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Proc. nº 743/2016
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Julho de 2017
Descritores:
-Concessão de terras
-Caducidade (caducidade-preclusão)
-Actividade vinculada
-Audiência de interessados

SUMÁRIO:

I. A declaração administrativa de caducidade de concessão de terrenos na RAEM, quando tomada em virtude de se ter esgotado o prazo geral desta sem aproveitamento (designada, habitualmente, de caducidade-preclusão) insere-se no âmbito da actividade vinculada da Administração.

II. Sendo vinculada a actividade em causa e impondo ela a prática do acto de declaração de concessão, quaisquer vícios imputados ao acto no recurso contencioso que sejam próprios da actividade discricionária, designadamente os que caracterizam a violação de princípios gerais do direito administrativo, tais como o da proporcionalidade, boa fé e tutela da confiança e da igualdade, só podem ser tidos como improcedentes.

III. A falta de audiência de interessados, no âmbito da actividade vinculada referida em I, degrada-se em formalidade não essencial se for de considerar que o acto sindicado só podia ter o conteúdo que efectivamente teve.














Proc. nº 743/2016

Acordam no Tribunal de segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
Interbloc - Materiais de Construção (Macau), SARL com sede em Macau, na Estrada de Cacilhas, nº 25, Moradia 18-E, Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o Nº 2415 (SO), -----------
Recorre contenciosamente ---------
Do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo de 24.06.2016 que declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4690m2, designado por lote “G” situado na ilha da Taipa, no aterro de Pac On, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21 716, a fls. 3v do Livro B73.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“1. A caducidade preclusiva prevista na Lei de Terras em vigor tem como pressuposto para além do decurso do tempo o incumprimento contratual por parte do concessionário.
2. O Concedente, quando conclua pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, tem igualmente de verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao co-contratante, só estando habilitado a declarar a caducidade em caso afirmativo.
3. Isto porque, se o incumprimento em si mesmo constitui um pressuposto inafastável da declaração de caducidade da concessão, ele só se tomará indiscutível após a verificação da imputabilidade desse incumprimento, fenómenos incindíveis;
4. Isto é, se se avalia o incumprimento contratual deve-se avaliar a sua imputabilidade.
5. Ao determinar a existência de incumprimento contratual por parte do concessionário que fundamenta a declaração de caducidade, a Administração como face da mesma moeda tem de avaliar quais as razões e a imputabilidade desse incumprimento, designadamente as razões invocadas pela concessionária para o incumprimento contratual.
6. Ao não o fazer viola assim o princípio da imparcialidade na sua vertente positiva que obriga a Administração a ter em consideração e a ponderar todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prosseguir e que sejam relevantes para a decisão (artigo 7.º do CPA).
7. Pelo que, o acto de declaração de caducidade deve ser anulado.
8. O acto de declaração de caducidade deve ainda ser anulado, porquanto viola o princípio da boa fé e da tutela da confiança e o princípio da igualdade;
9. Apesar de a declaração de caducidade assentar apenas no decurso do prazo do contrato ela não podia deixar de avaliar as justificações da concessionária para o não aproveitamento do terreno, assim;
10. As justificações da concessionária assentam por um lado, em factos históricos que a Administração reconhece formalmente nos seus documentos oficiais, e por outro, em actos procedimentais criadores de condutas de confiança na concessionária.
11. Os factos históricos, são factos fora do controlo da concessionária como também da própria Administração.
12. Tais factos foram causadores de uma crise económica sem precedentes em Macau durante o período de 1997 até 2004/2006 que afectaram de forma particularmente dura o investimento económico em Macau, em especial o investimento imobiliário a partir dos terrenos concessionados, que como se sabe são a base deste tipo de investimento em Macau dado o controlo esmagadoramente público das terras.
13. O primeiro factor causador da crise económica em Macau, é a financeira Asiática iniciada em 1997 e que afectou gravemente Macau, reconhecida pela Administração, ver inter alia, o artigo 3º Lei n.º 10/98/M de 31 de Dezembro - (Autorização das receitas e despesas para 1999).
14. O segundo facto causador da crise económica em Macau, que ao tempo afectou gravemente a economia de Macau foi a SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) cujos relatórios da OMS indicam que a província de Guangdong na China Continental, grande fornecedora de mão-de-obra a Macau, foi particularmente afectada, provocando uma estagnação do investimento em Macau, bem como a falta de mão de obra para o pouco investimento ainda existente.
15. O terceiro facto causador que contribuiu para a crise económica em Macau foi o clima geral de insegurança vivido no período final da Administração Portuguesa, provocado por uma série de homicídios em Macau (autêntica acção de terrorismo urbano), determinando, por fim, o estabelecimento de elementos do Exército de Libertação do Povo, em 20/12/1999.
16. Estes acontecimentos históricos ou fenómenos sócio-económicos que Administração não aceita, omite e não pondera como justificações para o incumprimento do contrato por parte da concessionária, são os mesmos que ela própria Administração fundamenta para promover politicas públicas para minorar os efeitos, na economia de Macau, da crise regional e a criação de condições para a recuperação da actividade económica.
17. Este comportamento da Administração vindo dizer, ou melhor omitindo por completo a ponderação e a avaliação das justificações da concessionária, que no fundo são os fenómenos sócio-económicos que ela própria andou a combater promovendo políticas públicas para os resolver é venire contra factum proprium em contramão com toda a interpretação que a própria Administração fez da realidade sócio-económica da execução dos contratos de concessão em Macau.
18. Os factos históricos atrás referidos que consubstanciam a realidade sócio-económica de Macau durante o período de 1997 a 2004/2005 que a Administração omite na avaliação sobre o incumprimento da concessionária, são a fonte da toda a actuação tolerante e omissiva dos poderes de conformação contratual da Administração face aos incumprimentos contratuais das concessionárias e que têm como consequência a criação de condutas criadoras de confiança nos particulares em que nunca a Administração chegaria a vias sancionatórias extremas sem antes esgotar todas as vias da cooperação ou até a aplicação de sanções menos gravosas.
19. A chamada conformação contratual prevista no artigo 167º do CPA, designadamente o poder de direcção e o poder sancionatório nunca foi exercidos durante largos anos precisamente por uma orientação política condescendente relativamente aos efeitos negativos dos factos causadores da crise económica durante o período de 1997 a 2004/2006 com reflexo directo nos prazos de aproveitamento das concessões.
20. A Administração preferiu sempre durante o período 1997 a 2004/2006, numa visão moderna do Direito do Urbanismo uma atitude de cooperação, consenso e concertação com os particulares não declarando a caducidade de dezenas de contratos de concessão com problemas de incumprimento, avançando, antes, para inúmeras revisões aos contratos de concessão, que uma breve pesquisa ao sítio do BO de Macau não deixa dúvidas sobre este facto.
21. Foi pois, neste diálogo procedimental inserido num ambiente geral de políticas públicas urbanísticas de concertação que a Administração delineou, como atrás foi dito uma nova dinâmica imprimida no aproveitamento ou reaproveitamento de diversos projectos urbanísticos, incluindo os casos com aumento de áreas de construção e outros respeitantes a “terrenos não aproveitados” que foram autorizados a construir, com prazos adicionais de aproveitamento, e ainda casos em que, caducadas as concessões, por despacho do Chefe do Executivo, novas concessões foram outorgadas para as substituir.
22. Veja-se recentemente, projectos não aproveitados em terrenos concessionados antes da transferência do exercício da soberania, por motivos relacionados com a notória e profunda crise da economia de Macau até 2003/2006, obtiveram a compreensão da Administração, mantendo-se a validade dos respectivos contratos de concessão, com fixação de novos prazos para a concretização do aproveitamento acordado (a título de exemplo, o caso do terreno contíguo ao Hipódromo da Taipa, com a construção de um hotel, ora em curso).
23. Tendo a Administração comportamentos claramente omissivos durante quase duas décadas relativamente à conformação dos seus poderes contratuais, tais como: o não uso dos poderes de fiscalização, de direcção e sancionatório por razões de reconhecimento dos factores exteriores negativos que afectaram a economia de Macau, promovendo uma cooperação, consenso e concertação com os particulares, cujo o exemplo é o reaproveitamento de diversos projectos urbanísticos, que foram autorizados a construir, com prazos adicionais de aproveitamento, e ainda casos em que, caducadas as concessões, por despacho do Chefe do Executivo, novas concessões foram outorgadas para as substituir, vir agora de repente mudar completamente de posição pondo em causa toda a confiança e expectativa criada no particular, ofende claramente o princípio da boa-fé e da tutela da confiança.
24. A Administração viola também o princípio da boa fé quando pratica actos procedimentais ou omite condutas procedimentais que se revelam comportamentos criadores de confiança na concessionária, porquanto;
25. Com efeito, a requerimento da concessionária de 10.07.2007 onde se justificava o não aproveitamento do terreno e se requeria transmissão dos direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest-Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício destinado a uso próprio fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, sendo que as finalidades das outras partes se mantivessem inalteradas, isto como forma de envolver parceiros com actividades industriais diferenciadas no sentido de minimizar as perdas motivadas pelo atraso no aproveitamento,
26. A informação dos Serviços nº 563/DPU/2007 de 27.11 foi bastante clara, para além do terreno se manter dentro do desenvolvimento industrial enquadrado no zonamento definido no respectivo contrato de concessão, do ponto de vista da prossecução do interesse público, a nova finalidade de reparação automóvel ao invés do fabrico de blocos de cimento, a instalar no r/c do prédio favorecia a redução da poluição ambiental.
27. Os factos acima expostos, revelam um comportamento da Administração nada transparente, porquanto o padrão de comportamento interno da Administração é um e o comportamento externo da Administração é outro, contraditório.
28. Se externamente, e num primeiro momento a Administração exibe comportamentos criadores de confiança na Recorrente, quando ao longo dos anos omite o uso dos seus poderes de conformação contratuais, tais como: o não uso dos poderes de fiscalização, de direcção e sancionatório por razões de reconhecimento dos factores exteriores negativos que afectaram a economia de Macau, promovendo uma cooperação, consenso e concertação com os particulares, cujo o exemplo é o reaproveitamento de diversos projectos urbanísticos, que foram autorizados a construir, com prazos adicionais de aproveitamento.
29. Num segundo momento, internamente e no seguimento dos seus comportamentos anteriores, a Administração reconhece que do ponto de vista da prossecução do interesse público, a nova finalidade de reparação automóvel ao invés do fabrico de blocos de cimento, a instalar no r/c do prédio favorecia a redução da poluição ambiental.
30. E num terceiro momento, externamente a Administração, nada fazendo, arrastando o procedimento desde 2007 acaba por vir declarar a caducidade do contrato de concessão por decurso do prazo, em total contradição com os seus comportamentos anteriores criadores de confiança.
31. Se a Administração não tinha a intenção de prosseguir a execução do contrato, então logo em 2007 com a informação dos Serviços nº 563/DPU/2007 de 27.11 deveria ter avançado para a declaração de caducidade de imediato, não deixando arrastar o procedimento criando expectativas no concessionário.
32. O acto de declaração de caducidade viola o princípio da igualdade porquanto;
33. A Administração aceita justificações idênticas no âmbito do princípio da boa-fé e da tutela da confiança noutras concessões não aproveitadas e não as aceita para a requerente, revelando assim uma clara dualidade de critérios.
34. É que, de acordo com o artigo 114º nº 1º alínea e) do CPA a Administração tem um dever especial de fundamentação nos actos que decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais.
35. A decisão recorrida padece do vício de procedimento, por preterição da formalidade essencial da audiência dos interessados uma vez que estava vinculada a ouvir a Recorrente antes de proferir a decisão final conforme o impõe o artigo 93º do CPA mas, todavia, não o fez;
36. As normas do CPA relativas ao direito de audiência são aplicáveis todos os procedimentos administrativos, mesmos aos especiais, excepto àqueles cuja natureza ou decisão a elas se oponha, o que não é o caso daquele aqui em apreço;
37. A decisão recorrida apanhou a Recorrente de surpresa, dado que não teve oportunidade de carrear para o procedimento, em momento prévio à tomada de decisão, todos os factos e aspectos reveladores dos seus legítimos direitos e interesses, tentando demonstrar, entre o mais, que não teve culpa e que não lhe imputável o incumprimento contratual;
38. A falta de cumprimento da audiência de interessados, violando os princípios da imparcialidade e da participação dos particulares na formação das decisões que lhe dizem respeito, faz inquinar a decisão recorrida de ilegalidade, por violação da norma referida.
Pedido
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a anulação do acto do Chefe do Executivo de 24.06.2016 por vício de violação de lei, vício esse expresso na:
i. Violação do Princípio da imparcialidade;
ii. Violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança;
iii. Violação do princípio da igualdade; E vício de forma, expresso na:
iv. Na preterição da audiência do dos interessados prevista no artigo 93 e segs. do CPA”
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Na sua contestação, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
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O relator, a fls. 98, entendeu que o processo estava dotado de todos os elementos indispensáveis à decisão, sem necessidade de produção de prova testemunhal e, consequentemente, determinou a notificação das partes para apresentação de alegações facultativas.
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Desse despacho houve reclamação para a conferência por parte da recorrente, que, porém, por acórdão de 23/03/2017, o confirmou.
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A recorrente apresentou alegações facultativas, reproduzindo, no essencial, no entanto, os vícios já invocados na petição inicial.
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Também a entidade recorrida concluiu facultativamente, defendendo uma vez mais a improcedência do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer na sua vista final:
“Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 24 de Junho de 2016, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 4690 m2, designado por lote G, situado no aterro de Pac On, na ilha da Taipa.
A recorrente, “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), SARL”, acha que o acto padece dos vícios de violação do princípio da imparcialidade, violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, violação do princípio da igualdade e preterição da formalidade essencial de audiência, no que é contraditada pela entidade recorrida, que sustenta a legalidade do acto.
Vejamos.
Começa a recorrente por assacar ao acto a violação do princípio da imparcialidade, substanciando esta violação na ausência de um juízo de imputabilidade quanto ao incumprimento.
Concordamos que o incumprimento, enquanto impedimento da conversão, em definitiva, da concessão provisória, é um pressuposto da declaração de caducidade na sua vertente preclusiva. Já não estamos com a recorrente quando sustenta a necessidade de avaliação da imputabilidade para conformar o incumprimento. Uma coisa é verificar se foi cumprido, realizado, concluído, o aproveitamento, outra é saber, apurar, indagar as razões do incumprimento e quem por ele é responsável. Salvo melhor juízo, na declaração da caducidade pelo decurso do prazo da concessão provisória sem cumprimento do aproveitamento, a lei basta-se com a constatação do incumprimento do clausulado, não impondo um juízo de imputabilidade ou culpabilidade. Se tal exigência fosse assim tão clara à luz do texto legal, por certo a recorrente teria indicado a norma expressamente violada, o que não fez. A ponderação dos argumentos ou justificações relativos ao não aproveitamento do terreno, que a recorrente diz não ter sido efectuada pela Comissão de Terras, não releva, nesta fase, como atropelo ao princípio da imparcialidade, precisamente porque a declaração da caducidade preclusiva não impõe o tal juízo de imputabilidade. Diferentemente se passariam as coisas se, quando findou o prazo de aproveitamento do terreno, a recorrente tivesse justificado o não aproveitamento, o que não fez apesar de expressamente notificada para o efeito em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997. Nessa fase, e ante uma hipotética declaração de caducidade como sanção pelo não aproveitamento do terreno no prazo contratualmente previsto, não poderia a Administração deixar de ponderar os argumentos e justificações que fossem avançados em vista da exclusão da culpa. Mas a recorrente nada disse então, e certo é que o que agora está em causa é uma declaração de caducidade preclusiva, onde, salvo melhor juízo, não há que apreciar a culpa.
Não se detecta, assim, qualquer ofensa ao princípio da imparcialidade, pelo que improcede este vício.
Esgrime-se, depois, a violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança.
Para caracterizar este vício, a recorrente faz novamente apelo às várias razões por si avançadas para justificar a falta de culpa no aproveitamento do terreno - onde pontuam a crise financeira asiática de 1997-2004, a SARS que afectou gravemente, nessa época, a província de Cantão, bem como o clima geral de insegurança vivido no período final da Administração Portuguesa - que não foram objecto de ponderação para a decisão agora impugnada, quando, em nítida contradição com esta postura, a própria Administração combateu oportunamente tais fenómenos sócio-económicos, o que, no fundo, representa um venire contra factum proprium. Além disso, e nessa linha de combate àqueles fenómenos marcadamente prejudiciais ao desenvolvimento sócio-económico, a Administração adoptou uma orientação política condescendente com os efeitos negativos de tais fenómenos, abstendo-se de usar o poder que lhe competia de controlar a execução dos contratos na defesa do interesse público contra incumprimentos prejudiciais.
Esta argumentação não procede.
Desde logo, e aceitando-se a afirmação de que os factos históricos são o que são, não pode deixar de se lhe contrapor que as cláusulas contratuais são, também, aquilo que são. Pois bem, de acordo com a cláusula sexta do contrato, igualmente vertida no artigo 4.º do Despacho n.º 167/SATOP/93, que titulou a última revisão da concessão, a concessionária estava obrigada a transmitir prontamente, ao concedente, a ocorrência de casos de força maior ou outros factos relevantes cuja produção escapasse ao seu controlo, para justificar o incumprimento do aproveitamento no prazo fixado e ver-se, assim, desresponsabilizada pelo atraso. Porém, a recorrente, além de nada ter comunicado espontaneamente, de acordo com a exigência daquela cláusula contratual, também nada disse quando foi expressamente interpelada pela Administração sobre o não aproveitamento, em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997. Além disso, quando, em 1997, começa a crise financeira e se sucedem os outros factos que a recorrente agora chama em seu amparo para justificar o não aproveitamento do terreno, já há muito se esgotara o prazo do aproveitamento, o qual, de acordo com a última revisão da concessão, terminava em 18 de Dezembro de 1995. Ademais, é meramente especulativa - porque não vem justificada, não encontra qualquer respaldo no processo administrativo, e não se retira de factos públicos ou notórios - a asserção de que a Administração deixou de fiscalizar a execução dos contratos de concessão, e muito menos que assim procedeu por motivos de orientação política.
Improcedem, face ao exposto, os argumentos em que se louva a recorrente na tentativa de sustentar que, ao declarar a caducidade, a Administração actuou em contrário dos sinais e da confiança que havia transmitido e incutido à contraparte, pelo que soçobra também o inerente vício.
Vem ainda assacado ao acto o vício de violação do princípio da igualdade. Para tanto, a recorrente chama à colação a semelhança do seu caso com os da “Companhia de Investimento Jockey Limitada” e da “Sociedade Hoteleira de Macau - Taipa Resort, Limitada”, acentuando a duplicidade de critérios em que incorreu a Administração, ao aceitar, nestes dois casos, justificações idênticas àquelas que recusou no caso ora trazido a escrutínio.
O princípio da igualdade, previsto no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, postula, na sua essência, o tratamento igual de situações intrínseca e substancialmente iguais e o tratamento desigual das situações materialmente desiguais. Dito isto, fica claro que só perante uma análise casuística e detalhada dos casos a comparar e das motivações dos respectivos actos administrativos é possível extrair conclusões sobre a violação ou não daquele princípio. A recorrente não faz essa necessária análise casuística e detalhada sobre os casos em comparação, mas, pela documentação oferecida, é possível excluir liminarmente a reclamada igualdade. Verifica-se, com efeito, que os casos invocados para comparação reportam revisões das concessões operadas no seguimento de incumprimento dos prazos de aproveitamento, mas no âmbito de contratos cujo termo do prazo inicial da concessão, de 25 anos, ainda vem longe, ao passo que o caso em análise respeita a um contrato cujo prazo inicial da concessão já se esgotou, diferença que se mostra bastante para desmontar a alegada violação.
Cai por terra e improcede a invocada violação do princípio da igualdade.
Por fim, assinala-se ao acto a preterição da formalidade essencial de audição.
O princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, proclamado no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, encontra expressão prática no exercício do direito de audiência previsto nos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Finda a instrução, os interessados são convocados ou notificados para exercitarem tal direito. Só assim não será nos casos de inexistência e de dispensa de audição, incluindo-se nos primeiros as hipóteses em que a decisão se revele urgente ou possa ver comprometida a sua execução ou utilidade pela própria audiência, bem como os procedimentos em massa, e pontuando entre os segundos as situações em que os interessados já se hajam pronunciado no procedimento sobre as provas produzidas e sobre as questões pertinentes para a decisão, bem como quando o procedimento aponte para uma decisão favorável aos interessados. Nenhuma destas hipóteses estava em causa, pelo que, tendo havido instrução, havia lugar ao exercício do direito de audição, o qual não foi facultada à recorrente, como aliás a própria entidade recorrida admite. Isto dito, importa ponderar que o acto administrativo em crise é proferido no exercício de poderes estritamente vinculados. Entendemos, tal como defende a entidade recorrida, que, preenchidos que se mostrem os pressupostos elegíveis para a declaração da caducidade preclusiva, tem a Administração a obrigação vinculada de produzir essa declaração. Então, a preterição daquela formalidade, que, como referido, temos por verificada, mostra-se indiferente para o resultado a que tem que chegar a decisão final do procedimento. Qualquer desvio que conduza a um resultado diverso daquele que vinculadamente se impõe há-de relevar noutra sede que não a da falta de audição do interessado.
O que significa que, em casos tais, e quando, como no presente, não esteja em causa um direito fundamental de audição, visto que o procedimento não pode considerar-se sancionatório, a formalidade degrada-se em não essencial, sendo de dar prevalência ao interesse inerente ao princípio do aproveitamento do acto.
Tendemos, pois, a pronunciarmo-nos pela improcedência, porque despido de relevância anulatória, do invocado vício de falta de audiência.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser recusado provimento ao recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote “3”, a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
2 - De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento era válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
3 - Devido ao reordenamento urbanístico, tornou-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote “G” que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, e assim sendo, pelo Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
4 - Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 50, II Série, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
5 - Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
6 - Por força da referida revisão, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Dezembro de 1995.
7 - Embora a concessionária tenha pago, em prestações, o prémio do contrato no valor de $1279790,00 patacas e o prémio adicional no valor de $9319269,00 patacas, os respectivos pagamentos foram efectuados tardiamente.
8 - O terreno em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21 716 a fls. 3 do livro 873 e inscrito a favor da concessionária sob o n.º 2 201 do livro F24A.
9 - Após o termo do prazo de aproveitamento do terreno e uma vez que esse aproveitamento estava por efectuar, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) solicitou à concessionária, através de ofícios datados em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997, que apresentasse justificações sobre o não aproveitamento do terreno e indicasse a data do início das respectivas actividades industriais.
10 - No entanto, apenas em 10 de Outubro de 2007 a concessionária solicitou que fossem transmitidos os direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest - Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício, destinado a uso próprio, fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, mantendo-se inalteradas as finalidades das outras partes.
11 - Tendo o terreno objecto da concessão sido classificado pela entidade competente como terreno concedido mas não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 23 de Março de 2010, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável relativa ao atraso no aproveitamento do terreno.
12 - Através da carta datada de 23 de Abril de 2010, a concessionária apresentou as devidas justificações e solicitou novamente autorização para a transmissão dos direitos resultantes da concessão, comprometendo-se a concluir o aproveitamento do terreno no prazo de 14 meses após a competente autorização, ou seja, antes do termo do prazo de concessão por arrendamento.
13 - Analisado o processo, através das informações n.ºs 239/DSODEP/2010, de 25 de Novembro, 78/DJUDEP/2010, de 16 de Dezembro, e 259/DSODEP/2010, de 31 de Dezembro, a DSSOPT considerou que a alegação para o não cumprimento do prazo de aproveitamento (crise financeira da Ásia) apresentada pela concessionária não colhia, porquanto não era considerada motivo por justa causa, como tal não estava em conformidade com o estabelecido no contrato, ou seja, casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do controlo da concessionária.
14 - Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 53/2016,com o seguinte teor:
«Proc. n.º 24/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado na Taipa, no Aterro de Pac-On, designado por lote «G», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 22 de Outubro de 2012.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48.0 da mesma lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167.º da mesma lei.
2. De acordo com o disposto no artigo 179.º da Lei de terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote «3», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
6. Devido ao reordenamento urbanístico, torna-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote «G» que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, assim sendo, por Despacho n.º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
7. Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 50, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
8. Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
9. Por força da referida revisão, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Dezembro de 1995.
10. Embora a concessionária tenha pago, em prestações, o prémio do contrato no valor de $1 279 790,00 patacas e o prémio adicional no valor de $9 319 269,00 patacas, os respectivos pagamentos foram efectuados tardiamente.
11. O terreno em causa encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21 716 fls. 3 do livro B73 e inscrito a favor da concessionária sob o n.º 2 201 do livro F24A.
III
12. Após o termo do prazo de aproveitamento do terreno, a DSSOPT solicitou à concessionária, através de oficias datados em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997, que apresentasse justificações sobre o não aproveitamento do terreno e indicasse a data do início das respectivas actividades industriais, no entanto, a concessionária nunca deu qualquer resposta.
13. Apenas em 10 de Outubro de 2007, a concessionária solicitou que fossem transmitidos os direitos resultantes da concessão do terreno a favor da sociedade “Harvest-Centro de Automóveis, Limitada” e que a finalidade do rés-do-chão do edifício destinado a uso próprio fosse alterada para sala de exposição e manutenção de automóveis, sendo que as finalidades das outras partes se mantivessem inalteradas. Apesar de o pedido ter sido considerado viável do ponto de vista do planeamento urbanístico, o procedimento de revisão da concessão não ficou concluído.
14. Uma vez que o terreno foi classificado pela entidade competente como terreno concedido mas não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 23 de Março de 2010, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável sobre o atraso no aproveitamento do terreno.
15. Através da carta datada de 23 de Abril de 2010, a concessionária apresentou as devidas justificações e solicitou novamente autorização para a transmissão dos direitos resultantes da concessão, prometendo que após a autorização, poderia concluir o aproveitamento do terreno no prazo de 14 meses, ou seja, antes do termo do prazo de concessão por arrendamento.
16. Feitas as análises, através das informações n.ºs 239/DSODEP/2010, de 25 de Novembro, 78/DJUDEP/2010, de 16 de Dezembro, e 259/DSODEP/2010, de 31 de Dezembro, a DSSOPT considera que a alegação para o não cumprimento do prazo de aproveitamento (crise financeira da Ásia) apresentada pela concessionária não tem qualquer fundamento factual e que não é motivo por justa causa, como tal não está em conformidade com o estabelecido no contrato, ou seja, casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do controlo da concessionária. Assim sendo, a Administração deve iniciar o procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno nos termos contratuais e da Lei de terras. Em 30 de Dezembro de 2013, o Chefe do Executivo proferiu o despacho no qual determina que seja devolvida a informação n.º 259/DSODEP/2010 e que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proceda o seu estudo.
17. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, o prazo terminou em 22 de Outubro de 2012, o terreno não se mostrava aproveitado e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a concessão provisórias não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 005/DSODEP/2016, de 22 de Janeiro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e enviado o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. Esta proposta mereceu a concordância do STOP, por despacho de 24 de Fevereiro de 2016.
18. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 22 de Outubro de 2012 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido neste contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por, força da verificação daquele facto (decurso da prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opôr à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta nº 005/DSODEP/2016, de 22 de Janeiro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 24 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 22 de Outubro de 2012, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 17 de Março de 2016.»
15 - Em 24 de Março de 2016 o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer:
“Proc. n.º 24/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado na Taipa, no Aterro de Pac-On, designado por lote «G», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 22 de Outubro de 2012.
1. Através do Despacho n.º 6/SAOPH/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 37, de 14 de Setembro de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 4 690m2, situado no Aterro de Pac-On, correspondente ao antigo lote «3», a favor da sociedade “Interbloc - Materiais de Construção (Macau), Limitada”, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 23 de Outubro de 1987.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, ou seja, até 22 de Outubro de 2012.
3. Devido ao reordenamento urbanístico, torna-se necessário proceder à troca do referido terreno concedido pelo terreno designado por lote «G» que se situa na mesma zona e com a mesma configuração e área, assim sendo, por Despacho n. º 39/SAOPH/88, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 16, de 18 de Abril de 1988, foi autorizada a revisão da concessão, a qual foi titulada por escritura outorgada em 13 de Maio de 1988.
4. Em seguida, através do Despacho n.º 167/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 50, de 15 de Dezembro de 1993, foi modificado o aproveitamento do terreno.
5. Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 6 pisos, ficando as fracções autónomas do rés-do-chão afectadas à indústria de fabrico de blocos de cimento, a explorar directamente pela concessionária.
6. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 22 de Outubro de 2012 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 24 de Fevereiro de 2016.
7. Reunida em sessão de 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno pelo decurso do prazo de arrendamento.
24 de Março de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
16 - Em 24 de Junho de 2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão por arrendamento nos seguintes termos:
«Despacho
同意。因此,根據本批示組成部分的運輸工務司司長二零一六年三月二十四日意見書所載的內容及理由,本人宣告土地委員會第24/2016號案卷所指的以租賃制度及免除公開競投方式的土地批給失效。
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 24/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 24 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 24 de Junho de 2016.
行政長官 O Chefe do Executivo,
崔世安 Chui Sai On»
17 - No Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 2016, foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 34/2016, tornando público o despacho da Entidade Recorrida referido no artigo anterior.
***
IV – O Direito
1. O acto administrativo sindicado
Atente-se, antes de mais nada, que o acto administrativo aqui impugnado contenciosamente é o despacho do digno Chefe do Executivo de 24/06/2016, que, com fundamento no decurso geral do prazo da concessão de um terreno por arrendamento, declarou a caducidade desta.
Isso mesmo, aliás, se retira dos pareceres da Comissão de Terras e do próprio Secretário do Governo, tendo este tido a oportunidade de textualmente sublinhar que “Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo” e aquela concluído que “considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 22 de Outubro de 2012”.
Estamos, pois, perante uma declaração administrativa de caducidade pelo termo do prazo geral da concessão, a que habitualmente se vem dado o nome de caducidade-precusão ou, simplesmente, caducidade preclusiva (sobre os termos desta distinção, ver Acs. deste TSI, de 2/06/2016, Proc. nº 179/2016/A e de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015).
*
2- Da natureza do acto sindicado
O acto objecto do recurso contencioso tem uma natureza declarativa (a própria lei lhe chama declaração: art. 167º da Lei de Terras) que tem por fundamento o facto objectivo do decurso do prazo: aquilo que faz accionar a prática deste tipo dos actos declarativos de caducidade é, simplesmente, o inexorável efeito do tempo (cfr. art. 52º da Lei de Terras).
E, sendo assim, o que unicamente interessa ao apuramento da validade deste acto já não são as razões assentes na eventual culpa do não aproveitamento dentro do prazo inicial da concessão. Elas apenas relevam quando a causa da caducidade - em tal hipótese tomando o nome de caducidade-sanção - radica num imputado não aproveitamento culposo e, portanto, num incumprimento contratual. Não é o caso dos autos!
Um acto deste tipo é, por conseguinte, certificativo ou “de ciência” e verificativo no sentido de que se limita a verificar e enunciar um efeito produzido a montante por efeito do contrato e da lei (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, pág. 534 e II, pág. 925; A. Varela, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., págs. 79 e 553; Lino Ribeiro e J. Cândido de Pinho, Código de Procedimento Administrativo de Macau anotado, págs. 563 e 575). Por outras palavras, é constatativo, não constitutivo.
Isto é assim, como é evidente, sem prejuízo de a Administração ter que ponderar se o prazo já decorreu e avaliar do estado actual da concessão e do seu aproveitamento integral ou não. Mas, isso é já uma indagação que é própria da verificação dos pressupostos de facto necessários à declaração da caducidade.
Não esqueçamos, por outro lado, o disposto no art. 167º da Lei de Terras. Como nos parece lógico, se a declaração de caducidade em nada interfere com o efeito ipso iure1 da extinção já produzido (como a própria entidade recorrida sustenta na sua alegação de resposta), há sempre alguns efeitos que desta decorrem, e que são os inscritos no art. 168º do diploma. Quanto a estes (reversão dos prémios pagos e das benfeitorias, etc.), e apenas nesse plano, podemos admitir que há aí alguns efeitos “constitutivos” que decorrem da caducidade.
Mas, quanto à perda da concessão em si mesma (e isso é o que move a recorrente nos presentes autos, como todas as outras recorrentes noutros processos judiciais pendentes), ou seja, quanto ao resultado puramente extintivo da obrigação contratual e, logo, da concessão convencionada, o efeito do despacho que declara a caducidade é, perdoe-se a tautologia, declarativo, como dissemos.
Por outro lado, não temos dúvidas em afirmar que, decorrido este prazo geral da concessão sem que se mostre concretizada a finalidade que esteve na base da concessão, a Administração não goza mais da possibilidade discricionária de declarar ou não a caducidade: desde que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto (obviamente, após a necessária avaliação a efectuar pela entidade competente), a Administração declarará a caducidade! O que se não pode dizer é que, mesmo que concorram e se verifiquem todos os pressupostos de facto necessários à caducidade, ou seja, que tenha decorrido o prazo geral da concessão e não tenha havido aproveitamento, a Administração possa não declarar a caducidade. Isso não é possível.
É que, como foi dito por este TSI, o limite temporal fixado na lei é “… matéria excluída da disponibilidade das partes, nos termos do art. 325º do CC; ou seja, por não estar na disponibilidade das partes alterar o limite temporal absoluto e peremptório fixado no art. 47º da Lei de Terras -, o que prejudica o conhecimento do recurso contencioso e determina o seu não conhecimento, já que nenhuma vantagem a recorrente poderia recolher de uma eventual procedência do presente recurso (nem sequer para efeitos indemnizatórios). Tanto assim é que, como se disse, decorrido o prazo da concessão definitiva só as renovações (“ex novo” e com um novo período legal de dez anos) são possíveis e no caso das provisórias só nos casos estritos do art. 48º, nº2 elas são admissíveis.
(…) porque se encontram subtraídas à disponibilidade das partes as matérias em que predomine o interesse público e a ordem pública (Vaz Serra, in R.L.J., ano 98, pág. 352; tb. Ac. STJ, de 26/10/1999, Proc. nº 710/99, in BMJ nº 490, pág. 250). E é para nós muito claro ser de interesse público todo o regime que percorre a Lei de Terras (diploma de direito público, insiste-se), em particular o das relações jurídicas derivadas das concessões de terrenos (tão escassos na RAEM, que frequentemente é utilizado o recurso à técnica de novos aterros), cujo estabelecimento de um prazo visa defender e realizar as necessidades públicas que estiveram na base da sua contratualização…” (Ac. cit. de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015).
O que acaba de se sublinhar permite afirmar ainda que a declaração de caducidade administrativa surge como a única possível solução para estas situações. Ou seja, a Administração está vinculada a esta declaração, porque assim lho impõem a lei e o contrato de concessão (é esta também a posição defendida pela entidade recorrida nas suas alegações de resposta ao recurso: v.g., art. 14º e 16º).
E, repetimos, esta é uma caducidade-preclusão e não uma caducidade-sanção com assento na afirmação de uma vontade, ao contrário do que sustenta a recorrente nas suas alegações.
*
3 – Dos vícios
Se considerarmos, como tivemos oportunidade de dizer, que este caso só pode ter resolução à luz das regras da vinculação administrativa, então a violação dos princípios invocados pela recorrente que funcionem como limites internos da actividade discricionária, não faz sentido. É um vício improcedente.
Mesmo assim, “ex abundanti cautela”, iremos abordá-los um a um.
*
3.1 – Da violação do princípio da proporcionalidade
Pensa a recorrente que o acto em crise viola o princípio em epígrafe por não ter sido precedido de uma ponderação acerca do incumprimento por parte da recorrente – logo, da imputação da culpa nesse incumprimento - da obrigação contratual de proceder dentro do prazo geral da concessão ao aproveitamento do terreno concedido.
Cremos, porém, que não era necessária essa imputação subjectiva no acto, tal como já acima fomos dizendo. O que releva nestes casos de caducidade preclusiva são os respectivos pressupostos de facto: por um lado, o facto objectivo do decurso do prazo geral da concessão e, por outro, a avaliação constatativa de falta do aproveitamento. Quer dizer, não interessa convocar aqui as razões típicas da culpa ou ausência dela que sejam próprias para a aplicação da sanção da multa ou da caducidade motivada no não aproveitamento dentro do prazo inicial estabelecido no contrato e na lei. Só aí, na caducidade-sanção, importa o apuramento da culpa e, portanto, da sua eventual imputabilidade à concessionária. Mas essa não é a situação dos autos.
Como bem observa o digno Magistrado do MP junto deste TSI, e que mais uma vez aqui transcrevemos Uma coisa é verificar se foi cumprido, realizado, concluído, o aproveitamento, outra é saber, apurar, indagar as razões do incumprimento e quem por ele é responsável. Salvo melhor juízo, na declaração da caducidade pelo decurso do prazo da concessão provisória sem cumprimento do aproveitamento, a lei basta-se com a constatação do incumprimento do clausulado, não impondo um juízo de imputabilidade ou culpabilidade. Se tal exigência fosse assim tão clara à luz do texto legal, por certo a recorrente teria indicado a norma expressamente violada, o que não fez. A ponderação dos argumentos ou justificações relativos ao não aproveitamento do terreno, que a recorrente diz não ter sido efectuada pela Comissão de Terras, não releva, nesta fase, como atropelo ao princípio da imparcialidade, precisamente porque a declaração da caducidade preclusiva não impõe o tal juízo de imputabilidade. Diferentemente se passariam as coisas se, quando findou o prazo de aproveitamento do terreno, a recorrente tivesse justificado o não aproveitamento, o que não fez apesar de expressamente notificada para o efeito em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997. Nessa fase, e ante uma hipotética declaração de caducidade como sanção pelo não aproveitamento do terreno no prazo contratualmente previsto, não poderia a Administração deixar de ponderar os argumentos e justificações que fossem avançados em vista da exclusão da culpa. Mas a recorrente nada disse então, e certo é que o que agora está em causa é uma declaração de caducidade preclusiva, onde, salvo melhor juízo, não há que apreciar a culpa.”.
Sendo assim, é improcedente o vício.
*
3.2 – Violação do princípio da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade.
Valem aqui as considerações antes produzidas a respeito da inoperatividade da invocação da violação destes princípios no âmbito da actividade vinculada, como esta é.
Vejamos, ainda assim, se são de proceder ainda que se tome como discricionária a actividade dentro da qual se moveu o acto em apreço.
Sobre os princípios da boa-fé e da tutela da confiança disse o digno Magistrado do MP:
Para caracterizar este vício, a recorrente faz novamente apelo às várias razões por si avançadas para justificar a falta de culpa no aproveitamento do terreno - onde pontuam a crise financeira asiática de 1997-2004, a SARS que afectou gravemente, nessa época, a província de Cantão, bem como o clima geral de insegurança vivido no período final da Administração Portuguesa - que não foram objecto de ponderação para a decisão agora impugnada, quando, em nítida contradição com esta postura, a própria Administração combateu oportunamente tais fenómenos sócio-económicos, o que, no fundo, representa um venire contra factum proprium. Além disso, e nessa linha de combate àqueles fenómenos marcadamente prejudiciais ao desenvolvimento sócio-económico, a Administração adoptou uma orientação política condescendente com os efeitos negativos de tais fenómenos, abstendo-se de usar o poder que lhe competia de controlar a execução dos contratos na defesa do interesse público contra incumprimentos prejudiciais.
Esta argumentação não procede.
Desde logo, e aceitando-se a afirmação de que os factos históricos são o que são, não pode deixar de se lhe contrapor que as cláusulas contratuais são, também, aquilo que são. Pois bem, de acordo com a cláusula sexta do contrato, igualmente vertida no artigo 4.º do Despacho n.º 167/SATOP/93, que titulou a última revisão da concessão, a concessionária estava obrigada a transmitir prontamente, ao concedente, a ocorrência de casos de força maior ou outros factos relevantes cuja produção escapasse ao seu controlo, para justificar o incumprimento do aproveitamento no prazo fixado e ver-se, assim, desresponsabilizada pelo atraso. Porém, a recorrente, além de nada ter comunicado espontaneamente, de acordo com a exigência daquela cláusula contratual, também nada disse quando foi expressamente interpelada pela Administração sobre o não aproveitamento, em 11 de Abril e 16 de Julho de 1997. Além disso, quando, em 1997, começa a crise financeira e se sucedem os outros factos que a recorrente agora chama em seu amparo para justificar o não aproveitamento do terreno, já há muito se esgotara o prazo do aproveitamento, o qual, de acordo com a última revisão da concessão, terminava em 18 de Dezembro de 1995. Ademais, é meramente especulativa - porque não vem justificada, não encontra qualquer respaldo no processo administrativo, e não se retira de factos públicos ou notórios - a asserção de que a Administração deixou de fiscalizar a execução dos contratos de concessão, e muito menos que assim procedeu por motivos de orientação política.
Improcedem, face ao exposto, os argumentos em que se louva a recorrente na tentativa de sustentar que, ao declarar a caducidade, a Administração actuou em contrário dos sinais e da confiança que havia transmitido e incutido à contraparte, pelo que soçobra também o inerente vício.
Vem ainda assacado ao acto o vício de violação do princípio da igualdade. Para tanto, a recorrente chama à colação a semelhança do seu caso com os da “Companhia de Investimento Jockey Limitada” e da “Sociedade Hoteleira de Macau - Taipa Resort, Limitada”, acentuando a duplicidade de critérios em que incorreu a Administração, ao aceitar, nestes dois casos, justificações idênticas àquelas que recusou no caso ora trazido a escrutínio”
E sobre a alegada violação do princípio da igualdade, adiantou o mesmo Magistrado do Ministério Público:
“ O princípio da igualdade, previsto no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, postula, na sua essência, o tratamento igual de situações intrínseca e substancialmente iguais e o tratamento desigual das situações materialmente desiguais. Dito isto, fica claro que só perante uma análise casuística e detalhada dos casos a comparar e das motivações dos respectivos actos administrativos é possível extrair conclusões sobre a violação ou não daquele princípio. A recorrente não faz essa necessária análise casuística e detalhada sobre os casos em comparação, mas, pela documentação oferecida, é possível excluir liminarmente a reclamada igualdade. Verifica-se, com efeito, que os casos invocados para comparação reportam revisões das concessões operadas no seguimento de incumprimento dos prazos de aproveitamento, mas no âmbito de contratos cujo termo do prazo inicial da concessão, de 25 anos, ainda vem longe, ao passo que o caso em análise respeita a um contrato cujo prazo inicial da concessão já se esgotou, diferença que se mostra bastante para desmontar a alegada violação.
Cai por terra e improcede a invocada violação do princípio da igualdade”.
São razões que, pelo acerto e sensatez, subscrevemos e fazemos nossas para os devidos efeitos e que servem para se concluir pela improcedência dos vícios.
*
3.3 – Da violação da formalidade da audiência de interessados
Defende a recorrente que deveria ter sido cumprido o art. 93º do CPA, uma vez que o caso não era inexistência de audiência de interessados, de que trata o art. 96º do CPA, ou de dispensa, ao abrigo do art. 97º, do mesmo Código.
Ora bem. Sendo por nós admitido que a situação representada no procedimento administrativo convergiu para um acto administrativo vinculado, então a falta desta formalidade não se mostra relevante, ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto administrativo, uma vez que se chegue à conclusão de que o despacho impugnado só poderia ter o conteúdo que efectivamente teve e mais nenhum outro. Em tal situação, como também se costuma dizer, aquela formalidade degrada-se em formalidade não essencial (v.g. Ac. TUI, de 13/01/2016, Proc. nº 79/2015; ou do TSI, de 8/05/2014, Proc. nº 489/2012).
De resto, também este TSI teve já oportunidade de afirmar, “A realização da audiência de interessados só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução de que fala o art. 93º do CPA. (…) Tal formalidade mostra-se imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo até, ao sentido do conteúdo final do acto. Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei (Ac. de 24/04/2014, Proc. nº 512/2012).
E como concluímos que outro não podia ser o conteúdo deste acto declarativo, então a falta de audiência é aqui totalmente inconsequente do ponto de vista da imputada invalidade.
Sendo assim, também este vício deve ter-se por improcedente.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando e mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 10 UC.
TSI, 13 de Julho de 2017
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
Subscrevo o Acórdão com a reserva de que mantenho a minha posição quanto às afirmações doutrinárias sobre o instituto de caducidade, já assumida na declaração de voto que juntei ao Acórdão de 08JUN2016 tirado no processo nº 179/2016A.

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743/2016 1