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Proc. nº 610/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Setembro de 2017
Descritores:
-Suspensão da instância
-Causa prejudicial
-Autoridade de caso julgado

SUMÁRIO:

I. A suspensão da instância é justificada sempre que a resolução judicial prévia de uma causa (prejudicial) se mostra necessária à sorte da outra (prejudicada). Dito de outro modo, a prejudicialidade importa uma relação de conexão essencial ou dependência de uma causa a outra quanto aos efeitos substantivos que ela pode estender ao litígio instalado entre as partes.

II. Desde que a solução dada a uma causa possa ter reflexos ponderosos na decisão a proferir em outra diferente, ou desde que a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sob o ponto de vista do efeito jurídico pretendido, ou possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, então o caso é de prejudicialidade, justificativo da suspensão ao abrigo do art. 223º, nº1, do CPC.

III. Quando numa acção cível um promitente comprador de uma fracção imobiliária pede a resolução do contrato por impossibilidade definitiva de cumprimento por parte do construtor, em virtude de ter sido a este declarada a caducidade da concessão do terreno onde iria construir o edifício por despacho do Chefe do Executivo, é de entender que o recurso contencioso interposto deste acto administrativo serve de causa prejudicial em relação à acção para efeito da suspensão da instância a que se refere o art. 223º, do CPC.

IV. Se no recurso contencioso, a construtora recorrente (ré da acção) vier a sair vitoriosa, desaparece do horizonte o promontório imediato que a autora nesta acção desenhou como motivo para a impossibilidade de cumprimento.

V. Vindo o acto de declaração de caducidade a ser eliminado da ordem jurídica mediante a sua anulação judicial, fica aberto caminho livre para uma possível recuperação da situação actual hipotética da ré, que pode ser, admitamo-lo, a manutenção da possibilidade de construir aquilo que até agora não fez, afastando, a partir da força ou autoridade do caso julgado, a tese da impossibilidade de cumprimento invocado pela autora na acção.


Proc. nº 610/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
B (B 6XXX 0XXX 5XXX), solteira, maior, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente n.º 52XXXXX(X), emitido em 04 de Julho de 2012, pela Direcção dos Serviços de Identificação, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, RAE, 澳門......街......居第...座...樓..., como Autora, ----
instaurou no TJB (Proc. nº CV2-16-0060-CAO) contra: ----
«C洋行有限公司», em chinês romanizado “C IEONG HONG IAO HAN CONG SI”, em português “SOCIEDADE DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO C, LIMITADA” sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º XXX(SO), com sede em Macau, na Avenida do ......, Villa de ......, R/C - ..., como Ré, ----
Acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, ----
Pedindo: ----
1- Fosse declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Autora, enquanto cessionária da posição contratual, e a Ré em 11 de Abril de 2011, em virtude da impossibilidade de cumprimento definitiva e culposa por parte da Ré, ----
Ou, subsidiariamente,----
2- Com fundamento em perda do interesse da Autora em consequência da mora culposa da Ré e, consequentemente, reconhecido à Autora o direito de reaver: ----
a) Em dobro, o montante pago a título de sinal, ou seja, HKD$12,320,000.00 (doze milhões trezentos e vinte mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$12,714,240.00 (doze milhões setecentas e catorze mil duzentas e quarenta patacas), ----
b) O montante correspondente ao pagamento do Imposto do Selo que foi obrigada a suportar, no valor de MOP$143,205.00 (cento e quarenta e três mil duzentas e cinco patacas), ----
c) O montante de HKD$1,490,000.00 (um milhão quatrocentos e noventa mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$1,537,680.00 (um milhão quinhentas e trinta e sete mil seiscentas e oitenta patacas), pago pela Autora ao cedente pela transmissão da posição contratual, ----
d) O montante de MOP$29,047.43 (vinte e nove mil e quarenta e sete patacas e quarenta e três avos), correspondente aos juros remuneratórios pagos ao Banco da China pelo empréstimo contraído para a aquisição da fracção autónoma, ----
e) O montante de HKD$61,600.00 (sessenta e um mil e seiscentos dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$63,571.20 (sessenta e três mil quinhentas e setenta e uma patacas e vinte avos) correspondente a 1% do preço da fracção autónoma, pago à Ré ao abrigo da cláusula nona do contrato-promessa, ----
f) O montante de HKD$76,500.00 (setenta e seis mil e quinhentos dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$78,948.00 (setenta e oito mil novecentas e quarenta e oito patacas), correspondente à comissão paga ao agente imobiliário, e ----
g) O montante de MOP$400.00 (quatrocentas patacas) referente às despesas do contrato de cessão da posição contratual. ----
h) Tudo no valor global de MOP$14,567,091.63 (catorze milhões quinhentas e sessenta e sete mil e noventa e uma patacas e sessenta e três avos); ----
i) Importância a que devem acrescer os juros de mora vencidos e vincendos a contar de 16 de Maio de 2016 até efectivo e integral pagamento sobre o capital em dívida de MOP$14,567,091.63 (catorze milhões quinhentas e sessenta e sete mil e noventa e uma patacas e sessenta e três avos), perfazendo os vencidos o valor de MOP$167,322.00 (cento e sessenta e sete mil trezentas e vinte e duas patacas).
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Alegando ser concessionária do terreno onde iriam ser construídos os prédios na Areia Preta - onde se inseria a fracção autónoma prometida vender à autora através do contrato de promessa celebrado em 29/09/2015 - a ré veio informar que o Chefe do Executivo declarou, por despacho de 26/01/2016, a caducidade da concessão.
Invocando ter reagido judicialmente contra tal despacho através de recurso contencioso, que no TSI pende sob o nº 179/2016, e requerido a providência cautelar de suspensão de eficácia do referido acto administrativo, a ré, tecendo considerações acerca dos efeitos do possível êxito desses processos judiciais, entendeu que a descrita situação justificava a suspensão dos presentes autos até decisão definitiva daquelas causas.
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Por despacho de fls. 7/12/2016, o Ex.mo Juiz titular do processo, em termos que mais à frente se reproduzirão, indeferiu o aludido pedido de suspensão da instância.
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É contra essa decisão que “C” (assim nos referiremos doravante à recorrente) se insurge através do presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1ª - O objecto do presente Recurso consiste no douto despacho de fls. 305 a 315, na parte em que indeferiu o pedido de suspensão da instância formulado na Contestação apresentada pela Ré, ora Recorrente;
2ª - O presente Recurso visa demonstrar que caso o Recurso Contencioso de Anulação que corre termos nesse Venerando TSI sob o nº 179/2016 receba provimento, modificará a situação jurídica em discussão nos presentes autos, pelo que aquele Recurso Contencioso de Anulação constitui causa prejudicial em relação à presente acção, ou que, no mínimo, constitui um motivo justificado para a suspensão pretendida;
3ª - Esse Venerando Tribunal ad quem apenas abordará, eventualmente, a questão da qualificação da caducidade, quando proferir acórdão decisório tendo por objecto o referido Recurso Contencioso, sendo que tal decisão não será processualmente irrecorrível posto que será proferida em primeiro grau.
4ª - Por estas razões, não está em causa discutir e decidir, no presente Recurso, se a impugnada decisão de declaração de caducidade por via do Recurso Contencioso diz respeito a uma caducidade preclusão ou a uma caducidade sanção.
5ª - O referido pedido de suspensão da instância foi formulado ao abrigo do artigo 223.º do CPC, o qual prevê duas hipóteses em que o tribunal tem o poder de ordenar que determinada instância fica suspensa, nomeadamente (i) “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta” ou (ii) “quando ocorrer outro motivo justificado”.
6a - Doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de que, “a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa influir ou modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito” (cfr. Acórdãos do STJ de 06/07/2005, Proc. n.º 05B1522 e de 04/02/2003, Proc. n.º 02A4475, bem como, Acórdão do TUI de 17/06/2015, Proc. nº 33/2015).
7ª - O tribunal conhece oficiosamente dos casos de suspensão tratados no nº 1 do artigo 223º, seja por causa prejudicial, seja por motivo justificado (Cândida Pires e Viriato Lima, in Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, págs. 79 e 80), gozando, neste último caso, de “uma grande liberdade de acção”, podendo ordenar a suspensão sempre que nisso vir utilidade, em face do objecto do thema decidendum (cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2012, 3.ª ed. (reimp.), p. 384).
8ª - Ora, a decisão deste litígio está dependente da decisão do Recurso Contencioso de Anulação que corre termos nesse Venerando TSI sob o nº 179/2016, verificando-se, portanto, existir uma causa prejudicial.
9ª - Com efeito, neste processo, a Autora pretende que seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado com a Ré e que, consequentemente, esta seja obrigada a indemnizar a Autora, pagando o sinal recebido em dobro e restituindo-lhe tudo o que recebeu em execução do contrato-promessa.
10a - Como causa de pedir, alega, desde logo, a existência de uma impossibilidade de cumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa: no seu entendimento, o cumprimento deste acordo tornou-se impossível por causa imputável à Ré, que não concluiu no prazo acordado o aproveitamento do terreno em causa, originando a declaração de caducidade da concessão e a reversão desse terreno para a RAEM, decretadas pelo Despacho do Chefe do Executivo de 26 de Janeiro de 2016.
11ª - Neste quadro, constitui um facto constitutivo determinante da situação jurídica que a A. pretende fazer valer a perda da disponibilidade jurídica da Ré sobre o terreno onde a fracção a adquirir iria ser edificada, efeito produzido pelo referido Despacho do Chefe do Executivo.
12a - Sendo também facto integrante da causa de pedir a imputabilidade desse efeito jurídico a uma conduta culposa da Ré, que, no entendimento da Autora, deu causa à declaração de caducidade da concessão, ao não cumprir, por responsabilidade sua, o prazo de aproveitamento do terreno fixado no contrato.
13a - Ora, a proceder o Recurso Contencioso, cai o facto constitutivo em que a Autora procura primariamente fundar a sua pretensão - isto é, a perda da disponibilidade jurídica da Ré sobre o terreno onde a fracção a adquirir iria ser edificada - uma vez que a concessão por arrendamento e todos os direitos decorrentes voltarão a emergir na ordem jurídica.
14a - Consequentemente, o Recurso Contencioso é necessariamente causa prejudicial em relação à acção dos presentes autos, justificando-se e, mais do que isso, impondo-se - tendo em conta a intensidade que assume no caso o nexo de prejudicialidade - a suspensão do presente processo.
15ª - A suspensão da instância também não será de recusar mesmo quando a Autora invoca, como fundamento subsidiário da pretensão de resolução do contrato-promessa e condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização, a perda do interesse na prestação.
16ª - Com efeito, a perda de interesse na prestação pressupõe, necessária e impreterivelmente, a prévia configuração de uma situação de mora culposa.
17a - Como prevê o artigo 793.º, n.º 2 do Código Civil, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
18ª - A mora “é o atraso (demora ou dilatação) culposo no cumprimento da obrigação”, pelo que, para que haja mora, “é necessário a culpa do devedor” (cfr. ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações cit., p. 115).
19ª - Assim, no caso em apreço, para que um (pretenso) atraso no cumprimento do contrato-promessa fosse imputável à Ré era necessário que o atraso na execução do edifício a implementar no Lote “P” lhe fosse censurável, resultando do seu comportamento culposo - só nesse caso se poderia concluir haver uma situação de mora que poderia ser convertida em incumprimento definitivo por perda do interesse do credor.
20ª - Ora, como se referiu, uma das questões em apreciação no recurso contencioso de anulação - e que compete à jurisdição administrativa dirimir - é exactamente a de saber se a não conclusão do aproveitamento no prazo fixado resultou da conduta da Ré ou, ao invés, se ficou a dever à actuação da RAEM.
21ª - Pelo que, a apreciação de tal recurso tem, pois, uma efectiva e real influência na configuração de um pressuposto em que assenta, de forma decisiva, a alegação subsidiária da perda de interesse na prestação, que se afigura, portanto, como uma causa prejudicial em relação à presente acção também no que respeita à sua causa de pedir subsidiária.
22ª - Acresce que, mesmo que não se reconhecesse essa relação de prejudicialidade - o que só por mera cautela de patrocínio se admite - nunca poderia este Tribunal julgar a presente acção limitando-se a apreciar o fundamento subsidiário da causa de pedir.
23ª - A causa de pedir subsidiária serve para fundar a pretensão da Autora quando a causa de pedir principal não proceda; ela não serve para fundar uma decisão judicial quando a causa de pedir principal esteja dependente do julgamento de um outro processo já proposto, por forma a evitar uma suspensão de instância que, nessas circunstâncias, se impõe.
24a - Por fim, a douta decisão recorrida entende ainda que para haver causa prejudicial é necessário que seja apta a constituir caso julgado na instância dependente, mas, salvo o devido respeito, afigura-se que causa prejudicial e causa repetida são dois conceitos distintos, assentes em pressupostos distintos e que aquele respeitável entendimento funde incorrectamente as duas figuras.
25a - A causa prejudicial, ao contrário da causa repetida, não pressupõe que entre dois processos exista uma identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (a tríplice identidade).
26ª - Ela pressupõe apenas uma relação de dependência ou proximidade entre dois objectos processuais, que pode resultar seja da configuração da causa de pedir, seja da arguição ou existência de uma excepção, seja ainda do objecto de incidentes em correlação lógica com o objecto do processo.
27ª - O que releva, na causa prejudicial, é, tão simplesmente, a existência de um processo em que esteja a ser decidida urna situação substancial que é de algum modo relevante para a decisão de outro processo.
28ª - De resto, se, para se reconhecer urna causa prejudicial justificativa da suspensão da instância, se exigisse que a decisão proferida na instância em que essa causa prejudicial está a ser apreciada fosse apta a constituir caso julgado na instância dependente, então isso significaria que nunca haveria suspensão da instância por aplicação do mecanismo previsto no artigo 223.º, n.º 1 do CPC.
29ª - Com efeito, se existisse a referida tríplice identidade entre determinado processo e urna outra causa, então estaria verificada urna excepção de litispendência nesse processo, e o tribunal teria obrigatoriamente, que reconhecer essa excepção dilatória e determinar a absolvição da instância (cfr. artigos 412.º, n.º 2, 413º, al. f) e 414.º do CPC).
30ª - Em suma, estando a decisão da presente acção dependente do julgamento do Recurso Contencioso de Anulação do Despacho do Chefe do Executivo de 26 de Janeiro de 2016, que corre termos no TSI, estão verificados os pressupostos para a suspensão da instância por verificação de uma causa prejudicial.
31ª - Mas mesmo que esse Venerando Tribunal de Segunda Instância não venha a reconhecer a existência dessa causa prejudicial - hipótese que por mero dever de patrocínio aqui se admite - ainda assim haveria lugar à suspensão de instância por ocorrência de um “motivo justificado” (cfr. artigo 223.º, n.º 1, in fine, do CPC).
32ª - Há que reconhecer que existe um nexo de proximidade entre os dois processos, em que se discutem questões fortemente interligadas entre si, pelo que, em qualquer caso, será avisado e conveniente - nem que seja para garantir a credibilidade da decisão a proferir neste processo, que seria sempre minada por uma eventual decisão contrária que, quanto a alguns dos seus pressupostos ou premissas, viesse a ser tomada na jurisdição administrativa - sobrestar nessa decisão até ao julgamento do recurso contencioso de anulação.
33ª - Tal como resulta dos docs. 2 a 4 do requerimento de fls. 472, apresentado em 02/03/2017 pela Recorrente, o próprio Governo da RAEM assim o defende.
34ª - Também em processos distribuídos a diferentes Meritíssimos juízes do Meritíssimo juiz titular dos presentes autos, pendentes no Tribunal Judicial de Base, onde são idênticas as situações em apreço naqueles e neste processo, nomeadamente, as respectivas causas de pedir, há a assinalar diversas decisões em sentido contrário ao da douta decisão recorrida, como sucedeu, por exemplo, no Proc. nº CV3-16-0069-CAO e no Proc. nº CV1-16-0062-CAO, dos 3º e 1º Juízos Cíveis.
35ª - Assim e em conclusão: quer pelas razões jurídicas invocadas, quer na óptica do Governo de Macau, quer pelo impacto social do caso vertente, quer por várias decisões judiciais em sentido contrário que já foram proferidas no Tribunal de 1ª Instância, tudo concorre a favor da decisão de suspensão da presente instância conforme requerido pela R. na sua contestação, seja por causa prejudicial, seja por outro motivo justificado.
Disposição legal violada: Artigo 223º, nº 1 do CPC.
Para os efeitos previstos no artigo 615º, nº 1 do CPC, requer sejam extraídas certidões das seguintes peças processuais: Petição inicial, contestação, Requerimento de fls. 325 e o doc. nº 2 que se lhe encontra anexo, Requerimento de fls. 473 e respectivos documentos juntos, sem prejuízo do disposto no nº 2 do mesmo normativo (certidão obrigatória da decisão recorrida) .
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que ordene a suspensão dos presentes autos, assim se fazendo, serenamente, Justiça”.
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Não houve resposta ao recurso por parte da autora da acção.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 – Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial de 26 de Dezembro de 1990, foi concedido à Recorrente “C” um terreno, designado por lote “P”, na zona de aterros da Areia Preta.
2 – O contrato de concessão, após a revisão de 1/03/2006, através do despacho nº 19/2006, publicado na II Série do B.O. nº 9, de Março de 2006.
3 – O prazo acordado para a concessão foi de 25 anos contados a partir de 26/12/1990, terminando em 25/12/2015.
4 – D prometeu comprar uma fracção habitacional à ré (fracção “E” do 28 andar do edifício “......”, na, que lha prometeu vender, através de contrato de 11/04/2011.
5 – No dia 29/09/2015 D celebrou com a autora um contrato de “Cessão de Posição Contratual no Contrato-Promessa de Compra e Venda”.
6 – O Chefe do Executivo, por despacho de 26/01/2016 declarou a caducidade da concessão do referido terreno por ter decorrido o prazo de 25 anos da concessão sem a “C” ter realizado as obras a que se comprometeu contratualmente.
7 – Pende no TSI um recurso contencioso com o nº 179/2016 contra tal despacho.
8 – Desse despacho foi pedida a respectiva suspensão de eficácia, tendo o TSI proferido nos autos nº 179/2016/A decisão de indeferimento, de que foi interposto, porém, recurso jurisdicional para o TUI.
9 – O TUI, contudo, por acórdão de 1/11/2016, já transitado em julgado, negou provimento ao recurso e manteve a decisão do TSI (facto que é do nosso conhecimento em virtude da nossa função).
10 – O despacho aqui sindicado apresenta o seguinte teor:
“Da suspensão da instância:
A autora, invocando como causa de pedir um incumprimento definitivo de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um imóvel a construir em que é promitente-compradora, vem pedir a condenação da ré, promitente-vendedora inadimplente, na indemnização dos danos decorrentes do incumprimento. Diz a autora que há incumprimento definitivo porque a celebração do contrato prometido se tomou impossível por causa imputável à ré, que, devido a atraso injustificado, já não pode construir o referido imóvel por já não ter a necessária disponibilidade jurídica sobre o terreno que a RAEM lhe havia concessionado para construção, e que, mesmo que fosse possível a celebração do contrato definitivo, a autora já perdeu o interesse naquele contrato prometido. Invoca pois a autora o direito a indemnização fundado no incumprimento definitivo decorrente da impossibilidade da prestação por causa imputável à ré ou decorrente da perda do interesse na prestação durante a mora do devedor.
A ré vem dizer que ainda não se venceu a sua obrigação de celebrar o contrato prometido; que está a tentar recuperar nos tribunais a referida disponibilidade jurídica e, assim, remover a causa que a impede temporariamente de construir, impossibilidade que decorre de causa imputável a terceiro que a obrigou a atrasar-se, e que, se conseguir a remoção, será possível a celebração do contrato prometido. Diz também que se não conseguir remover o entrave, a causa da impossibilidade de celebração do contrato prometido não lhe é imputável, não havendo incumprimento culposo da sua parte. Impugna ainda a ré que a autora tenha perdido o interesse na celebração do contrato prometido. Diz pois a ré que não está em mora por a sua obrigação ainda não se ter vencido; que não estando em mora não pode ocorrer incumprimento definitivo por perda do interesse na prestação por parte do credor; que há apenas uma impossibilidade temporária do cumprimento e não uma impossibilidade definitiva e que, se tal impossibilidade se tomar definitiva, advém de causa que lhe não é imputável, mas imputável a terceiro.
Pede a ré que se suspenda a instância enquanto tenta remover nos tribunais o entrave que a impede de construir o imóvel prometido vender e enquanto tenta obter indemnização pelos danos que lhe causou o entrave que a RAEM ilicitamente lhe colocou. Diz que há uma relação de prejudicialidade entre esta acção e aquelas que mantém nos tribunais com vista a ser indemnizada e a recuperar a mencionada disponibilidade jurídica que lhe permite construir o imóvel com que cumprirá o contrato-promessa em causa.
Vejamos.
Entre outras situações, pode suspender-se a instância quando a decisão a proferir em tal instância estiver dependente do julgamento de outra causa já instaurada (art. 223º, nº 1 do CPC).
Prejudicialidade entre decisões é uma relação lógico-jurídica entre elas que implica que uma não possa ser decidida sem previamente ser decidida outra. A prejudicialidade é a necessidade incontornável de que uma questão esteja decidida para que possa decidir-se outra. Não basta a conveniência, só a necessidade serve à prejudicialidade. A conveniência em que uma decisão seja tomada antes de outra é também razão de suspensão da instância, referida na lei como motivo justificado, mas diversa da prejudicialidade. A prejudicialidade baseia-se na necessidade. Por exemplo, não pode proceder-se à divisão da coisa comum sem se decidir quais as quotas dos comproprietários. Não é possível por razões de lógica jurídica. Há prejudicialidade entre as decisões. A interferência de uma decisão noutra pode não configurar prejudicialidade. Assim a reclamação da relação de bens em que se acusa a falta de bens que deveriam ser relacionados, permite a partilha e a fixação das quotas hereditárias, partilha que poderá vir a ser alterada com a divisão de novos bens se a decisão da reclamação for favorável ao reclamante, mas é conveniente que se decida primeiro a reclamação e só depois a partilha. Se as duas decisões em relação de prejudicialidade estão em apreciação no mesmo processo, a situação é mais simples. Por exemplo, na mesma sentença, decide-se primeiro se o contrato é nulo ou válido e depois aprecia-se a questão do cumprimento ou incumprimento. Mas se as questões estão em apreciação em processos diversos, um processo só deve esperar pela solução do outro por razões de prejudicialidade (não de conveniência) quando não possa decidir sem que previamente seja solucionada a questão “alheia”.
É aqui que surge uma outra vertente da questão da prejudicialidade justificadora da suspensão da instância dependente: só se a decisão da questão discutida na instância prejudicial tiver força de caso julgado material na instância dependente é que deve suspender-se a instância dependente à espera da decisão da instância prejudicial. É sempre conveniente poder ponderar o que se decidiu noutras instâncias, mas só quando se tem de acatar tais decisões é que tem de esperar-se por elas. Quando a decisão da questão prejudicial não faz caso julgado na instância onde se aprecia a questão dependente, tem aqui de voltar a decidir-se a questão prejudicial se fizer parte do objecto do processo. Quando se pode decidir sem obrigação de acatar a decisão “alheia” porque não vincula pelo mecanismo do caso julgado na instância a suspender, esta instância não deve ser suspensa para esperar que seja tomada a decisão “alheia”.
Atentemos no caso dos autos. Está em causa apreciar e decidir se (1) já se venceu uma obrigação contraída num contrato-promessa, como defende a autora e a ré nega; se (2) tal prestação ainda é possível, como defende a ré; se (3) ocorreu impossibilidade da prestação do promitente-vendedor por causa imputável ao devedor, como defende a autora; se (4) tal impossibilidade, caso tenha ocorrido, é imputável a terceiro (RAEM), como defende a ré e ainda se (5) o credor perdeu o interesse na prestação de devedor em mora - arts. 790º e 797º do CC.
Para poder decidir se a autora perdeu ou não o interesse no contrato definitivo, parece insofismável e dispensador de ociosas considerações que não é necessário esperar para saber se a ré consegue, ou não, demonstrar noutra instância que foi a RAEM que incumpriu o contrato de concessão e se a ré consegue recuperar nos tribunais a disponibilidade jurídica do terreno onde poderá construir o imóvel prometido vender. É possível decidir esta questão da perda do interesse do credor na prestação sem esperar pela decisão da questão da sobrevivência do contrato de concessão e da indemnização em consequência do respectivo incumprimento por parte da RAEM.
O mesmo se diga relativamente à decisão sobre a questão do vencimento da obrigação da ré de celebrar o contrato promessa. Tudo passa por apurar os termos acordados entre promitente-comprador e promitentevendedor quanto ao tempo da prestação ou ao prazo para celebração do contrato definitivo, em nada interferindo as decisões a proferir nas acções onde a ré luta com a RAEM, quer para manter a concessão do terreno onde pretende construir o imóvel que prometeu vender, quer para obter indemnização pela cessação da concessão.
Para poder decidir se a situação fáctica que as partes trouxeram aos presentes autos configura impossibilidade definitiva de a ré cumprir ou se configura impossibilidade meramente temporária, também não é necessário esperar pelo desfecho dos meios judiciais que a ré moveu contra a RAEM. Considerando que ambas as partes aceitam que presentemente a ré está impossibilitada de cumprir, a questão é meramente de direito: ou se conclui que enquanto aqueles meios judiciais não estiverem findos não há incumprimento definitivo e improcede a tese da autora; ou se conclui que independentemente do desfecho já há incumprimento definitivo e improcede a tese da ré. Não está em causa saber se aquele desfecho vem modificar retroactivamente a situação actual. A pendência dos meios movidos pela ré faz da impossibilidade de cumprimento uma impossibilidade temporária, como entende a ré, ou não faz, como entende a autora. Nada interferem nisso as decisões a proferir. É possível decidir a questão do incumprimento que se coloca nestes autos sem esperar. Não é a decisão da outra instância que faz com que se possa qualificar de definitiva ou temporária a impossibilidade actual de cumprimento, uma vez que a questão reside precisamente no facto de saber se há ou não há incumprimento definitivo enquanto a ré não esgotar os meios de reacção à actuação da concessionária que a impede de cumprir.
Resta saber se quanto à decisão a proferir aqui relativamente à imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa há, ou não há, relação de prejudicialidade com a decisão a proferir nas causas onde a ré luta pela recuperação da possibilidade de cumprir e pela indemnização por danos decorrentes do incumprimento do contrato de concessão por parte da RAEM.
É claro que se se concluir que foi a RAEM que, ilicitamente, impediu a ré de cumprir a promessa de venda do imóvel que se propunha construir, o incumprimento da promessa deriva de causa imputável à RAEM e não à ré e a obrigação da ré extingue-se por impossibilidade da prestação sem que haja obrigação da ré indemnizar a autora. Tal questão de imputação à RAEM da causa da impossibilidade de cumprir a promessa estará em discussão noutras instâncias (administrativas). Porém, a decisão que ali se tomar não faz caso julgado nos presentes autos porquanto a aqui autora não é ali parte. Desta sorte, a questão em causa terá sempre de ser aqui decidida, de nada adiantando esperar que aquela outra instância a decida. Não pode aqui “escapar-se” a apreciar e decidir pelo facto de outrem o ter feito. Mesmo que a ré consiga demonstrar a actuação culposa e causal da RAEM noutra instância, continua a ter de a demonstrar aqui se quiser escapar à presunção de culpa que sobre si poderá recair nos termos do art. 788º, nº 1 do CC e se quiser demonstrar aqui que não lhe é imputável a causa que a impossibilita de cumprir a sua promessa. Por tal razão, também quanto à questão da imputabilidade à ré ou a terceiro da causa de impossibilidade do cumprimento da promessa da ré não há relação de prejudicialidade entre a decisão a proferir nestes autos e naqueles onde a ré defronta a RAEM, urna vez que a decisão a proferir aqui não depende daquela que deve ser proferida na outra instância.
Pelo que fica exposto, conclui-se que não ocorre a causa prejudicial que a ré alegou e que, por essa razão, não deve ser suspensa a presente instância.
Vai, pois, indeferida a requerida suspensão da instância.”
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III – O Direito
1 – Como se constata na matéria de facto acima descrita, a recorrente “C” é concessionária de um terreno na Areia Preta destinado a construção habitacional.
Tendo procedido à celebração de contrato-promessa de compra e venda de uma fracção ainda “em projecto” ou “em planta”, como também se diz, – portanto, de bem futuro – o interessado promitente adquirente cedeu a sua posição contratual à autora da acção.
Sucede, porém, que com a declaração de caducidade da concessão do terreno, a autora, considerando que a ré culposamente ficou definitivamente impossibilitada de cumprir o contrato-promessa, acha que a culpa do facto só a esta é assacada, razão pela qual pede a resolução do contrato e o recebimento do sinal em dobro.
E mesmo que não fosse de entender estar-se perante um incumprimento culposo por parte da ré da acção, sempre a autora, diz, perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo, por não poder ficar dependente, na sua vida, da sorte das acções judiciais pendentes.
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2 – A ré, na sua contestação, defendia que um eventual provimento do recurso jurisdicional da decisão do TSI de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia permitiria evitar o despejo e entrega do terreno, o que significaria a possibilidade de retomar a construção do edifício “......”, incluindo a fracção objecto do contrato-promessa referido nos autos.
Quanto a esta alegação, porém, ela deixa de ter qualquer interesse, face à circunstância de o TUI já ter negado provimento ao recurso jurisdicional interposto do aresto de indeferimento da providência.
Mas, a ré sustentava também que a instância deveria ficar suspensa até decisão do recurso contencioso, uma vez que eventual provimento deste permitiria prorrogação do prazo e, portanto, o aproveitamento do terreno com a construção do edifício em causa, o que permitiria cumprir o contrato-promessa e satisfaria assim a tutela da autora.
Assim não o entendeu o despacho em crise.
Na verdade, o TJB considerou que a invocada perda de interesse por parte da autora não carece do desfecho de qualquer das pretensões judiciais nos processos de recurso contencioso e de suspensão de eficácia.
Quanto a este aspecto, a decisão recorrida está certíssima. Efectivamente, face à razão trazida a terreiro pela autora, a perda de interesse radica na circunstância de, durante a sua vida, ela não querer ficar à mercê, nem do tempo - que até pode ser dilatado - que demorará a ser proferida a decisão judicial definitiva, nem da substância desta. Ou seja, a autora entende que a sua tutela jurídico-substantiva não pode ficar dependente das vicissitudes e contingências de um resultado judicial e, portanto, da incerteza acerca do eventual benefício ou adversidade que ela pode trazer-lhe, quer quanto ao momento em que tal vier a suceder, quer quanto aos efeitos substantivos e materiais que a própria decisão pode proporcionar-lhe.
Nada a censurar, pois, em relação a este ponto, uma vez que a perda de interesse por parte da autora é autónoma e não tem que ver com a decisão concreta que venha a ser tomada no âmbito do recurso contencioso, a qual tanto pode vir a ser de procedência, ou de improcedência.
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2.1 - Já não comungamos da mesma solução quanto ao outro fundamento da causa. E recordemos que ele constitui o principal leitmotiv do petitório.
Note-se, com efeito, que a pretensão da autora da acção assentou principalmente na impossibilidade de cumprimento definitivo por parte da ré e só subsidiariamente na sua perda de interesse.
Portanto, uma vez que o pedido subsidiário se desliga do êxito ou inêxito do recurso, e que, por isso, ele não carece minimamente do resultado da dita causa prejudicial, restará atentar se, quanto ao pedido principal, a pendência do contencioso administrativo constitui, ou não, motivo para a suspensão da instância.
Vejamos.
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3 – Estamos mais uma vez de acordo com o despacho impugnado, quando assevera que a suspensão por prejudicialidade carece de um juízo de necessidade. Isto é, aceitamos que a suspensão se justifica sempre que a resolução judicial prévia de uma causa (prejudicial) se mostra de todo necessária à sorte da outra (prejudicada). Dito de outro modo, a prejudicialidade importa uma relação de conexão essencial ou dependência de uma causa a outra quanto aos efeitos substantivos que ela pode estender ao litígio instalado entre as partes.
Já, porém não acompanhamos a solução do despacho quanto ao fundamento utilizado para negar a suspensão no caso concreto.
É que, como se sabe, para se apurar da prejudicialidade, uma causa depende da outra, para efeitos do art. 223º, nº1, do CPC, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão que pode influir decisivamente na outra, ao ponto de interferir na situação jurídica que se discute noutra. É isto mesmo que resulta, entre outros, dos Acs. do TUI de 17/06/2015, Proc. nº 33/15 e, no direito comparado, na magistral doutrina, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 285. Portanto, desde que a solução dada a uma causa possa ter reflexos ponderosos na decisão a proferir em outra diferente, ou desde que a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sob o ponto de vista do efeito jurídico pretendido, ou possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, então o caso é de prejudicialidade (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 12/07/2012, Proc. nº 326/2011; no direito comparado, Ac. do STJ, de 13/04/2010, Proc. nº 707/09).
Ora, mergulhando rapidamente no caso dos autos, logo perceberemos que a causa de pedir da acção, no que ao pedido principal concerne, está relacionada com uma alegada impossibilidade (material e jurídica) de a ré poder cumprir o contrato-promessa de compra e venda, em virtude de não poder vender aquilo que nunca virá a existir, precisamente por não poder construir o objecto do negócio face à declaração de caducidade da concessão.
Isto é, deste encadeamento de factos e conexões invocados resulta muito claro que, para a autora, jamais a ré poderá celebrar o contrato de compra e venda face ao acto administrativo pressuposto que declara a caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo geral do contrato da concessão.
Todavia, este raciocínio só estaria certo se o acto administrativo se tivesse já tornado firme. Mas não. Dele foi interposto recurso contencioso, cuja decisão se espera para muito breve nesta instância.
Ora, se no recurso contencioso a ré da acção “C” vier a sair vitoriosa, (em abstracto, é necessário admitir essa possibilidade) desaparece do horizonte o promontório imediato que a autora nesta acção ergueu como motivo para a impossibilidade de cumprimento. Com efeito, se o acto de declaração de caducidade for eliminado da ordem jurídica mediante a sua anulação judicial, fica aberto caminho livre para uma possível (é, pelo menos, em tese o que temos que admitir, hic et nunc, no quadro das mais diversas e plausíveis soluções de direito, sem nos comprometermos com nenhuma em particular) recuperação da situação actual hipotética da ré, que pode ser, admitamo-lo, a manutenção da possibilidade de construir aquilo que até agora não fez, afastando a tese da impossibilidade de cumprimento invocado pela autora na acção.
Neste sentido, estamos sinceramente convencidos de que a solução da referida causa (recurso contencioso) pode contribuir de forma decisiva para o desfecho da presente.
E se é assim que ajuizamos, então o outro argumento utilizado no despacho sob escrutínio - de que a decisão a tomar no âmbito do contencioso administrativo não faz caso julgado no âmbito cível da acção – não serve adequadamente propósitos fundamentantes da decisão a tomar sobre este tema. É que não se pode apelar, com o devido respeito, ao caso julgado, enquanto excepção dilatória, o qual até, como se sabe, pressupõe uma tríplice identidade: de “sujeitos”, “pedido” e “causa de pedir”. Essa é defesa que tem em vista impedir a repetição de uma causa face ao resultado de outra já decidida e, nesse sentido, vem sendo considerada como excepção com uma vertente negativa. Nada disso está em controvérsia.
Mas já pode estar uma outra vertente do caso julgado, que é a sua vertente de autoridade de caso julgado, que é aquela que surge nalguma doutrina e jurisprudência como modo de estender a eficácia do caso julgado onde, em princípio, ela não iria, face aos requisitos sabidos da excepção prevista nos arts. 416º e 417º do CPC (v.g, Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., págs. 377-378 e 553-554; Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 372/2016).
Quer dizer, embora de caso julgado nas sua função negativa se não possa falar da sentença do recurso contencioso em relação à presente acção (até porque lhe falta a imprescindível triangular identidade: partes, pedido e causa de pedir), já é, no entanto, possível invocar nesta a “decisão” que vier a ser definitivamente tomada no recurso contencioso e a sua “autoridade de caso julgado” (função positiva de caso julgado) quanto à razão para a não construção do objecto do contrato de promessa e quanto à eventual possibilidade de ainda construir o empreendimento face à judicial eliminação anulatória do acto, o que acaba por poder ter reflexos sobre a alegada impossibilidade de cumprimento.
Sendo assim, não achamos que existe obstáculo à suspensão.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido e decretar a suspensão da instância até à decisão transitada em julgado que vier a ser proferida no recurso contencioso que pende neste TSI com o nº 179/2016.
Sem custas.
TSI, 28 de Setembro de 2017
(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong



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