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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 02/06/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 396/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 2 crimes de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1 e 2 do C.P.M., nas penas parcelares de 2 anos e 9 meses e 10 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 377 a 390 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Em síntese, diz que o Acórdão recorrido padece de “violação do princípio in dubio pro reo”, “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua absolvição dos 2 crimes de “furto qualificado” pelos quais foi condenado, pedindo, subsidiáriamente, a atenuação das penas; (cfr., fls. 413 a 419).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 436 a 440-v).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A impugna o acórdão de 09 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR1-16-0260-PCC, que o condenou na pena global de 3 anos e 3 meses de prisão pela autoria de dois crimes de furto qualificado, imputando-lhe erro na apreciação da prova, com violação do princípio in dubio pro reo, e erro na determinação da pena, contra cujo excesso se insurge.
Não creio que lhe assista razão, como bem resulta, aliás, da resposta do Ministério Público à motivação do recurso.
Na verdade, não faz sentido o recorrente brandir a violação do princípio in dubio pro reo. Da leitura da acta e do exame crítico das provas não perpassa qualquer situação dúbia com que o colectivo se haja deparado sobre a realidade factual dada como provada e que permitiu a integração da conduta do ora recorrente nos ilícitos típicos por que foi condenado.
O recorrente tem a sua própria leitura da prova, que pode porventura suscitar-lhe alguma dúvida, mas não pode partir daí para sustentar que o tribunal colectivo decidiu com dúvidas, nomeadamente acerca da autoria dos factos.
A intercepção do recorrente nas proximidades do local dos furtos, com o exacto produto dos furtos, pouco após o respectivo cometimento e com os apetrechos usualmente utilizados para a prática de delitos da mesma natureza (luvas, lanternas e máscara), numa situação de quase flagrante delito, não consente as dúvidas ponderosas que o recorrente traz à liça. A circunstância de não ter sido apurada a hora exacta em que ocorreram as subtracções, além de não traduzir qualquer erro ou insuficiência, revela-se perfeitamente despicienda para o sentido do veredicto.
Não se detecta, pois, nenhum problema, em matéria de prova, que possa abalar a condenação.
Por outro lado, e passando para a questão da medida da pena, haverá que dizer, desde logo, tal como o Ministério Público já salientou, que não estavam preenchidos os requisitos para a atenuação especial da pena prevista no artigo 201.° do Código Penal. Além do mais, não se verificou qualquer restituição do subtraído, com a carga de devolução espontânea e voluntária que o termo inculca. O que sucedeu é que o subtraído foi apreendido por agentes da autoridade, contra a vontade do recorrente, que foi interceptado na situação já aflorada, de quase flagrante delito, só por esta via tendo sido recuperado. Não era, evidentemente, caso para atenuar especialmente a pena.
Ademais, as penas parcelares e a pena global não se apresentam excessivas.
O tribunal explicou sustentadamente as razões pela opção de pena detentiva em detrimento da pena de multa, num dos crimes, e tomou em devida conta os fins das penas, os critérios que presidem à sua determinação e, bem assim, as demais circunstâncias atendíveis, incluindo a ausência de antecedentes criminais, tendo igualmente observado as regras de punição pertinentes ao cúmulo jurídico. Posto isto, e sabendo-se que os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, há que aceitar a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que inquestionavelmente não é o caso.
Improcedem manifestamente os fundamentos esgrimidos na motivação, pelo que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 525 a 526).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 381-v a 386, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor de 2 crimes de “furto qualificado”, nas penas parcelares de 2 anos e 9 meses e 10 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

É de opinião que o Acórdão recorrido padece de “violação do princípio in dubio pro reo”, “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua absolvição ou “redução da pena”.

Todavia, e como – bem – se demonstra no douto Parecer que antecede e que aqui se dá como integralmente reproduzido, apresenta-se-nos evidente a sua falta de razão.

Vejamos.

–– Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016, de 16.03.2017, Proc. n.° 164/2017 e de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

No caso, evidente é que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que do julgamento resultou “provada” e “não provada”, fundamentando, em nossa opinião, adequadamente, a sua decisão, nada de relevante tendo ficado por apurar ou decidir nesta sede.

Aliás, tanto quanto se consegue alcançar da motivação de recurso apresentada, constata-se que nem o próprio recorrente indica qual a “matéria em falta”, mais não nos parecendo de consignar sobre a questão.

Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”, temos considerado que o mesmo apenas existe “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016, de 09.03.2017, Proc. n.° 947/2016 e de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017).

No caso, evidente é também que inexiste o assacado “erro”, pois que o Tribunal a quo não decidiu em desrespeito a nenhuma “regra sobre o valor das provas tarifadas”, “regra de experiência” ou “legis artis”, tendo, aliás, (e como se salienta no referido Parecer), proferido decisão em total conformidade com tais regras.

–– Por sua vez, e no que ao “princípio in dubio pro reo” diz respeito, temos considerado que “mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016, de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016 e de 16.03.2017, Proc. n.° 867/2016).

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo - quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

E, sendo de se manter o assim considerado, por inexistirem razões para se inflectir o entendido, também aqui evidente é que inexiste qualquer “violação ao princípio in dubio pro reo”.

É verdade que o Tribunal a quo absolveu o arguido da prática de outros 9 crimes de “furto” que lhe eram imputados.

Mas em relação aos 2 pelos quais foi condenado, foi decidido e firme, justificando, de forma clara, a sua convicção e decisão, não se vislumbrando que tenha decidido “contra o arguido” ainda que com dúvidas ou hesitações sobre a sua responsabilidade ou culpabilidade.

E, apresentando-se-nos a sua justificação perfeitamente lógica e razoável, patente é a solução.

De facto, se o arguido foi surpreendido com – exactamente – os mesmos bens objecto dos “furtos”, (às 4 horas e tal da madrugada), a seguir à sua ocorrência, e na posse de luvas, máscara e um foco, alegando (apenas) que adquiriu os bens a um desconhecido, e que as luvas e máscara eram para o frio, e mais não adiantando sobre aqueles bens, razoável se nos apresenta o decidido pelo Tribunal a quo.

–– Quanto à “pena”.

Para a pretendida “redução” da pena invoca o arguido o art. 201° do C.P.M., onde se prescreve que:

“1. Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou o agente reparar o prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
2. Se a restituição ou reparação for parcial, a pena pode ser especialmente atenuada”.

E, alegando que o produto do furto foi “recuperado”, considera que se lhe devia “atenuar especialmente a pena”.

Não se mostra de acolher o assim entendido.

Como recentemente tivemos oportunidade de afirmar, “A “atenuante” em questão só se verifica quando o arguido restitui ou repara o prejuízo causado «por sua iniciativa, livre e espontaneamente»”; (cfr., Ac. de 20.04.2017, Proc. n.° 303/2017).

Com efeito, a ratio essendi do crime privilegiado a que a restituição e reparação dão lugar funda-se numa “mitigação da culpa”, consubstanciando a norma um “incentivo à restituição”, premiando-a por via de uma iniciativa por parte do agente de sinal contrário à que o levou a delinquir, traduzindo este acto um menor grau de culpa pelo reconhecimento do “mal” praticado, o que não ocorre quando o mesmo vem a ser surpreendido pelos agentes de autoridade na posse dos objectos subtraídos, sendo estes em consequência apreendidos e restituídos ao seu dono; (neste sentido, cfr., v.g., Ac. do S.T.J. de 05.01.1994, C.J. II, tomo 1, pág. 183; de 07.05.1997, B.M.J. 467°-268, e da Rel. de Coimbra de 13.07.2016, Proc. n.° 1215/14, in “www.dgsi.pt”).

Por fim, ponderando na factualidade apurada, nas molduras penais em questão, nos critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., em causa estando bens no valor de MOP$180.000,00 e MOP$50.000,00, e atentas as necessidades de prevenção criminal, censura não merecem as penas parcelares e única, havendo que se decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 02 de Junho de 2017
Proc. 396/2017 Pág. 16

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