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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).----------
--- Data: 29/09/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 784/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “burla qualificada”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, e no pagamento da indemnização de HKD$8.190.000,00 ao ofendido B e de HKD$5.100.000,00 à assistente C; (cfr., fls. 483 a 489 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido, (e ainda que de forma não expressa), os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “violação do princípio in dubio pro reo” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 662 a 669).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 680 a 685).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi o ora recorrente A condenado, pela prática de um crime de burla, de valor consideravelmente elevado, na pena de 5 anos de prisão.
Vem interpor recurso do acórdão condenatório, imputando-lhe a falta de apreciação de matéria de facto relevante para a decisão e a violação do princípio in dubio pro reo, no que é rebatido pela contraminuta do Ministério Público em primeira instância.
O recorrente diz que o tribunal valorou o doc. de fls. 175 na formação da convicção que levou à sua condenação, mas não curou de apurar se a falsificação de um contrato de obras, aludida nesse documento, é ou não da lavra do recorrente.
Como bem explica o Ministério Público na sua resposta, essa aventada falsificação e a sua autoria não faziam parte do objecto do processo. O documento de fls. 175 é um documento posterior aos factos pelos quais o recorrente foi acusado, encerrando uma confissão de dívida e um pedido de desculpas. Esse documento e o contrato de obras a que alude, e que rotula de falso, não fazem parte do processo ou estratagema fraudulento descrito no libelo acusatório. Nem a acusação nem a defesa alegaram qualquer falsificação de contrato de obras como componente do processo causal de defraudação. Era matéria que estava fora do âmbito do processo e sobre a qual obviamente não tinha o tribunal que se pronunciar. Acresce que a matéria fáctica objecto do processo, e que foi dada como provada, respalda o preenchimento de todos os elementos do tipo, conforme bem decidiu o acórdão condenatório.
Portanto, não ocorre o aventado vício de insuficiência da matéria de facto.
Igualmente não se detecta qualquer afronta ao princípio in dubio pro reo. Da leitura da acta e da fundamentação do acórdão não perpassa situação de dúvida sobre a materialidade factual que se teve por assente e que permitiu a integração da conduta do arguido no ilícito típico por que foi condenado. Não pode o recorrente pretender transferir para o tribunal eventuais dúvidas que a sua leitura pessoal da prova suscite. Recorde-se que a questão da suposta falsificação do contrato de decoração não fazia parte do objecto do processo, como já se referiu supra, pelo que não foi, nem tinha que ser dilucidada, não fazendo qualquer sentido atribuir à não pronúncia sobre a falsificação um estado de dúvida acerca dos factos que iam imputados ao recorrente.
O princípio in dubio pro reo, pressupondo a valoração de um non liquet em favor do arguido, só se impõe perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime que lhe é imputado – acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 24 de Julho de 2014, proferido no Processo n.° 311/2014 – situação que está arredada no caso.
Soçobra a argumentação do recorrente e improcedem os vícios imputados ao acórdão, que não é merecedor de qualquer censura, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 764 a 765).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 484 a 486, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “burla qualificada”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, assacando ao mesmo os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “violação do princípio in dubio pro reo” e “excesso de pena”.

E, como se nos apresenta evidente, nenhuma razão lhe assiste, havendo que se rejeitar o presente recurso por “manifesta improcedência”.

Aliás, basta ler o douto Parecer pelo Exmo. Representante do Ministério Público junto em sede de vista para se constatar que o arguido limita-se a contestar a decisão recorrida sem apresentar nenhum argumento válido, sendo de se dar aqui como reproduzidas as considerações produzidas como fundamentação da decisão que se deixou adiantada.

Porém, e seja como for, não se deixa de dizer o que segue.

Vejamos.

–– Quanto à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Repetidamente temos considerado que tal vício apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 164/2017, de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, certo sendo que emitiu o Tribunal a quo expressa pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que ficou provada e identificando a que não se provou, só por manifesto equívoco se poderia considerar haver “insuficiência”, mais não se mostrando de dizer.

–– Por sua vez, e no que ao princípio in dubio pro reo diz respeito, temos considerado que “mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017).

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

E, dito isto, pouco mais há a consignar pois que, em momento algum teve o Colectivo do T.J.B. qualquer “dúvida” (ou hesitação) quanto à culpabilidade e responsabilidade do arguido, vindo, mesmo assim, a decidir “contra” o mesmo.

Aliás, a fundamentação exposta no Acórdão recorrido é bem demonstrativa da forma como o Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto, valendo a pena aqui transcrever o seguinte excerto:

“Analisadas objectivamente as declarações feitas pelo arguido, pelo ofendido e pela assistente, bem como os depoimentos das testemunhas, conjugadas as provas documentais apreciadas na audiência, ponderando que os dois ofendidos relataram expressa e uniformemente o processo do caso, apesar da negação do cometimento por parte do arguido, referindo a declaração de desculpas feita pelo arguido (vide fls. 175 dos autos), entende o tribunal que é confiável o que disseram os dois ofendidos.
Com base nisso, de acordo com o juízo de experiência comum, este Colectivo dá como provados os factos acima referidos”; (cfr., fls. 721).

–– Por fim, quanto ao “excesso de pena”.

Pois bem, desde já, diga-se que embora venha pedida uma “redução da pena”, nada se diz para que o peticionado possa merecer acolhimento.

Seja como for, sempre se dirá que, sendo o crime cometido punível como a pena de 2 a 10 anos de prisão, ponderando no estatuído nos art°s 40° e 65° do C.P.M., tendo presente os antecedentes criminais do arguido, (tendo já sofrido outras condenações; cfr., fls. 444 e segs.), atento o prejuízo causado – que ascende a HKD$13.000.000,00 – e não se olvidando as necessidades de prevenção criminal (especial e geral), há que dizer que excessiva não se mostra a pena fixada, (não chegando ao meio da moldura, estando a 3 anos do mínimo, e a 5 anos do máximo).

Por sua vez, importe considerar que como temos repetidamente entendido que:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017 e de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017).

Por sua vez, é também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente decidiu a Relação de Lisboa, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

Dest’arte, e não se nos apresentando a pena excessiva, e muito menos “desproporcionada”, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 29 de Setembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 784/2017 Pág. 12

Proc. 784/2017 Pág. 13