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Processo n.º 955/2016 Data do acórdão: 2017-5-25 (Autos em recurso penal)
Assunto:
– erro notório na apreciação da prova

S U M Á R I O
Como após vistos crítica e globalmente todos os elementos de prova referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se mostra patente que o tribunal a quo, ao julgar todos os factos objecto do processo, tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor da prova, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, não pode ter existido, no aresto recorrido, o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 955/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (2.o arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Segundo o acórdão proferido em 25 de Outubro de 2016 a fls. 311 a 317v do Processo Comum Colectivo n.° CR2-16-0309-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou o 2.º arguido A, aí já melhor identificado, condenado como co-autor material de um crime consumado de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelos art.os 211.º, n.os 1 e 4, alínea a), e 196.º, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de dois anos e nove meses de prisão efectiva.
Inconformado, veio ele recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando a essa decisão, na sua motivação apresentada a fls. 337 a 345 dos presentes autos correspondentes, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), para rogar a sua absolvição, ou, fosse como fosse, a atenuação da sua pena de prisão, sobretudo à luz do art.º 201.º, n.º 2, do CP.
Ao recurso do arguido, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 360 a 362v, no sentido de provimento do pedido de atenuação especial da pena.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer a fls. 379 a 379v, opinando pela improcedência da argumentação do recorrente.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– a fundamentação fáctica e probatória do acórdão recorrido encontra-se escrita a fls. 313v a 316 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
– na fundamentação da sua decisão da medida da pena, o Tribunal recorrido referiu inclusivamente que: a pena do 1.º arguido foi especialmente atenuada ao abrigo do art.º 201.º, n.º 1, do CP, porque este, antes da realização da audiência em julgamento, já reparou todo o dano do ofendido; embora o 2.º arguido tenha depositado à ordem dos autos a quantia de dez mil patacas para efeitos de pagamento de indemnização, não se atenua especialmente a pena deste arguido, devido à inexistência de outras circunstâncias a suportar a facultativa atenuação especial da pena a nível do art.º 201.º, n.º 2, do CP (cfr. o conteúdo das 8.ª a 17.ª linhas da página 12 do texto do acórdão recorrido, a fl. 316v dos autos);
– o 2.º arguido, cidadão no Interior da China, negou a prática dos factos e é delinquente primário em Macau;
– o ofendido sofreu inicialmente o prejuízo pecuniário de 229.770,00 renminbis, e declarou por escrito (cfr. o teor de fl. 123 dos autos), em 4 de Março de 2016, ao Ministério Público, que já recebeu da esposa do 1.º arguido a quantia de 270.000,00 dólares de Hong Kong e que por isso já não tinha outro prejuízo;
– o 2.º arguido, depois de notificado pessoalmente, em 4 de Agosto de 2016, da data de realização da audiência de julgamento designada para o dia 6 de Outubro de 2016, bem como do seu direito de apresentação da contestação à acusação (cfr. a certidão de notificação de fl. 280), não chegou a apresentar contestação à acusação, mas sim fez depositar, em 30 de Setembro de 2016, à ordem dos autos, a quantia de dez mil patacas para efeitos de reparação de dano do ofendido (cfr. o pedido de passagem de guia de depósito e o comprovativo desse depósito, a fls. 307 a 308);
– na motivação do recurso do 2.º arguido, foi junta uma declaração escrita da esposa do 1.º arguido (com reconhecimento notarial da assinatura em 4 de Novembro de 2016), a afirmar que ela, em 3 de Março de 2016, recebeu de um senhor chamado Li Bo, através da transferência bancária, a quantia de 135.000,00 renminbis, destinada a pagar, por parte do ora recorrente A, a indemnização do prejuízo do ofendido no Processo n.º CR2-16-0309-PCC (cfr. a documentação junta à motivação do recurso, a fls. 350 a 358), para além de estar junta também a documentação (a fls. 346 a 347) alusiva a essa transferência bancária.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O 2.º arguido ora recorrente começa por assacar à decisão recorrida o vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP. Entretanto, a argumentação concretamente tecida por ele para sustentar a procedência deste vício está propriamente ligada ao foro de erro notório na apreciação da prova como vício previsto na alínea c) do n.º 2 deste artigo, pelo que se passa a decidir do recurso a respeito deste vício materialmente arguido na motivação do recurso.
Pois bem, para o presente Tribunal ad quem, após vistos crítica e globalmente todos os elementos de prova referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido e produzidos até antes da e na audiência de julgamento em primeira instância, não se mostra patente que o Tribunal recorrido, ao julgar os factos objecto do processo, tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é razoável o resultado de julgamento dos factos a que chegou o Tribunal recorrido.
Improcede, pois, o recurso na sua primeira parte, sendo de frisar que em conformidade com a factualidade descrita como provada no texto do acórdão impugnado, está correctamente condenado o ora recorrente como co-autor de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, apesar de, segundo a mesma factualidade provada, o grau de participação dele na execução dos actos integradores deste crime ser substancialmente inferior ao do 1.o arguido.
Resta ver a questão da medida da pena.
O recorrente roga a atenuação especial da sua pena de prisão, com fundamento principal no art.º 201.º, n.º 2, do CP, por remissão do art.º 221.º do mesmo Código, alegando que diversamente do entendido pelo Tribunal recorrido no acórdão recorrido, ele próprio já fez reparar, conjuntamente com o 1.o arguido, todo o prejuízo então causado ao ofendido, porque em 3 de Março de 2016, a esposa do 1.o arguido entrou em contacto com uma pessoa familiar do próprio ora recorrente para esta fazer transferir para a conta bancária da esposa do 1.o arguido a quantia de 135.000,00 renminbis, para efeitos de reparação do prejuízo do ofendido, pelo que errou o Tribunal sentenciador ao não ter atenuado especialmente a pena do recorrente.
Pois bem, essa versão dos factos acerca da anterior participação pecuniária do recorrente na reparação, em conjunto com o 1.o arguido, de todo o prejuízo do ofendido é totalmente nova e superveniente ao proferimento do acórdão recorrido.
Com efeito, analisando as coisas à luz das regras processuais, como o recorrente não chegou a apresentar contestação à acusação para oferecer outra versão dos factos à factualidade acusada ou expor essa circunstância (só alegada na motivação do recurso, de já participação na reparação de todo o prejuízo do ofendido), e mesmo no seu pedido de passagem de guias de pagamento (para efeitos de depósito, à ordem dos autos, a quantia de dez mil patacas destinada à reparação do prejuízo do ofendido) não fez mínima alusão a tal circunstância, não pode vir ele, na motivação do recurso, fazer sindicar o juízo de valor do Tribunal recorrido acerca de quem é que pagou a indemnização de todo o prejuízo do ofendido, visto que essa versão dos factos, como não fazendo parte do objecto probando de então, nunca foi objecto de cognição por esse Tribunal aquando da realização do julgamento em primeira instância.
Sendo, pois, a ora levantada questão de já participação do recorrente, em conjunto com o 1.o arguido, na reparação de todo o prejuízo do ofendido uma questão nova, dela não pode este Tribunal ad quem conhecer na presente lide recursória.
Por isso, cabe decidir da pretensão de atenuação da pena com base e somente com base em todos os ingredientes fácticos já apurados pelo Tribunal recorrido, com pertinência à medida da pena do recorrente.
Portanto, atendendo a todas essas circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, é de concordar com o juízo de valor do Tribunal recorrido, no sentido de que o depósito, pelo recorrente, de dez mil patacas à ordem dos autos para efeitos de pretendida indemnização do prejuízo pecuniário do ofendido, na falta de outras circunstâncias em abono dele, não dá para lhe atenuar especialmente a pena em sede do art.o 201.o, n.o 2, do CP. De facto, o recorrente não confessou os factos perante o Tribunal recorrido, se bem que seja ele um delinquente primário em Macau (tal como o 1.o arguido, o qual confessou praticamente os factos na audiência de julgamento em primeira instância).
Contudo, já se pode atenuar a pena do recorrente em termos gerais, porquanto de acordo com a matéria de facto assente em primeira instância, ele, efectivamente, teve intervenção substancialmente menor na prática do crime de burla em causa, e chegou a depositar à ordem dos autos dez mil patacas para efeitos de reparação. Assim, e ponderadas também todas as outras circunstâncias já apuradas pelo Tribunal recorrido, crê-se que aos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, e dentro da moldura normal do crime de burla em valor consideravelmente elevado, se mostra mais equilibrada uma pena de dois anos e dois meses de prisão para este crime cometido pelo recorrente em co-autoria material com o 1.º arguido.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a condenar o arguido recorrente na pena de dois anos e dois meses de prisão.
Pagará o recorrente 2/3 das custas do seu recurso, com duas UC de taxa de justiça correspondente a essa porção de decaimento do recurso.
Comunique o presente acórdão ao ofendido.
Macau, 25 de Maio de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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