打印全文
Processo nº 3/2015
Data do Acórdão: 30MAR2017


Assuntos:

Impugnação da matéria de facto
Confissão


SUMÁRIO

1. Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

2. Em cumprimento do ónus de especificação de meios probatórios, a que refere o artº 599º/1-b) do CPC, se o meio probatório invocado pelo recorrente for a confissão espontânea feita na contestação, não basta a simples remissão para a contestação, é preciso que se identifique a concreta parte da contestação em que foi feita a confissão, que na óptica do recorrente, é capaz de impor, sobre os pontos de facto impugnados, decisão diversa da recorrida.

3. Não valem como confissão espontânea as palavras usadas pelo Mandatário da parte, aquando da inquirição de testemunhas, para situar o contexto factual em que está inserido o thema probandum.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 3/2015


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base uma acção ordinária, registada sob o nº CV2-11-0033-CAO, contra a sociedade B, Lda., também devidamente identificada nos autos.

Citada a Ré, contestou invocando excepção do caso julgado e impugnando a acção contra ela intentada.

No despacho saneador, a Exmº Juiz titular do processo a quo julgou improcedente a invocada excepção do caso julgado.

Inconformada com essa decisão da improcedência da excepção do caso julgado, a Ré interpôs o recurso dessa mesma decisão proferida no despacho saneador.

Notificado, o Autor contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal.

A final, foi a acção julgada totalmente improcedente nos termos seguintes:

I – Relatório :
  A, Arquitecto, titular do BIRM n.º 5XXXXX5(2), residente na Avenida XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar “XX”, Macau,
  veio intentar a presente
  Acção Ordinária
  contra
  B, Lda. (B有限公司), em inglês “B Limited, empresário comercial, pessoa colectiva registada sob o nº XXX11(SO), com sede em Macau na Avenida da XX, nº XX, XXº andar;
  com os fundamentos constantes da p.i., de fls. 2 a 16,
  concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, a Ré ser condenado a pagar ao Autor:
1. A quantia de MOP$3.475.096,00, a título de trabalhos de arquitectura que foram feitos; e
2. A quantia de MOP$1.737.548,17, a título de indemnização, correspondente a 20% do valor da próxima fase do Projecto (fase de Projecto de Execução), e;
3. Os juros de mora sobre o montante total em divida, calculados à taxa legal de 9,75% ao ano, desde a data da citação, até ao seu pagamento integral.
*
  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 110 a 147 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
*
  Procedeu-se ao julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor exerce a sua profissão de arquitecto em Macau desde há cerca de quarenta anos (alínea A) dos factos assentes).
- Desde 2002, e como sua estrutura de apoio, o Autor tem vindo a exercer a sua actividade de arquitecto também através da sociedade comercial “C LIMITADA”, de que é fundador e um dos dois sócios-gerentes (alínea B) dos factos assentes).
- Em Março de 2005, os D e E eram sócios da Ré (alínea C) dos factos assentes).
- Os sócios da Ré, D e E, nada disseram sobre a proposta de honorários do Projecto de Arquitectura que foi enviado pelo autor à Ré em 30 de Março de 2005 (alínea D) dos factos assentes).
- Desde Abril de 2005 e até à presente data, nunca mais os à data sócios da Ré (os D e E) contactaram o Autor (alínea E) dos factos assentes).
**
Da Base Instrutória:
- Os à data sócios da Ré chegaram a deslocar-se ao atelier do Autor e a manter contactos telefónicos com este (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O Autor produziu desenhos técnicos e mandou fazer a maquette junta aos autos (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Os então sócios da Ré visualizaram a maquette e os desenhos (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- A proposta mencionada na alínea D) dos factos assentes foi enviada pelo Autor à Ré a pedido do sócio desta, E (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
  Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
  Pela presente acção, o Autor pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe o valor dos trabalhos de um projecto de arquitectura que foram alegadamente feitos no âmbito de um acordo celebrado entre as partes bem como a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 20% do valor da fase seguinte à fase já concluída e os juros sobre as respectivas quantias.
  Para o efeito, alega o Autor que foi celebrado entre as partes um acordo verbal por força do qual o Autor ficou incumbido de elaborar e desenvolver um projecto de arquitectura de um hotel a construir num terreno que iria ser concedido à Ré; que enviou a proposta de honorários do projecto à Ré que a aceitou; que o Autor iniciou os respectivos trabalhos tendo concluido a fase de estudo prévio; e que, entretanto, a Ré contratou uma outra empresa de arquitectura para desenvolver o projecto sem ter nunca pago nada ao Autor.
  Contestando a acção, a Ré impugna grande parte dos factos alegados na petição inicial em especial o de as partes terem estabelecido o acordo invocado pelo Autor, o de a Ré ter aceitado a citada proposta de honorários, e o de este ter completado a fase de estudo prévio do projecto de arquitectura para o terreno referido pelo Autor.
*
  Flui da exposição acima feita que o Autor funda o seu pedido no contrato alegadamente celebrado entre as partes e no cumprimento parcial deste mesmo contrato.
  Como se pode constatar dos factos assentes, grande parte dos factos alegados pelo Autor não foi acolhida pelo tribunal, pois, no que releva, apenas foi dado como provado que os então sócios da Ré tinham chegado a descolocar-se ao atelier do Autor e a manter contactos telefónicos com este; que o Autor tinha produzido desenhos técnicos e mandado fazer a maquette junta aos autos que foram vistos pelo pelos então sócios da Ré; que a pedido de um dos então sócios da Ré pediu ao Autor o envio de uma proposta de honorários a qual foi enviada em 30 de Março de 2005 não tendo os então sócios da Ré dito nada acerca da proposta; e que desde Abril de 2005, os então sócios da Ré nunca mais contactaram o Autor.
  Nas alegações de direito apresentadas pelo Autor o mesmo pugna pela procedência, pelo menos, parcial do pedido porque considera que está provada a relação contratual por si alegada e a execução dos trabalhos a favor e a pedido da Ré cujo pagamento é aqui peticionado.
  São, pois, dois aspectos defendidos pelo Autor: a existência da relação contratual e a execução dos trabalhos a favor e a pedido da Ré.
*
  Existência da relação contratual
  Contrariamente ao defendido pelo Autor, não se julga que os factos acima elencados permitem concluir que foi celebrado o contrato alegado pelo Autor.
  Senão, vejamos.
  Segundo o Autor, por estar provado que, a pedido da Ré, aquele chegou a enviar uma proposta de honorários a esta a qual não foi expressamente rejeitada, deve-se seguir que entre as partes foi estabelecido o contrato invocado pelo Autor. Isto quer porque houve aceitação tácita quer porque o silêncio da Ré, por força do disposto nos artigos 210º e 1089º ex vi artigo 1082º do CC, deve ser considerado como aceitação.
*
  No que à aceitação tácita se refere, o Autor baseia a sua conclusão no facto de os então sócios da Ré terem estado no atelier do Autor, terem mantido contactos telefónicos com este e terem visto os desenhos técnicos produzidos pelo Autor e a maquette mandada fazer pelo Autor.
  Ora, dos factos acima elencados, apenas, o relativo ao envio da proposta de honorários e ao silêncio da Ré têm necessariamente algo a ver com a relação contratual invocada pelo Autor mas refutada pela Ré.
  A partir desse facto pode-se, apenas, afirmar que as partes chegaram a estar em negociação relativamente ao projecto de arquitectura a que os presentes autos se referem. Nada mais.
  Com efeito, os demais factos acima referidos permitem apenas concluir que houve contactos entre as partes nos quais a Ré chegou a ver os desenhos técnicos feitos pelo Autor e a maquette mandada fazer pelo mesmo. Isto porque nada indica que existia qualquer ligação entre esses contactos, esses desenhos e maquette e o projecto ora em discussão. A isso acresce que a Ré, na sua contestação, alegou que as partes chegaram a estabelecer uma outra relação por força da qual o Autor produziu os citados desenhos e maquette. Perante isso não se pode dizer sem mais que tais contactos tinham necessariamente a ver com o projecto.
  Mesmo que se considere que tais contactos estavam relacionados com o projecto discutido nos autos, destes contactos e da visualização dos trabalhos do Autor não se consegue retirar, com a probabilidade exigida pelo artigo 209º, nº 1, do CC, que a Ré tenha aceitado estabelecer a respectiva relação contratual com o Autor.
*
  Relativamente ao valor do silêncio, como foi já referido, o Autor funda a sua pretensão no disposto no artigo 210º do CC e no artigo 1082º do CC que manda aplicar o 1089º do CC.
  Segundo o primeiro preceito, “O silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.”
  O artigo 1082º do CC dispõe que “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades de contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.”
  Por sua vez, preceitua o artigo 1089º do CC que “Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silencia do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vele como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.”
  Antes de mais, não se julga que o alegado contrato possa ser qualificado como sendo um contrato de prestação de serviço. Na verdade, tendo em conta o teor invocado pelo Autor, a ter sido estabelecida a relação, a mesma deve ser qualificada como empreitada prevista nos artigos 1133º e seguintes do CC.
  Em segundo lugar, mesmo que se admita que se está perante um contrato de prestação de serviço, a norma do artigo 1089º do CC aplica-se às relações já estabelecidas. Isto é, a sua aplicação pressupõe o estabelecimento da relação, algo que ainda está a ser discutido nos presentes autos. Pelo que, a mesma nunca é aplicável ao caso sub judice.
  Isso no que se refere à existência da relação contratual.
*
  Execução dos trabalhos a favor e a pedido da Ré
  No que diz respeito à execução dos trabalhos, entende o Autor que está provado que o mesmo realizou alguns trabalhos de arquitectura a favor e a pedido da Ré o que justifica a condenação desta no pagamento do valor destes mesmos trabalhos.
  Novamente, não assiste qualquer razão ao Autor.
  Em primeiro lugar, não se consegue excogitar o fundamento dessa afirmação visto que não consta da matéria assente nenhum facto que permita dizer que o Autor realizou alguns trabalhos de arquitectura a favor e a pedido da Ré.
  A isso acresce que, para a procedência do pedido, não basta a prova da realização de determinados trabalhos a favor da Ré. Mais se exige provar a causa dos actos praticados e os termos em que o foram os quais, no presente caso, são designadamente o contrato invocado pelo Autor e a aceitação do teor da proposta de honorários enviado pelo Autor, factos que o Autor não logrou provar.
  Pelo que, nada permite ao Autor pedir o pagamento do valor de qualquer trabalho por si feito.
*
  Conclui-se, portanto, que não está provado o estabelecimento da relação contratual com base na qual foram formulados os pedidos razão por que se devem julgar improcedentes os pedidos.
***
IV – Decisão:
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção, em consequência, absolve a Ré, B, Lda., dos pedidos formulados pelo Autor, A.
  Custas pelo Autor.
  Registe e Notifique.

Não se conformando com o decidido, veio o Autor recorrer da mesma concluindo e pedindo:

  1. Quanto à decisão de facto, o recorrente, nos termos e para os efeitos das als. a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 599.º e da primeira parte da al. a) do n.º 1 do art. 629.º, ambos do C.P.C., e tendo por base o meio probatório consistente na confissão parcial feita pela ré na sua Contestação e reiterada, em julgamento, pelo seu mandatário (cfr. passagem da gravação Translator 1. Recorded on 03-Apr-2014 at 17.16.02 (1((ADAO105011270), minutos 00:10 ao 07:51), o recorrente impugna a decisão de facto do Tribunal a quo quanto aos quesitos 1 e 6 e requer que o T.S.I. modifique tal decisão nos termos acima apresentados pelo recorrente (ou noutros, equivalentes).
  2. Também quanto à decisão de facto, o recorrente, nos termos e para os efeitos das als. a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 599.º e da primeira parte da al. a) do n.º 1 do art. 629.°, ambos do C.P.C., e tendo por base exactamente a mesma confissão parcial feita pela ré, entende que decorre que deverá ser correspondentemente modificada a decisão de facto no respeitante aos Quesitos 2, 3 e 5.
  3. Também quanto à decisão de facto, o recorrente, nos termos e para os efeitos das als. a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 599.º e da primeira parte da al. a) do n.º 1 do art. 629.°, ambos do C.P.C., e tendo por base o meio probatório consistente no relatório pericial, feito por peritos-arquitectos, junto aos autos - especificamente, os seus pontos 2.1 e 2.4 - bem a confissão parcial feita pela ré na sua Contestação, sustenta que deverá ser correspondentemente modificada a decisão de facto no respeitante ao Quesito 4.
  4. Igualmente ainda quanto à decisão de facto, o recorrente, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 1 do art. 599.º e do art. 629.º, ambos do C.P.C., e tendo por base o meio probatório consistente ponto 3 e do ponto 5 do relatório pericial, feito por peritos-arquitectos, junto aos autos, o recorrente requer que o T.S.I. altere e considere para o acervo da matéria de facto provada a razoabilidade e adequação do preço dos trabalhos de arquitectura feitos pelo recorrente, nos termos imediatamente acima apresentados ou noutros equivalentes.
  5. Quanto à matéria de direito, o recorrente sustenta que ao não ter adoptado a acima propugnada interpretação e aplicação aos factos das normas jurídicas constantes dos artigos 211.º, 209.°, n.º 1, 210.º, 1082.º e 1089.º do Código Civil, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.º do C.P.C.
  TERMOS EM QUE se solicita a V. Ex.as seja julgado procedente o recurso, seja revogado o acórdão recorrido e, destarte, seja condenada a recorrida a pagar nos seus precisos termos quanto o recorrente peticionou em sede de pedido subsidiário na sua petição inicial.
  Mais se requer que tendo a presente peça sido apresentada no terceiro dia útil posterior ao término do seu prazo, se digne mandar emitir de imediato a respectiva guia com vista ao pagamento pelo recorrente da multa devida.
  

Ao recurso respondeu a Ré, pugnando pela improcedência in totum do recurso.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme se vê supra no relatório do Acórdão, a Ré interpôs recurso interlocutório da decisão proferida no saneador que julgou improcedente a excepção do caso julgado por ela suscitada e a acção acabou por ser julgada in totum improcedente.

Inconformado com a sentença, recorreu apenas o Autor.

Subiram ambos os recursos, interlocutório e o final.

Nos termos do disposto no artº 628º/2 do CPC, à luz do qual “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.”.

Assim, apreciamos em primeiro lugar o recurso final.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso da sentença final, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:


1. Da alteração da matéria de facto; e

2. Da alteração da causa de pedir ou da redução do pedido

Na sentença ora recorrida, foi tida por assente a seguinte matéria de facto:

  Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor exerce a sua profissão de arquitecto em Macau desde há cerca de quarenta anos (alínea A) dos factos assentes).
- Desde 2002, e como sua estrutura de apoio, o Autor tem vindo a exercer a sua actividade de arquitecto também através da sociedade comercial “C LIMITADA”, de que é fundador e um dos dois sócios-gerentes (alínea B) dos factos assentes).
- Em Março de 2005, os D e E eram sócios da Ré (alínea C) dos factos assentes).
- Os sócios da Ré, D e E, nada disseram sobre a proposta de honorários do Projecto de Arquitectura que foi enviado pelo autor à Ré em 30 de Março de 2005 (alínea D) dos factos assentes).
- Desde Abril de 2005 e até à presente data, nunca mais os à data sócios da Ré (os D e E) contactaram o Autor (alínea E) dos factos assentes).
**
 Da Base Instrutória:
- Os à data sócios da Ré chegaram a deslocar-se ao atelier do Autor e a manter contactos telefónicos com este (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O Autor produziu desenhos técnicos e mandou fazer a maquette junta aos autos (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Os então sócios da Ré visualizaram a maquette e os desenhos (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- A proposta mencionada na alínea D) dos factos assentes foi enviada pelo Autor à Ré a pedido do sócio desta, E (resposta ao quesito 8º da base instrutória).

Então apreciemos.

1. Da reapreciação das provas

Para o Autor, o Tribunal a quo andou mal no julgamento da matéria de facto, no que diz respeito à matéria dos quesitos nºs 1º a 6º que foi julgada não provada na primeira instância e pretende agora que lhe seja dada uma resposta pelo menos parcialmente positiva.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

A matéria dos quesitos 1º a 6º tem o seguinte teor:


Em Março de 2005, a Ré, propôs, verbalmente, ao Autor, para a elaboração, desenvolvimento e entrega do Projecto de Arquitectura de um hotel para o terreno que à mesma iria ser concedido na rotunda do XX?


O Autor aceitou essa proposta?


O Autor, seguindo as instruções pela Ré, iniciou a elaboração do Projecto de Arquitectura para o terreno referido no artº 1º?


O Autor desenvolveu e concluiu a fase inicial do Projecto de Arquitectura, designada pelas fases de Programa Base e Estudo Prévio?


Durante a elaboração do Projecto de Arquitectura, os à data sócios da Ré tiveram sempre conhecimento dos seus desenvolvimentos, tendo-se deslocado várias vezes ao atelier do Autor e mantido contactos telefónicos regulares quer com o Autor quer com o sócio desta na “C, LIMITADA”?


O Autor produziu desenhos técnicos e fez mesmo uma “maquette” ou modelo 3D reduzido, com o intuito de serem aprovadas as áreas pretendidas para o novo terreno a conceder à Ré?

A matéria dos quesitos 1º a 4º foi julgada não provada, ao passo que, em relação à matéria dos quesitos 5º e 6º, foi apenas provada a matéria de que “os à data sócios da Ré chegaram a deslocar-se ao atelier do Autor e a manter contactos telefónicos com este” e que “o Autor produziu desenhos técnicos e mandou fazer a maquette junta aos autos”.

Ou seja, o Tribunal da 1ª instância não deu como provados os factos demonstrativos da existência de um contrato celebrado entre o Autor e Ré, que tem por objecto a elaboração, desenvolvimento e entrega do projecto de arquitectura de um hotel num terreno sito na Rotunda do XX.

De acordo com a forma como foi configurada a relação controvertida na petição inicial, estes factos que integram a causa de pedir constituem o fundamento essencial para sustentar o pedido da condenação da Ré no pagamento da contrapartida pela prestação de serviços que se traduz na elaboração, desenvolvimento e entrega do projecto de arquitectura de um hotel.

Para o recorrente, a maior parte da matéria desses quesitos 1º a 6º deveria ter sido julgada provada, pois foi a própria Ré que afirmou e admitiu na contestação que “contratou o Autor para a elaboração dos desenhos técnicos e da maquette junta aos autos para efeitos da alteração da finalidade do terreno cuja concessão a Ré estava a pedir”, contratação essa que foi aliás reconhecida pelo Mandatário da Ré aquando da inquirição da testemunha.

Comecemos pela apreciação da alegada confissão da Ré.

Diz o artº 345º do CC que confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

In casu, tal como é configurada pelo Autor, a alegada confissão é judicial e espontânea.

Judicial porque feita no processo judicial e espontânea porque feita em articulados.

Não temos dúvida de que a Ré, por si ou através do seu Mandatário munido dos poderes especiais para confessar, tem legitimidade para confessar o tal facto, pois ela tem capacidade e poder dispositivo do direito a que o facto alegadamente confessado se refere.

Resta agora saber se a Ré realmente confessou na contestação, tal como assim alegou o Autor.

Tal como referimos supra, para impugnar a matéria de facto, é preciso que o recorrente especifique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.

O recorrente limitou-se a dizer que “foi a própria Ré que afirmou e admitiu na contestação que contratou o Autor para a elaboração dos desenhos técnicos e da maquette junta aos autos para efeitos da alteração da finalidade do terreno cuja concessão a Ré estava a pedir”.

Ora, é verdade que a confissão pode ser feita na contestação, mas esta em si não é um meio de prova no seu todo.

E em cumprimento do ónus de especificação dos meios de prova, a que refere o artº 599º/1-b) do CPC, afigura-se-nos in casu ser preciso que o recorrente identifique a parte da contestação em que, na óptica do recorrente, foi feita a alegada confissão da existência do tal contrato.

Portanto, o recorrente não fez mais do que uma simples remissão para a contestação, que, para nós, não satisfaz aquele preceito legal que impõe o ónus de especificação.

Ou pelo menos duvidoso cumprimento do tal ónus e portanto susceptível da rejeição in limine desta parte do recurso.

De qualquer maneira, a impugnação da matéria de facto é sempre de conduzir ao inêxito.

Na verdade, depois de percorrermos todos os artigos da contestação, ora constante das fls. 110 a 147 dos presentes autos, encontramos apenas a seguinte matéria alegada ou afirmada pela Ré, pertinente à boa decisão desta parte do recurso, que todavia não confirma aquilo que o recorrente alegou agora, mas antes pelo contrário invalida de todo em todo aquilo que o recorrente concluiu.

Foi alegado na contestação que:


O que não pode aceitar é que lhe seja assacada, seja na Primeira causa, seja nesta lide, a celebração de um contrato com outro objecto e valor, quando o contrato celebrado tinha um fim completamente distinto e foi pontualmente cumprido.

......
169º
Por tudo o que foi dito anteriormente, não corresponde de todo à verdade que a Ré tenha aceite qualquer proposta de honorários ou sequer encomendado qualquer projecto de arquitectura ao Autor (ou à sua sociedade).

170º
O que foi encomendado e já pago ao Autor foram apenas os desenhos e a maquette, que a sociedade comercial C, LIMITADA, acabou por produzir.

171º
E assim, é igualmente falso que a Ré se encontre devedora perante o Autor, pelos serviços prestados (de resto, por aquela sociedade),

……
173º
Precisamente porque, como se disse já, os serviços prestados e os trabalhos executados foram pagos em Abril de 2005, sem que o Autor tenha passado o respectivo recibo modelo M7, ou qualquer outro.

……

Dado que, ante a matéria acima delineada, interpretada no contexto da contestação no seu todo, dúvidas não temos de que a posição tomada pela Ré na contestação é impugnar a existência, nos termos descritos pelo Autor na petição inicial, de um contrato para a elaboração de um projecto de arquitectura, por ela celebrado com o Autor, aceitar sim a existência de um outro contrato, materialmente diverso daquele que o Autor alegou na petição inicial ter celebrado com a Ré, que tem por objecto trabalhos esporádicos, consistentes na elaboração de desenhos e de uma maquette, igualmente diversos do alegado pelo Autor na petição inicial, e não integrados do projecto da arquitectura alegado pelo Autor na petição inicial, e salientar que o preço deste último contrato já foi pago.

Ou seja, a confissão nos termos em que o recorrente defende existir, está em manifesta oposição com a defesa consubstanciada considerada no seu conjunto.

É portanto de concluir pela inexistência da qualquer confissão feita na contestação sobre a existência de um contrato para a elaboração do projecto de arquitectura de um hotel para o terreno junto da Rotunda do XX.

Passemos então a analisar o outro “meio probatório” que o recorrente especificou para rogar a alteração da matéria de facto.

A expressão “meio probatório” metida por nós entre aspas porque em rigor, não podemos considerar as palavras usadas pelo Mandatário da Ré para formular perguntas à testemunha a inquirir como verdadeiro “meio de prova”, mesmo que este esteja munido do poder especial para confessar em nome da Ré.

Pois formalmente falando, o que o Mandatário da Ré disse na inquirição da testemunha não é mais do que o contexto para situar as perguntas que fez à testemunha, e por outro lado, o acto de produção da prova testemunhal também não é sede própria para confessar.

Em termos materiais, auscultadas as gravações da inquirição da testemunha F, ouvimos apenas a expressão “porque essa a Ré assume que houve uma relação……” dita pelo Mandatário da Ré, expressão essa que todavia, está longe de nos transmitir de que relação se trata!

Portanto, quer formal que materialmente, o que foi dito pelo Mandatário na inquirição não pode ser valorado como meio de prova, propriamente dito, pois se limitou a situar as perguntas no contexto do thema probandum.

Ora, chegamos aqui, podemos dizer que não tendo o recorrente conseguido convencer este TSI de que o Tribunal a quo andou mal ao julgar não provada a existência do tal contrato de projecto de arquitectura, referido na matéria do quesito 1º, podemos ficar dispensados de apreciar as restantes questões suscitadas pelo recorrente no seu petitório de recurso, uma vez que sendo o facto de o Autor e a Ré terem celebrado o tal contrato um facto essencialíssimo integrado da causa de pedir da acção, a não comprovação do tal facto arrasta necessariamente a acção para o insucesso.

Ou seja, ao não reconhecer a existência de um contrato, inexiste qualquer utilidade e necessidade para apurar qual é o objecto do contrato, qual é preço do contrato, ou se houve aceitação tácita de honorários, etc..

Tudo visto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo e que nada temos a censurar a sentença recorrida.

Sendo de julgar improcedente o recurso final e em consequência mantida na íntegra a sentença recorrida, não há lugar à apreciação do recurso interlocutório interposto pela Ré, nos termos prescritos no artº 628º/2 do CPC.

Em conclusão:

4. Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

5. Em cumprimento do ónus de especificação de meios probatórios, a que refere o artº 599º/1-b) do CPC, se o meio probatório invocado pelo recorrente for a confissão espontânea feita na contestação, não basta a simples remissão para a contestação, é preciso que se identifique a concreta parte da contestação em que foi feita a confissão, que na óptica do recorrente, é capaz de impor, sobre os pontos de facto impugnados, decisão diversa da recorrida.

6. Não valem como confissão espontânea as palavras usadas pelo Mandatário da parte, aquando da inquirição de testemunhas, para situar o contexto factual em que está inserido o thema probandum.



Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor, mantendo na íntegra a sentença recorrida e não tomar conhecimento do recurso interlocutório interposto pela Ré.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 30MAR2017

_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng

Ac. 3/2015-25