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Proc. nº 993/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Abril de 2017
Descritores:
-Princípio da prossecução do interesse público;
-Princípio da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos
-Autorização de residência
-Fortes indícios

SUMÁRIO:

I. De acordo com o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, os órgãos administrativos devem procurar realizar o interesse público específico sem lesar desnecessariamente os direitos e interesses dos particulares que não contendam directamente com aquele.

II. “Fortes indícios” constitui um conceito indeterminado, que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos e verdadeiros, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade.

III. Se num dado momento a Administração pôde considerar existirem fortes indícios para efeito de negar a renovação da autorização de residência, no quadro do disposto nos arts. 4º, nº2, al.3), da Lei nº 4/2003, e 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, concluir-se-á que densificou mal a norma, violando-a com base em erro nos pressupostos de facto, se o interessado no âmbito de um processo penal vier a ser absolvido do crime que se lhe imputava.














Proc. nº 993/2015
(Recurso Contencioso)

Acordam no Tribunal de Segunda instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, divorciado, de nacionalidade indiana, titular do passaporte n.º Z2XXXXX1, residente em Macau, na Rua de XX, Edifício XX, Bloco XX, XX.º andar “I”, Recorrente, recorre contenciosamente da decisão do Ex.mo Secretário para a Segurança, datado de 27 de Agosto de 2015, que, com base em alegados indícios da prática de um crime de burla informática, lhe indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência na RAEM.
Na petição inicial, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A) O fundamento da decisão ora posta em crise, são os fortes indícios da prática de crime, e já não o facto comprovado da inobservância das leis de Macau, constante da proposta anterior à decisão.
B) «Fortes indícios» são um conceito jurídico indeterminado, bem menos relevante e grave do que o «facto comprovado», pelo que se impõe com mais propriedade que o recorrente «deve presumir-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação pelo tribunal» (art.º 29.º da Lei Básica).
C) A decisão recorrida apresenta-se destituída de fundamentação, por insuficiente, na medida em se alega que a decisão é tomada para «garantir a segurança e a ordem pública desta RAEM», sem qualquer concretização ulterior, i.e., sem que se demonstre de que forma e em que termos se dão por afectadas a segurança e a ordem pública da RAEM, dando por adquirida tal asserção sem qualquer esforço de fundamentação e hermenêutica jurídica.
D) A falta ou insuficiência da fundamentação inquina o acto de invalidade, cuja sanção é a anulabilidade (art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo).
E) No que à fundamentação normativa da decisão concerne, verifica-se um manifesto erro de subsunção legal da situação do recorrente às normas legais a invocadas na decisão recorrida, - notoriamente não aplicáveis. Vejamos,
F) A decisão recorrida invoca, na sua fundamentação de direito, as disposições da al. 1) do n.º 2 do art.º 9.º e da al. 3) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, as quais dispõem que, para efeitos da concessão da autorização de residência deve atender-se, nomeadamente, aos antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º (art.º 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei 4/2003), e que pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes (art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei 4/2003).
G) É manifesto que o fundamento legal expresso na decisão recorrida não tem aplicação na situação do recorrente, porque (i) não existe comprovado incumprimento das leis da RAEM, e, bem assim, porque (ii) não se verifica nenhuma das circunstâncias referidas no art.º 4.º da Lei 4/2003, designadamente aquela expressamente referida na decisão (al. 3) do n.º 2 do art.º 4.º), que se refere à recusa de entrada de não-residentes, (iii) ficando portanto fora do seu âmbito de aplicação toda e qualquer situação que respeite ao residente, como no presente caso.
H) A decisão recorrida padece, pois, do vício de violação de lei por erro de interpretação dos pressupostos de facto e de direito no processo de subsunção da Lei n.º 4/2003, ferida de nulidade nos termos dos artºs. 3.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, d), do Código do Procedimento Administrativo, ou, em qualquer caso, de anulabilidade.
I) A decisão recorrida é não só ilegal por errada interpretação da lei aplicável, como ainda, desrazoável no exercício de poderes discricionários, por isso inquinada nos termos dos artºs. 4.º, 5.º, n.º 2 e 122.º, n.º 2, d), do Código do Procedimento Administrativo.
J) A decisão recorrida não leva em consideração o dever de protecção dos direitos e interesses do Recorrente, enquanto residente (art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo), desrespeitando os princípios da adequação, proporcionalidade e justiça (artºs. 5.º e 6.º).
K) A decisão recorrida, a manter-se, pelas consequências que acarreta, ofende o exercício dos deveres e direitos inerentes à paternidade, com clara afronta aos princípios proclamados pela Lei de Bases da Política Familiar (Lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto).
L) A filha menor do recorrente, enquanto residente permanente da RAEM, tem o direito de aqui permanecer, sem restrições, desígnio que a forçará a separar-se do seu pai e a ver-se desamparada, sem qualquer outra família na RAEM, se o Recorrente vier a perder a sua condição de residente.
M) A decisão recorrida está, assim, ferida de nulidade, na medida em que ofende o conteúdo essencial de direitos fundamentais do recorrente (al. d) do art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo), e da sua filha menor, que ele representa, e que teria, por si só, igualmente legitimidade para a presente impugnação contenciosa (art.º 2.º e art.º 33.º al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso).
N) Por tudo, a decisão recorrida violou o princípio da legalidade (art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo).
Termos em que, e nos mais de Direito, deve proceder o presente recurso e, consequentemente, declarar-se nula, ou anular-se, pelas apontadas ilegalidades, o acto recorrido, com todas as consequências legais, designadamente, revogando-se a decisão recorrida, concedendo-se a autorização de residência do recorrente na RAEM, fazendo V. Exªs. a costumada JUSTIÇA!”
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A entidade recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Nas alegações facultativas, o recorrente reiterou no essencial a posição antes veiculada na petição.
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O digno Magistrado do MP, no seu parecer final, opinou o seguinte:
“A, suficientemente identificado nos autos, interpõe recurso contencioso do despacho de 27 de Agosto de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que indeferiu a renovação da sua autorização de residência.
Tal despacho louvou-se nos factos alinhados nos pontos 1 a 4 da Informação n.º 300086/CESMREN/2015P, ria existência de fortes indícios subjacentes à acusação do recorrente pelo Ministério Público, onde lhe fora imputada a prática de um crime de burla informática, e na necessidade de garantir a segurança e a ordem pública na Região Administrativa Especial de Macau, tendo convocado, como fundamentos de direito, os artigos 22.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, e 9.º, n.º 2, alínea 1), e 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003.
O recorrente acha que o acto padece dos vários vícios que lhe imputa na sua petição de recurso e em alegações facultativas (violação do princípio da presunção de inocência, falta de fundamentação, violação de lei por errada aplicação do artigo 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003, desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, violação infundada de direitos fundamentais e erro nos pressupostos de facto).
Na sua contestação, a autoridade recorrida afirma a legalidade do acto e bate-se pela improcedência do recurso.
Abordemos o vício de violação da presunção de inocência.
Este princípio, previsto na Lei Básica, tem especial acuidade em processo penal, cujo Código o consagra igualmente, significando que, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, não devem recair sobre o arguido quaisquer juízos que pressuponham o efectivo cometimento dos factos delituosos, devendo até lá beneficiar da presunção de que é inocente.
Mas um tal princípio não pode ser levado ao ponto de impedir a própria investigação dirigida contra o arguido e a eventual dedução de uma acusação, pois isso seria a negação do próprio processo penal que lhe consagra esse estatuto de presumido inocente.
E se é assim em processo penal, também em sede de procedimento administrativo não podem os processos paralisar só porque o administrado beneficia da presunção de inocência. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam os da existência de indícios ou de fortes indícios, em nada belisca a presunção de inocência dos arguidos. Tanto mais que é o próprio legislador quem, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração essa incumbência de integração de conceitos, indispensável à actividade administrativa. Improcede, pois, a invocada violação do princípio da presunção de inocência.
Passemos ao vício de forma por insuficiente fundamentação.
Diz o recorrente que a decisão administrativa impugnada padece deste vício porque alinha como fundamento a necessidade de garantir a segurança e a ordem pública desta RAEM, sem que concretize de que forma e em que termos podem ser afectadas a segurança e a ordem pública da RAEM.
Se o fundamento fáctico invocado fosse apenas este, aceitar-se-ia a alegada insuficiência, já que não resultaria clara a motivação da decisão, o porquê de se ter decidido no sentido em que se decidiu. Teríamos, nesse caso, a mera enunciação dum objectivo a preservar com o acto, sem o respaldo da necessária factualidade que inculcasse a necessidade de garantir esse objectivo.
Mas, como se vê do acto, este convoca os pontos 1 a 4 da Informação n.º 300086/CESMREN/2015P, onde aparece descrita a factualidade que o Ministério Público imputa ao recorrente numa acusação em processo penal por crime de burla informática, invocando ainda a necessária existência de fortes indícios da prática desse crime subjacentes à acusação do Ministério Público. Ora, possuindo o acto esta roupagem fáctica, logo se percebe a razão da necessidade de garantir a segurança e a ordem pública a que o acto também alude.
A partir da enunciação fáctica do acto, fica claro que a entidade recorrida considerou haver fortes indícios de ter o recorrente cometido um crime de burla informática, do que aliás foi acusado pelo Ministério Público. E do acto resulta igualmente claro e expresso o quadro normativo a que a Administração recorreu para indeferir a renovação da autorização de residência do recorrente.
Perante esta constatação, não se crê razoável imputar ao acto o alegado vício de forma. É evidente que um destinatário médio, em face do conteúdo do acto, fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à recusa de renovação da autorização de residência, do que o recorrente, de resto, também ficou ciente, conforme se colhe do teor da sua petição de recurso. Tanto basta para que o acto se deva ter por suficientemente fundamentado à luz do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo.
Improcede também o vício de falta ou insuficiência de fundamentação.
Atenhamo-nos agora na suscitada violação de lei por errada aplicação do artigo 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003.
O recorrente alega que esta norma, prevendo situações de recusa de entrada de não residentes em Macau, não se aplica a si, contrariamente ao que foi considerado no acto, dada a autorização de residência de que beneficiava.
É verdade que a norma em causa prevê situações de recusa de entrada na RAEM a não residentes. E é também certo que o recorrente estava autorizado a residir em Macau. Mas sendo residente não permanente, está sujeito a renovação da autorização de residência. Nesta matéria, o Regulamento Administrativo n.º 5/2003 estipula no artigo 22.º, n.º 2, que a renovação da autorização depende, além do mais, da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios. Por sua vez, a lei de princípios, ou seja, a Lei 4/2003, enuncia, no seu artigo 9.º, os aspectos que importa ponderar para o efeito, entre os quais, por remissão do n. º 2, alínea 1), deste artigo, constam as circunstâncias elencadas no artigo 4.º. Portanto, as situações previstas no artigo 4.º da Lei 4/2003, como circunstâncias que obstam à entrada de não residentes, valem igualmente como aspectos a levar em conta na renovação da autorização de residência, por força da remissão operada pelo artigo 9.º, n.º 2, alínea 1).
Soçobra, assim, igualmente este vício de violação de lei.
Seguidamente, o recorrente sustenta que o acto padece de irrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários em que se moveu.
Para tanto, considera desproporcionada a decisão de recusar a renovação da sua autorização de residência, vistas as coisas à luz do confronto entre os interesses e direitos em presença.
Também neste ponto não se crê que o recorrente tenha razão.
O princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
Pois bem, estando em causa, como estava, a renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocavam: renovar a autorização ou denegá-la. O acto recorrido tomou em linha de conta a existência de indícios fortes da prática de um crime por parte do interessado, aqui recorrente, e, no confronto dos valores em presença, atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável em vista da enunciada preservação da segurança e ordem pública. Neste contexto, a primazia conferida ao interesse público nenhuma afronta faz ao princípio da proporcionalidade, não padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.
Soçobra, assim, também a invocada desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Sustenta ainda o recorrente que o acto viola infundadamente direitos fundamentais seus e da filha menor, trazendo à colação o direito à residência e direitos inerentes à paternidade.
Nenhuma afronta faz o acto ao direito de residência do recorrente, pela razão simples de que, por enquanto, não lhe assiste esse direito, pois não viu ainda firmado, na sua esfera jurídica, o direito a residir em permanência na RAEM. É por isso que, regularmente, tem que requerer e obter autorização de residência.
Por outro lado, em bom rigor, o acto não interfere directamente com o direito de residência da filha, embora se conceda que, para ela, enquanto menor, a exercitação desse direito, na sua plenitude, toma-se evidentemente mais fácil se puder contar com a proximidade de ambos os progenitores. Quanto à exercitação das responsabilidades parentais, os inerentes direitos e deveres estão garantidos, quer pela lei interna de Macau, quer pelo direito convencional aplicável na RAEM. Todavia, nenhum instrumento normativo impõe, como decorrência da relação parental, a aquisição do direito de residência em Macau.
Temos também por improcedente esta alegada violação de direitos fundamentais do recorrente e da filha.
Por fim, resta abordar a questão do erro nos pressupostos de facto.
A este respeito, o que o recorrente sustenta, quer na petição de recurso, quer nas alegações, ao questionar que estivesse comprovada a prática de qualquer infracção e ao recusar ter cometido qualquer crime, é o pressuposto dos fortes indícios, que a Administração teve como um dado adquirido. A decisão recorrida, apelando à existência de uma acusação por parte do Ministério Público, onde era imputada ao arguido, aqui recorrente, a prática de um crime de burla informática, louvou-se nos indícios fortes pressupostos por essa acusação para, ao abrigo das normas que convocou, indeferir a renovação da autorização de residência do recorrente.
Em sede administrativa, o artigo 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, normativo em que se fundou o acto recorrido, exige fortes indícios da prática de crime. Por seu turno, o artigo 265.º do Código de Processo Penal faz assentar a acusação penal na existência de indícios suficientes da prática do crime. Temos para nós que fortes indícios e indícios suficientes se equivalem ao nível da exigência probatória do juízo de probabilidade, pressupondo ambos uma convicção da probabilidade da futura condenação do arguido. No mesmo sentido opina Jorge Noronha Silveira, no seu trabalho intitulado “O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, acessível através de www.odireitoonline.com. para quem as expressões processuais “indícios suficientes” e “fortes indícios” têm um alcance semelhante. Portanto, neste aspecto, nada haverá a censurar ao acto recorrido por ter adoptado, como fortes, os indícios subjacentes à acusação do MP.
Sucede que a esse juízo sobre a suficiência dos indícios ou sobre a existência de fortes indícios da prática de um crime de burla informática sobreveio uma absolvição em processo penal. Absolvição da prática do crime de burla informática, única infracção que a Administração visara para emitir pronúncia quanto à força dos indícios e para sustentar a não renovação da autorização de residência.
Esta decisão penal absolutória vem abalar e deitar por terra os indícios em que se louvara a acusação e que foram igualmente convocados pela autoridade recorrida como pressuposto fáctico do acto administrativo sob escrutínio, pondo a nú o erro nos pressupostos de facto.
Termos em que, na procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, deve o recurso obter provimento, anulando-se o acto recorrido”.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Temos por provada a seguinte factualidade:
1 - O recorrente A, titular de passaporte da Índia, obteve autorização de residência por despacho do Secretário para a Segurança de 16/01/2009 com fundamento na reunião com a sua cônjuge, titular de BIRM.
2 - Por despacho de 5 de Setembro de 2014 foi suspenso o procedimento de renovação da autorização de residência até decisão judicial sobre a comprovação de crime que lhe era imputado, face ao teor da Informação MIG.913/14/E.
3 - Foi posteriormente lavrada a seguinte Informação, em virtude o recorrente ter sido, entretanto, acusado da prática de um crime de burla informática, o chefe do serviço de emigração lavrou a seguinte informação:
“1. O interessado A, do sexo masculino, titular do passaporte da Índia e do BIRNP, obteve a autorização de residência em Macau através do despacho do ex-Secretário para a Segurança, de 16 de Janeiro de 2009, por motivo de reunião com a sua cônjuge que era titular do BIRPM, a sua autorização de residência renova-se até 15 de Janeiro de 2014.
2. Tomando referência à informação n.º MIG.913/2014/E e ao abrigo do despacho do ex-Secretário para a Segurança, de 5 de Setembro de 2014, suspende o processo de pedido de renovação da autorização de residência do interessado, A, até a decisão final do órgão judicial sobre o caso do interessado.
3. Em 1 de Junho de 2015,recebeu o oficio do MP, juntando uma acusação do respectivo caso (n.º 1632/2015 da série B), com o seguinte teor: “o interessado é o 1º arguido, em meados do ano de 2013, o interessado e os outros quatro arguidos criaram, em acordo mútuo e em coordenação de cada um, um website falso com design semelhante com o do C de Macau, e enviaram e-mail em nome do banco e exigiram o ofendido a ter acesso ao link para verificar e actualizar os seus dados da conta bancária. O ofendido achou que o e-mail supracitado foi emitido pelo banco e teve acesso ao link falso, introduzindo o nome e o código da conta bancária. Os arguidos, depois de obterem os dados e código da conta do ofendido, tiveram acesso ilegalmente à conta do ofendido, transferindo o dinheiro para a conta de cartão de crédito do Banco da D de Macau do 1º arguido, no valor de HKD$180,582,52. Em 9 de Agosto de 2013, os 1º e 2º arguidos pretenderam levantar, por uma vez, toda a quantia no Banco da D, mas foram recusados pelo pessoal do banco por falta de prova de transferência bancária. Os vários arguidos têm que levantar dinheiro em partes na máquina ATM diariamente.
Levantaram dinheiro em 9, 10 e 11 de Agosto de 2013 respectivamente, no total de MOP$48,000,00. A Polícia determinou a qualidade do 1º arguido segundo o titular do cartão de crédito, e depois segundo as informações fornecidas pelo 1º arguido, determinou a qualidade do 2º arguido, e com auxílio do 2º, determinou assim a qualidade dos 3º a 5º arguidos. Os cinco arguidos agiram de forma livre, voluntária, consciente e dolosa, chegaram ao acordo de cooperação e praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de burla informática p.p. pelo art.º 11.º n.º 1 al. 1) e n.º 3 al. 2 da Lei n.º 11/2009……”. (vide o respectivo documento)
4. Elaborámos a informação n.º 200874/CESMREN/2015P dado que existe indícios de que o interessado violou a lei de Macau; o parecer do presente Serviço é: sugerir que seja indeferido o respetivo pedido de renovação da autorização de residência.
5. Em 2 de Julho de 2015,devido à verificação de violação da lei de Macau do interessado, este Serviço notificou o interessado do parecer oficial através da “audiência escrita” nos termos dos art.ºs 93.º e 94.º do Código de Procedimento Administrativo, o interessado pode pronunciar-se por escrito no prazo de 10 dias após a notificação. (vide a informação n.º 200874/CESMREN/2015P) (Anexo 7)
6. Em 20 de Julho de 2015, o interessado entregou a declaração ao presente Serviço através do seu advogado (Anexo 8), com o seguinte teor: “... ... Segundo o ponto 3 da notificação da audiência escrita, pretendeu indeferir o pedido de renovação da autorização de residência por verificar a violação da lei de Macau do interessado. Nos termos do Código Penal e do art.º 25.º da Lei Básica, presume-se inocente até a condenação do tribunal, logo, o interessado na fase actual é ainda arguido e não é condenado, mas a Administração confirmou o crime não provado e indeferiu a renovação da autorização de residência o interessado. Por outro lado, o interessado apontou os factores lhe mais favoráveis, o interessado e a sua cônjuge tinham uma filha, nascida a XX de XX de 20XX em Macau (tinha 6 anos de idade), titular do BIRPM, frequentava na escola em Macau. O poder paternal da filha foi exercido pelo interessado e a mãe da filha não se encontrava em Macau, assim, o interessado é o único familiar da sua filha em Macau, pelo que, o interessado tem que tomar conta da vida da filha em Macau… …” (vide a declaração), juntando os seguintes documentos:
- Certidão narrativa de registo de nascimento da filha do interessado, segundo a qual, o nome é de E, nascida a XX de XX de 20XX em Macau (ora tinha 6 anos de idade), filha de A e F.
- Cópia do BIRPM da filha do interessado.
- Documento comprovativo de inscrição da filha do interessado.
- Segundo o registo da segunda reunião do Juízo Laboral e de Juízo de Família e de Menores do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º FM1-13-0064-CPE, os requerentes A e F acordaram em que o poder paternal da filha menor E fica exercido pelo marido; a mulher não precisa de pagar os alimentos à filha; as partes não precisam de pagar os alimentos entre os cônjuges, as partes viviam em separação por muito tempo e não tinham residência comum. Decretou dissolvida a relação matrimonial das partes estabelecida em 13 de Agosto de 2008 em Macau devido à vontade de divórcio das partes e reconheceu o acordo sobre o poder paternal da filha menor, da residência da família e os alimentos entre os cônjuges. (vide o teor da sentença e do acordo)
- Segundo a certidão do Juízo Laboral e de Juízo de Família e de Menores do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º FM1-13-0064-CPE (n.º anterior CV2-13-0037-CPE), os requerentes são A e F, a respectiva sentença transitou em julgado em 16 de Janeiro de 2014 (vide o respectivo documento)
- Cópia da notificação da audiência escrita do interessado.
7. Através da análise do presente caso, a relação matrimonial entre o interessado e a sua cônjuge já foi dissolvida, o seu motivo de pedido de autorização de residência em Macau já não se verifica (por motivo de reunião com a sua cônjuge em Macau); o interessado alegou que a sua cônjuge não se encontrava em Macau, aliás, segundo o registo de entrada e saída de Macau, a sua cônjuge residia em Macau por longo tempo, portanto, o interessado não é o único familiar da sua filha em Macau. E segundo o acordo, o poder paternal da filha foi exercido pelo interessado, caso a renovação do interessado não seja autorizada, pode levar a sua filha para o local de origem, sem nenhum obstáculo. Caso a sua filha não queira deixar Macau, a mãe da filha pode requerer ao tribunal a modificação do acordo, pelo que, não constitui a razão de permanência do interessado em Macau. O mais importante é, a natureza do crime praticado pelo interessado é grave, apesar de não ser condenado, as respectivas circunstâncias do crime constituíram ameaça grave para a segurança de Macau, o interessado agiu de forma livre, voluntária, consciente e dolosa, e praticou, em coordenação com outros, o crime, logo, o mesmo não é uma pessoa que respeita a lei. Por falta de confiança do interessado no cumprimento da lei e com base de segurança e ordem públicas, o respectivo pedido é indeferido.
8. Submete-se ao superior.
Elaborado por O chefe do Comissariado de
G, 0XXXX1 Estrangeiros
Ass.: vide o original H
4 - O Chefe do Serviço de Migração, em 7/08/2015 emitiu o seguinte parecer:
“1. Ao abrigo do despacho do ex-Secretário para a Segurança, de 5 de Setembro de 2014, concordo com a fundamentação constante da informação do presente Serviço n.º MIG.913/14/E e suspendo o processo de pedido de renovação da autorização de residência do interessado A, até à decisão final do órgão judicial sobre o caso do interessado.
2. Em 1 de Junho de 2015, este Serviço recebeu o ofício do MP do processo n.º 8221/2013, juntando a acusação (n.º 1632/2015 da série B), segundo a qual, o interessado é o 1º arguido, foi acusado, juntamente com outros quatro arguidos, pela prática em co-autoria material e de forma consumada, de um crime de burla informática p.p. pelo art.º 11.º n.º 1 al. 1) e n.º 3 al. 2) da Lei n.º 11/2009. Este pedido de renovação da autorização de residência foi indeferido devido à existência de violação da lei de Macau.
3. Através da audiência escrita, o interessado apresentou a declaração ao Serviço através do advogado. (anexo 8)
4. Dado que a fundamentação do recorrente na audiência escrita não é suficiente (cfr. ponto 6 e 7 da informação), portanto, nos termos do art.º 9 n.º 2 al. 1 da Lei n.º 4/2003 e do art.º 22.º n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, sugiro a indeferir este pedido de renovação da autorização de residência .
5. Submete-se à apreciação superior.
07/08/2015
O chefe do Serviço de Migração, substituto
I, subintendente ”
5 - O Comandante do CPSP manifestou concordância e fez submeter o caso ao Ex.mo Secretário para a Segurança.
6 - O Secretário para a Segurança, em 27/08/2015, proferiu então o seguinte despacho:
“Considerando os factos invocados nos pontos 1 - 4 do parecer constante na Informação em referência e a análise nela elaborada (que aqui se dão por integralmente reproduzidos), em virtude do facto de o interessado ser acusado pelo Ministério Público, manifesta-se que existem fortes indícios que ele cometeu um crime de burla informática. Para garantir a segurança e a ordem pública desta RAEM, nos termos do artigo 22º, no. 2 do Regulamento Administrativo no. 5/2003 e do artigo 9º, nº.2, alínea 1) da Lei nº 4/2003, bem como do artigo 4º, no.2, alínea 3) da mesma Lei, decido indeferir o pedido de renovação da autorização de residência em apreço.
Aos 27 de Agosto de 2015.
O Secretário para a Segurança
Assinatura (vide original)
J ”
7 - O recorrente foi casado com F, titular de BIRM e dessa união adveio em 8/02/2009 o nascimento da filha comum, de menor idade, de nome E, que é residentre permanente da RAEM.
8 - Na sequência de divórcio por mútuo consentimento entre ambos, ficou acordado que o poder paternal sobre a filha menor pertenceria ao recorrente.
9 - Foi proferido acórdão nos autos de processo comum colectivo CR3-15-0238-PCC, no 3º juízo criminal do TJB, vindo o recorrente a ser absolvido do crime de burla informática de que fora acusado.
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IV – O Direito
1 – Foi por haver “fortes indícios” da prática de um crime que ao recorrente foi negada a renovação da autorização da sua residência na RAEM.
Ao acto administrativo que assim decidiu o procedimento, o recorrente imputa os vícios de:
- Falta de fundamentação;
- Violação de lei;
- Violação dos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos residentes, proporcionalidade.
- Erro sobre os pressupostos de facto.
Apreciando.
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2 – Da falta de fundamentação
Não tem razão o recorrente. Efectivamente, o despacho em crise não se limitou a partir directamente para a afirmação da existência de fortes indícios da prática de um crime de burla informática. Para assim o ter concluído, ele fez seu o conteúdo dos pontos 1 a 4 do parecer constante da Informação que o antecede.
Ao assim agir, a autoridade administrativa fez o que podia fazer, ao abrigo do art. 115º, nº1, do CPA, através daquilo a que se chama fundamentação “per remissionem”.
Ora, como nos referidos pontos para os quais o despacho impugnado remete estão bem descritas as razões para a decisão tomada, não se pode dar por procedente o vício.
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3 – Da violação de lei
Para o recorrente teriam sido violadas as disposições do art. 9º, nº2, al.1) e 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003, de 17 de Março.
É certo que o art. 4º da citada Lei fala em “recusa de entrada” e o 9º em “autorização de residência”. Pareceria, pois, ao recorrente que nenhuma delas servira para indeferir o pedido de renovação da autorização de residência.
Contudo, o art. 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, no seu art. 22º (de resto, invocado no despacho) manda aplicar aos pedidos de renovação os pressupostos e requisitos estabelecidos na lei de princípios, que é precisamente a Lei nº 4/2003.
Quer isto dizer que, por remissão, se aplica à renovação o que estiver previsto para a recusa e autorização.
Improcede, por isso, o vício.
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4 – Da violação dos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos residentes e da proporcionalidade.
4.1 – Da legalidade
O princípio da legalidade (art. 3º, do CPA) é um princípio basilar e fundamentante, sem dúvida. Mas ele, pela forma como está redigido, limita-se a estabelecer uma base estruturante da actividade administrativa. Ou seja, e tomando por referência desde logo o nº1 do artigo, o que ele significa é que a Administração deve obediência à lei e ao direito. Pede-se que a Administração actue dentro da lei e dos poderes que a lei lhe concede na prossecução da sua actividade.
Mas, dizer isto é o mesmo que todo o mundo já sabe, mesmo que o princípio não estivesse especialmente previsto. Com efeito, desde que haja uma violação da lei e do direito, existe uma ilegalidade. E o contrário também é verdadeiro; isto é, desde que se cumpra a lei e o direito, realiza-se a legalidade.
Por isso mesmo, em caso de detecção de violação de norma ou princípio geral de direito administrativo, o caso é de violação de lei, sem necessidade de invocação da violação do art. 3º. Por isso, o que haverá que ver no caso concreto é se procederá o que o recorrente suscita no âmbito da apontada ilegalidade no quadro dos vícios que invoca.
É o que fará já de seguida.
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4.2 – Da protecção dos direitos e interesses dos residentes
Está aqui em causa o princípio acolhido no art. 4º do CPA.
Ora, ao contrário do que parece estar ínsito no recurso, não se pode dizer que o respeito pelos interesses e direitos dos residentes supere sempre e necessariamente o interesse público subjacente. Pelo contrário, o que dele parece emanar é que a Administração, ao prosseguir o interesse público, deve fazê-lo sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Claro está que nem sempre os direitos e interesses públicos e privados são compatíveis, pois a satisfação de uns pode implicar a privação dos outros. Em cada caso isso terá que ser objecto de particular atenção e cuidado.
Verdadeiramente, o que o preceito transmite é que os órgãos administrativos devem procurar realizar o interesse público específico sem lesar desnecessariamente os direitos e interesses dos particulares que não contendam directamente com aquele.
Por exemplo, se for necessário indagar se um passageiro feminino que entre num determinado país transporta droga sob a sua roupa ou mesmo no interior do seu corpo, as autoridades devem efectuar a revista num espaço reservado ao efeito, e não à vista geral, de preferência por agentes femininos, tudo isto de forma a preservar a pessoa da violação da sua privacidade, decoro e reserva da intimidade do seu físico, respeitando-se dessa maneira o seu correspondente direito de personalidade (art. 67º, do CC).
Portanto, o preceito impõe uma tarefa de ponderação, de equilíbrio e equidade, procurando levar o órgão administrativo decisor a não afectar os direitos e interesses dos residentes, senão quando tal se mostre de todo impossível ou quando a decisão a tomar se mova num ambiente procedimental que implique precisamente uma opção entre uns e outros.
Neste caso, uma decisão como a tomada, tal como observa o digno Magistrado do MP no seu parecer de fls. 110-113) “Nenhuma afronta faz o acto ao direito de residência do recorrente, pela razão simples de que, por enquanto, não lhe assiste esse direito, pois não viu ainda firmado, na sua esfera jurídica, o direito a residir em permanência na RAEM. É por isso que, regularmente, tem que requerer e obter autorização de residência.
Por outro lado, em bom rigor, o acto não interfere directamente com o direito de residência da filha, embora se conceda que, para ela, enquanto menor, a exercitação desse direito, na sua plenitude, toma-se evidentemente mais fácil se puder contar com a proximidade de ambos os progenitores.
Quanto à exercitação das responsabilidades parentais, os inerentes direitos e deveres estão garantidos, quer pela lei interna de Macau, quer pelo direito convencional aplicável na RAEM. Todavia, nenhum instrumento normativo impõe, como decorrência da relação parental, a aquisição do direito de residência em Macau.”.
Portanto, não se mostra violado o princípio em apreço.
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4.3 – Do princípio da proporcionalidade
Este princípio (art. 5º, CPA) move-se paredes meias com outros que a Administração deve observar, nomeadamente aquele que acabamos de analisar.
E, como é sabido, este princípio da proporcionalidade, tal como o da razoabilidade e adequação, funcionam como limites internos à actividade discricionária, e que apenas permitem uma sindicância ao acto administrativo sindicado, salvo em casos de erro grosseiro, manifesto e intolerável (vg. Ac. do TSI, de 30/06/2016, Proc. nº 886/2015), erro aqui não configurável.
E não configurável, na medida em que a actuação administrativa se ajustava na ocasião à situação que foi detectada. Ou seja, tendo os elementos disponíveis naquela altura apontado, numa aparência justificável, para um quadro de ilicitude criminal, tanto assim que o recorrente até veio a ser indiciado e acusado processualmente pelo respectivo crime, a Administração não fez mais do que lhe era permitido, tendo em atenção o interesse público de segurança e ordem pública que lhe cumpre prosseguir.
Quer isto dizer, portanto, que a decisão administrativa, à época em que foi tomada, não se mostrava claramente errada em termos grosseiros e intoleráveis.
O que significa, pois, que o vício não ocorre.
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4.4 - Erro sobre os pressupostos de facto
Sustenta o recorrente, por fim, não ter cometido qualquer crime.
Pois bem. Aqui chegados, tudo tem que ver com a ideia de “fortes indícios” da prática de um crime.
Indícios são circunstâncias conhecidas e indiscutíveis que permitem deduzir a existência de um facto, inferir a existência do “crime” de dano, tal como tipificado na lei penal (art. 206º e sgs., do C.P.M.). Não há dúvida quanto a isso.
Ora, para a decisão administrativa em causa prevaleceu unicamente foi a existência de fortes indícios de um crime. E ao contrário do que sucede com a alínea 2) do nº2, do art. 4º, da Lei nº 4/2003, não se torna necessária a condenação em pena privativa de liberdade na RAEM ou no exterior; basta a simples existência de indícios de que tenha sido cometido o crime, já que “Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12º, nº3, da Lei nº 6/2004” (cit. Ac. do TSI, Proc. nº 94/2015).
Evidentemente, formalmente e para efeitos jurídico-penais o crime depende de uma decisão judiciária que o reconheça e puna. Mas, para outros efeitos, pode a existência de fortes indícios ser motivo suficiente para que o legislador ordinário queira precaver a sociedade contra a alteração da ordem e a segurança públicas que um indivíduo (sobre quem recaiam severas suspeitas de ilícito criminal) pode ocasionar. De resto, quando a lei fala em “quaisquer crimes” a propósito do art. 4º, nº 2, al. 3), da Lei nº 4/2003, sob pena de contra-senso absurdo, não se está a referir a “crimes julgados”, pois por enquanto ainda tudo não passa de indícios, mas a ilícitos criminais que, com grande dose de verosimilhança, preenchem os elementos típicos de um crime previsto na lei. (já este TSI teve oportunidade de o afirmar, por exemplo, no Ac. de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012).
De resto, “A recusa de entrada na RAEM de não-residentes não está ligada à questão de saber se lhe deve ser aplicada alguma pena ou medida de segurança, enquanto reacção pública ao crime, caso em que terá sempre que ter em linha de conta o princípio da presunção de inocência, mas sim estamos no âmbito do exercício da actividade administrativa, em que a Administração terá o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos. A medida de interdição fundada na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança”. (Ac. TSI, de 25/07/2002, Proc. nº 118/2002; Ac. TSI, de 22/10/2015, Proc. nº 267/2014; TSI, de 29/09/2016, Proc. nº 813/2013).
Mas, “se não podemos deixar de reconhecer que, se a Administração pode num dado momento achar que os indícios fortes existem, já eles podem não vir a ter concretização fáctica. Isto é, se os indícios podiam existir na ocasião em que a situação foi detectada, eles podem vir a ser desmontados ou abatidos por revelação factual em contrário mais tarde, seja no próprio procedimento, seja no recurso contencioso, seja até noutro domínio, como o penal. O que queremos dizer é que a medida pode deixar de subsistir se, supervenientemente, se vier a apurar que, ou os indícios não eram fortes, ou desapareceram por prova em sentido diferente” (Ac. do TSI, 12/05/2016, Proc. nº 769/2015).
E tudo isto porquê?
Porque fortes indícios constitui um conceito indeterminado, que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos e verdadeiros, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade (Ac. TSI, de 29/09/2016, Proc. nº 813/2013).
Dito por outras palavras, “A questão de “fortes indícios” da prática de crime é um conceito indeterminado que não deixa ao órgão qualquer liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, nem sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, nem lhe permite que escolha uma das várias atitudes ou soluções, pois o que está em causa é a mera interpretação de uma norma jurídica, não havendo intenção da lei de conceder à Administração qualquer margem de livre apreciação, daí que é judicialmente revisível ” (Ac. TSI, de 19/01/2017, Proc. nº 137/2016).
Pois bem. Pese embora a convicção da autoridade administrativa acerca da existência dos fortes indícios da prática de um crime de burla informática, o certo é que à acusação do recorrente por tal ilícito sobreveio, não uma condenação, mas uma absolvição. Quer dizer, o tribunal, dotado de todos os elementos de prova, concluiu que o recorrente não cometeu o crime.
Ou seja, se é certo que não se pode repudiar liminarmente a determinada actuação administrativa perante um quadro de facto indiciador ao tempo de “fortes indícios” - circunstância que por si só remete para um juízo de probabilidade de existência de crime já praticado ou em vias de o ser - também não se pode esquecer que, se a verdade apurada nos revelar a insubsistência dos indícios, importa concluir que a Administração densificou erradamente o conceito, violando a norma legal com base em erro nos pressupostos de facto.
Quer dizer, o tribunal não censura a actuação administrativa por ter procedido à prática do acto em apreço nos moldes e com o conteúdo em que o fez. Na realidade, face aos elementos de que a Administração dispunha, a avaliação que deles fez levou-a a considerar estar naquele momento em presença de fortes indícios. O que acontece é que a matéria que esteve na base da decisão administrativa foi reanalisada em sede criminal (tal como também o pode ser, em certos casos, no âmbito de recurso contencioso) e aí, com todas as garantias de prova e de defesa, se concluiu que os factos se não passaram como indiciariamente tinham sido interpretados pelo autor do acto, mas que ocorreram de outra maneira. Isto é, diferentemente de uma mera situação de indícios, veio-se a apurar a situação real concreta, a verdade material, a inocência do arguido, pois que o ilícito foi dado como não provado (nem sequer o caso foi de dúvida razoável, com base na qual pudesse absolver-se o arguido em face do princípio in dubio pro reo).
Ora, sendo assim, já não pode sustentar-se a decisão administrativa que apenas se contentava com os “fortes indícios” do cometimento de um crime, quando a posteriori se vem a saber no foro judicial próprio por excelência, com todas as garantias de respeito pelas regras da prova, que os indícios não passavam de uma aparência, de meros sinais indicativos, sem correspondência com a realidade apurada.
Se assim não fosse, estaria a Administração a fazer subsistir a negação da autorização de residência por razões reportadas a um dado momento, não obstante a prolação de uma decisão judicial absolutória posterior que, por natureza e assente na prova, não reconhece a existência dos indícios que estiveram na base do acto. O que seria, mais do que injusto, incompreensível e incoerente do ponto de vista da unidade do sistema jurídico.
Procede, pois, o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto administrativo impugnado.
Sem custas.
TSI, 27 de Abril de 2017
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong




993/2015 31