar "como especiais os procedimentos respeitantes ao exercício de uma determinada competência que se encontre regulada em normas procedimentais próprias. (no "processo" disciplinar, no "processo" expropriatório, no procedimento de licenciamento de obras e loteamentos, no procedimento concursal de empreitadas e obras públicas, etc., etc.)" aos quais acrescentamos o procedimento tributário, conforme está definido nas leis e regulamentos fiscais em Macau.
    Claro que a aplicação supletiva das disposições do CPA estende-se aos procedimentos administrativos tributários, mas somente quando haja verdadeira lacuna - o que não é o caso. Com efeito, o CPA não veio revogar ou substituir de pleno os inúmeros procedimentos especiais que abundam na Administração Pública. Continuam a vigorar, evidentemente, as normas reguladoras dos procedimentos (tributários) previstos nos vários regulamentos dos impostos e outros diplomas legais.
    Esta solução parece-nos também mais adequada à natureza do direito fiscal - conjunto de normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional da Região, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a sua existência como o seu funcionamento (daí a razão da necessidade ou desejo de chegar pronto ou sem demora da entrada dos impostos nos cofres públicos que já num momento anterior deviam ter entrado).
    Como é sabido, o imposto é objectivamente uma prestação pecuniária, uma prestação que tem porfonte a lei. E, o que é importante sublinhar, a obrigação do imposto surge exclusivamente por força do encontro com a lei, independentemente, portanto, de qualquer manifestação de vontade do contribuinte nesse sentido.
    Situação diferente das pretensões dos particulares perante a Administração, no qual visam obter (mediante requerimento) do órgão administrativo competente, a produção de um efeito jurídico constitutivo ou recognitivo só realizável através da prática de um acto administrativo - nestes procedimentos administrativo propriamente ditos têm a doutrina e jurisprudência, em geral, entendido a audiência como umaformalidade essencial.
    Além disso, a omissão desta formalidade gera vício de forma apenas quando o interessado viu, defacto, afectados as suas garantias de defesa - o que não é o caso. A disciplina essencial de cada imposto - quer de quem, de como, de quando e do que se tributa, estabelecendo assim toda uma teia de limites à tributação, sejam eles de carácter formal ou material - está prevista nos diversos regulamentos dos impostos.
    A liquidação, porque feita centenas de milhares de vezes em cada ano, constitui um acto de massa e porque assim é que não se exige de tais actos o mesmo que se deve exigir dos outros actos administrativos que se destinam a situações específicas individualizadas. Pelo que, não será conveniente a audiência nos procedimentos tributários, por se tratar de actos ou procedimentos de massa, sendo inviável respeitar o preceito - daí se diz que constitui uma regulamentação negativa (omissão querida pelo legislador) a não previsão da audiência nos Regulamentos dos Impostos.
b) Dafalta de fundamentação
    Alega a recorrente que "adquire especial censura a inexistência de uma fundamentação para o acto administrativo ora impugnado porquanto ele se enquadra na alínea a) do n.º 1 do artigo 114.º do CPA", sendo absolutamente desconhecidos "os motivos que terão levado a Administração Fiscal a configurar um contrato de ocupação de espaço comercial como sendo uma arrendamento", bem como "a sustentação jurídica que permita compreender a qualificação que leva a cabo".
    Apreciando o invocado vício, resulta inequívoco que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado na Informação n.º 1946/NIS/DOI/RFM/2015, que mereceu a concordância do Senhor Director dos Serviços de Finanças. e onde se encontram explicitadas as razões ele facto e ele direito para ter sido aquele contrato tributado, em obediência ao artigo 115º do CPA que dispõe que a fundamentação “..... deve ser expressa. através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão ..."
    E as razões de facto e de direito subjacentes ao acto de liquidação oficiosa constantes daquela Informação foram sucintamente vertidas na notificação ao contribuinte mediante o Oficio n.º 3749/NIS/DOI/RFM/2015 de 27.11.
    O acto ora recorrido, que decidiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa, também se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 2670/NIS/DOI/RM/2015 que mereceu a concordância do Senhor Director dos Serviços pelo despacho ora impugnado onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para o indeferimento da reclamação e para ter sido aquele contrato tributado.
    Pelo ofício n.º 4241/NIS/DOI/RFM/2015, de 30.12, foi a ora recorrente notificada da decisão sobre a reclamação.
    Após a notificação do acto de liquidação oficiosa a ora recorrente para além ele não ter solicitado qualquer elemento que considerasse em falta, apresentou inclusivamente reclamação daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação do contrato em sede de imposto do selo.
    Constituindo a falta ou insuficiência de fundamentação um vicio de forma que determina, em principio, a invalidade do acto administrativo, sempre se dirá que os vicias poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance.
c) Qualificação do contrato e o mesmo face ao direito fiscal.
    A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição e consistindo um bem imóvel a coisa locada estamos perante um arrendamento. (cfr. artigos 969.º e 970.º do Código Civil)
    Daqui retira-se que os elementos essenciais que integram a locação (e o arrendamento) são três, a saber: obrigação do locador proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte, ou seja, o aproveitamento das utilidades da coisa no âmbito do contrato, que podem ser o uso ou o uso e a fruição da coisa locada, o prazo, o gozo da coisa locada deve ser temporário, valendo o prazo estipulado pelas partes; e a retribuição (pelo gozo da coisa locada).
    O contrato de arrendamento, nos termos acima expostos, pode ter por fim a habitação, o exercício de empresa comercial, o exercício de profissão liberal, a actividade rural ou outra aplicação licita do prédio conforme dispõem os artigos 975º, n.º 2 e 1031º do Código Civil.
    Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Código Comercial considera-se empresa comercial toda a organização de factores produtivos para o exercício de uma actividade económica destinada à produção para a troca sistemática e vantajosa, designadamente, das actividades das alíneas a) a e) do número 1 do artigo 2.º do Código Comercial.
    No Capítulo VII, do Regulamento do Imposto do Selo, sob a epígrafe “Arrendamentos”, bem como da Tabela Geral não consta qualquer distinção de que tipo de arrendamento se trate.
    O imposto do selo visa taxar uma manifestação de riqueza que se traduz no valor constante dos actos, contratos e outros actos ou situações jurídicas que se encontrem previstas no RIS, conforme se retira da respectiva norma de incidência objectiva do artigo 1.º do RIS.
    Alega a recorrente que a liquidação do IS comfundamento no artigo 27.º do RIS é ilegal, na medida em que as normas que a sustentam são de aplicação exclusiva aos contratos de arrendamento, não estando o contrato celebrado entre si e a sociedade B, Litnited sujeito ao regime juridico do arrendamento.
    Ora, aceitando-se que o conceito de "arrendamento" constante do RIS reúne os elementos tipo do contrato de arrendamento, não pode deixar de taxar-se tais documentos, de acordo com o artigo 6º e 23º da Tabela do RIS.
    Ainda assim, sempre diremos que o Direito Civil desempenha a função de Direito Comum a outros ramos do Direito, em virtude de constituir um reservatório de princípios jurídicos gerais e de conceitos e normas também de carácter geral.
    No entanto, tal circunstância não vincula o Direito Fiscal ao Direito Civil pois os conceitos e juizos consagrados pelo Direito Civil não são necessariamente válidos no campo do Direito Fiscal.
    Aqueles juizos e conceitos só serão aplicáveis no Direito Fiscal quando as leis tributárias os não tenham excluído e quando não se mostrem incompatíveis com os princípios gerais do sistema fiscal.
    Porque a adopção pura e simples de alguns conceitos civilistas no campo do Direito Tributário abriria, muitas vezes, a via para mais frequentes e ostensivas evasões fiscais.
    A titu.lo de exemplo veja-se a promessa de venda de prédio que não opera transmissão civil desse prédio mas constitui transmissão para efeitos fiscais. (n.º 2 e alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do RIS)
    No caso sub judice, trata-se pois, para efeitos fiscais, de um de arrendamento, previsto taxativamente no Regulamento do Imposto do Selo e respectiva Tabela Geral. Nos termos do artigo 27.º do RIS e do artigo 6.º da TGIS a recorrente está obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 5% em relação à renda de todo o tempo do contrato.
    Sendo o selo devido pelos contratos de arrendamento pago por selo de verba o mesmo é arrecadado por meio de guias.
    Em caso de incumprimento a administraçãofiscal procede à liquidação oficiosa nos termos do artigo 60.º do RIS.
    Encontra-se, igualmente, a recorrente obrigada à apresentação do modelo M/4 (participação de arrendamento) enquanto entidade locadora nos termos do artigo 17º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana.
    Finalmente discordamos ainda da posição da recorrente quanto à "inexistência de renda" no contrato em causa, que o distinguiria dos contratos de arrendamento, porquanto o artigo 14.º do Repu dispõe que "é tido como renda tudo quanto o senhorio receba do arrendatário. ou este receba em sua vez, por efeito da cedência do uso e fruição do prédio e dos serviços porventura nele estabelecidos, quer estes sejam especiais para o arrendatário, quer comum a outros inquilinos do mesmo ou de diversos prédios e ainda que também aproveitem ao próprio senhorio."
d) Violação dos princípios da legalidade e da proibição da analogia em Direito Fiscal.
    A suposta violação dos dois princípios referidos advém da qualificação dada pela recorrente ao contrato celebrado entre si e a Sociedade em questão. Ora, como já se disse. uma vez que estamos perante um arrendamento para efeitos fiscais, previsto taxativamente no artigo 27.º do RIS (arrendamentos), não existe pois qualquer violação do princípio da legalidade nem se procedeu a integração de lacunas mediante analogia, proibida como é sabido em direito fiscal.
    Por todo o expendido outra não pode ser a conclusão de que agiu a administração tributária em estrito cumprimento da legislação à matéria aplicável inexistindo qualquer vício que gere a anulabilidade do acto recorrido.
CONCLUSÕES:
    1) À luz do quadro legal aplicável - Cfr. artigos 1º, 14º e 27º do Regulamento do Imposto do Selo, artigos 6º e 23º da tabela Geral Anexa ao RIS e 14º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana - os factos descritos, preenchem os pressupostos tributários que motivaram a Administração Fiscal a proceder à liquidação do Imposto do Selo.
    2) A contribuinte/recorrente foi devidamente notificada da liquidação do imposto do Selo Cfr. artigos 73º e 74º do RIS - bem como dos meios legais de impugnação da liquidação Cfr. artigo 2º da Lei nº 12/2003, de 11 de Agosto.
    3) Não ocorreu nenhum vício de violação de lei designadamente do princípio da tipicidade tributária.
    4) O conceito de "arrendamento" constante do RIS reúne os elementos tipo do contrato de arrendamento, pelo que não pode deixar de taxar-se tais documentos, de acordo com o artigo 6° e 23° da Tabela do RIS.
    5) Assente que está o contrato ser de arrendamento. a contribuinte/recorrente está obrigada a pagar imposto do selo calculado à taxa de 5% em relação à renda de todo o tempo do contrato .
    Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se deste modo a V. Ex.ª que seja negado o provimento ao mesmo."
    Mais se informa a V. Exª, que, nos termos do disposto na subalínea 2 da alínea 8 do artigo 36° da Lei n° 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n° 9/2004, e no artigo 7° da Lei nº 15/96/M de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso, a interpor no prazo de 2 meses a contar da presente notificação, para o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
    Com os melhores cumprimentos,
    Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 04 de Maio de 2016.
    
    A Coordenadora do NAJ “
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. Está em causa o acto de liquidação oficiosa de Imposto do Selo incidente sobre o que a entidade recorrida, acolhendo os pareceres dos seus Serviços, qualifica como contratos de arrendamento, contratos de cedência de espaços a lojistas em centros comerciais.
    Trata-se de matéria já debatida entre nós, não havendo divergência na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tendo-se já o próprio TUI pronunciado sobre a matéria, razão por que, acolhendo aqui a argumentação expendida, nos remetemos para a fundamentação aí expendida.
    
    2. Entendemos que não é tributável o contrato para cedência de uso de loja em centro comercial em sede de imposto de selo pelas razões que adiante se avançam.
    Como se decidiu no Proc. n.º 814/2015, de 28/4/2016, deste TSI, “ s contratos de cedência de uso para instalação de lojista em Centro Comercial são contratos atípicos, não sujeitos a incidência de imposto de selo, nos termos dos arts. 26º a 30º do RIS e respectiva Tabela, preceitos que apenas se referem especificamente aos arrendamentos.
     E se não é possível uma interpretação actualística daquelas disposições, tampouco é possível que a falta de previsão nelas destes contratos seja superada através da integração a que alude o art. 9º do Código Civil, essencialmente por se tratar de normas especiais de carácter tributário destinadas à criação de imposto, para cuja competência a Lei Básica reserva absolutamente à lei.

A integração pelo tribunal naqueles moldes nem mesmo à sombra do espírito do sistema é possível (art. 9º, nº3, CC).”
    Por seu turno, no Proc. n.º 71/2016, de 16/11/2016, do TUI decidiu-se que “O contrato para cedência de uso de loja em centro comercial não pode ser qualificado como arrendamento, sendo um contrato atípico.
    Os artigos 1.º, 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo não tributam os proventos resultantes de contrato para cedência de uso de loja em centro comercial.”
3. Atentemos nas normas pertinentes.
  Dispõem os artigos 1.º, 26.º e 27.º do Regulamento do Imposto de Selo, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho:
  “Artigo 1.º
O imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento, a qual faz parte integrante dele.
Artigo 26.º
O selo devido pelos arrendamentos é pago por meio de verba, salvo tratando-se de escritos particulares, em que se utilizará a estampilha.
Artigo 27.º
O selo dos arrendamentos é calculado em relação à renda de todo o tempo do contrato, e devido pelo locador”.

O artigo 6.º da Tabela Geral do Imposto de Selo, anexa ao Regulamento, fixa em 5‰ a taxa do imposto nos “arrendamentos, por qualquer modo ou título por que sejam feitos, sobre o seu valor”.
    4. Do contrato dos autos resulta que a proprietária do centro comercial não se limitou a proporcionar o gozo temporário de um espaço comercial naquele centro a cada um dos lojistas, recebendo como contrapartida uma quantia em dinheiro, numa configuração integrante de uma relação arrendatícia decorrente do regime que fluiria dos artigos 969.º, 970.º e 1045.º do Código Civil.
Na verdade, nesse contrato há algo mais quantitativa e qualitativamente, emergindo, desde logo, um conjunto de serviços comuns que são disponibilizados pelo proprietário do Centro Comercial.
    Desta constatação poder-se-ia integrar o contrato na qualidade de contrato misto é aquele em que se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei, o que permitiria sustentar a tese da Administração que poderia defender que na parte relativa ao arrendamento seria ele passível de tributação do imposto de selo.
    
    Como se assinala no último dos acórdãos citados, na linha do entendimento traçado nesta instância, «Gradualmente, foi ganhando força a qualificação como um puro contrato inominado, entendimento este que acabou por impor-se decisivamente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Para tal contribuiu a consideração de que este contrato “se não integra no simples esquema de um contrato misto, visto este só abranger dogmaticamente os contratos com várias prestações, quando estas pertençam a dois ou mais contratos típicos”[ ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, I Volume, p. 298 e 299]
Acrescenta ANTUNES VARELA que não é esse o caso do contrato realizado com o lojista, por duas razões:
“Primeiro, porque num exame analítico atento da contribuição global do fundador, promotor ou administrador do centro comercial, ao lado de prestações próprias do contrato de locação e do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º), outros elementos essenciais existem que não cabem nem no esquema da locação, nem na causa objectivo da prestação de serviços.
É o que sucede, nomeadamente, com a integração do lojista no conjunto seleccionado de estabelecimentos que rodeiam a sua loja [É Oliveira Ascensão quem destaca, no parecer inédito junto aos autos na acção julgada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 (em que foi relator o Des. Amaral Barata e em que foram partes a Empresa Imobiliária da Fonte Nova, de um lado, e Valente Moraes, do outro), esse aspecto da integração empresarial, como característica fundamental do contrato para instalação do lojista], com a existência do parque de estacionamento que favorece o acesso da sua clientela, bem como da dos demais lojistas, ou com a instalação de locais de diversão, que atraem os filhos dos compradores. Trata-se de elementos ou factores que representam um incontestável benefício patrimonial para o lojista (uma verdadeira atribuição patrimonial que ele aufere) e que, todavia, não revestem a forma de uma prestação de serviços a que o explorador do centro fique adstrito em face de qualquer dos lojistas.
Segundo, porque o conjunto das prestações efectuadas ou prometidas pelo promotor do centro introduz no contrato uma causa típica, global, que não encontra tradução adequada em nenhum dos contratos típicos previstos na Lei, nem na junção de quaisquer deles.
A única conclusão que pode assim extrair-se da análise do conteúdo do contrato para instalação do lojista no centro e do seu confronto com os contrato típicos regulados na lei civil é o de que se trata de um contrato atípico ou inominado”[ Mais desenvolvidamente, ANTUNES VARELA, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.2.1995, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, p. 371 e segs]

(…)
Que dizer das três soluções propostas?
O contrato de arrendamento é, à partida, de excluir “pela razão de que a complexidade da figura não cabe nos varais limitados desse contrato”[ JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos (União de Contratos). Os Centros Comerciais (Shopping Centers). Problemática e Soluções, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano III, 2006, p. 368.]. “Se no arrendamento típico se pode ver na renda estipulada a contrapartida devida pela cedência do gozo da coisa, já no contrato que ora analisamos as prestações pecuniárias acordadas (de montante parcialmente variável) surgem como correlato da prestação de um conjunto vasto de serviços e da disponibilidade de um local cujas características específicas se não alheiam de uma ímpar tarefa de concepção, acometida a uma das partes do negócio”[ HUGO DUARTE FONSECA, Sobre a Atipicidade dos Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2004, p. 712 a 714.]
O contrato misto parece também de excluir, visto que do que se trata, nos contratos dos lojistas dos centros comerciais é, nas palavras de JORGE RIBEIRO DE FARIA[JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos…, p. 372.], “do enquadramento, da incorporação, de cada lojista no complexo organizacional, e com isso na sujeição ao regulamento respectivo, projectado e pensado ao pormenor pelo organizador do centro. É a razão de Antunes Varela, de Orlando Gomes, e da última jurisprudência. É isso que caracteriza este contrato e é nisso que consiste a sua causa. É isso que o organizador do centro e cada um dos lojistas quiseram ao celebrar o contrato”.
A conclusão é, pois, a de que estamos perante um contrato atípico.»

5. Sobre a pretensa interpretação da lei fiscal por parte da Administração, no sentido de ver no contrato em causa uma situação passível de aplicação do regime tributário próprio do arrendamento, há que ter presente que, em matéria fiscal, impera o princípio da legalidade que se concretiza, entre outros subprincípios, na tipicidade fiscal, como instrumento de defesa dos particulares, face ao arbítrio da Administração, podendo também falar-se, neste domínio de um princípio de nullum tributum sine lege.”1
Dada a natureza e as características das normas fiscais, coloca-se a questão da existência de uma doutrina específica para a interpretação dessas normas, na ausência de normas interpretativas privativas do direito fiscal.
Muito resumidamente se dirá que os princípios in dubio contra fiscum (na dúvida, em sede de prova, contra o fisco) e odiosa restringenda (interpretação restritiva por odiosas as leis da tributação) emergentes de ideias erigidas em defesa dos particulares contra a arbitrariedade dos poderes público, bem como o princípio in dubio pro fisco, emergente de uma ideia de que os poderes públicos seriam sempre os mais representativos do interesse geral, traduzem concepções que se encontram já hoje ultrapassadas.
Pode colher-se, com alguma consistência, a ideia de que igualmente os princípios interpretativos parcelares baseados nas doutrinas da interpretação literal, funcional ou económica não bastam para responder às dificuldades que se colocam no âmbito do direito fiscal, donde se estabeleceu o consenso de que uma solução de equilíbrio, plasmada nas regras gerais da interpretação das normas, tal como decorre entre nós do artigo 8º do Código Civil, é a que melhor tutela os vários interesses em presença.2
Tal não significa que se desprezem, como decorre daquela norma geral, os princípios próprios do direito fiscal que dimanam da natureza, v.g. das isenções tributárias, benefícios e isenções fiscais, seja para restringir, seja para permitir a interpretação extensiva.3 E se esta última é possível, já não o será a integração das lacunas, no domínio dos elementos essenciais do imposto, face ao princípio da legalidade e tipicidade fiscal, enquanto se exige que a disciplina dos elementos essenciais dos impostos, conste da lei parlamentar e obstaria a que o legislador deixasse para o aplicador das leis – sobretudo a administração tributária e o juiz – qualquer possibilidade de colmatação de lacunas, seja através do recurso à analogia, seja por qualquer outro modo de preenchimento de lacunas.4

    6. Projectando estas linhas gerais na situação presente, na busca da referida norma de incidência que se pretende aplicável ao caso, perguntava-se no citado ac. do TSI, de 28/4/2016, Proc. 814/2015, se haveria algum desajuste incómodo entre o RIS e a Tabela, aí se procurando a resposta:
    «Quando o capítulo VII do Regulamento aborda os “arrendamentos” como contratos sujeitos à incidência objectiva fá-lo, aparentemente, sem estabelecer qualquer distinção entre o conceito fiscal e o civilístico, que em boa verdade parece até nem existir. Mas, surpreendentemente, a Tabela vem esclarecer que o imposto incide sobre os arrendamentos, “…por qualquer modo ou título por que sejam feitos…”. Ou seja, fez a tabela aquilo que ao normativo talvez cumprisse primacialmente fazer.
Numa certa perspectiva, enfim, poderia acolher-se a ideia de que se tivesse sido o Regulamento a dizer aquilo que a Tabela consagrou, se avistaria ali, numa interpretação muito generosa, uma norma aberta capaz de abranger um universo de situações mais lato, a ponto de abarcar os casos, como este, em que o modo ou o título não é o de um contrato de arrendamento stricto sensu.
Contudo, nem por a Tabela assim se expressar poderemos nós concluir que ela abre as portas a essa tal interpretação generosa. Aliás, rigorosamente, mesmo que aquela expressão estivesse incluída na norma de incidência (art. 26º-27º), isso em nada mudaria o seu alcance objectivo.
Em nossa opinião, na expressão destacada da Tabela (que, repete-se, podia até estar na norma de incidência) apenas é possível ver algo que é mais próximo de um entendimento reportado ao modo (forma escrita ou oral) e ao título negocial concretamente utilizado (documento particular simples, autenticado, autêntico), sem ainda se desprezar o próprio fim de contrato (v.g., habitacional, comercial, industrial).
Portanto, olhando apenas para o grupo de preceitos dedicados no Regulamento ao arrendamento, neles não encontramos nenhum escape livre, nem sucedâneo, que nos permita preencher o conceito com algo que seja diferente do conceito civilista nosso conhecido. Ou seja, se numa primeira análise as normas jurídicas do Regulamento (e os comandos da Tabela) se destinam ao “arrendamento”, pouca margem literal fica para nelas enquadrarmos outras realidades fácticas, outros conceitos de direito, outros institutos jurídicos diferentes.
(…) Temos a sensação de que, se a norma, em si mesma, não abre mão do seu literal e limitado alcance objectivo, poucos caminhos abre ao aplicador do direito para percorrer.
Ainda assim, coloca-se a hipótese de uma solução interpretativa ou de uma solução integrativa, se para tanto estiverem verificados os respectivos requisitos.
(…)
O problema pode encaminhar-nos para um gueto de maior dificuldade se pensarmos que, onde a norma jurídica, em matéria tributária, utiliza determinados termos o faz presumivelmente no sentido técnico, e não no geral ou comum (Hermínio Rato Rainha, Apontamentos de Direito Fiscal, pág. 100).
Com base nesse apertado limite, dir-se-ia então que qualquer “tatbestand” utilizado na previsão da norma não pode ser adulterado para lhe afeiçoarmos qualquer outro sentido. Por o legislador se servir do “arrendamento” ao intérprete estaria vedado equiparar a ele outro qualquer contrato de “rendimento”. Não seria a renda, enquanto rendimento ou rédito, que bastaria para a qualificação do contrato e a sua subsunção automática à previsão do artigo 26º.
Como sair deste redil?
(…) Um caminho poderá ser este: não deixar que o aplicador fique amarrado a uma interpretação restritiva e fundada na letra da lei, antes permitir a opção por uma interpretação lata e extensiva, considerando, portanto, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que tem que ser aplicada (art. 8º, nº1, do CC).
Porque o tribunal não pode deixar de julgar - mesmo defronte de normas que, claras quando criadas2, foram desbotando com o tempo – a interpretação actualística impõe-se-lhe como uma necessidade, através da compreensão do seu elemento histórico e da génese da produção normativa, ou seja, relevando todo o circunstancialismo do seu aparecimento e a indispensabilidade da sua “leitura” à luz do tempo novo.
Nesta óptica, faria sentido alargar o âmbito do conceito de arrendamento a institutos jurídicos mais ou menos próximos que os tempos modernos foram criando. E o contrato aqui em causa, com alguma dose de sensatez, estaria na mira do legislador se hoje pudesse estar nesse papel de criador de direito.
Contudo, o problema não deve ter solução, no entanto, nem abrigada sob o escudo antigo do princípio “in dubio contra fiscum”, nem no seu antitético “in dubio pro fisco”; isso seria demasiado fácil e redutor.
(…) A segunda possibilidade seria olhar para esta situação, sem qualquer chance de interpretar a norma jurídica naqueles moldes.
A ideia subjacente a este postulado radicaria, então, no facto de estarmos em presença de normas tributárias, mais carentes ainda, se assim podemos dizer, de respeito por princípios fundamentais, como o de legalidade, o da tipicidade.
E então, a única maneira de olhar para toda esta situação seria considerar estarmos perante uma ausência de normação relativamente a uma realidade nova. Isto é, seria concluir pela inexistência de norma reguladora concretamente aplicável, que se ficaria a dever, repetimos, à circunstância de Macau não estar, ao tempo da feitura da Lei nº 17/88/M, de 27/06 (RIS), familiarizado com uma realidade comercial caracterizada por centros comerciais e respectivos contratos de instalação de lojistas que justificasse a sua previsão como base de incidência tributária. »

    Prevenindo uma situação integrativa, o citado acórdão continuou:
    «Em nossa opinião, o caso poderá traduzir realmente um caso lacunoso, tornando-se, nesse caso, necessário ir buscar apoio no art. 9º do Código Civil com vista a preencher a lacuna.
O citado preceito dispõe assim:
«1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema».
Sim, o artigo pode sugerir, à primeira vista, que o caso da tributação dos contratos atípicos em apreço possa ser resolvido pela norma aplicável ao caso análogo dos arrendamentos: ou seja, pelos arts. 26º e 27º do RIS e Tabela.
Simplesmente, não nos podemos esquecer que estamos em presença de normas fiscais (as citadas) que estabelecem a criação de um imposto e a sua incidência tendo por base um pressuposto factual específico (o arrendamento). E isso é um obstáculo, cremos nós, à integração, sob pena de desrespeito pelo princípio da tipicidade taxativa em que se consubstancia o princípio geral da legalidade tributária (entre outros, ver neste sentido, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2014, Almedina, 7ª ed., págs. 209-210; António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág.136-137; Domingos Pereira de Sousa, Direito Fiscal e Processo Tributário, Coimbra Editora, pág.190; Hermínio Rato Rainha, Apontamentos…cit., pág.117).
Sendo aquelas normas especiais, não permitem integração analógica (art. 10º, do CC), nem sequer ao abrigo do espírito do sistema (art. 10º, nº3, do CC), pois isso seria o mesmo que aceitar a formulação pelo tribunal de norma cuja criação está absolutamente reservada à lei nos termos do art. 71º, 1) e 3) da Lei Básica da RAEM (autor, ob. e loc. cits.; também, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2014, Almedina, 7ª ed., págs.145).
Temos, assim, que concluir não ser possível enquadrar, pela via da integração, os contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no âmbito da previsão dos arts. 26º a 30º do RIS. Para nós, que apenas somos aplicadores do direito, pouco mais há a dizer senão esperar que o legislador proceda à alteração da lei de forma a contemplar outras “fattispecies” com vista à sua sujeição a incidência em imposto de selo.
E porque assim concluímos, somos forçados a dizer que o acto em crise padece do vício de violação de lei, por afrontar directamente o disposto nos arts. 1º e 26º e 27º do RIS e 6º da Tabela Geral.»
    7. Quanto à possibilidade de uma interpretação extensiva do art. 6.º da Tabela Geral do Imposto de Selo, fixa em 5‰ a taxa do imposto nos “arrendamentos, por qualquer modo ou título por que sejam feitos, sobre o seu valor”, não se vislumbra aí qualquer intenção de abranger outras realidades que não apenas os arrendamentos, não se podendo concluir que o facto tributável é subsumível nas normas de incidência.
Há interpretação extensiva da norma quando conclui que o legislador disse menos do que queria dizer, pelo que há que fazer prevalecer a intenção legislativa sobre a letra da lei, alargando o âmbito desta. Aceita-se que a “perspectiva económica” ou a doutrina da “interpretação funcional” desempenhe um papel relevante em matéria de interpretação da lei tributária, mas essa interpretação pressupõe a indagação da mens legis e “uma lógica ponderação das supostas razões” que a ditaram.5
    Ora, em bom rigor, não temos elementos que nos permitam descortinar que foi essa a legislação do legislador. Por um lado, no momento em que a lei aparece, esta realidade dos centros comerciais, em Macau, ainda não tinha grande impacto; por outro, não teria o legislador de ter tido oportunidade de intervir a esse nível, ao longo de todos estes anos, se essa fosse a sua real vontade.6
    Uma outra razão que nos leva a desconsiderar essa dita presumida intenção do legislador é o facto de o rendimento gerado por um arrendamento, em princípio, só por via da imposto incidente sobre as rendas poder ser contemplado. Diferentes serão as coisas quando a contraprestação por cedência do espaço integra os rendimentos da actividade levada a cabo pelo proprietário do espaço, actividade considerada no seu todo, como tal tributável, sobre essa sendo passível os abatimentos resultantes das despesas e encargos que não se confinam a um espaço delimitado de difícil computação tributária.
    Por todas as razões acima aduzidas o recurso não deixará de ser julgado procedente.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar procedente o recurso, anulando o acto sindicado
    Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrente.
               Macau, 23 de Março de 2017
  João A. G. Gil de Oliveira
Fui presente Ho Wai Neng
Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
               
1 - Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal I, Faculdade de Direito de Lisboa, 1974, p. 118 e 119 e Pamplona Corte-Real, Direito Fiscal, AAFDL, 1980, 122 e 126
2 - Soares Martínez, Dto Fiscal, 1993, 140
4- Acs do STA, Pleno de 7/7/66, Acs Dout., V, 1432,; STA, proc. 14521, de 9//97, http://www.dgsi.pt e Martínez, ob. cit. 145
4 - Pamplona Corte-Real, ob. cit. , 190 e 191
5 - Pamplona Corte-Real, ob. cit, 185 e segs.
6 - Cfr. Ac. do TUI, acima citado.
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