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Processo n.º 24/2017. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Nulidade de acórdão. Facto. Excesso de pronúncia.
Data do Acórdão: 24 de Maio de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
É nulo o segmento do acórdão do Tribunal de Segunda Instância, que considera como verificado facto que não constava dos factos provados da sentença de 1.ª instância, nem da acusação, sem que se tenha procedido, no decurso da audiência, à alteração dos factos constantes daquela, nos termos dos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 16 de Dezembro de 2016, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 9 de Março de 2017, julgou procedente recurso interposto pelo Ministério Público e alterou a penalidade da condenação do arguido para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Recorre, agora, o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- A pena aplicada é excessiva, não devendo a pena a aplicar ao arguido ser superior a 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
- O acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, na parte em que considerou que 3 dos 5 telemóveis na posse do arguido continham registos relacionados com transacções de estupefacientes.
  O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, na resposta à motivação, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
Os factos provados são os seguintes:
No dia 7 de Fevereiro de 2016, pelas 00h10 de madrugada, quando os guardas do CPSP estavam a efectuar operação de “STOP” e de identificação perto do [Banco (1)] na Avenida Almeida Ribeiro, interceptaram um táxi de cor preta de matrícula M-XX-XX conduzido por B e exigiram ao arguido a sair do veículo e submeter-se ao exame. Durante o processo, o arguido fugiu subitamente em direcção da Travessa do Mastro. Os guardas efectuaram imediatamente a perseguição e acabaram por detê-lo perto da Travessa do Auto Novo, número policial 1.
Com consentimento do arguido, os guardas encontraram, no bolso esquerdo do casaco de cor azul-cinzenta do arguido, quatro pacotes plásticos transparentes com pós brancos que são suspeitos de ser estupefacientes (três pacotes com peso de cerca de 1,19g respectivamente, um pacote com peso cerca de 1,20g, cfr. auto de apreensão n.º 1, fls. 6 dos autos), nove pacotes plásticos transparentes com cristais transparentes no bolso direito das calças de cor azul do arguido (um com peso de cerca de 1,13g, quatro com peso de cerca de 1,14g, dois com peso de cerca de 1,16g, um com cerca de 1,15g e um com cerca de 1,17g, cfr. auto de apreensão n.º 1, fls. 6 dos autos), entretanto, encontraram, na posse do arguido, cinco telemóveis como instrumento de comunicação (cfr. auto de apreensão n.º 2, fls. 14 dos autos) e dinheiro no valor de MOP$4.700,00 (cfr. auto de apreensão n.º 3, fls. 27 dos autos).
De acordo com a perícia do Departamento de Ciências Forenses do CPSP, verificou-se que os referidos quatro pacotes plásticos transparentes contendo pós brancos, com peso líquido de 3,667g, continham substância de cocaína abrangida na Tabela I-B prevista no art.º 4.º da Lei n.º 17/2009, feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de cocaína era de 47,7%, com peso de 1,75g; os referidos nove pacotes plásticos transparentes contendo cristais transparentes, com peso líquido de 8,694g, continham metanfetamina abrangida na Tabela II-B prevista no art.º 4.º da Lei n.º 17/2009, feita a análise de métodos quantitativos, confirmou-se que a percentagem de metanfetamina era de 75,0%, com peso de 6,52g (cfr. relatório pericial, fls. 92 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
O arguido confessou que foi um indivíduo não identificado “C” quem mandou o arguido a entregar tais estupefacientes a outro homem não identificado. Os três dos referidos telemóveis (1. Um telemóvel de cor branca de marca SAMSUNG, 2. Um telemóvel de cor preta de marca NOKIA e 3. Um telemóvel de cor preta de marca ITEL) são instrumentos de comunicação do arguido no processo de tráfico de estupefacientes.
Bem sabendo a natureza e as características dos estupefacientes, agiu livre, voluntária e conscientemente, adquiriu e deteve, de forma ilícita, grande quantidade de substâncias contendo cocaína e metanfetamina abrangidas pela lei e distribuí-las a outrem, obtendo, assim, interesses ilícitos.
Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Ao mesmo tempo, ainda se provou os seguintes factos:
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
As condições pessoais e familiares do arguido:
O arguido era empresário antes de ser preso preventivamente, auferindo mensalmente RMB$16.000 em média.
Tem dois irmãos mais novos e uma irmã mais nova a seu cargo.
Tem por habilitações literárias o ensino secundário complementar.


III - O Direito
1. A questão a resolver
Importa apreciar as questões suscitadas.

2. Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia
Alega o arguido que o acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, na parte em que considerou que, 3 dos 5 telemóveis, na posse do arguido, continham registos relacionados com transacções de estupefacientes, dado que tal facto não foi considerado provado.
Relativamente aos telemóveis os factos provados são os seguintes:
Aquando da sua detenção os Guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública, encontraram na posse do arguido cinco telemóveis como instrumento de comunicação.
Três dos referidos telemóveis (1. Um telemóvel de cor branca de marca SAMSUNG, 2. Um telemóvel de cor preta de marca NOKIA e 3. Um telemóvel de cor preta de marca ITEL) são instrumentos de comunicação do arguido no processo de tráfico de estupefacientes.
Quer isto dizer que, na verdade, o acórdão recorrido considerou como um facto algo que vai um pouco além do que se provou, que foi que, 3 dos telemóveis eram usados pelo arguido no tráfico de estupefacientes, tendo o acórdão recorrido acrescentado que nos 3 telemóveis se encontravam registos relacionados com transacções de estupefacientes.
Por outro lado, o acrescento também não constava da acusação, sendo que não se procedeu, no decurso da audiência, à alteração dos factos constantes daquela, nos termos dos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 360.º é nulo o acórdão recorrido na parte em que consigna que em 3, dos 5 telemóveis detidos pelo arguido, se encontravam registos relacionados com transacções de estupefacientes.

3. Medida da pena.
Vem suscitada a questão da medida da pena.
Diga-se, desde logo, que a procedência da nulidade mencionada em nada altera o quadro dos factos em que se baseou a fixação da pena pelo acórdão recorrido, visto que se provou que 3 dos telemóveis eram usados pelo arguido no tráfico de estupefacientes (facto provado). A circunstância de neles se encontrarem registos relacionados com transacções de estupefacientes (facto não provado) é apenas uma questão de prova do facto antecedente, irrelevante em termos de ilicitude ou de culpa do arguido.
O acórdão recorrido não estava impedido, na sua fundamentação, de considerar um facto provado (serem 13 as embalagens de estupefaciente detidas pelo arguido) para fixar a pena, ainda que o recorrente não tivesse referido este número para pedir a agravação da pena.
Por outro lado, o acórdão recorrido fundamentou porque considerou excessivamente benevolente a decisão do Tribunal Judicial de Base.
Relativamente à pretensão de redução das penas entre os seus limites mínimo e máximo, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
Atendendo a que a penalidade varia entre 3 e 15 anos de prisão (lei vigente à data dos factos, mais favorável que a vigente actualmente, que pune o crime com a penalidade de 5 a 15 anos de prisão), que a favor do recorrente milita apenas a circunstância atenuante da confissão dos factos essenciais (confissão na sequência de ter sido detido pelas autoridades policiais com 13 embalagens de estupefacientes, após tentativa de fuga, gorada), não se afigura desproporcionada a pena aplicada, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009.
Improcede a questão suscitada.
O recurso é, assim, improcedente nesta parte.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem parcial provimento ao recurso e:
A) Declararam nulo o acórdão recorrido na parte em que consigna que em 3, dos 5 telemóveis detidos pelo arguido, se encontravam registos relacionados com transacções de estupefacientes;
B) Mantêm a pena fixada pelo acórdão recorrido, de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática, pelo arguido, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.
Macau, 24 de Maio de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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