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Processo nº 651/2017(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. de 21.04.2017, decidiu-se condenar B, (2°) arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 276 a 282 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade” e 1 outro de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 11° e 14° da dita Lei, pedindo também a redução da pena; (cfr., fls. 295 a 299).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 304 a 309).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.295 a 299 dos autos, o recorrente assacou, ao douto Acórdão sob sindicância, o erro notório na apreciação de prova, e a excessiva severidade da pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva aplicada pelo Tribunal a quo nesse Acórdão.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.304 a 309 dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
No caso sub iudice, não há dúvida alguma de que o depoimento do recorrente durante a audiência de julgamento se distingue do seu prestado no JIC, o Tribunal a quo tomou a seguinte posição: «反之,第二嫌犯在刑事起訴法庭所作之聲明更符合案中的其他客觀證據,尤其是與第一嫌犯之通話記錄及時間上的連貫性;因此,本院採信第二嫌犯在刑事起訴法庭所作之聲明。»
Ora, a fundamentação relativa à sobredita posição consiste em «即使第二嫌犯也解釋當時只是想將責任推到第一嫌犯身上,但考慮到第一嫌犯當日向第二嫌犯購買澳門幣2000元左右的 “氯胺酮”,根據兩名嫌犯的微信對話內容及時間,第一嫌犯於2016年7月22日向第二嫌犯發出信息要求取得毒品,第二嫌犯於同日晚上11時45分被截獲,而當時在第二嫌犯身上所搜獲的毒品性質及份量與第一嫌犯要求購買的相若。»
A fundamentação atrás transcrita demonstra iniludivelmente que a apreciação a avaliação das provas pelo Tribunal a quo não ofendem as regras da experiência nem as sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, também não se divisa qualquer incompatibilidade, desconformidade ou absurdidade lógica. À luz da prudente orientação jurisprudencial dominante na ordem jurídica de Macau, a matéria de facto provada leva-nos a entender que não existe in casu o erro notório na apreciação de prova, e o que o recorrente praticou, como autor material e na forma consumada, é um crime p.p. pelo n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009.
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No caso sub judice, os materiais estupefacientes na posse do recorrente não chega a atingir a elevada quantidade, no entanto, ele agiu com dolo directo e com lucrativo. Na realidade, não se descortina circunstância atenuante em seu favor.
Sendo assim, e considerando a moldura penal consagrada no n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009 na versão aplicada a este caso, inclinamos a entender que a pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva aplicada pelo Tribunal a quo nesse Acórdão não se mostra excessivamente severa, mas sim equilibrada e, sobretudo, adequada à prevenção geral e especial.
(…)”; (cfr., fls. 320 a 321-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 277-v a 278-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Considera que o mesmo padece de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade” e 1 outro de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelos art°s 11° e 14° da dita Lei, pedindo também a redução da pena.

Porém, não tem razão, sendo, como se deixou consignado, de rejeitar o recurso dada a sua manifesta improcedência.

Vejamos.
–– Temos considerado que “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.03.2017, Proc. n.° 947/2016, de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017 e de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017, de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017 e de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017).

No caso, lida a “decisão da matéria de facto” e a respectiva “fundamentação” pelo Tribunal a quo exposta, (cfr., fls. 278-v a 280), não se vislumbra qualquer “erro”, (muito menos, “notório”), pois que não violou o Colectivo do T.J.B. qualquer regra sobre o valor das provas legais ou tarifadas, o mesmo sucedendo com as regras de experiência ou legis artis.

Com efeito, a decisão recorrida foi (essencialmente) proferida com base na prova produzida em audiência de julgamento, onde prestaram declarações a (1ª) arguida A e o ora recorrente, onde se procedeu (legalmente) à leitura das anteriores declarações por este antes prestadas ao abrigo do art. 338°, n.° 1, al. b) do C.P.P.M., (cfr., fls. 40), e onde prestaram também depoimento 4 agentes da Polícia Judiciária e uma testemunha (abonatória) pela referida (1ª) arguida arrolada, (cfr., acta de fls. 273 a 275), tendo o Colectivo apreciado tais elementos de prova de forma lógica e adequada, nenhuma censura merecendo a sua decisão.

Dest’arte, e constatando-se que com a invocação do alegado “erro” limita-se (tão só) o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova”, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), o que, como é óbvio, não colhe, demonstrado está que o recurso é manifestamente improcedente na parte em questão.

–– Inexistindo o assacado “erro”, e assim, sendo de se confirmar a “decisão da matéria de facto”, e por sua vez, a sua “qualificação jurídico-penal” como a prática pelo arguido ora recorrente de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, vejamos agora da “pena”.

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017, de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017 e de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017, de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017 e de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017).

E, como no mesmo sentido decidiu este T.S.I.: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

No caso, ao crime de “tráfico” em questão cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão, tendo o arguido agido com dolo directo e (muito) intenso, (pois que foi surpreendido com o estupefaciente escondido no corpo a entrar em Macau; cfr., fls. 6 a 9), sendo também elevado o grau de ilicitude da sua conduta, cabendo notar ainda que não é “primário”, tendo cometido o crime dos autos durante o período de suspensão da execução de uma outra pena de prisão; (cfr., fls. 215 a 220 e fls. 278-v).

Nesta conformidade, ponderando-se na aludida moldura penal, na quantidade de estupefaciente em causa, (6,28g), nos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico de estupefacientes” causa para a saúde pública, e, assim, evidentes sendo as fortes razões de prevenção criminal especial e geral, (e tendo-se presente as decisões do Vdo T.U.I. e deste T.S.I. em matéria idêntica), excessiva não se apresenta a pena fixada, a 1 ano e 6 meses do seu mínimo legal, e a 11 anos e 6 meses do seu máximo.

Dest’arte, impõe-se a rejeição do recurso dada a sua manifesta improcedência.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 323 a 330 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o arguido reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 336 a 339-v).

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Colhidos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o arguido reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.

Porém, em resultado de uma análise aos autos efectuada, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, e pelos motivos que se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que deve ser totalmente confirmado, o mesmo sucedendo com a decisão sumária que neste sentido decidiu.

Dest’arte, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 07 de Setembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 651/2017-I Pág. 8

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