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Processo nº 285/2017 Data: 27.04.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto”.
“Tentativa”.
“Consumação”.



SUMÁRIO

  Comete o crime de “furto” na forma tentada, o arguido que, em estabelecimento comercial, e com intenção de fazer sua, apropria-se de uma carteira de um cliente, vindo a ser detectado à saída e de imediato interceptado pelos profissionais de segurança que se encontravam em serviço.
  
O relator,

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Processo nº 285/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 84 a 88-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, para imputar à decisão recorrida “errada qualificação jurídica”, considerando que a sua conduta integra apenas a prática de 1 crime de “furto” na “forma tentada”; (cfr., fls. 96 a 97-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 99 a 102-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.96 a 97v. dos autos, o recorrente solicitou a convolação da subsunção operada pelo tribunal a quo para um crime de furto tentado e, em consequência, a atenuação especial, de acordo com o disposto no n.°2 do art.22° e no art.67° do Código Penal de Macau, da pena aplicada na douta sentença em escrutínio.
Com todo o respeito pelas criteriosas explanações da ilustre colega na douta Resposta (cfr. fls.99 a 102v.), inclinamos a entender que o recurso em apreço merece parcial provimento.
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No caso sub iudice, convém destacar que no actual ordenamento jurídico de Macau, é firmemente adquirida a douta jurisprudência que vem inculcando: «1. Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. 2. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, na medida em que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.» (Acórdãos do Venerando TUI nos Processos n.°24/2013, n.°67/2014 e n.°18/2015)
No seio do Venerando TSI, encontra-se e acompanhamos a brilhante jurisprudência que proclama (Acórdão no seu Processo n.°656/2013): «Para a consumação do crime de furto não basta a mera apropriação “material” da coisa (furtada) sem a sua mínima disponibilidade.»
Na sentença recorrida, a MMa Juiz a quo deu como provados os seguintes dois factos: de um lado, «未幾,被害人發現其藍色斜背包被人打開,並發現斜背包內的一個黃色銀包不見了,懷疑被人盜取之,同時,被害人發現嫌犯正手持著屬被害人所有的黃色銀包欲離開店舖,於是被害人立即向店舖保安員B求助。», e de outro lado, «保安員得悉事件後便上前將嫌犯截停,並發現嫌犯手持一個黃色銀包。經被害人檢查後確認銀包及銀包內的物品為被害人所有,於是保安員報警求助。»
Sem embargo do elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que ao ser detectado pela ofendida e interceptada por um indivíduo de segurança aí em serviço, o ora recorrente/arguido ainda não ultrapassou os riscos imediatos de reacção da vítima e de terceiros, nem conseguiu obter a mínima disponibilidade da coisa subtraída por sua co-agente da ofendida, não obstante ter já apropriado a mesma coisa.
Daqui pode-se extrair que o recorrente/arguido cometeu, em boa verdade, um crime de furto na forma de tentativa em vez de na forma consumada, e nesta linha de vista, procede o pedido de convolação da subsunção efectivada pela MMa Juiz a quo e da aplicação do preceituado no n.°2 do art.22° e no art.67° do Código Penal de Macau.
Devido à aplicação da atenuação especial prevista nas disposições acima aludidas, a moldura penal consagrada no n.°1 do art.197° ex vi n.°1 do art.45° do Código Penal de Macau passa a ser, no vertente caso, a da pena de prisão até 2 anos ou da pena de multa até 240 dias.
O recorrente agiu com dolo directo e, durante a audiência de julgamento, negou a prática dos factos que lhe tinham sido imputados, não se descortina arrependimento, vale destacar que na carteira furtada da ofendida há passaporte dela, além de HKD$1,700.00 e MOP$4,900.00.
Tudo isto deixa-nos a ideia de que a pena de seis meses de prisão com suspensão da execução no período de um ano e seis meses, aplicada pela MMa Juiz a quo na sentença atacada, mostra equilibrada e necessária para as finalidades da punição, daí não há lugar à redução da mesma.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo parcial provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 117 a 118).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 85 a 86, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido dos autos recorrer da sentença que o condenou pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.

Assaca à dita sentença “errada qualificação jurídica”, considerando que a sua conduta integra apenas a prática de 1 crime de “furto” na “forma tentada”.

E, tendo presente a factualidade dada como provada, tem o arguido recorrente razão.

De facto, e pronunciando-se sobre idêntica questão teve já o Vdo T.U.I. oportunidade de considerar que:

“Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”; (cfr., v.g., os Acs. de 22.05.2013, Proc. n.° 24/2013, de 30.09.2014, Proc. n.° 67/2014, de 20.05.2015, Proc. n.° 18/2015, e, mais recentemente, de 01.11.2016, Proc. n.° 76/2016).

Igualmente, sobre a mesma questão, e no Ac. de 23.01.2014, Proc. n.° 767/2013, (do ora relator) considerou este T.S.I.:

“Tem-se como correcto o entendimento pelo Vdo T.U.I. afirmado no Ac. de 22.05.2013, Proc. n.° 24/2013, (e pelo Ilustre Procurador Adjunto citado), segundo o qual: “no crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”; (sobre a matéria, com interesse e com abundante desenvolvimento a nível de direito comparado, vd. o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.11.2009, Proc. n.° 451/08, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, e em resposta à questão de se saber se basta a “posse instantânea” para a consumação do crime de “roubo”, respondia afirmativamente a doutrina tradicional, tendo-se insurgido Eduardo Correia que considerava necessário, para o elemento “subtracção”, a “posse pacífica” da coisa apropriada.
Surgiu, posteriormente, outro critério, menos exigente: o de um “efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso”; (cfr., Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, II, pág. 50).
Doutra forma, (como igualmente nota F. Costa), arredado estaria o recurso à “legítima defesa” (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o mesmo se podendo dizer quanto à “relevância da desistência da tentativa” assim como do “arrependimento activo”, (o que não deixaria de constituir uma incoerência do sistema).
No mesmo sentido, afirma também Paulo Saragoça da Matta que defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor; (cfr., “Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime «Clássico»”, in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, pág. 1026).
Mostrando-se assim adequado considerar que o conceito de subtracção exige uma “apropriação relativamente estável”, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido, (…)”.

No caso, resultando da factualidade dada como provada que o arguido, ora recorrente, foi “descoberto à saída do estabelecimento, com a carteira da ofendida, e que foi, de imediato, interceptado”, correcta e adequada se nos mostra a solução que se deixou adiantada. (Aliás perante situação também “muito próxima” já decidiu o Ac. deste T.S.I. de 23.07.2009, Proc. n.° 516/2009, onde se consignou que “Há crime tentado se os pretensos clientes numa feira e exposição de jóias, num certo stand pedem para ver um valioso diamante e se, num dado momento, em que pensam ter distraído o empregado, trocam o verdadeiro diamante por um falso, metendo aquele ao bolso e restituindo este, numa situação em que o empregado, atento, deu imediata conta do ocorrido, não os deixando ausentar e chamando a polícia”).

Quanto à “pena”.

Pois bem, como sabido é, e constatando-se que o crime em questão foi (apenas) cometido na forma “tentada”, imperativa é a “atenuação especial da pena” nos termos do art. 22°, n.° 2 do C.P.M..

E, nesta conformidade, atenta a moldura legal para o crime de “furto”, no caso, simples, (art. 197°, n.° 1 do C.P.M.), os termos da dita “atenuação especial”, (art. 67° do C.P.M.), e ponderando igualmente na restante factualidade dada como provada e nos critérios dos art°s 40°, 64° e 65° do C.P.M., considera-se adequada a pena de 4 meses de prisão, que não se substitui por multa porque inverificados os seus pressupostos legais, (art. 44° do C.P.M.), e cuja execução se suspende pelo período de 1 ano e 6 meses, como decidido tinha sido pela decisão recorrida.

Decisão

4. Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, ficando o arguido condenado pela prática de 1 crime de “furto” na “forma tentada”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 e 21°, 22° e 67° do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.

Sem custas.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 27 de Abril de 2017
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido, por entender ser de manter, na integra, a decisão recorrida, sobretudo porque opino que a palavra “subtrair”, do art.º 197.º, n.º 1, do Código Penal, deveria ser interpretada no sentido e alcance já sobejamente veiculados no acórdão de 13/11/2014 do processo n.º 543/2014 deste TSI.)

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