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Proc. nº 689/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Junho de 2017
Descritores:
-Apensação de processos
-Coligação

SUMÁRIO:

I. A apensação de processos pode assentar em razões de economia processual, celeridade, redução de custos e uniformidade de julgamento.

II. Na apensação, cada uma das acções não perde a sua autonomia, o que quer dizer que os respectivos processos não se fundem num só. Daí que também a própria actividade probatória pode vir a ser diferente, como diversas podem vir a ser as próprias consequências ao nível do recurso.

III. A coligação não implica necessariamente as mesmas causas de pedir, da mesma maneira que a formulação de pedidos subsidiários – que, na verdade, até se aproximam do regime dos pedidos alternativos, conforme art. 390º do CPC – pode assentar em causas de pedir diversas.



Proc. nº 689/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A Região Administrativa Especial de Macau, representada oficiosamente pelo MP, instaurou no TJB (CV2-15-0085-CAO) acção ordinária contra:
O 1º réu, HO WENG PIO, de sexo masculino, titular do BIRM n.º 5019418(2), construtor civil inscrito na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes sob o n.º 728/1980, empresário comercial, pessoa singular, registado sob o n.º 2836(SO), com domicílios profissionais na Avenida da Praia Grande, n.º 815, Centro Comercial Talento, 11º andar, na Estrada da Penha, n.º 669-671F, Edf. Ka Fok, R/C e 1º andar, e na Rua do Pagode, n.º 52, R/C;
A 2ª ré, COMPANHIA DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO WENG FOK, LIMITADA, registada sob o n.º 9452SO, com sede na Avenida da Praia Grande, n.º 815, Centro Comercial Talento, 1º e 2º andar (adiante designada por “2ª ré”, vide o documento 2)
O 3º réu, JOAQUIM ERNESTO SALES, de sexo masculino, titular do BIRM n.º 5026268(2), técnico inscrito na DSSOPT sob o n.º 1132/1989, com sede na Rua da Barra, n.º 67, Edf. Man On, R/C, e na Travessa da Capitania dos Portos, n.º 3, 4 andar Direito; (adiante designado por “3º réu”);
Subsidiariamente, contra:
A 4ª ré, TAK NANG - SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO, LDA., registada sob o n.º 29591SO, com sede na Avenida do Almirante Lacerda, n.º 163-165, Edf. Industrial Hopewell, 3º andar B (adiante designada por “4ª ré”, vide o documento 3);
A 5ª ré, COMPANHIA CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA LAI SI LDA., registada sob o n.º 19807SO, com sede na Avenida do Almirante Lacerda, n.º 16A-16D, Edf. Industrial Tong Lei, 9º andar C (adiante designada por “5ª ré”, vide o documento 4);
A 6ª ré, COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA KIN SUN (MACAU), LIMITADA, registada sob o n.º 1239SO, com sede na Avenida do Infante D. Henrique, n.º 60-64, Centro Comercial Central, 5º andar (adiante designada por “6ª ré”, vide o documento 5);
O 7º réu, CHEONG NIM TOU (張念島), de sexo masculino, titular do BIRM n.º 7388585(7), técnico inscrito na DSSOPT sob o n.º 1842/1999, com domicílio profissional na Rua do Progresso, n.º 22, Bairro Económico “Keep Best” (Bloco 2), 14º andar AD (adiante designado por “7º réu”).
Pedia a procedência da acção e, em consequência, se procedesse à condenação:
1. Dos 1º a 3º reus na restituição solidária à RAEM do montante de MOP$ 12.805.589,66, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento;
2. No pagamento das despesas de monitorização contínua das estruturas dos edifícios Sin Fong Garden, Lei Cheong, Ou Va e Kwong Heng até determinação do programa de obra efectivo e a resolução plena da situação perigosa do edif. Sin Fong Garden liquidadas em execução de sentença;
3. Em caso de integral ou parcial improcedência do pedido contra os 1º a 3º réus, a condenação dos 4ª a 7º réus, solidariamente.
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Os 1º a 3º réus formularam então a apensação do processo nº CV3-15-0111-CAO aos presentes autos.
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O M.mo Juiz titular do processo, porém, indeferiu esta pretensão.
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É contra esta decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pelos mesmos 1º a 3º Réus, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“a) Deve ser deferido o pedido de apensação de duas acções quando na acção principal a autora, alegando dúvidas sobre o sujeito da relação material controvertida, demanda três réus a título de réus principais invocando, com base em determinados factos, que um incidente ocorrido num certo edifício ocorreu em consequência de determinado defeito na construção do próprio edifício, de que foram empreiteiros e director de obra, e demanda outros quatro réus a título de réus subsidiários invocando que, com base em outros determinados factos, o referido incidente pode antes ter ocorrido em consequência das obras de construção de edifício em parcela contígua, de que eram à data dono da obra, empreiteiros e director de obra, e na acção a apensar uma diferente autora demanda apenas os primeiros três réus invocando, com base nos mesmos factos invocados a acção principal quanto a este aspecto, que o referido incidente ocorreu em consequência do mesmo determinado defeito na construção do próprio edifício onde ocorreu o incidente, de que foram empreiteiros e director de obra.
b) Pois o art. 219º/1 do CPC consente a apensação de acções quando, entre o mais, se verificarem os pressupostos da coligação, e o art. 64º/1 e 2 do CPC consente a coligação não apenas, como afirma o despacho impugnado, quando a causa de pedir nas duas acções é a mesma, mas também quando a procedência dos pedidos principais deduzidos nas duas acções depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos.
c) Decidindo como o fez, o despacho recorrido confundiu causa de pedir com factos da acção, quando aquela é constituída pelos factos que o autor alega para individualizar e fundamentar o pedido que formula e que, por definição, são sempre factos principais, e estes compreendem também os factos complementares e instrumentais alegados pelo autor com a mencionada finalidade, quer os factos que o réu alega na sua defesa, seja por impugnação seja por excepção.
d) Se na contestação apresentada na acção a apensar os réus se defenderam por impugnação directa, negando frontalmente a parte dos factos relativos ao incidente que integram a causa de pedir, mas também por impugnação indirecta, afirmando factos cuja existência é incompatível com a realidade daqueles factos integradores da causa de pedir e, por conseguinte, desvirtuando essa causa de pedir, estes últimos factos não podem deixar de ser ali apreciados.
e) E sendo tais factos alegados na petição inicial apresentada na acção principal, a procedência dos pedidos formulados nas duas acções depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos, que são os relativos ao defeito de construção do edifício onde ocorreu o incidente e à errada construção do edifício na parcela confinante.
f) A circunstância de as autoras nas duas acções terem diferentes estratégias processuais, por demandarem réus diferentes e a apensação obrigar o autor do processo a apensar a actuar contra os 4º a 7º Réus da acção principal que não demandou, também não impede a coligação.
g) Por um lado, porque tal argumento não se prende com a conveniência ou inconveniência na apensação, referida no art. 219º/1 do CPC, mas sim com o interesse das partes que requerem a apensação, referido no mesmo art. 219º/1, pois é no âmbito deste interesse que se situa o proveito, a utilidade ou a vantagem dos interessados na apensação e, como resulta do preceito, o único interesse atendível na apensação é o interesse de quem requer a apensação, e que lhe confere legitimidade para o efeito, sendo os interesses que outros interessados tenham ou não nessa junção de todo alheios ao critério de decisão do julgador.
h) Por outro lado, porque a outra razão especial que tome inconveniente a apensação, referida no art. 219º/1, tem sempre natureza processual, como resulta deste próprio preceito e do disposto no art. 64º/1, 2 e 3 do CPC.
i) Por fim, o facto de o I.A.S. ter demandado apenas os Recorrentes e não também os 4º a 7º Réus desta acção se afigura igualmente irrelevante para obviar à apensação, quer porque a afirmação de que dada esta circunstância se obrigaria o autor do processo a apensar a actuar contra os quatro réus da acção principal que ele próprio não demandou não é correcta, uma vez as acções apensadas unificam-se do ponto de vista processual, mas conservam a sua autonomia e independência quanto às questões adjectivas próprias, quer porque a coligação, e por isso também a apensação de acções, cujo regime remete para o daquela, contém sempre, simultaneamente, uma cumulação subjectiva e uma cumulação objectiva, e tal como as correspondentes cumulações objectivas, a coligação pode ser simples, nos termos do art. 391º/1, ou alternativa ou subsidiária, nos termos do art. 390º/1.
j) A única reserva que se pode colocar neste domínio é que nas duas acções os pedidos têm de ser formulados contra os mesmos réus principais, isto é, contra os mesmos réus demandados a título de réus principais, seja dizer, pela negativa, que um mesmo réu não pode ser demandado numa das acções a título de réu principal e na outra a título de réu subsidiário, pois existiria uma contradição (incompatibilidade substantiva entre os pedidos) impeditiva da coligação ou da apensação: só uma das acções poderia proceder.
k) Consequentemente, no caso concreto apenas não seria possível a apensação se a R.A.E.M. tivesse demandado os 4º a 7º Réus a título principal e os Recorrentes a título subsidiário., o que não sucede, pois os Recorrentes são os Réus principais nas duas acções, e assim ou as duas acções procedem contra os mesmos réus, os ora Recorrentes, ou a presente acção apenas procede contra os 4º a 7º réus se ambas fracassaram contra os Recorrentes, deste modo harmonizando-se perfeitamente todas as regras da pluralidade de partes com as regras da cumulação de objectos processuais.
l) Ao indeferir o pedido de apensação, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 219º/164º/2 do CPC”.
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A RAEM respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“A. Os factos e pedidos alegados na petição inicial são destinados para perseguir, alternativamente, a respectiva entidade responsável: quer os recorrentes (1º a 3º réus), quer as 4ª a 6ª rés, ou todos os réus em conjunto. Por outra palavra, os factos essenciais de que depende a procedência do pedido principal da autora incluem necessariamente os de que o acidente em questão foi causado pelas condutas culposas dos recorrentes (1º a 3º réus), das 4ª a 6ª rés, ou de todos os réus.
B. Porém, no âmbito do processo n.º CV3-15-0111-CAO, o autor, ou seja o Instituto de Acção Social apenas pretendeu que os recorrentes (1º a 3º réus) eram entidade responsável e excluiu completamente as 4ª a 6ª rés, ou por outra palavra, não só não alegou qualquer facto no sentido de as 4ª a 6ª rés causaram os danos e o risco de desabamento ao “Edf. Sin Fong Garden”, mas também afirmou expressamente que a obra de estacas moldadas no estaleiro “SOHO” adjacente ao “Edf. Sin Fong Garden” não causou ou contribuiu para o acidente do “Edf. Sin Fong Garden”.
C. Pode-se ver que os factos essenciais alegados pela autora no caso vertente e pelo autor no processo n.º CV3-15-0111-CAO não só são diferentes, mas também opostos.
D. Por outro lado, não é de ignorar que, no processo n.º CV3-15-0111-CAO, os factos essenciais alegados pelo autor IAS, de que depende a procedência do seu pedido principal, inclui o de que por causa do acidente em questão, os proprietários e inquilinos do “Edf. Sin Fong Garden” não podiam, de repente, usufruir e utilizar as suas fracções autónomas, e sofreram prejuízos, razão pela qual o IAS pagou, a título de adiantamento, aos proprietários e inquilinos do “Edf. Sin Fong Garden” que serviram de credores, as respectivas quantias de “dinheiro de emergência”, “despesas para alojamento hoteleiro provisório” e “subsídios especiais”, e em consequência, pretendeu ficar sub-rogado na solicitação de restituição de tais despesas.
E. Os supracitados factos relativos à existência de sub-rogação de condóminos já ultrapassaram a causa de pedir concreta, revelando-se relevantes e essenciais para a procedência do pedido principal do IAS.
F. Além disso, afigura-se-nos que, quanto ao disposto de “depende da apreciação dos mesmos factos” no n.º 2 do art.º 64.º do CPCM, têm de ser mesmos os factos para todas as partes coligadas. Isto porque, a apensação de acções fundamenta-se no princípio da economia processual, e independentemente de apensação por litisconsórcio ou por coligação, depois da apensação, os factos essenciais para a procedência dos pedidos devem ser mesmos para todas as partes e não só para um ou uns réus, senão, para as restantes partes, o conhecimento dos factos completamente irrelevantes para seu pedido ou em contradição com o mesmo contraria a ideia original da apensação.
G. No processo n.º CV3-15-0111-CAO, os factos relativos à sub-rogação do respectivo autor IAS não têm nada a ver com a autora, as 4ª a 6ª rés, e os 7º e 8ª réus, cuja intervenção foi posteriormente provocada, no presente processo; e os factos alegados no presente processo, no sentido de a obra de estacas moldadas no “lote de SOHO” realizada pelas 4ª a 6ª rés causar a enorme erosão do solo debaixo do “Edf. Sin Fong Garden”, também estão em contradição com a posição assumida pelo IAS no processo n.º CV3-15-0111-CAO.
R. Daí que, não são mesmos os factos essenciais de que dependem os pedidos principais da autora no presente processo e do autor IAS no processo n.º CV3-15-0111-CAO, e uma parte dos factos essenciais não têm nada a ver com outras partes e até estão em contradição, não se verificando, assim, o requisito de coligação previsto no art.º 64.º, n.º 2 do CPCM, pelo que não se pode realizar a apensação de acções nos termos do art.º 219.º, n.º 1 do mesmo Código.
I. Por outro lado, o presente processo e o processo n.º CV3-15-0111-CAO encontram-se respectivamente em fases judiciais diferentes. O presente processo encontra-se, actualmente, na fase dos articulados.
J. No processo n.º CV3-15-0111-CAO, já findou a fase dos articulados, entrou-se na fase do saneamento e da condensação, e espera-se pela notificação do despacho saneador e selecção da matéria de facto.
K. Existem no caso vertente diversas partes e as suas posições revelam-se incompatíveis entre si, ademais, estão perto as férias judiciais, e segundo o andamento normal, é bem possível que depois de serem proferidos o despacho saneador e o despacho de selecção da matéria de facto, ainda não finde a fase dos articulados do presente processo.
L. Se for apensado ao presente processo o supracitado processo n.º CV3-15-0111-CAO, será necessariamente atrasado o andamento deste, e os recorrentes (1º a, 3º réus), que também são réus nesse processo, obterão, por causa da apensação, benefícios irrazoáveis no atraso do processo.
M. Por isso, com base nas fases em que se encontram os dois processos, revela-se inconveniente a apensação.
N. Além disso, a autora no presente processo não teve as 4ª a 6ª rés como responsáveis subsidiários dos recorrentes (1º a 3º réus), mas pretendeu que existiu entre os réus a relação de alternatividade: quer os recorrentes (1º a 3º réus), quer as 4ª a 6ª rés, ou todos os réus em conjunto devem pagar a indemnização solicitada pela autora.
O. Em contrário, no processo n.º CV3-15-0111-CAO, o autor IAS teve os 2ª e 3º réus (Companhia de Engenharia e Construção Weng Fok Limitada e Joaquim Ernesto Sales) como responsáveis principais, entendendo, ao mesmo tempo, que existiam dúvidas de se o 1º réu (Ho Weng Pio) era sujeito da relação material controvertida, pelo que demandou, expressa e subsidiariamente, o 1º réu, considerando o mesmo como responsável subsidiário dos 2ª e 3º réus.
P. Resulta obviamente do processo n.º CV3-15-0111-CAO que os pedidos principais nele foram formulados contra os 2ª e 3º réus, sendo os pedidos subsidiários formulados contra o 10 réu no presente processo, em virtude da relação de sujeito passivo subsidiária.
Q. Pode-se ver que, nos dois processos em causa, divergem as posições tomadas pelos 2 autores perante os réus, e mesmo entre os 3 recorrentes (1º a 3º réus), são diferentes as suas posições processuais no presente processo e no processo n.º CV3-15-0111-CAO. Por isso, quer para os autores nos 2 processos em causa, quer para os réus, a apensação resultará, necessariamente, na confusão de julgamento.
R. O autor no processo n.º CV3-15-0111-CAO, ou seja o IAS considerou os recorrentes (1º a 3º réus) como os únicos responsáveis, e pretendeu expressamente que fosse completamente excluído o nexo de causalidade entre a obra de estacas moldadas no “lote de SOHO” realizada pelas 4ª a 6ª rés e os danos e o risco de desabamento do “Edf. Sin Fong Garden”, o que se mostra oposto à posição da autora no presente processo. Tal contradição lógica já tomou inadmissível a coligação no momento da instauração de acção.
S. Se no início, a autora no presente processo e o autor IAS no processo n.º CV3-15-0111-CAO intentassem, conjuntamente, a acção, mas alegassem factos essenciais, formulassem pedidos e tomassem posições contraditórios entre si, o que resultaria, necessariamente, na manifesta impossibilidade de julgamento conjunto, razão pela qual o tribunal tinha de ordenar a desistência de pedido de qualquer um dos autores, ou absolver todos os réus dos pedidos.
T. Pelo exposto, afigura-se-nos que, atendendo às situações em que se encontram os processos, bem como às referidas razões especiais, mostra-se inconveniente a apensação.”
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
- Na acção ordinária CV2-15-0085-CAO interposta pela RAEM contra os réus acima identificados, os três primeiros demandados requereram a apensação a estes autos da acção CV3-15-0111-CAO, a correr termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de base.
- O Juiz titular do processo, sobre este requerimento, em 11/04/2016 (fls. 4632v - 4634) lavrou o seguinte despacho:
“ Fls. 4554 a 4556; 4624 a 4625; 4626 a 4627 dos autos:
De acordo com o art.º 219.º do CPCM, os 1º a 3º réus requereram a apensação do processo n.º CV3-15-0111-CAO ao presente processo. Estes três réus intervêm no presente processo e no processo acima referido como parte passiva.
Os referidos três réus entenderam que verificou-se a possibilidade de coligação de réus nos dois processos conforme o art.º 64.º, n.º 2 do CPCM, indicando também que o processo n.º CV3-15-0111-CAO encontra-se na fase dos articulados, que não há qualquer razão que tome inconveniente a apensação, e que em ambos os processos, é possível precisar realizar medidas de perícia complicadas sobre o “acidente de Sin Fong”, pelo que a apensação revela-se útil.
Ao supracitado requerimento se opôs a autora, entendendo que não foram preenchidos os pressupostos da apensação previstos nos art.ºs 64.º e 219.º do CPCM. A autora ainda alegou que, se o tribunal não concordasse com o referido entendimento, a junção dos dois processos causaria a inconveniência considerável ao presente processo, pelo que verificou-se a excepção da apensação prevista no n.º 1 do art.º 219.º do CPCM.
A 5ª ré também se opôs à apensação dos dois processos, entendendo que a apensação causaria a inconveniência considerável ao presente processo, pelo que verificou-se a excepção da apensação prevista no n.º 1 do art.º 219.º do CPCM.
Cumpre decidir.
Nos termos do art.º 219.º, n.º 1 do CPCM, “se em diferentes juízos do memo tribunal penderem acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, possam ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.”
Além disso, dispõe-se no art.º 64.º, n.º 1 e n.º 2 do mesmo Código: “1. Podem dois ou mais autores coligar-se contra um ou vários réus e o autor demandar conjuntamente vários réus por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. 2. É igualmente permitida a coligação quando, sendo embora diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.”
Salvo devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que de acordo com o art.º 64.º, n.º 1 e n.º 2 do CPCM, não é possível a coligação de réus.
No processo n.º CV3-15-0111-CAO, o IAS accionou apenas os 1º a 3º réus, indicando que estes réus tinham culpa na construção do Edf. Sin Fong Garden, pelo que deviam assumir a responsabilidade pelo acidente do “Edf Sin Fong Garden”. O IAS subsidiou os moradores afectados, entendendo, assim, que tinha direito à indemnização por sub-rogação dos proprietários e titulares do Edf. Sin Fong Garden contra os 1º a 3º réus.
In casu, além dos 1º a 3º réus, a autora também accionou os outros réus relacionados com o “lote de SOHO”. As causas de pedir alegadas pela autora relativamente aos réus do “lote de SOHO” não apareceram no processo n.º CV3-15-0111-CAO. Por isso, não obstante a verificação de factos similares relativos aos 1º a 3º réus nos dois processos (nomeadamente na parte relativa à resistência do pilar estrutural de betão n.º 2P9), no caso vertente não se discute simplesmente a questão da estrutura do Edf. Sin Fong Garden, mas também estão em causa os factos de que as condutas dos 1º a 3º réus e 4a a 7º réus causarem, junta ou independentemente, o acidente de desabamento. Com base nisso, entende este Tribunal que a procedência dos pedidos principais no presente processo (se os 1º a 3º réus ou 4a a 7º réus devem ser condenados, ou se devem os 1º a 7º reús devem ser condenados juntos) e no processo n.º CV3-15-0111-CAO (apenas contra os 1º a 3º réus) não depende, essencialmente, da apreciação dos mesmos factos.
Com base nisso, este Tribunal entende impossível a apensação do presente processo e do processo n.º CV3-15-0111-CAO por não se verificar a coligação de réus prevista no art.º 64.º do CPCM.
Por outro lado, afigura-se-nos que merece nossa atenção uma opinião da autora. De facto, na parte relativa aos 4ª a 7º réus, a autora e o IAS tomaram posições diferentes, e se forem apensados os processos, será, provavelmente, causada dificuldade à estratégia processual da autora. É de perguntar, se a RAEM e o IAS tivessem a intenção de ser parte activa no mesmo processo, porque é que não teriam intentado, juntamente, uma mesma acção desde o início? Acredita-se que, desde que são diferentes as partes passivas e causas de pedir, os dois autores têm necessariamente estratégias processuais diferentes, e em consequência, não intentaram uma única acção. Neste caso, atendendo às considerações e estratégias diferentes dos dois autores, entende o Tribunal que não é de impor-lhes cargos, e forçar a apensação do processo instaurado por outro autor ao presente processo. Ademais, o IAS, como autor no processo n.º CV3-15-0111-CAO, apenas tem a intenção de accionar os 1º a 3º réus, e não verificamos qualquer razão para forçar este autor a intervir na acção intentada pela RAEM e em consequência, enfrentar os 4a a 7º réus que o IAS não teve como réus. Com base nisso, este Tribunal concorda com a opinião da 5ª ré, ou seja independentemente do preenchimento abstracto dos requisitos da coligação de réus no presente processo e no processo n.º CV3-15-0111-CAO, a apensação dos dois processos causará inconveniência considerável ao presente processo, pelo que não deve ser autorizado o requerimento dos 1º a 3º réus.
Pelo exposto, este Tribunal não autoriza o requerimento de apensação do processo n.º CV3-15-0111-CAO ao presente processo, apresentado pelos 1º a 3º réus.
Custas pelos 1º a 3º réus.
Notifique e tome medidas necessárias.
Devolve o processo n.º CV3-15-0111-CAO”. (fls. 192 – 195 dos presentes autos)
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III – O Direito
Unicamente está em causa saber se aos presentes autos (Proc. nº CV2-15-0085-CAO) podem ser apensados os autos de acção ordinária intentada pelo Instituto de Acção Social movida contra os aqui três primeiros réus (Proc. nº CV3-15-0111-CAO).
O despacho impugnado disse que não; os três primeiros réus, ora recorrentes, discordam.
Vejamos.
Na presente acção, a RAEM pretende obter dos três primeiros réus a título principal – o 1º e 2ª, enquanto construtores do edifício “Sin Fong” e o 3º, como responsável pela direcção de obras de estruturas e fundações desse edifício – e dos restantes 4, a título subsidiário, nos termos do art. 67º do CPC – a 4º ré, como proprietária do lote de Soho, contíguo ao edifício “Sin Fong”; a 5ª, como construtor que demoliu o velho edifício industrial Pak Tai, no lote de Soho e realizou nesse lote a obra de escavação e suporte da fundação; a 6ª, como construtor civil responsável pela obra de estacas moldadas no lote do Soho; a 7ª, como técnico responsável pela direcção das obras de demolição e construção no lote do Soho - a condenação do montante de MOP$ 12.805.589,66 e juros vencidos e vincendos - a título, entre outras, de despesas que já suportou na consolidação de pilares estruturais, bem na protecção de paredes exteriores, inspecção do edifício Sin Fong e dos circundantes, na avaliação de segurança e estabilidade do Sin Fong – e ainda nas despesas de monitorização contínua das estruturas desse e de outros edifícios vizinhos até à resolução plena da situação perigosa daquele.
Mas, na acção Proc. nº CV3-15-0111-CAO, que tem como o autor o Instituto de Acção Social, apenas estão demandados os 1º a 3º réus da presente acção, a título de indemnização (por sub-rogação) pelos encargos e subsídios que assumiu para com os moradores afectados com a situação do edifício Sin Fong.
Ora bem. Em ambas as acções a causa próxima é a mesma: a situação perigosa do edifício Sin Fong. Ou seja, numa e noutra haverá que discutir a questão central factual que levou à situação de perigo para os moradores do Sin Fong. E nesse quadro, os três primeiros réus aparecem com imputação de responsabilidades comuns em ambos os processos, embora geradoras de despesas diferentes por parte da RAEM ou por parte do IAS.
E isso aconselha, desde logo, a que por razões de economia processual, de celeridade, de redução de custos, de uniformidade de julgamento, se proceda à apensação. Na verdade, o depoimento de testemunhas quanto à responsabilidade, enfim quanto às causas e sua imputação, acabará por ser o mesmo em ambos os processos e, da prova que assim se obtiver, sairá a resposta central à causa de pedir de traço comum. E a uniformização da solução em ambos os processos sairá reforçada, evitando-se assim decisões díspares ou desencontradas para a mesma situação de facto essencial.
Não se deve esquecer que a apensação não depende exclusivamente da unicidade da causa de pedir (art. 64º, nº1, do CPC), mas que também é possível quando, sendo embora diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos (art. 64º, nº2, do CPC).
Quer isto dizer que, tanto numa, como noutra das acções, o que verdadeiramente importa apurar é quem deu causa aos factos danosos e conhecidos no “Edifício Sin Fong Garden”.
E assim:
a) Provando-se que foram apenas os três primeiros réus, os pedidos contra eles procederão, em princípio, em ambas as acções.
b) Provando-se que houve uma conjugação de factores para os quais contribuíram apenas os 4º a 7º Réus, então a decisão dos presentes autos apenas a estes envolverá, livrando os primeiros do pedido principal condenatório. Ou seja, nesta hipótese, a absolvição do pedido dos primeiros RR (três) será inquestionável em ambas as acções (art. 67º, do CPC).
Sendo assim, não vemos obstáculo à apensação.
Repare-se que não só a coligação não implica necessariamente as mesmas causas de pedir, tal como já se disse, assim como a formulação de pedidos subsidiários – que, na verdade até se aproximam do regime dos pedidos alternativos, conforme art. 390º do CPC – pode assentar em causas de pedir diversas (art. 390º, nº3, do CPC; tb. Cândida Pires e Viriato Lima, Código de Processo Civil de Macau – Anotado e Comentado, I, pág.211).
Por outro lado, também não nos devemos deixar impressionar com a circunstância de as partes não serem as mesmas em ambas as acções. É que na apensação cada uma das acções não perde a sua autonomia, o que quer dizer que os respectivos processos não se fundem num só. Daí que também a própria actividade probatória pode vir a ser diferente, como as próprias consequências ao nível do recurso também podem ser diferentes (autores e obra citados, II, pág. 67).
Portanto, o argumento da “estratégia processual da autora” que o despacho impugnado invocou não tem razão de ser e não merece o nosso acolhimento, porque parece arrancar do pressuposto de que ambos os autores (RAEM e IAS) partiram para acções diferentes por terem entendido que dessa maneira melhor assegurariam os respectivos interesses. Note-se que, podendo tudo ser discutido de uma vez só, cada um dos autores até verá, porventura, reforçada a sua posição individual.
Por tudo isto e ainda porque os processos em causa se encontram praticamente na mesma fase, não vemos inconveniente algum na apensação requerida e, em vez disso, só encontramos vantagens.
Razão pela qual o recurso procederá.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando o despacho recorrido e ordenando a apensação, a não ser que qualquer causa supervenientemente a tanto obste.
Sem custas.
TSI, 15 de Junho de 2017

(Relator)
José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong





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