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Proc. nº 378/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Julho de 2017
Descritores:
-Marcas
- Concorrência desleal
- Imitação

SUMÁRIO:

Se uma interessada já tem inúmeras marcas registadas em Macau que incluem os sinais nominativos ZZ, não se pode falar em concorrência desleal, nem imitação de marcas, relativamente a outra empresa com registos vários de marcas com a designação YY's, se obtém uma vez mais na RAEM um registo de marca que integre, entre outros, os mesmos caracteres ZZ.






Proc. nº 378/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
ZZ餅店有限公司, romanizado como ZZ PENG TIM IAO HAN CONG SI, em Português PADARIA E PASTELARIA ZZ’S, LIMITADA, com o número de registo do Empresário Comercial, Pessoa Colectiva XXXX(SO), com sede em Macau, XXX, -----
Recorreu judicialmente para o TJB (Proc. nº CV1-15-0053-CRJ) -----
Do despacho da Chefe do D.P.I. dos Serviços de Economia, que concedeu à YY'S CATERERS LIMITED, com sede em XXX, Hong Kong, o da Marca n.º N/XXX, na classe 30.ª.
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Por sentença de 5 de Dezembro de 2016 foi o recurso julgado improcedente.
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Contra esta decisão veio PADARIA E PASTELARIA ZZ’S, LIMITADA interpor recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida que se limitou a confirmar a decisão da DSE em conceder o registo da Marca que tomou o número N/XXX à recorrida;
B. A marca da Recorrente “ZZ” é, assim, usada para designar os serviços directamente prestados pela Recorrente sob esta marca, em Macau há mais de 41 anos.
C. Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da Recorrente a sua marca “ZZ” é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da Recorrente, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
D. Assim, o nome e a Marca “ZZ” é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da Recorrente pois, a marca da Recorrente só por esta foi usada no Território de Macau e só aqui é reconhecida por ser usada pela Recorrente.
E. Pelo que, os consumidores de Macau, só podem associar o nome e Marca “ZZ” aos produtos de Pastelaria da Recorrente.
F. Todos estes factos, ou melhor, uma vida de 41 anos de actividade comercial da recorrente foram completamente ignorados pelo Tribunal a quo.
G. Mesmo sabendo, que houve já tribunais em Macau que os tiveram em consideração.
H. Nomeadamente, no CV3-11-0038-CAO, primeiro, e no TSI n.º 261/2012, depois, que confirmou a decisão de cancelar a marca da Reclamante N/XXX, na classe 30: “ZZ香港地”.
I. Também no CV2-15-0025-CRJ, o Tribunal cancelou a marca da recorrida N/94473, “ZZ/北京樓”.
J. O mesmo se passando quando a D.S.E. reconheceu que não ficou provado o uso sério da utilização da marcas registadas N/XXX e N/XXX por parte da aqui recorrida durante três anos consecutivos desde o registo das marcas em 28/4/2009, decidindo declarar a caducidade parcial das referidas marcas da reclamante.
K. Também, quando a D.S.E. apreciou o pedido de registo das marcas N/XXX “ZZ” e N/XXX “ZZ Mei-Xin”, na classe 30.ª por parte da recorrida entendeu recusar ambos os pedidos.
L. Fê-lo, certamente, por entender que tais marcas colidiriam com os direitos da, ora, recorrente.
M. Pelo que se estranha que agora, o entendimento vá em sentido contrário.
N. Mais, em 27/11/2015 a DSE reconheceu que não ficou provado o uso sério da utilização das marcas registadas N/XXX, N/XXX e N/XXX por parte da recorrida durante três anos consecutivos desde o registo das marcas, declarando a respectiva caducidade de tais registos.
O. Decisão confirmada pelo TJB em relação às três marcas e, mais recentemente por este Venerando TSI em relação às N/XXX e N/XXX.
P. Assim, de nada adianta alegar factos, nem juntar documentos.
Q. O Tribunal a quo não cuida deles.
R. O Tribunal a quo não quis saber quem usa a Marca “ZZ” em Macau há mais 41 anos.
S. O Tribunal a quo não quis saber que a Recorrida nunca comercializou em Macau nenhum produto ou serviço sob aquela marca.
T. O que a própria recorrida confessa, sendo a declaração de caducidade a consequência dessa confissão.
U. A Recorrente é, ainda, titular da licença do IACM n.º 625/1997, válida até 05/10/2016, que a autoriza a explorar o Estabelecimento de Comidas denominado “ZZ咖啡美食”, em Macau
V. A marca N/XXX destina-se a comercializar, na classe 30.ª: “Café, café artificial, substituto de café; chá, folhas de chá e produtos afins; cacau, pó de cacau e produtos afins; preparado de sopa; pão; biscoitos; bolos; petiscos; bolachas; bolachas de água e sal; bolos chineses e bolos ocidentais; bolinhos recheados cozidos a vapor (dumplings); flocos de amêndoa; chocolate; pão-vara; panquecas; sobremesas; pudins; produtos de pastelaria e de confeitaria; macarrão, esparguete e outras massas; farinhas e preparados à base de cereais; mel; melaço; levedura; fermento em pó; sal; açúcar; vinagre; mostarda; pimenta; especiarias; molho de rábano; molhos (condimentos); molhos de salada; molho de tomate; caril; gelo; arroz; tapioca; sagu.”
W. Ou seja, os mesmos produtos, já protegidos pelas marcas da Recorrente, na classe 30.ª, a N/XXX (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria) e a N/XXX (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos).
X. Nomeadamente, café, chá, cacau, pão, bolos, produtos de pastelaria, confeitaria, farinhas e preparados à base de cereais.
Y. E sempre com a referência produtos “ZZ”.
Z. Pelo que dúvidas não restam que a Marca N/XXX visa proteger os mesmos produtos já protegidos pelas marcas da Recorrente.
AA. Assim, e por um lado, as marca N/XXX é parcialmente idêntica à firma ZZ e por outro lado é flagrante a semelhança/igualdade entre a N/XXX e as Marcas registadas da reclamante N/XXX, N/XXX e N/XXX.
BB. A marca N/XXX causa confusão com a firma comercial e as marcas registadas da recorrente, constituindo uma verdadeira usurpação do nome de estabelecimento e dos direitos de propriedade industrial da “PADARIA E PASTELARIA ZZ’S, LIMITADA” em chinês “ZZ餅店有限公司”
CC. Aliás, o objectivo da parte contrária é de, apenas, registar as diversas marcas pois, não as utiliza para comercializar os produtos para os quais estão registadas.
DD. Só por caducidade, a recorrida viu já canceladas cinco (5) marcas em Macau. (N/XXX, N/XXX, N/0XXX, N/0XXX e N/0XXX)
EE. Tendo em conta a usurpação que a parte contrária faz do nome e marcas da Recorrente ternos que concluir que toda a conduta daquela é certamente, atentatória dos bons costumes, pelo respeito devido ao bom nome e reputação alheios, no caso da Recorrente, no que a Lei qualifica como concorrência desleal.
FF. O Tribunal a quo violou os Arts. 9.º n.º 1 al. c), 214 n.º 1 al. a), n.º 2 al. b), 215.º n.º 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro e Arts. 158.º e 165.º ambos de C. Comercial.
Nestes termos,
Com o Mui Douto suprimento de Vossas Ex.ªs, requer-se seja considerado procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, seja revogada a sentença que manteve o despacho da D.S.E. de 10/08/2015 e substituída por outra que recuse o registo de Marca, que tomou o n.º N/XXX à recorrida.”
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Os serviços de Economia limitaram-se a oferecer o merecimento dos autos.
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A parte contrária YY'S CATERERS LIMITED, na sua resposta ao recurso, formulou as seguintes conclusões:
“A. Foram duas as questões colocadas, a saber, a eventual proibição de a Parte Contrária utilizar os caracteres chineses “ZZ” na sua marca (pelo facto de, alegadamente, a utilização dos mesmos causar confusão nos consumidores e aproveitar a notoriedade do nome e das marcas da Recorrente em Macau) e a prática de concorrência desleal por parte da Parte Contrária através do pedido de registo da marca n.º N/XXX.
B. A Parte Contrária é titular, em Macau, entre outras, das marcas registadas sob os n.ºs N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX, N/XXX e N/XXX, sendo também titular - já desde 1971, altura em que a Recorrente nem sequer existia - da marca registada em Hong Kong sob o n.º 1990B2560, na classe 30, todas contendo os caracteres chineses “ZZ”.
C. Os caracteres chineses “ZZ” estão protegidos, também em Macau, como marcas registadas da Parte Contrária.
D. A respeito da confusão que a marca da Parte Contrária alegadamente causa nos consumidores, a existir, a mesma nunca poderia ser perspectivada em prejuízo da Parte Contrária, uma vez que, como se referiu, é a Parte Contrária a titular de marcas em Macau que contêm os caracteres chineses “ZZ”, incluindo na classe 30, desde uma altura em que a Recorrente ainda nem sequer existia...
E. A existir confusão gerada pela marca que contém os caracteres chineses “ZZ”, tal confusão dever-se-ia, unicamente, à conduta da Recorrente, que encetou negócio ao abrigo de uma marca que já era associada à elevada qualidade dos produtos da Parte Contrária, procurando lograr com isso.
F. É falaciosa a afirmação da Recorrente de que a marca n.º N/XXX é uma imitação da marca, da firma e do nome do estabelecimento da Recorrente - a Recorrente ainda não havia sido constituída, sendo logicamente impossível que os dizeres “ZZ” constituam uma imitação da marca, da firma e do nome do estabelecimento da Recorrente.
G. A marca com os caracteres chineses “ZZ” logra de notoriedade e reconhecimento em Macau, mas tal estatuto foi alcançado através do esforço e da qualidade dos produtos da Parte Contrária, não restando dúvidas de que a marca notória pertence à Parte Contrária e de que lhe é associada pelos consumidores de Macau.
H. A marca da Parte Contrária não é idónea a criar confusão nos consumidores e, caso o fosse, tal confusão não poderia ser julgada em prejuízo da Parte Contrária, uma vez que a mesma registou a sua marca ao abrigo dos seus direitos de propriedade industrial previamente registados.
I. Não pode estar a Parte Contrária a agir de má-fé ao ter utilizado uma sua marca que se encontra, por si, registada em Macau e que utiliza no âmbito da sua actividade há mais de 60 anos, isto é, antes mesmo de a Recorrente ter iniciado a sua actividade.
J. O princípio que se encontra consagrado em Macau é o da prioridade, segundo o qual a marca pertence a quem primeiro pedir o seu registo (artigo 15.º, RJPI), pelo que não restam dúvidas de que a marca “ZZ” pertence à Parte Contrária e de que não existem quaisquer fundamentos que sustentem que a conduta da Parte Contrária constitui concorrência desleal e má-fé.
Termos em que se requer respeitosamente a V. Exa. que se digne considerar improcedentes as alegações apresentadas pela Recorrente, por falta de fundamento legal, devendo ser confirmada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu pró provada a seguinte factualidade:
1. Em 06/01/2015, YY'S CATERERS LIMITED requereu o registo da marca de produtos, nominativa, assim representada: ZZ餐務 que tomou o N/0XXX, para classe 30: café, café artificial, substituto de café, chá folhas de chã e produtos afins, cacau, pó de cacau e produtos afins, preparado de sopa, pão, biscoitos, bolos, petiscos, bolachas, bolachas de água e sal, bolos chineses e bolos ocidentais, bolinhos recheados cozidos a vapor (dumplings), flocos de amêndoa, chocolate; pão-vara; panquecas, sobremesas, pudins; produtos de pastelaria e de confeitaria; macarrão, esparguete e outras massas; farinhas e preparados à base de cereais; mel, melaço, levedura, fermento em pó, sal, açúcar; vinagre, mostarda; pimenta; especiarias, molho de rábano, molhos (condimentos), molhos de salada; molho de tomate; caril; gelo; arroz; tapioca; sagu;
2. Por despacho proferido em 10/08/2015 e publicado no B.O n.º 35 em 02/09/2015, foi tal pedido de registo concedido.
3. A Recorrente é uma sociedade por quotas, com sede em Macau, que se dedica à fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e ao comércio geral de importação e exportação.
4. A Recorrente utiliza a firma: “ZZ餅店有限公司”, em Português “PADARIA E PASTELARIA ZZ’S, LIMITADA”, em Inglês “ZZ’S CAKE SHOP LIMITED” .
5. A Recorrente é titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/XXX, “XXX”, com validade até 08/01/2020.
6. A Recorrente é titular, em Macau, das marcas:
- N/XXX “XXX” para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria);
- N/XXX “XXX” para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos);
- N/0XXX “XXX” para a classe 30;
- N/XXX “XXX” para a classe 30;
- N/XXX “XXX” para a classe 43, concedido em 27.02.2013;
-N/XXX “XXX para a classe 29;
-N/XXX “XXX” para classe 32;
7. A parte contrária tem registada a seu favor, desde 20 de Janeiro de 1971, para assinalar produtos da classe 30, a saber, bolos, pães e confeitarias, a marca n.º XXX, assim representada: XXX
8. Em Macau, a Recorrida é titular, entre outras, das seguintes marcas:
- N/XXX constituída por “ZZ” para a classe 16, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ” para a classe 29, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ” para a classe 30, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28 ;
- N/XXX constituída por “ZZ” para a classe 35, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28 ;
- N/XXX constituída por “ZZ Mei Xin” para a classe 16, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ Mei Xin” para a classe 29, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ Mei Xin” para a classe 30, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ Mei Xin” para a classe 35, pedida em 2008-04-29, concedida em 2009-04-28 e válida até 2016-04-28;
- N/XXX constituída por “ZZ香港地” para a classe 16, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX constituída por “ZZ香港地” para a classe 29, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX constituída por “ZZ香港地” para a classe 30, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX constituída por “ZZ香港地” para a classe 35, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25;
- N/XXX constituída por “ZZ香港地” para a classe 43, pedida em 2010-06-17, concedida em 2010-10-25 e válida até 2017-10-25.
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III – O Direito
O recurso jurisdicional presentemente interposto assenta numa alegada violação por parte da sentença em crise dos artigos 9.º n.º 1 al. c), 214 n.º 1 al. a), n.º 2 al. b), 215.º n.º 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro e 158.º e 165.º ambos do Código Comercial.
Vejamos, então, a fundamentação da sentença impugnada:
«A recorrente argumenta que a marca da parte contrária, por ser composta pelos caracteres “ZZ” cria confusão nos consumidores e aproveita a notoriedade e reputação do seu nome e das suas marcas em Macau (nomeadamente das marcas N/XXX, N/XXX, N/XXX e N/XXX, todas para a classe 30), configurando o seu comportamento actos de concorrência desleal, para além de violar o disposto no artigo 214.º, n.º 2, alínea e) do RJPI, dado que é composta por elementos que contêm o nome da sua firma. Acrescenta, ainda, a recorrente que a marca da parte contrária é uma imitação da sua marca sobejamente conhecida em Macau, onde goza de reconhecida notoriedade e prestígio há mais de 41 anos.
Como já tivemos oportunidade de escrever num anterior recurso que opôs a recorrente e a recorrida, estamos na presença de dois operadores económicos, um a actuar fundamentalmente em Macau e o outro em Hong Kong, que disputam a titularidade da expressão “YY's” e a sua correspondente transliteração, ao nível do direito de marcas, encontrando-se as duas sociedades numa situação que os nossos tribunais superiores já qualificaram como de “reciprocidade” no direito de propriedade industrial do Território.
Como aliás se pode ler na fundamentação de um dos Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância1 em que estiveram em confronto as marcas das mesmas partes, o problema é que se por um lado a recorrente brande com a sua marca registada, também a requerente do registo, aqui recorrida, o pode fazer, já que, como comprovado está, detém em Macau o registo de marcas compostas igualmente por aqueles caracteres. Se esses registos deviam ou não ter sido concedidos, essa é outra questão.
No vertente caso o problema volta a colocar-se.
A marca registanda é nominativa, constituída pelos caracteres chineses ZZ餐務 e destina-se a assinalar serviços da classe 30.
A expressão nela aposta “ZZ”, que corresponde em português a “YY's”, corresponde ao nome social da própria recorrida, ao nome do estabelecimento da recorrente e trata-se de um sinal (ou o correspondente à sua romanização) que ambas têm registadas em Macau para assinalar várias classes de produtos e serviços.
Confrontando os sinais ZZ e YY's, o Tribunal de Segunda Instância entendeu2 que a sua impressividade perante o público consumidor não é exactamente a mesma. O cidadão alvo dos produtos veiculados pelas marcas certamente dirigirá um olhar diferente consoante esteja perante uma e outra, e consequentemente, ambas apresentarão uma diferente atractividade. Por conseguinte, apetece dizer que estamos em presença de duas pessoas colectivas distintas à conquista do melhor espaço num mercado concorrencial puro e duro. Ê claro que nesse mercado podem surgir conflitos marcários. E o conflito entre estas duas “empresas” que disputam o mesmo mercado vai-se alargando à medida em que ora a uma, ora a outra vão sendo concedidos registos que levam contidas as expressões e caracteres ora em confronto.
Foi aliás com base nestes fundamentos que no âmbito de um outro recurso3, onde recorrente e recorrida esgrimiram os mesmos argumentos que agora avançam, foi decidido que entre os sinais ZZ e YY's existe uma evidente diferença tanto de índole gráfica, como de índole nominativa, figurativa e fonética. Nesse aresto concluiu-se não haver imitação de marca anteriormente registada na RAEM e imitação de marca notória protegida no exterior da RAEM, em relação a vocábulos ou expressões que são completamente diferentes.
Ora, foi este também o entendimento seguindo pela DSE quando apreciou o pedido de registo da marca que nos ocupa (ZZ餐務) e, ressalvando sempre melhor juízo, julgamos que essa decisão deve ser confirmada.
Senão vejamos.
A marca “ZZ” encontra-se registada em Macau a favor da parte contrária e esses caracteres “ZZ” já integram várias marcas da parte contrária para a classe 30 - a marca N/XXX, constituída por “ZZ”; a marca N/XXX, constituída por “ZZ Mei-Xin”; a marca N/XXX constituída por “ZZ香港地 Hong Kong Day” pelo que, aderindo aos fundamentos supra expostos e feito o confronto nominativo, fonético e conceitual da marca ZZ餐務 com a marca da recorrente YY's teremos de concluir que não há qualquer imitação de marca registada, tal como exige o artigo 215.º, n.º 1 do RJPI, por não estar preenchido o terceiro requisito desta norma legal.
Relativamente ao fundamento relativo de recusa previsto no artigo 214.º, n.º 2, alínea e) do RJPI - imitação de firma ou de nome de estabelecimento da ora recorrente - como já tivemos oportunidade de afirmar, a parte contrária tem na sua denominação social a expressão YY's e iniciou a sua actividade empresarial no Território vizinho antes da recorrente, tendo ali registada, desde 20 de Janeiro de 1971, uma marca com os elementos YY's e ZZ. Em Macau, é também a recorrida quem beneficia do registo da expressão singular “ZZ”, como marca ou como parte de uma marca, para as classes 16, 29, 30, 35 e 43, pelo que, efectivamente, não vislumbramos como poderá a recorrente arrogar-se o direito de impedir a sua utilização pela recorrida, nem cremos que exista fundamento para se afirmar que o consumidor médio de Macau, ao deparar-se com esta nova marca o vá associar exclusivamente à recorrente ou aos produtos que a mesma comercializa.
Como é sabido, a doutrina e a jurisprudência têm enunciado três pressupostos da concorrência desleal:
1. a prática de um acto de concorrência (o acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado). A concorrência pode procurar não a conquista directa da clientela, mas ter como objectivo primordial a disputa de fornecedores, distribuidores, vendedores, ou dos próprios trabalhadores. Estes actos continuam a ser actos de concorrência, porque através deles o que se procura é o melhor apetrechamento da empresa para a conquista de posições vantajosas no mercado. Com efeito, a conquista de posições vantajosas no mercado é feita em detrimento dos outros agentes económicos que nele actuam e cuja clientela, actual ou potencial, é disputada.
Deste modo, o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento co-natural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiro.4
2. que esse acto seja contrário às normas e usos honestos;
3. de qualquer ramo de actividade económica.
Em face dos factos apurados no âmbito deste recurso, julgamos que o comportamento da recorrida não consubstancia nem é susceptível de consubstanciar qualquer acto de concorrência desleal, uma vez que sendo a recorrida titular da marca com os caracteres “ZZ” estava legitimada a voltar a utilizar esse sinal na composição da marca registanda, traduzindo-se o seu comportamento num mero acto de gestão que é coerente com toda a actividade marcária que tem vindo a desenvolver, e que lhe tem sido permitido desenvolver, na RAEM.
Por tais razões, aderindo integralmente à fundamentação utilizada pela autoridade administrativa que concedeu o registo da marca N/XXX, e em necessidade de maiores desenvolvimentos, julgamos que este recurso não poderá proceder, dado que não se verificam os fundamentos de recusa invocados pela recorrente.».
Nós aderimos integralmente a esta fundamentação, pelo que para ela remetemos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 635º, nº5, do CPC.
Aliás, ela constitui a posição que este tribunal tem vindo a tomar relativamente ao dissídio que costuma opor estas mesmas duas empresas quanto ao registo de marcas com parcial identidade de caracteres. Para além dos arestos citados na sentença acima transcrita, é o caso ainda, por exemplo, do acórdão do TSI, de 3/11/2016, Proc. nº 575/2016.
Confirma-se, pois, inteiramente a sentença ora objecto do recurso jurisdicional.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 13 de Julho de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


1 Cf. Acórdão datado de 05/11/2015, processo n.º 268/2015 relatado pelo Mm.º Juiz Gil de Oliveira e disponível no sítio dos Tribunais da RAEM.
2 Cf. Acórdão proferido no proc. nº 648/2015, relatado pelo Mm.º Juiz Cândido de Pinho, datado de 22 de Outubro de 2015 e disponível no sítio dos Tribunais da RAEM.
3 Cf. Processo nº 289/2015, de 25/Junho/2015, relatado pelo Mm.º Juiz Gil de Oliveira e disponível no sítio dos Tribunais da RAEM.
4 Jorge Patrício Paúl, In Concorrência desleal e direito do consumidor, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=45650&ida=45680.

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