打印全文
Processo n.º 49/2017. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Furto. Roubo. Tentativa. Desistência. Subtracção. Consumação. Domínio de facto. Estabilidade relativa.
Data do Acórdão: 11 de Outubro de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – No crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
II – A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
III – Há desistência involuntária quando o agente abandona a execução ou impede o resultado em virtude do receio, fundado numa modificação das circunstâncias exteriores, de que a consumação possa ser impedida, ou que, após aquela, ele seja preso e (ou) punido ou desapossado dos produtos do crime.

O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
    
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 7 de Março de 2017, condenou o arguido A :
- Na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com o artigo 198.º, n.º 2, alínea f) do mesmo código.
Interposto recurso jurisdicional pelo arguido, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 29 de Junho de 2017, negou provimento ao recurso.
Ainda inconformado, interpõe o arguido recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- A tentativa não é punível, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código Penal, porque o recorrente desistiu voluntariamente de prosseguir na execução do crime;
- A conduta do arguido integra apenas uma tentativa, uma vez que o recorrente nunca adquiriu pleno e autónomo domínio sobre a coisa subtraída;
- A não se entender assim, é a pena excessiva, devendo o arguido ser condenado em pena não superior a 3 anos de prisão.
Na sua resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Em parecer, neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição tomada pelo Ministério Público na resposta ao recurso.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
1) Na noite do dia 15 de Agosto de 2016, o arguido A estava ao redor no Jardim da Areia Preta de Macau à procura de alvo para, com o uso de violência, arrebatar bens alheios e apropriar-se destes sem o consentimento dos donos.
2) Cerca das 21h25 da mesma noite, o arguido viu a ofendida B a sair dum autocarro na paragem de autocarro n.º M219 sita na Avenida 1 de Maio, pelo que a seguiu.
3) Quando a ofendida, sozinha, estava a passar o passeio pedestre junto da coluna luminosa n.º 180C14 da Avenida 1 de Maio, o arguido aproximou-se por trás dela e tirou da mochila de tiracolo uma barra de ferro extensível, com o que bateu, por detrás, na parte entre a cabeça e o pescoço da ofendida.
4) A pancada acima referida fez com que a ofendida sentisse vertigem e caísse no chão. O que também caiu no chão foi o saco de mão da ofendida.
5) Tendo visto isso, o arguido imediatamente arrebatou do referido saco caído no chão uma carteira de cor castanha clara que continha cerca de MOP$3.000,00 e RMB¥200,00, todos em numerário (vide fls. 73 dos autos), e fugiu com a carteira no sentido da Avenida Leste do Hipódromo.
6) Logo de seguida, a ofendida levantou-se e correu atrás do arguido.
7) No decurso da fuga, o arguido perdeu ao longo do caminho as chinelas que calçava (vide auto de apreensão a fls. 184 dos autos).
8) Chegando à Rua de Tranquilidade, o arguido notou que estava prestes a ser apanhado pela ofendida, pelo que abandonou a referida carteira junto da lata de lixo ao lado da rua.
9) A seguir, a ofendida interceptou o arguido na Alameda da Tranquilidade e os dois entraram numa disputa física com puxões e empurrões. Nesse momento, o arguido alegou à ofendida que tinha pistola, e esta exigiu que o arguido lhe devolvesse a carteira. A fim de livrar-se da ofendida, o arguido disse-lhe a localização onde tinha abandonado a carteira e aproveitou o momento de a ofendida ir procurar a sua carteira para fugir do local.
10) De seguida, a ofendida encontrou a carteira em causa e o saco de mão anteriormente caído no chão no seu caminho de volta, e chamou a polícia.
11) Em 23 de Agosto de 2016, o arguido foi interceptado pela polícia ao voltar a Macau do interior da China pelo Posto Fronteiriço da Porta dos Cercos.
12) As referidas condutas do arguido causaram directa e necessariamente contusões de pescoço e do joelho esquerdo da ofendida e contusões e escoriações dos cotovelos desta, lesões essas que precisavam de três dias para a recuperação (vide o parecer do médico-legal a fls. 228 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas em causa.
14) O arguido, através de praticar o acto violento de bater na ofendida com a arma antecipadamente preparada, ou seja, a barra de ferro extensível, fez aquela cair no chão e sofrer lesões, sem que conseguisse resistir, de forma que lhe arrebatasse a carteira e se apropriasse desta.
15) O arguido bem sabia que as condutas eram legalmente proibidas e punidas.
De resto, também se provou que:
Segundo o arguido, tem como habilitações literárias o 6º ano do ensino primário, exerceu a actividade de bate-fichas com rendimento mensal de 50 a 60 mil patacas, tem um filho(a) com a mulher empregada.
O arguido confirmou o seu registo de condenação constante dos autos n.º CR1-03-0032-PCC (originalmente n.º PCC-010-03-2)1 e dos autos n.º CR1-05-0184-PCC2.
No registo criminal mais actuado do arguido, não se encontram descritos os acima referidos antecedentes, nem existe outro registo além do presente caso.
*
Factos não provados:
Não há.


III - O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de conhecer das questões suscitadas pelo recorrente.

2. Crime consumado e tentativa
Sobre esta questão, tem este Tribunal um entendimento pacífico formado por quatro acórdãos, de 22 de Maio de 2013, no Processo n.º 24/2013, de 30 de Setembro de 2014, no Processo n.º 67/2014, de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 18/2015 e 1 de Novembro de 2016, no Processo n.º 76/2016.
No primeiro destes acórdãos, dissemos o seguinte:
«Entre o mero pensamento criminoso, em que o agente decide cometer um crime e a prática efectiva do crime doloso, pode suceder um caminho mais ou menos longo, o chamado iter criminis.
A seguir à resolução criminosa, pode seguir-se a preparação do crime, aquilo que a lei designa por actos preparatórios da prática do crime; e, por fim, a sua plena realização, o crime consumado.
Por vezes, o iter criminis não fica completo com a consumação do crime. Praticam-se actos de execução de um crime que o agente quer dolosamente cometer, mas a acção fica inacabada. É a tentativa.
As normas incriminadoras, por regra, prevêem a aplicação de uma pena ao crime consumado.
A decisão de cometer um crime nunca é punida.
Os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário (artigo 20.º do Código Penal).
A tentativa, em regra, só é punível se ao respectivo crime consumado corresponder pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos (artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal).
A tentativa no furto é sempre punível, independentemente da pena aplicável ao crime consumado (artigo 197.º, n.º 2, do Código Penal), não estando, assim, submetida à falada regra do artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal.
A tentativa, quando punível, é-o por referência à pena aplicável ao crime consumado, consistindo a pena da tentativa na pena concernente à atenuação especial do crime consumado (artigos 22.º, n.º 2 e 67.º do Código Penal).
A lei define a tentativa como a prática de actos de execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se (artigo 21.º, n.º 1, do Código Penal).
Como explica JORGE FIGUEIREDO DIAS3, esta definição objectiva da tentativa “tem carácter formal: quais as acções que executam um crime é coisa que depende, em último termo, da conformação do tipo de ilícito”.

3. Crime de furto consumado e tentativa
Dá-se a consumação do crime quando se preenchem todos os elementos constitutivos do tipo criminal.
Normalmente, não é difícil saber-se quando é que um crime se consuma.
Não obstante, há casos em que não é fácil concluir quando é que o crime está realizado. Um desses casos é, precisamente, o do crime de furto, “que há longo tempo tem dividido a doutrina e a jurisprudência”4.
Sendo o roubo um furto qualificado pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo para a vida ou a integridade física da mesma ou pondo-a na impossibilidade de resistir (artigo 204.º do Código Penal), suscitam-se quanto a este crime os mesmos problemas que se colocam quanto ao momento da consumação do crime de furto.
O crime de furto consiste na subtracção de coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação desta para o agente ou para terceira pessoa (artigo 197.º, n.º 1, do Código Penal).
Destes três elementos fundamentais (subtracção, ilegítima intenção de apropriação e coisa móvel alheia), interessa-nos a descrição da conduta objectiva, a subtracção.
Refere J. FARIA COSTA5 que subtracção “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. E que a coisa entre no domínio do agente da infracção.

A doutrina italiana identificou quatro momentos possíveis para consumação do furto.
- Uma teoria, a contrectatio, defendia que a subtracção ocorria logo que o agente tocava na coisa;
- Uma outra, a amotio, defendia que a subtracção acontecia quando o agente removia a coisa do lugar em que ela se encontrava;
- A ablatio, exigia que que o agente transferisse a coisa para fora do domínio do anterior detentor;
- Para outra teoria, só haveria subtracção quando a coisa fosse conservada em lugar seguro (illatio).
As duas primeiras teorias não têm, actualmente, seguidores.
Na doutrina, EDUARDO CORREIA6, a propósito do requisito da actualidade da agressão, que condiciona a legítima defesa, que só é possível enquanto não se consumou o tipo legal de crime, problematiza as situações em que antes do início da actividade executiva do crime, por exemplo, actos preparatórios, se pode falar já em actualidade e aquelas outras em que se defende que a actualidade da agressão permanece depois de o delito se haver consumado, como os actos posteriores à apreensão da coisa no crime de furto, por exemplo, quando se dá a fuga do ladrão. Defendia o Professor de Coimbra que, nem neste caso, a teoria da actualidade da agressão, como requisito da legítima defesa, é posta em causa já que o furto só de deveria considerar consumado quando entra pacificamente na esfera da disponibilidade do ladrão. E acrescentava: “Enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece dizer-se que haja consumação. Depois disso, porém, se o ladrão tem v.g. a coisa em sua casa ou se o dono o vê com ela na mão, não pode, por via da legítima defesa, - outra coisa será porventura por via da autodefesa ou do exercício do direito de sequela que a lei reconheça – recuperá-la”.
Num primeiro momento, a jurisprudência seguiu esta teoria, que tem contra si o facto de que “admitindo-se que a subtracção se consumava apenas quando a coisa objecto da acção estivesse conservada pelo agente em lugar seguro, teríamos que todos os furtos que hoje conhecemos seriam tecnicamente tentativas de furto. Aqui a punição de um furto consumado seria algo de raríssimo, posto que, as mais das vezes, a conservação em lugar seguro vai acompanhada da impossibilidade de descoberta da coisa, senão mesmo de detecção da conduta do agente. Reduzir-se-ia intoleravelmente o âmbito da punição, de um ponto de vista criminológico e de política criminal, além de que se remeteria para o campo da tentativa uma série de comportamentos que largamente excedem aquilo que o espírito legislativo fez consagrar como actos preparatórios” 7.
Posteriormente, a jurisprudência inclinou-se para a tese de que haveria subtracção logo que o agente apreende a coisa furtada, mesmo que nunca a tenha em lugar seguro. Foi esta tese que vingou no Acórdão recorrido.
Actualmente vai vingando a teoria que defende que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção. Não se exige, assim, que a coisa fique em pleno sossego. Mas também não se basta com a mera posse por parte do agente, ainda disputando a mesma com alguém que o persegue. É o entendimento perfilhado por J. FARIA COSTA8 e PAULO SARAGOÇA DA MATTA9. O primeiro argumenta com as consequências desastrosas para a desistência da tentativa e arrependimento activo da teoria precedente, que aceita como subtracção o instantâneo domínio de facto, dizendo ainda que ninguém aceitaria que alguém ao ver o ladrão sair de sua casa com as coisas furtadas não pudesse exercer o direito de legítima defesa, na medida em que o furto já estaria consumado.
O argumento da necessidade de se aceitar a legítima defesa da vítima perante um ladrão em fuga com a coisa furtada é poderoso. Mas nem todos entendem que esta possibilidade tenha, forçosamente, implicações quanto ao momento da consumação do furto. Já o vimos, quando referimos a tese de EDUARDO CORREIA. Também o defende JORGE FIGUEIREDO DIAS10, quando, a propósito da actualidade da agressão na legítima defesa, diz:
“A defesa pode ter lugar até ao último momento em que a agressão ainda persiste. Também aqui nem sempre pode fazer-se coincidir esse momento com o da consumação, uma vez que são numerosos os crimes em que a agressão e o estado de antijuridicidade perduram para além da consumação típica ou formal …. Também p. ex. o crime de sequestro … se consuma logo que E encerra F num certo local contra a sua vontade, mas este pode reagir em legítima defesa contra a privação da sua liberdade enquanto durar o cativeiro. Relevante para este efeito é o momento até ao qual a defesa é susceptível de pôr fim à agressão, pois só então fica afastado o perigo de que ela possa vir a revelar-se desnecessária para repelir aquela. Até esse último momento a agressão deve ser considerada como actual. É à luz deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais dúvidas levantam neste ponto, os dos crimes contra a propriedade, nomeadamente o crime de furto. Ex. G dispara e fere gravemente H, para evitar que este fuja com as coisas que acabou de subtrair. Poder-se-á considerar a agressão de H como ainda actual? A solução não deve ser prejudicada pela discussão e posição que se tome acerca do momento da consumação no crime de furto. O entendimento mais razoável é o de que está coberta por legítima defesa a resposta necessária para recuperar a coisa subtraída se a reacção tiver lugar logo após o momento da subtracção, enquanto o ladrão não tiver logrado a posse pacífica da coisa. Os factos praticados depois desse momento já não estarão cobertos pela legítima defesa, uma vez que a agressão deixou de ser actual, mas poderão estar justificados por acção directa … se estiverem preenchidos todos os requisitos desta causa de justificação”.
No mesmo sentido, defende TAIPA DE CARVALHO11 que, relativamente ao termo da actualidade da agressão na legítima defesa, nos crimes contra a propriedade, se deve considerar irrelevante a consumação típico-formal da infracção penal, perdurando a actualidade da agressão “até que o bem jurídico susceptível de legítima defesa seja efectivamente lesado ou até que o agressor desista da concreta agressão-lesão”. Considera, ainda que “até ao momento em que o ladrão consiga o domínio pacífico (fáctico) do objecto furtado é possível a legítima defesa do agredido (do roubado) e a desistência relevante do agressor (agente), desde que, claro, se verifiquem os respectivos pressupostos desta figura jurídico-penal”.
Seja como for, afigura-se mais conforme com a noção de subtracção um entendimento que exija alguma estabilidade no domínio de facto da coisa pelo agente da infracção. Por exemplo, que o agente iluda a perseguição da vítima ou terceiro, que fique a salvo, ainda que por breves instantes.
Para o efeito, alguma doutrina e jurisprudência têm propendido a que a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima».
No caso dos autos, não se verificou a estabilidade mínima no domínio de facto do agente, que se pôs em fuga por algumas dezenas de metros, logo após a apreensão da coisa, sempre seguido pela vítima, após o que o arguido dos autos largou a mala com o dinheiro, por não poder conservar a posse da mesma. Não se consumou, assim, a subtracção.
Procede, portanto, o recurso, na medida em que houve tentativa de roubo e não crime consumado.
   
3. Tentativa. Desistência
Dispõe o artigo 23.º do Código Penal:
Artigo 23.º
(Desistência)
 “1. A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a sua consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.
 2. Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra”.
A impunidade da desistência voluntária de prosseguir na execução do crime radica em razões várias de política criminal, devendo acentuar-se o papel primordial da reparação das consequências nocivas da conduta do agente12.
Pois bem, no caso dos autos não houve qualquer desistência voluntária do agente na prossecução da execução do crime. O que houve foi uma tentativa fracassada pela pronta reacção da vítima, que correu atrás do arguido e que estava prestes a apanhá-lo quando aconteceu a largada da carteira da vítima, como veio, aliás, a suceder. Ou seja, o que ocorreu foi uma desistência involuntária, e que, por isso, não conduz à não punição da tentativa.
Como escreve JORGE FIGUEIREDO DIAS13 “Desistência involuntária, pelo contrário, existirá quando o agente abandona a execução ou impede o resultado em virtude do receio, fundado numa modificação das circunstâncias exteriores, de que a consumação possa ser impedida, ou que, após aquela, ele seja preso e (ou) punido ou desapossado dos produtos do crime…
Involuntária será a desistência, em geral, sempre que o agente passa a acreditar não poder já alcançar a finalidade da sua acção”.
De resto, estando em causa uma tentativa acabada, esta só não seria punível nos termos do n.º 2 do artigo 23.º, isto é, a tentativa só não seria punível se o agente se esforçasse seriamente por evitar a consumação, o que não foi manifestamente o caso. O arguido largou a carteira da vítima quando chegou à conclusão que ia ser apanhado por esta.
Em conclusão, não houve desistência voluntária.

4. Fixação da pena.
Resta fixar a pena.
Atendendo ao grau de violência utilizada, à extensão dos actos de execução, que quase chegaram à consumação, não fora a intervenção da vítima e à circunstância de o arguido ter duas condenações criminais, uma delas pela prática de roubo, afigura-se ajustada uma pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão pela tentativa de roubo qualificado.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso, revogam o Acórdão recorrido e condenam o arguido na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão pela tentativa de roubo qualificado, previsto e punível pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea b), 198.º, n.º 2, alínea f), 196.º, alínea a), 22.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal.
Custas pelo arguido, com taxa de 3 UC, fixando a taxa de justiça no TSI em 3 UC, fixando os honorários ao seu defensor em duas mil patacas.
Macau, 11 de Outubro de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 No caso, o arguido foi condenado em 20 de Junho de 2003, pela prática dum crime de abuso de confiança, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses. Transitou a decisão em julgado em 28 de Junho de 2004. Por cometimento de novo crime no decurso do prazo de suspensão, esta foi revogada pela decisão de 19 de Maio de 2006 que já transitou em julgado. O arguido já cumpriu a pena condenada.
     2 No caso, o arguido foi condenado em 10 de Novembro de 2005, pela prática dum crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão efectiva. Transitou a decisão em julgado em 2 de Fevereiro de 2006. O arguido já cumpriu a pena condenada.

     3 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2.ª reimpressão, 2012, p. 685.
     4 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 414, nota (28).
     5 J. FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, 1999, anotação ao artigo 203.º, p. 43.
     6 EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Coimbra, Almedina, reimpressão, 1986, II Volume, p. 42 a 44, e nota 1.
     7 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção de Coisa Móvel Alheia, Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime Clássico, em Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p, 1024 e na obra colectiva de que também é autor juntamente com Teresa Quintela de Brito, J. Curado Neves e Helena Morão, Direito Penal, Parte Especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 652.
     8 J. FARIA COSTA, Comentário…, Tomo II, anotação ao artigo 203.º, p. 49 e segs. e anotação em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, p. 253 a 256.
     9 PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Subtracção…, p. 1025 e segs.
     10 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 413 e 414.
     11 TAIPA DE CARVALHO, A Legítima Defesa, Coimbra Editora, 1995, p. 300 a 306.
     12 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 731.
     13 JORGE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal …, p. 751 e 752.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




2
Processo n.º 49/2017

18
Processo n.º 49/2017