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Processo n.º 516/2017 Data do acórdão: 2017-7-6 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio qualificado à imigração clandestina
– art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004
– obtenção da vantagem como recompensa do auxílio
– alteração da qualificação jurídico-penal dos factos
– prévia comunicação da alteração
– direito ao contraditório
– art.º 339.º, n.º 1, do Código de Processo Penal
  
S U M Á R I O
1. O arguido fica condenado pela prática do crime consumado de auxílio (simples à imigração clandestina) do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, e não do crime consumado de auxílio (qualificado) do n.º 2 deste artigo incriminador, se não está provada a obtenção, por ele próprio, directamente ou por interposta pessoa, de alguma vantagem ou benefício patrimonial, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pelo acto de auxílio.
2. De facto, dispõe a norma do n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004 que “Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior….”, daí que a comprovação da circunstância de o arguido praticar o crime “para obter” a vantagem não dá para activar a aplicação deste n.º 2.
3. Seja como for, não deve o tribunal sentenciador a quo ter procedido à alteração da qualificação jurídico-penal dos factos para o crime de auxílio qualificado à imigração clandestina, sem prévia comunicação dessa alteração ao arguido (inicialmente pronunciado tão-só em sede do crime de auxílio simples) para efeitos do exercício do direito ao contraditório (cfr. o art.º 339.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por analogia).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 516/2017
(Recurso em processo penal)
 Arguido recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 130 a 133v do Processo Comum Colectivo n.º CR2-16-0499-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como co-autor material de um crime consumado de auxílio (qualificado à imigração clandestina), p. e p. pelo art.o 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de seis anos e seis meses de prisão, apesar de ter sido pronunciado em sede do tipo legal de auxílio (simples) do n.º 1 deste artigo incriminador.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em essência, na motivação apresentada a fls. 142 a 148 dos presentes autos correspondentes, que ele só deve ser condenado pela prática de um crime consumado de auxílio (simples à imigração clandestina) p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da dita Lei, por falta de factos provados concretos respeitantes à obtenção da vantagem patrimonial.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 150 a 151 dos autos, no sentido de procedência da argumentação do recorrente.
Subidos os recursos, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 160 a 160v, opinando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos e com pertinência à decisão, sabe-se que a fundamentação fáctica do acórdão recorrido se encontra escrita a fls. 131 a 131v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido como fundamentação fáctica do presente aresto de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP).
Segundo a matéria de facto provada em primeira instância: o arguido transportou numa sampana por ele conduzida um indivíduo residente do Interior da China para Macau (indivíduo este não possuidor de qualquer documento que lhe permitisse entrar em Macau); o arguido fez isto de modo livre, voluntário e consciente, em acordo conjunto com outrem e com divisão de tarefas, para obter vantagem ilícita, sabendo que isto não era permitida por lei e como tal era punível.
O arguido foi pronunciado pela prática de um crime de auxílio (simples à imigração clandestina) do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, mas acabou por ser condenado, no acórdão ora recorrido, pela prática de um crime de auxílio (qualificado à imigração clandestina) do n.º 2 deste artigo, sem que tenha sido previamente advertido pelo Tribunal sentenciador acerca dessa convolação do crime, para efeitos de exercício do direito ao contraditório (cfr. o que resulta do teor da acta de audiência de julgamento de fls. 128 a 129v, a contrario sensu).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Perante a factualidade já provada, procede a pretensão do arguido, no sentido de que ele tem que ser condenado como co-autor material de um crime consumado de auxílio (simples à imigração clandestina) do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, por não estar provada a obtenção, pelo próprio arguido, directamente ou por interposta pessoa, de alguma vantagem ou benefício patrimonial, para ele próprio ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pelo acto de transportação daquele residente do Interior da China para Macau. De facto, há que atender especialmente à seguinte letra (na parte aqui sublinhada) da norma do n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004: “Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior….”, daí que a comprovação da circunstância de o arguido praticar o crime “para obter” a vantagem não dá para activar a aplicação do n.º 2 deste art.º 14.º.
Nota-se que seja como for, e apenas no plano processual formal falando, não deve o Tribunal sentenciador ter procedido à alteração da qualificação jurídico-penal dos factos para o crime de auxílio qualificado à imigração clandestina, sem prévia comunicação dessa alteração ao arguido (inicialmente pronunciado tão-só em sede do crime de auxílio simples à imigração clandestina) para efeitos do exercício do direito ao contraditório (cfr. o art.º 339.º, n.º 1, do CPP, aplicável por analogia).
Cabe agora medir a pena do arguido à luz da moldura penal de dois a oito anos de prisão prevista no n.º 1 do mesmo art.º 14.º: vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à medida concreta da pena aos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, é de aplicar três anos de prisão ao arguido.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, passando a condenar o arguido como co-autor material de um crime consumado de auxílio, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, na pena de três anos de prisão.
Sem custas. Fixam em mil e oitocentas patacas os honorários da Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 6 de Julho de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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