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Processo nº 586/2016
(Revisão de decisão proferida no Exterior)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 30/Março/2017

   
   Assuntos:

- Revisão de Sentença do exterior

    
    SUMÁRIO :
    
    É de confirmar uma sentença proferida pelos Tribunais do Interior da China, relativa a um divórcio litigioso, com ruptura dos laços e deveres conjugais que comprometem irremediavelmente a vida em comum, desde que se mostre a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, desde que transitada, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.

              O Relator,




Processo n.º 586/2016
(Revisão de decisão proferida no Exterior)

Data : 30/Março/2017

Requerente : - A

Requerido : - B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
  
   1. A, mais bem identificada nos autos,
  
    vem requerer Revisão de Sentença do Exterior,
    contra
  
     B, também ele aí mais bem identificado,

Com os seguintes factos e fundamentos de direito:

A requerente e o requerido B contraíram casamento sob registo no Serviço para os Assuntos Cíveis da Cidade de Shishi da China.

  O requerido B pediu divórcio (n.º 3XXX da série Shi Min Chu Zi (2013)) junto do Tribunal Popular da Cidade de Shishi da Província de Fujian.

  Por julgamento presidido pelo juiz, o Tribunal decretou o divórcio e proferiu a sentença civil. (Doc. 1)

  O Tribunal Popular da Cidade de Shishi da Província de Fujian proferiu a sentença civil em 19 de Junho de 2014 e essa sentença civil produziu efeitos jurídicos em 8 de Novembro de 2014. (Doc. 2)

  Esta sentença civil de divórcio corresponde aos dispostos da Lei Matrimonial da RPC, não há dúvida sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão.

  Apesar de serem residentes de Macau, as partes eram residentes do Interior da China, contraíram casamento no Interior da China e requereram divórcio no Tribunal Popular da Cidade de Shishi da Província de Fujian, assim, nos termos dos dispostos no Código Civil de Macau respeitantes ao direito internacional privado, não há fraude à lei e a decisão de divórcio supracitada não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau.

  Contra a decisão em causa não podem ser invocadas as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal de Macau.

  Tratando-se de divórcio litigioso, a ré foi regularmente citada para a acção e no processo foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

  A respectiva decisão, cuja revisão e confirmação se requerer, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública de Macau.
10º
  Portanto, a respectiva decisão já preenche totalmente o disposto no art.º 1200.º als. a) a f) do Código de Processo Civil de Macau.

  Sendo assim, solicita-se ao MM.º juiz que confirme a sentença do presente divórcio litigioso nos termos legais.

    2. Foi oportunamente citada a requerida que não deduziu qualquer oposição.
    
    3. O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

4. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    
    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    1. Vem certificada pelo Cartório Notarial da Cidade de Shishi da Província de Fujian da RPC a seguinte sentença:
*

“TRIBUNAL POPULAR DA CIDADE DE SHISHI DA PRONVÍNCIA DE FUJIAN
SENTENÇA CIVIL
N.º 3XXX da série Shi Min Chu Zi (2013)
  
  Autor, B, do sexo masculino, nascido a 27 de Dezembro de 1977, residente permanente da RAEM, residente XX市XX鎮XX村XX區XX號, titular do BIRPM n.º 1XXXXX7(5).
  Mandatário judicial, C, advogado do Escritório de Advogados de D.
  Ré, A, do sexo feminino, nascida a XX de XX de 19XX, residente permanente da RAEM, residente em Macau, Avenida do XX, XX Block XX, XXº andar, XX, titular do BIRPM n.º 1XXXXX8(5).
  Tendo admitido a acção de divórcio litigioso entre o autor B e a ré A, este Tribunal formou o juízo colectivo nos termos da lei e procedeu à audiência de julgamento à porta aberta. O autor B e o seu mandatário judicial C compareceram à audiência de julgamento. Tendo sido citada regularmente, a ré A recusou a comparecer à audiência sem causa justificativa. Este caso já foi concluído.
  O autor alegou que, o autor e a ré conheceram-se através da apresentação e procederam ao registo do casamento na Cidade de Shishi em 25 de Dezembro de 2001. Fruto desse casamento, nasceram duas filhas, E em XX de XX de 20XX e F em XX de XX de 20XX. A relação amorosa entre o autor e a ré não é sólida, após o casamento, pela divergência nos seus caracteres, o autor e a ré tiveram sempre disputas sobre as trivialidades e hábitos da vida quotidiana, não estabelecendo sentimento conjugal. Após o nascimento das filhas legítimas, o autor pretendeu reparar a relação conjugal com a ré, mas devido à grande divergência nos caracteres das partes, a relação conjugal deteriorou-se, os dois têm que separar-se. A relação conjugal ficou completamente rompida sem possibilidade de ser recuperada. Neste sentido, o autor intentou esta acção solicitando um julgamento de: 1. Dissolução da relação conjugal entre o autor e a ré; 2. As filhas legítimas E e F ficam a cargo do autor; 3. Partilha de bens comuns, no valor cerca de RMB$360.000, incluindo as jóias de ouro no valor de cerca de RMB$260.000 e anel de diamante, colar de diamante e bracelete de diamante, no valor total de cerca de RMB$100.000; 4. Custas pela ré.
  A ré A não contestou.
  Após o apuramento, o autor B e a ré A conheceram-se através da apresentação e procederam ao registo do casamento no Serviço para os Assuntos Cíveis da Cidade de Shishi em 25 de Dezembro de 2001. Fruto desse casamento, nasceram duas filhas, E em XX de XX de 20XX e F em XX de XX de 20XX. Actualmente a filha legítima E vivia com o autor e a filha legítima F vivia com a ré. Pela divergência nos seus caracteres, o autor e a ré tiveram sempre disputas sobre as trivialidades e hábitos da vida quotidiana, por consequência, a relação conjugal ficou rompida. Em 31 de Outubro de 2013, o autor B intentou acção de divórcio junto do presente Tribunal.
  Os factos supracitados são alegados pelo autor B na audiência de julgamento, com provas do BIRPM do autor, BRIPM da ré, requerimento de registo de casamento, certidão passada pela DSI de Macau, os BIRPM de E e de F. A ré A não compareceu à audiência, a revelia dela considera-se como denúncia do direito de contestar.
  Este Tribunal entende que, o autor B e a ré A conheceram-se através da apresentação e procederam ao registo do casamento no Serviço para os Assuntos Cíveis da Cidade de Shishi em 25 de Dezembro de 2001, assim, a relação das partes é relação conjugal legal. Pela divergência nos seus caracteres, o autor e a ré tiveram sempre disputas sobre as trivialidades e hábitos da vida quotidiana, por consequência, a relação conjugal ficou rompida. O autor solicitou a decretar o divórcio, o Tribunal sustentou este requerimento. Relativamente à questão de alimentos das filhas legítimas, nos termos dos dispostos da Lei Matrimonial da RPC, após o divórcio, o sustento e a educação das filhas são, para os pais, tanto direito como dever. Considerando que actualmente a filha legítima E vivia com o autor e a filha legítima F vivia com a ré, a fim de não mudar o ambiente de vida das filhas legítimas, a filha legítima E fica à guarda e custódia do autor B e a filha legítima F fica à guarda e custódia da autora A, os alimentos são suportados respectivamente. O autor pediu a partilha dos bens comuns de jóias de outro, anel de diamante, colar de diamante e bracelete de diamante da ré, mas não conseguiu apresentar provas respectivas, pelo que este pedido é rejeitado por falta de provas. A ré, tendo sido citada regularmente, não compareceu à audiência sem causa justificativa, este Tribunal procedeu à audiência de julgamento com revelia da ré. Nos termos dos art.ºs 21.º, 32.º, 36.º da Lei Matrimonial da RPC, do art.º 3.º n.º 2 de “Alguns Pareceres Concretos sobre a Questão de Alimentos dos Filhos nas Acções de Divórcio Conhecidas por Tribunais Populares” do Supremo Tribunal Popular, dos art.ºs 64.º e 144.º da Lei do Processo Civil da RPC e dos art.ºs 2.º e 11.º de “Algumas disposições sobre as Provas do Processo Civil” do Supremo Tribunal Popular, decide o seguinte:
  
  1. Decretar o divórcio entre o autor B e a ré A;
  2. A filha legítima E fica à guarda e custódia do autor B, a filha legítima F fica à guarda e custódia da ré A, os alimentos são suportados respectivamente;
  3. Indeferir outros pedidos do autor B.
  Custas no valor de RMB$1.045 e taxas de anúncio RMB$1.000 ficam a cargo do autor B.
  Caso estejam inconformados com a sentença, os interessados podem, no prazo de 30 dias a contar da notificação desta sentença, apresentar petição de recurso a este Tribunal, em conjunto com cópias em número correspondente às pessoas da contraparte, para o efeito da interposição de recurso para o Tribunal Popular de Segunda Instância da Cidade de Quanzhou da Província de Fujian.

O Juiz presidente
G

O Juiz adjunto substituto
H

O Jurado popular
I

Aos 19 de Junho de 2014
Carimbo: Tribunal Popular Da Cidade de Shishi

O escrivão judicial
J

Algumas disposições legais principais citados em anexo:
  1. Nos termos do art.º 21.º da Lei Matrimonial da RPC:
  Os pais têm o dever de educar e instruir seus filhos; os filhos têm o dever de sustentar e ajudar os pais.
  Se os pais não cumprirem com o seu dever, os filhos menores ou incapazes de viver à sua própria custa, têm o direito de exigir dos seus pais as despesas de educação.
  Se os filhos não cumprirem com o seu dever, os pais que são incapazes de trabalhar ou que têm dificuldades em se abastecer têm o direito de exigir dos seus filhos pagamentos de subsistência.
  É proibido o infanticídio por afogamento, o abandono de crianças e quaisquer outros actos causadora de lesões graves para as crianças.
  2. Nos termos do art.º 32.º da Lei Matrimonial da RPC:
  Se apenas uma das partes deseja o divórcio, o respectivo departamento pode realizar a mediação ou a parte pode recorrer directamente ao tribunal popular para iniciar os procedimentos de divórcio.
  Ao cuidar de um caso de divórcio, o tribunal popular deve realizar a mediação; se a mediação falhar, por causa da inexistência de afecto mútuo, deve ser concedido o divórcio.
  Em qualquer um dos casos seguintes, se a mediação falhar, deve ser concedido o divórcio:
  1. quando uma das partes cometer bigamia ou coabitar com outra pessoa de sexo diferente;
  2. quando uma das partes praticar violência doméstica ou maltratar ou abandonar membros da família;
  3. quando uma das partes envereda pelo jogo, consumo de drogas, etc. e recusar-se a mudar depois de repetidas persuasões;
  4. quando ambas as partes tiverem se separado um do outro por dois anos inteiros por falta de afecto mútuo;
  5. outros casos que levam à quebra do afecto entre marido e mulher.
  O divórcio deve ser concedido quando uma das partes é declarada ausente e a outra parte iniciar o processo de divórcio.
  3. Nos termos do art.º 36.º da Lei Matrimonial da RPC:
  A relação entre pais e filhos não deve terminar com o divórcio dos pais. Depois do divórcio, se os filhos são directamente colocados sob custódia do pai ou da mulher devem permanecer filhos de ambos parentes.
  Depois do divórcio, tanto o pai como a mãe têm o direito e o dever de criar e educar os filhos.
  Em princípio, depois do divórcio a mãe deve ter a custódia do bebé em amamentação. Se surgir um conflito entre ambas as partes sobre a custódia do seu filho que tiver sido desmamado e não alcançarem um acordo, o Tribunal Popular deve fazer um julgamento de acordo com os direitos e interesses da criança e com as condições actuais dos pais.
  4. Nos termos do art.º 3.º das “Alguns Pareceres Concretos sobre as Questões de Alimentos de filhos nos Casos de Divórcio Conhecidos por Tribunais Populares” do Supremo Tribunal Popular:
  Para o filho menor com idade superior a dois anos, se ambos os pais solicitarem a conviver com ele, dá-se preferência à parte que tem qualquer uma das seguintes circunstâncias:
  1. Se uma parte for submetida a esterilização ou perder a fertilidade por outro motivo;
  2. Se a mudança do ambiente for manifestamente desfavorável ao crescimento saudável de filho uma vez que o filho convivia com uma parte por longo tempo;
  3. Se uma parte não ter filho e a outra parte ter outro filho;
  4. Se conviver com uma parte for favorável ao crescimento de filho e outra parte sofresse de doenças transmissíveis incuráveis ou de outras doenças graves, ou tivesse circunstância desfavorável ao crescimento saudável de filho no sentido de não ser idóneo conviver com o filho.
  5. Nos termos do art.º 64.º da Lei do Processo Civil da RPC:
  A parte tem ónus de prova para as alegações, por si, invocadas.
  A parte ou o seu mandatário judicial não podem recolher, por si, as provas por motivos objectivos ou os tribunais populares consideram necessárias as provas para o caso, os tribunais populares são obrigados a proceder à respectiva recolha.
  Os tribunais populares devem apreciar e verificar as provas completa e objectivamente conforme o processo legal.
  6. Nos termos do art.º 144.º da Lei do Processo Civil da RPC:
  Tendo sido citado regularmente, o réu não comparece à audiência de julgamento sem causa justificativa ou abandona o juízo sem autorização, a audiência pode ser realizada com revelia do réu.
  7. Nos termos do art.º 2.º das “Algumas Disposições sobre as Provas do Processo Civil” do Supremo Tribunal Popular:
  A parte tem ónus de prova para os factos, por si, invocados que fundamentam os pedidos ou os factos ou que contradizem os pedidos da contraparte.
  No caso de falta de prova ou insuficiência de prova, cabe à parte que tem ónus de prova suportar as consequências desfavoráveis.
  8. Nos termos do art.º 11.º das “Algumas Disposições sobre as Provas do Processo Civil” do Supremo Tribunal Popular:
  Se a prova apresentada por parte aos tribunais populares for formada fora do território da República Popular da China, esta prova deve ser autentificada por Serviços do Notariado do Estado onde produzir a prova e reconhecida por Embaixada ou Consulado da RPC nesta Estado ou em conformidade com os trâmites de certificação previstos no respectivo tratado celebrado entre a RPC e o Estado em causa.
  Se a prova apresentada por parte aos tribunais populares for formada nas regiões de Hong Kong, Macau ou Taiwan, devendo submeter-se aos respectivos trâmites de certificação.

***

CERTIFICADO NOTARIAL
N.º 1XX9 da série Min Shi Zheng Zi (2015)

  Requerente: A, do sexo feminino, nascida a XX de XX de 19XX, titular do BIRM n.º 1XXXXX8(5), residente em Macau.
  Assunto: a cópia está correspondente ao original
  Certifica-se, por este meio, que a cópia é correspondente ao original da sentença civil do Tribunal Popular da Cidade de Shishi da Província de Fujian exibido por A ao presente notário.
  
  
Cartório Notarial da Cidade de Shishi da Província de Fujian da RPC
O notário
Ass.: vide o original
Aos 7 de Setembro de 2015”


2. Mais vem certificado o doc. n.º 2 . com o seguinte teor:

“CERTIFICADO NOTARIAL

Cartório Notarial da Cidade de Shishi da Província de Fujian da RPC

*


Tribunal Popular da Cidade de Shishi
Certificado de Vigência do Instrumento Legal
  
  Certifica-se, por este meio, que no caso de divórcio entre autor B e a ré A, a sentença civil do Tribunal Popular da Cidade de Shishi n.º 3XXX da série Shi Min Chu Zi(2013) produziu efeitos jurídicos em 8 de Novembro de 2014.
  
  Anexo: Observações do requerimento da execução
  1. Ambas as partes estão obrigadas a cumprir as obrigações previstas no instrumento legal.
  2. Em caso de incumprimento das obrigações por uma parte, outra parte pode pedir a execução ao presente Tribunal, entregando os seguintes documentos:
  1) Requerimento da execução;
  2) Original do instrumento legal e cópia;
  3) Esta notificação de vigência do instrumento legal ou cópia;
  4) A situação de património do executado.
  3. O prazo para requerer a execução é de dois anos, a contar a partir do último dia do prazo do cumprimento previsto no instrumento legal. Tendo sido apresentado o requerimento fora do prazo, este Tribunal não admite o requerimento de execução.

Aos 17 de Agosto de 2018
Carimbo: Tribunal Popular da Cidade de Shishi

*

CERTIFICADO NOTARIAL
N.º 1XX0 da série Min Shi Zheng Zi (2015)
  Requerente: A, do sexo feminino, nascida a XX de XX de 19XX, titular do BIRM n.º 1XXXXX8, residente em Macau.
  Assunto: a cópia está correspondente ao original
  Certifica-se, por este meio, que a cópia é correspondente ao original do certificado de vigência do instrumento legal do Tribunal Popular da Cidade de Shishi da Província de Fujian exibido por A.


Cartório Notarial da Cidade de Shishi da Província de Fujian da RPC
O notário
Ass.: vide o original
Aos 7 de Setembro de 2015”
    
    III – FUNDAMENTOS
    
   1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Popular da Cidade de Shishi, da Província de Fujian, da República Popular da China, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
   
   - Requisitos formais necessários para a confirmação;
   - Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
   - Compatibilidade com a ordem pública;
   
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
   “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
   
   Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
   A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
   Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
   
   3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
   
   Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
   
   Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de divórcio, interposta por B, contra sua mulher, A, aí tendo sido decidido decretar o divórcio, cujo conteúdo facilmente se alcança, por desentendimentos vários, situação de ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
   Dali resulta haver filhos, cujo poder paternal e regime de bens se regulou, de forma a respeitar a situação de facto já existente, permanecendo um dos filhos com o pai e outro com a mãe.
Não se fez prova do património comum a partilhar.
   
   4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
   “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau,5 se bem que, no caso presente, até vem certificado o trânsito, como se alcança dos documentos juntos aos autos, produzindo a sentença efeitos a partir do dia 8 de Novembro de 2014..

   5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
   Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e não contestado pela outra parte.
   
   6. Da ordem pública.
   Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
   E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
   No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre o ora requerente e a sua esposa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, até pelos mesmos motivos, constatando-se da documentação que se alegou que o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por comprovada violação dos deveres e ruptura dos laços conjugais.
   O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
   
    V - DECISÃO

     Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio litigioso entre a requerente A e o a requerido B através da sentença, de 19 de Junho de 2014, proferida pelo Tribunal Popular da Cidade de Shishi, da Província de Fujian, da República Popular da China – na acção n.º 3XXX da série Shi Min Chu Zi (2013) (Tribunal Popular da Cidade de Shishi, Província de Fujian, da República Popular da China), decisão transitada em 8 de Novembro de 2014 e que decretou o divórcio dos cônjuges e regulou o poder paternal dos filhos do casal nos seus precisos termos.
Custas pela requerente.
   Macau, 30 de Março de 2017,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
    
    
    
    
    
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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586/2016 19/19