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Processo nº 257/2017
Data do Acórdão: 30MAR2017


Assuntos:

Suspensão de eficácia do acto administrativo
Prejuízos de de difícil reparação


SUMÁRIO

1. O instituto de suspensão de eficácia visa apenas acautelar o efeito útil da decisão final do recurso contencioso de anulação ou de declaração de nulidade, mediante a paralisação temporária do efeito negativo para o interessado, resultante da execução imediata do acto administrativo, e não para evitar ou impedir para sempre a produção dos prejuízos derivados da execução de um acto administrativo.

2. É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 257/2017


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, também usa A1, devidamente identificado nos autos, pediu, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., a suspensão de eficácia do despacho, datado de 03FEV2017, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária, com os fundamentos sintetizados nos termos seguintes:
  1.a - A presente providência deverá ser concedida sob pena de se vir a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de reparação se os direitos e interesses do requerente e da sua esposa apenas viessem a ser objecto de tutela e acolhimento a final do recurso contencioso administrativo a intentar.
  2.a - A não haver a pedida suspensão de eficácia da decisão de não renovação da autorização de residência do requerente, tal implicará desde logo que este e a sua esposa, deixarão de reunir os requisitos exigidos pelas suas entidades empregadoras para manterem os seus postos de trabalho - ou seja, que tenham direito de residência em Macau - e, cessando tais relações de trabalho, ficarão privados de obter de futuro quaisquer rendimentos de trabalho.
  3.a - Sendo que, com a perda do direito de residência, o requerente e a sua esposa, deixam de poder estar licitamente em Macau e, como tal, terão de abandonar o Território, causando-lhes uma profunda perturbação e mesmo disrupção da vida do requerente e da sua família.
  4.a - Tal situação corresponderá ao ruir do sonho de vida projectado pelo requerente e pela sua esposa, de constituir a sua família em Macau e aqui alicerçar o projectado nascimento dos seus filhos, o que a acontecer causará ao requerente e à sua esposa uma forte, intensa e inapagável tristeza, incompreensão e angústia, configurando um prejuízo, de ordem material e moral, de muito dificil - senão verdadeiramente impossível - reparabilidade.
  5.a - Nenhuma vertente do interesse público eventualmente convocável para o caso vertente será atingida ou afectada caso seja decretada a suspensão do despacho sub judice até que se venha a decidir o recurso contencioso administrativo a intentar, senão mesmo a Reclamação graciosa apresentada em 13 MAR 2017.
  6.a - O requerente impugnou graciosamente na sua reclamação, em síntese, que antes do prazo legal de 30 dias o I.P.I.M. foi informado da cessação da anterior relação laboral do requerente e que, apesar de não lhe ter sido indicado um prazo específico para apresentar um novo contrato de trabalho, o requerente obteve uma nova relação de trabalho em 21 SET 2015 com uma outra empresa, do que informou de imediato o I.P.I.M.
  7.a - Pelo que, atentas a legitimidade quer material quer adjectiva do aqui requerente, este tem um legítimo direito à hetero-definição judicial da situação controvertida.
  8.a - Estão, pois, verificados todos os requisitos legalmente necessários para o decretamento da requerida providência de suspensão de eficácia do acto.
  TERMOS EM QUE se requer a V. Ex.a a suspensão da eficácia do despacho proferido pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, decretando-se, em conformidade, a suspensão da execução do acto de não renovação da autorização de residência.
  Mais, requer a V. Ex.ª que se digne notificar de imediato, para os efeitos do arte 126.º, n.º 1 do C.P.A.C., o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças e os Serviços sob a sua direcção, designadamente os Serviços de Identificação e o Corpo de Polícia de Segurança Pública, para que, provisoriamente, suspendam a execução do despacho sub judice, seguindo-se os demais termos até final.

Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* O requerente A é titular do passaporte alemão e casado com uma residente permanente da RAEHK;

* Ao requerente e ao seu cônjuge foi concedida a autorização de residência temporária em Macau com validade até 01JUL2016;

* No procedimento administrativo da concessão da autorização de residência temporária, o requerente A é requerente principal, ao passo que o seu cônjuge é beneficiário por se ter habilitado à autorização enquanto o seu cônjuge;

* Com fundamento na não manutenção, no período compreendido entre 02OUT2014 e 20SET2015, da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, por despacho do Secretário para a Economia e Finanças datado de 03FEV2017, foi-lhe indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária;

* Mediante o ofício datado de 16FEV2017, o requerente foi notificado desse despacho; e

* O requerente formulou o presente pedido de suspensão de eficácia em 14MAR2017.

A propósito da suspensão de eficácia de actos administrativos, o CPAC diz no seu artº 120º que:

A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.

Assim, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.

Assim, o acto administrativo de cuja eficácia se requer a suspensão tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, estamos perante um despacho que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária na RAEM emanado por uma entidade competente.

Tal como entende o Ministério Público, trata-se de um acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positiva, por provocar indirectamente a alteração do statu quo do requerente, alteração essa que consiste na cessação do estatuto de residente de Macau.

Assim, o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão integra no artº 120º/-b) do CPAC, e portanto é susceptível da suspensão.

Passemos então a debruçar-nos sobre a verificação ou não dos requisitos previstos no artº 121º/1 do CPAC.

Para o deferimento da providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.

Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que se nos afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a matéria de facto assente e os elementos existentes nos autos.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), apesar de o fundamento invocado pela entidade requerida para o indeferimento da requerida renovação ser a extinção dos fundamentos determinantes e justificativos da autorização de residência temporária concedida, não cremos que a não execução imediata, apenas num curto período de tempo correspondente ao tempo da pendência do recurso contencioso de anulação, do despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, possa causar imediatamente lesão do interesse público de tal maneira grave que frustrará de todo em todo o fim concretamente prosseguido por este despacho.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a sindicabilidade contenciosa do acto, a data do ofício de notificação do acto ao requerente (16FEV2017) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto que representa a última palavra da Administração.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.

Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Antes de mais, é de frisar que tudo quanto alegado pelo ora requerente relativamente aos prejuízos que o seu cônjuge poderá eventualmente vir a sofrer em consequência da execução imediata da decisão de cuja eficácia se pretende ver suspensa, não será tido em conta, por se não tratar dos interesses pessoais e directos do requerente.

Assim, para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que os prejuízos resultantes da execução imediata do despacho consistem em síntese no seguinte:

* Perde o seu direito de residência temporária na RAEM, que implica logo a perda do seu emprego e do seu rendimento na RAEM;

* Por arrastamento, o seu cônjuge fica igualmente privado do seu direito de residência na RAEM, o que lhe implica também perda do seu emprego e do seu rendimento na RAEM;

* Deixa de poder fixar o seu centro de vida e da sua família em Macau, onde tem vivido nos últimos 9 anos e pretende ver os seus filhos nascidos em Macau no futuro;

* Fica ruído o seu sonho de vida projectado pelo requerente e pelo seu cônjuge, de fazer em Macau os seus percursos de vida, aqui futuramente adquirir uma habitação e alargar a sua família;

Então vejamos.

Tal como afirmámos supra, cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos de difícil reparação.

Ora, in casu, para além da perda do seu direito de residência temporária em Macau e a consequente perda do seu emprego em Macau, os restantes fundamentos alegados pelo requerente não passam de ser conclusivos, ou eventuais prejuízos não derivados da execução imediata da decisão que lhe indeferiu a renovação, mas sim situações, não obstante temporariamente afectadas na pendência do recurso contencioso de anulação, sempre susceptíveis de reconstituição, se o acto administrativo de cuja eficácia ora se requer a suspensão vier a ser anulado.

Na verdade, a proceder o recurso contencioso de anulação, o seu projecto de vida da família, nomeadamente ter os seus filhos nascidos em Macau e adquirir uma habitação em Macau já se tornam possíveis na sequência da reconstituição da situação que existiria se não fosse praticado o acto administrativo da não renovação, ou seja, passa a ver renovada a autorização de residência temporária que o habilita a continuar a fixar o seu centro de vida em Macau.

Pois é sempre de salientar que o instituto de suspensão de eficácia visa apenas acautelar o efeito útil da decisão final do recurso contencioso de anulação ou de declaração de nulidade, mediante a paralisação temporária do efeito negativo para o interessado, resultante da execução imediata do acto administrativo, e não para evitar ou impedir para sempre a produção dos prejuízos derivados da execução de um acto administrativo.

Portanto, uma eventual decisão favorável no presente procedimento cautelar apenas tem uma utilidade temporária que consiste justamente na não execução imediata do acto na pendência do recurso contencioso.

In casu, não cremos que a execução imediata do acto é susceptível de gerar prejuízos de difícil reparação na vida da família, pois a perda do direito de residência, por efeito da execução imediata do acto, não passa de ser temporária, e por isso não tem a virtualidade de causar prejuízos de difícil reparação.

O que pode causar estes prejuízos é o inêxito definitivo da anulação da decisão administrativa que lhe negou a renovação de residência.

Quanto à perda do rendimento resultante da perda do emprego em Macau, é de citar a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância no seu Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, afirmando que é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

Todavia, o que o requerente alegou é meramente conclusivo, carecendo da mínima concretização que nos permite a avaliar se a sua situação económica, na sequência da perda do emprego, atinge essa situação extrema nos termos definidos pelo Venerando Tribunal de Última Instância.

Pois cremos que atendendo à sua idade e à sua qualificação profissional, o requerente não tem dificuldades para ganhar o mínimo da sua subsistência na sua pátria Alemanha ou em outros sítios do mundo, pois devem existir quer na sua pátria quer noutra parte do mundo oportunidades de trabalho, em condições inferiores, iguais ou até melhores do que em Macau.

Pelo que não podemos senão julgar não verificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC e consequentemente indeferir a requerida suspensão da eficácia do acto em causa.

Em conclusão:

3. O instituto de suspensão de eficácia visa apenas acautelar o efeito útil da decisão final do recurso contencioso de anulação ou de declaração de nulidade, mediante a paralisação temporária do efeito negativo para o interessado, resultante da execução imediata do acto administrativo, e não para evitar ou impedir para sempre a produção dos prejuízos derivados da execução de um acto administrativo.

4. É de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.


Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 03FEV2017, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido da renovação de autorização de residência temporária.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 5UC.

Notifique.

RAEM, 30MAR2017

Lai Kin Hong
Por razões por mim expostas na declaração de voto de vencido que juntei nomeadamente aos Acórdãos tirados nos Processos nºs 815/2011 e 619/2012/A, em 22MAR2012 e 19JUL2012 respectivamente, enquanto relator, não concordo com o entendimento da maioria do Colectivo no sentido de que in casu estamos perante um acto negativo com vertente positiva, portanto susceptível de suspensão. É que de facto a suspensão de eficácia de um acto administrativo que decidiu não renovar a autorização de residência temporária, quando esta autorização já está expirada pelo decurso do prazo da sua validade, não vejo de que maneira e em que medida a pretendida suspensão poderá revestir-se de qualquer utilidade, pois, numa altura em que a autorização já está expirada, o deferimento da suspensão em caso algum é idóneo a manter o requerente numa posição jurídica que já se extinguiu, ou seja, a suspensão nunca poderá produzir efeitos materialmente equivalente à renovação da autorização de residência.

João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

Susp.ef. 257/2017-1