打印全文
Processo n.º 60/2015
Despacho

O arguido Ho Chio Meng, inconformado com o acórdão do Tribunal de Última Instância que o condenou, e com os despachos proferidos pelo juiz titular em 18 e 20 de Julho de 2017, interpôs deles recurso. Entendendo que lhe assiste o direito de recurso, o arguido propôs duas soluções possíveis para resolver a questão da admissibilidade do recurso, as quais são, a criação de um tribunal de recurso, e a criação de um tribunal ad hoc, com aplicação analógica das disposições relativas ao processo de uniformização de jurisprudência.
Na resposta à motivação de recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o recurso do arguido não deve ser admitido.
Em primeiro lugar, é de reiterar que, tal como já foi indicado pelo juiz titular no presente processo, pese embora que, em termos gerais, as leis admitam a interposição de recurso das decisões judiciais proferidas em primeira instância, certo é que, no presente caso, o tribunal que proferiu a decisão em primeira instância foi o Tribunal de Última Instância, isto é, o supremo órgão judiciário da RAEM, e, de acordo com as leis vigentes, não se pode interpor recurso das decisões proferidas por este tribunal em primeira instância, visto que as leis não preveêm o meio concreto do recurso e o tribunal a quem cabe julgar o recurso, razão pela qual, não se pode interpor recurso ordinário do acórdão em causa. Este tem sido o entendimento do Tribunal de Última Instância.
Sobre a questão idêntica, o Tribunal de Última Instância já teve a ocasião de pronunciar-se no âmbito do processo n.º 36/2007, tendo decidido que, das decisões proferidas em primeira instância pelo Tribunal de Última Instância, em processo penal, não cabe recurso ordinário; quando o tribunal que julgou em primeira instância for o Tribunal de Última Instância, a não admissão de recurso não viola o artigo 14.º. n.º 5 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (cfr. o acórdão do TUI de 12 de Dezembro de 2007, no processo n.º 36/2007, remetendo-se para aí os fundamentos pormenorizados).
Genericamente falando, o direito de recurso não é um direito absoluto que não sofre de quaisquer limitações. Mesmo que exista um tribunal de jurisdição superior que pode apreciar o recurso, o legislador proíbe expressamente a interposição de recurso contra certas decisões, designadamente, os artigos 390.º, 31.º, n.º 1, 36.º, n.º 2, 43.º, n.º 2, 128.º, n.º 7, 140.º, n.º 3, 263.º, n.º 5, 273.º, n.º 2, 292.º, 371.º, n.º 2, 395.º, n.º 4 e 415.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal de Macau.
A admissão de recurso pressupõe a existência de um órgão judiciário com poder de julgar instância superior, que pode apreciar e decidir o recurso. E, no presente caso, constata-se precisamente a falta desse tribunal superior que possa apreciar o recurso interposto pelo arguido, visto que o Tribunal de Última Instância é o supremo órgão judiciário da RAEM, que é uma região com poder judicial independente e com poder de julgamento em última instância. No sistema jurídico ora vigente em Macau, não se encontra qualquer norma que estipule sobre a criação de um órgão judicial de nível mais elevado que o Tribunal de Última Instância, para julgar o recurso das decisões penais proferidos por este em primeira instância.
Por outro lado, o regime concreto da interposição de recurso, bem como os seus termos a correr, são regulados pelas leis de forma explícita, nas quais o legislador estipula expressamente sobre questões tais como qual é o tribunal onde o recurso deve ser apresentado, como se apresenta, qual é o regime de subida e quais são os seus efeitos.
O arguido pretende a criação de um tribunal de recurso, e a criação de um tribunal ad hoc, com aplicação analógica das disposições relativas ao processo de uniformização de jurisprudência.
De acordo com o artigo 84.º, nº 3 da Lei Básica da RAEM, “a organização, competência e funcionamento dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau são regulados por lei”.
É consabido que, no sistema judicial ora vigente em Macau, a criação de qualquer tribunal tem por seu pressuposto a existência de previsão legal, tal como acontece com a criação dos diversos juízos especializados no TJB, e a criação no Tribunal de Segunda Instância de uma secção de processos em matéria criminal, com competência para julgar as causas de natureza penal e uma secção de processos com competência para julgar as restantes causas. Por outro lado, relativamente ao alegado recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, a competência para o julgar e a composição do respectivo tribunal colectivo são previstas por lei (artigo 46.º, n.º 2 da Lei de Bases de Organização Judiciária). Na falta de normas legais, a criação de um tribunal de recurso para apreciar a decisão proferida pelo TUI em primeira instância não tem qualquer fundamento legal.
E a aplicação analógica tem por pressuposto a existência de lacuna legal.
Tal como foi indicado na resposta à motivação do recurso apresentada pelos Procuradores Adjuntos, a competência do Tribunal de Última Instância de julgar o arguido dos presentes autos em primeira instância é definida pelo art.º 44.º, n.º 2, al. 7) e 8) da Lei de Bases da Organização Judiciária. O legislador ao determinar o referido Tribunal como aquele que tem competência para julgar em primeira instância determinados indivíduos, deveria ter previsto a questão de que, situando-se o Tribunal de Última Instância no topo dos órgãos judiciários, não haveria tribunal de nível mais alto para conhecer do recurso interposto das decisões proferidas por aquele Tribunal, mas mesmo assim, atribuiu ao Tribunal de Última Instância a competência de julgar em 1ª instância aqueles indivíduos, e não procedeu a qualquer regulação sobre a possibilidade da interposição do recurso dos acórdãos proferidas por aquele Tribunal. Daí podemos extrair a conclusão de que, apesar de o legislador não ter previsto explicitamente que não se pode interpor recurso do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em primeira instância, não se pode excluir que, esta tenha sido precisamente a sua intenção legislativa.
Tal intenção tornou-se mais explícita após o julgamento do Tribunal de Última Instância relativamente ao caso da corrupção de Ao Man Long, ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 2007. Naquele processo foi levantada também a questão da interposição de recurso do acórdão do Tribunal de Última Instância, que resultou numa discussão extensa no sector jurídico. E depois, em 2009, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei n.º 9/2009 para introduzir alterações à Lei de Bases da Organização Judiciária, mas não tocou a referida questão de recurso, não criou nenhum mecanismo através do qual se pode recorrer do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em primeira instância.
Neste enquadramento legislativo, não se pode entender que haja uma lacuna jurídica a ser preenchida pela aplicação analógica alegada pelo arguido, através da criação de um tribunal ad hoc para conhecer do recurso interposto pelo arguido.
Face ao exposto, decido não admitir o recurso interposto pelo arguido.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
Notifique-se.

                       Song Man Lei
                        2017-8-15
(Tradução)

1