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Processo nº 167/2014
Data do Acórdão: 28SET2017


Assuntos:

Impugnação da matéria de facto
Responsabilidade de médico
Nexo de causalidade


SUMÁRIO

1. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC; e

2. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.

3. Pressupondo a responsabilidade civil por factos ilícitos a verificação do facto danoso, da ilicitude do facto, da imputação do facto ao lesante, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a não comprovação da ilicitude do facto, ou mesmo comprovada a ilicitude do facto, mas não comprovado o nexo da causalidade entre o facto ilícito e o alegado dano, não há lugar ao arbitramento da indemnização.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 167/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual, instaurada por A, B e C, todos menores no momento da instauração da presente acção, e portanto representados pelo seu pai D, todos devidamente identificados nos autos, contra os Serviços de Saúde da RAEM e E, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo onde foi registada sob o nº 70/05-RA, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido:

1. RELATÓRIO:
  D, melhor identificado nos autos, em representação de A, B e C, vem intentar a presente Acção para Efectivação de Responsabilidade Civil Extracontratual contra
  1º RÉU: Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau; e
  2º RÉU: Dr. E, médico, a desempenhar funções à data dos factos,
  pedindo que a presente acção seja julgada procedente e provada e, em consequência, serem os Réus condenados a pagarem aos Autores a quantia global de MOP$4.923.924,00, conforme os seus fundamentos de facto e de direito aduzidos na petição inicial constante de fls. 2 a 34 dos autos.
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Regularmente citada, vem o 1º Réu os Serviços de Saúde da RAEM apresentar a sua contestação constante de fls. 200 a 221 dos autos, onde se pugna pela improcedência da acção, absolvendo-se o Réu do pedido.
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  O 2º Réu, sendo ausente e representado pelo M.P., contestou nos termos constantes de fls. 240 a 241v..
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  Foi proferia Sentença constante de fls. 718 a 726 dos autos, no sentido de improcedência da presente acção e absolvição os Réus dos pedidos.
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  Por Acórdão do Venerando TSI, constante de fls. 857 a 883 dos autos, foi concedido provimento recurso interlocutório interposto pelos Autores, anulando-se todos os termos processuais após o pedido de segundo perícia, que dever ser admitido e procede em conformidade.
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   Em cumprimento do douto decidido do TSI, foi realizada uma 2ª perícia, tendo procedido a julgamento com observância do devido formalismo.
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  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
***
2. FACTOS:
  Resulta assente a seguinte factualidade com interesse para o mérito da causa:
  Da matéria de Facto Assente:
1. F, faleceu no dia 6 de Janeiro de 2001, na Unidade dos Cuidados Intensivos do Centro Hospital Conde São Januário, em Macau, após 6 dias de internamento. (alínea A dos Factos Assentes)
2. A paciente deu entrada nos serviços de urgência do CHCSJ, em 31 de Dezembro de 2000, pelas 15 horas e 37 minutos. (alínea B dos Factos Assentes)
3. Examinada pelo Dr. G foi verificado que se apresentava com 39º graus de febre, convulsões e inconsciente. (alínea C dos Factos Assentes)
4. Tinha história de gripe de 3 a 4 dias antes da crise de convulsões. (alínea D dos Factos Assentes)
5. Foi ordenada a realização de exames clínicos, de forma a diagnosticar a patologia, que consistiram em análises ao sangue, urina e exames radiológicos à cabeça (TAC, MR2 e NRA). (alínea E dos Factos Assentes)
6. No mesmo dia, pelas 16 horas e 40 minutos no Serviço de Urgência, o médico especialista – neurologista, DR. E, ora 2º R., é chamado para observar a paciente. (alínea F dos Factos Assentes)
7. Depois de observar a paciente e efectuados os exames devidos, confirmou os dados examinados anteriormente pelo Dr. G. (alínea G dos Factos Assentes)
8. Tais meios de diagnóstico conduziram à admissão da paciente a internamento, com diagnóstico provisório de epilepsia sintomática ou encefalite viral, tendo sido detectado um edema cerebral (documento 4 da contestação). (alínea H dos Factos Assentes)
9. Na altura, foi dado conhecimento ao pai dos AA., que a paciente ficaria internada nos Serviços de Medicina (Neurologia), situado no 2º andar do Hospital. (alínea I dos Factos Assentes)
10. No dia 1 de Janeiro de 2001, o pai dos AA., na hora da visita, deslocou-se ao C.H.C.S.J, a fim de se inteirar sobre o seu estado clínico, e, procurou o 2º Réu, médico responsável – DR. E – no Serviço de Urgência. (alínea J dos Factos Assentes)
11. Este afirmou que possivelmente o estado clínico da paciente poderia ser provocado por uma encefalite viral. (alínea L dos Factos Assentes)
12. Realçou que a grande preocupação que tinha, de momento, era controlar os espasmos, uma vez que durante a noite a paciente tinha sofrido várias convulsões. (alínea M dos Factos Assentes)
13. A punção lombar permite detectar a encefalite viral. (alínea N dos Factos Assentes)
14. No dia da admissão da paciente, esta encontrava-se num quarto dos Serviços de Medicina I (Neurologia), com soro e tubo gástrico. (alínea O dos Factos Assentes)
15. Encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos. (alínea P dos Factos Assentes)
16. No dia 2 de Janeiro de 2001, o 2º R. informou o pai dos AA. que o estado da paciente se tinha agravado. (alínea Q dos Factos Assentes)
17. Para o 2º R. o estado clínico da paciente, neste dia, era muito crítico e corria risco de vida. (alínea R dos Factos Assentes)
18. O 2º Réu realizou a punção lombar 4 dias após o internamento da paciente. (alínea S dos Factos Assentes)
19. O pai dos AA. nunca foi informado do resultado da punção lombar. (alínea T dos Factos Assentes)
20. No dia 4 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. e familiares, contactaram o Chefe de Serviço de Medicina I (Medicina Interna) – Dr. H – e o Director dos Serviços de Saúde à data – Dr. I -, para dar conhecimento das suas preocupações e os auscultar quanto a uma possível transferência para os Serviços de Cuidados Intensivos. (alínea U dos Factos Assentes)
21. Invocaram, para pedir a imediata transferência para o Serviço dos Cuidados Intensivos, que a assistência no Serviços de Medicina I (Neurologia) era deficiente, a vários níveis, incluindo o pessoal de enfermagem e de equipamento, tendo em conta a evidente imagem da gravidade do estado clínico da paciente. (alínea V dos Factos Assentes)
22. O 2º Réu alegou, para não se fazer a transferência da paciente para a Unidade de Cuidados Intensivos, que ali teria uma assistência mais regular e intensiva, mas estaria mais vulnerável a qualquer agente patológico presente na referida Unidade. (alínea X dos Factos Assentes)
23. Era notório que ao 5º dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico. (alínea Z dos Factos Assentes)
24. Às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente. (alínea AA dos Factos Assentes)
25. Cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca. (alínea AB dos Factos Assentes)
26. Por volta das 13H30, do dia 5 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. recebeu um telefonema de uma enfermeira alertando-o para o agravamento repentino do estado de saúde da paciente e pediu que se deslocasse imediatamente ao Hospital. (alínea AC dos Factos Assentes)
27. Já no Hospital foi-lhe vedada a entrada no quarto, por estar a ser feita à paciente uma tentativa de reanimação cardíaca. (alínea AD dos Factos Assentes)
28. Após várias tentativas de reanimação cardíaca tinha sido possível à equipa médica, com o apoio de uma equipa médica dos Cuidados Intensivos, que havia sido chamado de urgência, manter o funcionamento cardíaco e respiratório da paciente. (alínea AE dos Factos Assentes)
29. Após a reanimação, a paciente foi imediatamente transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos. (alínea AF dos Factos Assentes)
30. Nos cuidados intensivos, a paciente ficou monitorizada, respirando com auxílio de um ventilador mecânico. (alínea AG dos Factos Assentes)
31. Ficou a receber estimulantes cardíacos por via intravenosa por forma a garantir uma circulação sanguínea suficiente. (alínea AH dos Factos Assentes)
32. A preocupação da equipa médica do Serviço dos Cuidados Intensivos, era, no momento, estabilizar o seu estado clínico. (alínea AI dos Factos Assentes)
33. Na noite de 5 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. e a família tiveram uma reunião com o Chefe dos UCI – Dr. J – a sua solicitação. (alínea AJ dos Factos Assentes)
34. Nessa reunião, foram informados que o estado de saúde da paciente era muito grave com tendência para piorar, utilizando o dito médico a expressão «a sua vida está por um fio». (alínea AL dos Factos Assentes)
35. O médico disse que a sua maior preocupação era tentar conseguir a estabilização do seu estado clínico, apesar de terem conseguido pôr a funcionar o pulmão atingido pela pneumonia por aspiração. (alínea AM dos Factos Assentes)
36. Também disse que era remota a hipótese de uma recuperação, visto as probabilidades de lesões cerebrais definitivas serem extremamente elevadas. (alínea AN dos Factos Assentes)
37. Na tarde do dia 6 de Janeiro de 2001, o pai da AA. foi informado, por outro médico da Unidade de Cuidados Intensivos, que nada mais havia a fazer, uma vez que horas antes tinha ocorrido a morte cerebral da paciente, pelo que só restava que o coração parasse de bater, facto que veio a acontecer às 23H40. (alínea AO dos Factos Assentes)
38. No dia 7 de Janeiro de 2001 realizou-se a autópsia da paciente falecida. (alínea AP dos Factos Assentes)
39. O resultado da autópsia nunca foi comunicado aos familiares da falecida. (alínea AQ dos Factos Assentes)
40. Na certidão de óbito vem indicado como causa clínica da morte – encefalite viral. (alínea AR dos Factos Assentes)
41. O pai dos AA. solicitou à Direcção do Hospital a abertura de um inquérito por entender existirem indícios suficientes de actos de negligência aquando do internamento da paciente F. (alínea AS dos Factos Assentes)
42. Ao pai dos AA. foi comunicado que tinha sido aberto um inquérito, no qual tinha sido nomeado o instrutor Dr. K. (alínea AT dos Factos Assentes)
43. Pelo menos até à data da propositura da presente acção não foi comunicado ao pai dos AA. o resultado desse inquérito. (alínea AU dos Factos Assentes)
44. O 2º R. trabalhava como médico especialista para a 1ª R. à data dos factos. (alínea AV dos Factos Assentes)
45. A falecida vivia separada de facto com o pai dos AA. (alínea AX dos Factos Assentes)
46. Os ora viviam em harmonia com a falecida; sofreram e continuam a sofrer com o seu desaparecimento, chorando, por vezes, pela sua morte. (alínea AZ dos Factos Assentes)
47. A medicação ministrada à falecida durante o período de internamento consta da folha de “Terapêutica Médica” (fls. 227 dos autos), cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido. (alínea BA dos Factos Assentes)
48. O acompanhamento da falecida durante o período de internamento consta da folha de “Registos de 24 Horas” (fls. 228 e 229 dos autos), cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido. (alínea BB dos Factos Assentes)
Da Base Instrutória:
49. Se o 2º R. tivesse efectuado logo de início a punção lombar teria confirmado desde logo a encefalite viral. (resposta ao Quesito 1º)
50. No dia 2 de Janeiro de 2001, 2º R. disse que o diagnóstico da paciente, apesar de ser reservado, indicava uma encefalite viral. (resposta ao Quesito 3º)
51. Aquando da visita do pai dos AA. e seus familiares, a paciente teve convulsões e apresentava dificuldades respiratórias, o que obrigava ao pessoal de enfermagem, na sua presença, a realizar uma aspiração de fluídos das vias respiratórias. (resposta ao Quesito 4º)
52. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata. (resposta ao Quesito 5º)
53. Às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala. (resposta ao Quesito 6º)
54. No dia 3 de Janeiro de 2001 foi comunicado ao pai dos AA. que a paciente sofria de uma pneumonia e que estava a ser tratada para o efeito. (resposta ao Quesito 8º)
55. A pneumonia foi contraída durante o seu internamento. (resposta ao Quesito 9º)
56. A pneumonia contribuiu para o agravamento do seu estado clínico. (resposta ao Quesito 12º)
57. A grande preocupação do Dr. E, ora 2º R., continuava a centrar-se na impossibilidade de controlar as convulsões. (resposta ao Quesito 15º)
58. Foi decidido aumentar a dose de barbitúricos e benzodiazepinas por forma a tentar controlar essas mesmas convulsões. (resposta ao Quesito 16º)
59. A punção lombar é “exame fundamental” para o diagnóstico precoce das encefalites. (resposta ao Quesito 17º)
60. A punção lombar era desaconselhada, por ter consequências negativas, em virtude do edema que apresentava a paciente. (resposta ao Quesito 18º)
61. O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia). (resposta aos Quesitos 20º e 37º)
62. A Unidade de Cuidados Intensivos possui, à data dos factos, dois quartos individuais. (resposta ao Quesito 21º)
63. Os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico. (resposta ao Quesito 23º)
64. Aquando da entrada no Hospital, a paciente ainda não atingia ao estado em que carecia de ser internada na Unidade de Cuidados Intensivos, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário era destinada a doentes com instabilidade hemodinâmica. (resposta ao Quesito 24º)
65. No momento em que ocorreu a paragem cardíaca, em 05/01/2001 entre 12:30 e 13:00, não estava ninguém presente. (resposta ao Quesito 27º)
66. O facto foi detectado por uma enfermeira que lá passou. (resposta ao Quesito 28º)
67. O médico de urgência recebeu uma chamada por volta das 13 horas. (resposta aos Quesito 29º e 30º)
68. 15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis. (resposta ao Quesito 31º)
69. O pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca. (resposta ao Quesito 32º)
70. Depois de prestar os primeiros socorros à paciente, o pessoal médico e de enfermagem conseguiram reanimar a paciente por volta das 13:45. (resposta ao Quesito 33º)
71. Não se sabia concretamente quais os danos irreversíveis surgidos em outros órgãos como o cérebro, coração e rins. (resposta ao Quesito 33-Aº)
72. A paciente foi transferida seguidamente para a Unidade de Cuidados Intensivos. (resposta ao Quesito 34º)
73. A médica dos Cuidados Intensivos sobre possíveis lesões cerebrais respondeu que eram elevadas as possibilidades de tal ter ocorrido, sendo que se desconhecia o tempo que teria estado sem respirar, logo sem oxigenação cerebral. (resposta ao Quesito 35º)
74. Na reunião tida na noite de 05/01/2001, o Dr. J referiu que a paciente apresentava quantidades muito elevadas de barbitúricos e benzodiazepinas no sangue, chegando a fazer constar no seu relatório que as mesmas era exorbitantes. (resposta ao Quesito 36º)
75. O que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral , a infecção viral e a pneumonia. (resposta aos Quesitos 39º e 40º)
76. A encefalite viral herpes simplex é uma patologia rara em adultos, geradora de complicações clínicas associadas e de alta mortalidade. (resposta aos Quesitos 45º e 46º)
77. A falecida F assumia o sustento dos ora AA., incluindo as despesas relativas à segurança, saúde e educação. (resposta ao Quesito 47º)
78. À data do seu falecimento, auferia um vencimento mensal de MOP$21.000,00 (vinte e um mil patacas). (resposta ao Quesito 48º)
79. Logo no primeiro dia de internamento foi detectado um aumento de glóbulos brancos no sangue da paciente, o que é um importante sinal de infecção. (resposta ao Quesito 49º)
80. A mãe dos AA. despendia com o sustento destes 2/3 do seu vencimento. (resposta ao Quesito 50º)
81. Com o funeral da F foi despendida a quantia de MOP$28.000,00 (vinte e oito mil patacas), do património dos AA. (resposta ao Quesito 51º)
Factos provados por documentos autênticos
82. Os AA. são filhos legítimos da falecida F e de D. (fls. 308 a 310v. dos autos)
83. A falecida era casada, à data do óbito, com o pai dos Autores. (fls. 307 a 310v. dos autos)
84. A falecida F tinha 37 anos de idade à data do seu falecimento. (fls. 54 e 307 dos autos)
85. Os Autores A e Reis Pereira, B e C nasceram respectivamente em 12/05/1995, 22/11/1996 e 11/08/2000. (fls. 308 a 310v. dos autos)
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3. FUNDAMENTOS:
  Cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
  A mãe dos Autores faleceu no dia 6 de Janeiro de 2001, na Unidade dos Cuidados Intensivos do Centro Hospital Conde São Januário, em Macau, após 6 dias de internamento. (ponto 1º e 82º dos Factos Provados)
  Na certidão de óbito vem indicado como causa clínica da morte – encefalite viral. (ponto 40º dos Factos Provados)
  Na óptica dos Autores, as omissões dos Réus contribuíram para a morte da falecida e pedem assim que os danos sejam ressarcidos.
  Resumidamente, fundamentam a acção nos seguintes aspectos:
  - não realização da punção lombar, o que impossibilitou a confirmação da doença da falecida, bem como a administração dos medicamentos adequados e a adopção das medidas devidas;
  - não monitorização da falecida / falta de assistência pronta por parte da equipa médica, nomeadamente no concernente à paragem cardíaca da falecida, a qual, na óptica dos Autores, foi detectada casualmente, sendo que o excessivo tempo que levou a iniciar-se a reanimação provocou lesões irreversíveis cerebrais, cardíacas e renais;
  - a contracção da pneumonia durante o internamento e a causa foi por aspiração de fluidos, por falta de assistência médica e hospital, o que contribuiu ainda mais para o agravamento do seu estado clínico;
  - não transferência da falecida para os Serviços de Cuidados Intensivos;
  - aplicação de quantidade exorbitante de barbitúricos e benzodiazepinas.
  Analisaremos então se os factos provados possam sustentar a tese dos Autores.
*
  Os Autores começam por entender que se a equipa médica devia ter realizado logo uma punção lombar. Na sua óptica, a não realização da punção lombar é o que impossibilitou a identificação da doença da falecida, a administração dos medicamentos adequados e a adopção das medidas devidas.
  Vejamos.
  Antes de mais, ficaram provados que a punção lombar é o exame fundamental para o diagnóstico precoce das encefalites e se o 2º R. tivesse efectuado logo de início a punção lombar teria confirmado desde logo a encefalite viral. (ponto 13º, 49º e 59º dos Factos Provados)
  Contudo, foi também provado que “A punção lombar era desaconselhada, por ter consequências negativas, em virtude do edema que apresentava a paciente.” (ponto 60º dos Factos Provados)
  Tal como confirmaram os peritos da 2ª perícia (fls. 1060 dos autos), “沒有絕對的指引指示入院病人一定要在住院初期做足腰穿刺及腦電圖,而是按照有沒有適應征及禁忌癥選擇輔助檢查,沒有絕對禁忌的情況下(腰穿部份皮膚感染,血小板低,全身用抗凝藥物,腦疝),早期檢測腰穿刺和腦電圖檢查是輔助檢查病情的輔助方法,也是鑒別診斷的手段。……”
  E no mesmo sentido opina um dos peritos da 1ª perícia (fls. 399 dos autos), que “當時患者腦部CT/MRI顯示腦水腫,此時行腰穿檢查有導致腦疝的危險。對患者而言,首要目的為控制症狀及對可能的診斷加以治療,入院時雖無腰穿檢驗結果,但可根據CT/MRI結果給予脫水治療,以及根據臨床症狀,採用抗癲癇法及抗菌素治療。……”
Face ao quadro factual assente, não entendemos que os Réus têm culpa por não terem realizado de imediato a punção lombar. Isto porque, por um lado, a paciente teve contra-indicação, i.e., o edema, e por outro lado, tal como o que ficou provado, a equipa médica já conseguiu diagnosticar provisoriamente de que a paciente enfermava de encefalite viral, mesmo sem a punção lombar. (ponto 8º e 11º dos Factos Provados)
  É certo que se o 2º R. tivesse efectuado logo de início a punção lombar teria confirmado desde logo a encefalite viral, afastando a hipótese de estar em causa uma encefalite bacteriana.
  Todavia, de facto, existem vários tipos de encefalite viral. Mas a realização da punção lombar e a obtenção do líquido cefalorraquidiano não permitem acertar, num prazo curto, o tipo concreto de vírus causador da encefalite. Sem saber em concreto qual o agente etiológico, não se afigura possível ministrar medicamentos adequados à paciente, porquanto um medicamento efectivo para determinado tipo de encefalite viral pode não o ser para outros tipos. Neste sentido, não podemos deixar de dar ênfase a que não se provou o quesito n.º 2º (E poderia ter eliminado a encefalite viral e o edema que estava a causar, ministrando logo o medicamento adequado?)
  No caso em apreço, ademais, não ficaram provados que o insucesso de identificação do vírus causador da encefalite foi devido à omissão da qualquer diligência médica por parte da equipa médica (nomeadamente por falta da realização da punção lombar). Por outro lado, também não ficou provado que existia naquela altura medicamentos adequados e eficazes para o caso da paciente, mas que a equipa médica, havendo omissão, não os administrou (também não resulta dos factos provados a possibilidade de medicação preventiva). Com efeito, durante o internamento da paciente, nunca se conseguiu identificar o vírus concreto, sendo certo que as sintomas da paciente também não indiciaram o tipo provável de vírus. Nesta conjuntura, não se afigura que se podia tentar administrar medicamento para eliminar directamente o vírus causador de encefalite.
  Assim, o que é primordial é controlar os sintomas apresentados, deixando a capacidade natural do corpo para resistir e combater à infecção.
  Acrescem os Autores que os sintomas apresentados não foram valorizados adequadamente pela equipa médica. Salvo melhor opinião, este entendimento não merece a nossa concordância, em face dos pontos 11º, 12º, 32º, 35º, 57º, e 58º dos Factos Provados. Com efeito, a equipa médica envidava-se os esforços para controlar os sintomas da paciente (nomeadamente as convulsões e dificuldades respiratórias), bem como para estabilizar o estado da paciente, diligências essas que não apontam para a conclusão de que se descurou pelos sintomas da paciente.
  Improcedem assim estes argumentos dos Autores.
*
  - Da utilização inadequada e exorbitante de barbitúricos e benzodiazepinas:
  Entendem os Autores que o 2º réu, erradamente, deu excessiva atenção e preocupação do tratamento das crises convulsivas através de calmantes, tendo como consequência a desvalorização do edema cerebral, indicador de uma possível infecção cerebral.
  Acrescem que o 2º Réu tinha utilizado o excesso da quantidade de barbitúricos e benzodiazepinas, o que contribuiu para a paragem cardíaca e a morte da paciente.
  Em primeiro lugar, da matéria assente não resulta que a equipa médica desvalorizou nem o edema cerebral (sintoma), nem a infecção cerebral (causa).
  De facto, é-nos correcto a opção de tentar controlar os sintomas da paciente, nomeadamente as convulsões e dificuldades respiratórias. Com efeito, tal como o que opina os peritos da 2ª perícia (fls. 1063 dos autos), “……由於造成腦幹腦炎的其他病毒,大多對抗生藥物沒有反應,因此基本的治療是採取一些措施,使症狀緩和下來,讓身體的自然防禦力量去克服感染。在大多數情況下,只有觀察併發癥治療併發癥,保持呼吸道通暢,營養充足。……”
  Também ficou provado que “Na reunião tida na noite de 05/01/2001, o Dr. J referiu que a paciente apresentava quantidades muito elevadas de barbitúricos e benzodiazepinas no sangue, chegando a fazer constar no seu relatório que as mesmas eram exorbitantes.” (ponto 74º dos Factos Provados)
  Ora, em primeiro lugar, não merece nenhuma censura a administração de barbitúricos e benzodiazepinas, ambos destinados a calmar a paciente e controlar as convulsões. O que duvidam os Autores é a quantidade aplicada, a qual não deixa de ser, na óptica destes, exorbitantes.
  Antes de mais, ficou provado que “foi decidido aumentar a dose de barbitúricos e benzodiazepinas por forma a tentar controlar essas mesmas convulsões.” (ponto 58º dos Factos Provados)
  Para se mostrar que a equipa médica tinha culpa, o essencial é provar que a quantidade desses medicamentos era mais do que suficiente (face à situação concreta), perigosa e lesiva, podendo agravar a situação da paciente ou impedir o melhoramento da situação da mesma.
  Neste sentido, para além de não ficar provado que as quantidades de barbitúricos contribuíram para a paragem cardíaca da paciente (vide Quesito 39º), da matéria assente também não conseguimos retirar essa conclusão.1
  Pelo exposto, não se verifica a culpa dos Réus neste aspecto.
*
  - Não monitorização da falecida / Falta de assistência médica adequada e pronta à paciente durante o internamento.
  Passemos a analisar se a equipa médica deve ser responsabilizada pela contracção da pneumonia da paciente.
  Antes de mais, não ficaram provados que a causa de contracção da pneumonia foi por aspiração de fluidos, por falta de assistência médica e hospitalar. (ver quesitos 9º e 10º)
  Deste modo, soçobra este fundamento dos Autores.
  Vejamos de seguida a falta de monitorização da situação da paciente e a falta de transferência da paciente para a UCI:
  Ficaram provados que:
  “14. No dia da admissão da paciente, esta encontrava-se num quarto dos Serviços de Medicina I (Neurologia), com soro e tubo gástrico. (alínea O dos Factos Assentes)
  15. Encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos. (alínea P dos Factos Assentes)
  …
  61. O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia). (resposta aos Quesitos 20º e 37º)
  62. A Unidade de Cuidados Intensivos possui, à data dos factos, dois quartos individuais. (resposta ao Quesito 21º)
  63. Os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico. (resposta ao Quesito 23º)
  64. Aquando da entrada no Hospital, a paciente ainda não atingia ao estado em que carecia de ser internada na Unidade de Cuidados Intensivos, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário era destinada a doentes com instabilidade hemodinâmica. (resposta ao Quesito 24º)”
  Quanto à não transferência da paciente para a UCI, ficou provado o estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia).
  Para o caso da paciente, conforme explicação dos peritos (vide resposta ao Q10 das perícias – fls. 397, 1063 e 1064 dos autos), o que ela necessitava era observações e acompanhamento adequados. Sempre que a situação da paciente estivesse adequadamente monitorizada, não seria imprescindível a sua transferência para a UCI.
  Não obstante a Unidade de Cuidados Intensivos possui, à data dos factos, dois quartos individuais (ponto 62º dos Factos Provados), os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico (ponto 63º dos Factos Provados). De facto, a decisão do 2º Réu em não transferir a paciente para a UCI assentou também no argumento de que, não obstante ter ali uma assistência mais regular e intensiva, estaria mais vulnerável a qualquer agente patológico presente na referida Unidade (ponto 22º dos Factos Provados).
  Por outro lado, ficou também provado que aquando da entrada no Hospital, a paciente ainda não atingia ao estado em que carecia de ser internada na Unidade de Cuidados Intensivos, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário era destinada a doentes com instabilidade hemodinâmica. (ponto 64º dos Factos Provados)
  Deste modo, a circunstância de a paciente ser apenas transferida à UCI após a sua reanimação cardíaca (ponto 72º dos Factos Provados) não conduz necessariamente à conclusão da falta da assistência médica, tendo em conta nomeadamente a vulnerabilidade da paciente a agente patológico.
  A situação da paciente, desde a sua entrada no hospital, era sempre grave, ninguém duvida. Também concluímos que a punção lombar não permitia apurar à partida que o tipo de encefalite viral e daí, na falta de hipótese para administrar medicamento, o que devia passar a fazer era monitorizar bem a situação da paciente, controlar os sintomas da paciente, esperando que a resistência do corpo vencer o vírus.
  Portanto, tal como o que afirmaram as testemunhas e os peritos, o que é pertinente não é a transferência da paciente a uma área denominada “UCI”, o que a paciente precisava era observação e acompanhamento, e desde que sejam satisfeitas essas condições, podia a paciente ficar num quadro normal.2
  Mau grado a paciente não estivesse na “UCI”, isto em princípio não agravaria a situação clínica da paciente. O que poderia eventualmente suceder era que, com uma observação menos atenta da situação da paciente e no caso de surgir repentinamente qualquer emergência, poderia não ser detectada e tratada imediatamente.
  Portanto, o que se deve analisar é: se a não transferência para a UCI, e a falta de observação da paciente (a existirem), causaram efectivamente prejuízo para a paciente, ou pelo mesmo, demorou a realização dos primeiros socorros contribuindo para a morte da mesma.
Neste aspecto, duas circunstâncias são relevantes.
Primeiro, ficaram provados que:
  “52. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata. (resposta ao Quesito 5º)
  53. Às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala. (resposta ao Quesito 6º)”
  Pese embora a assistência por parte da equipa médica não era sempre imediata, não se afigura que esta circunstância contribuiu para o agravamento da situação clínica da paciente, ou até para a sua morte. Deste modo, não concluímos aqui nenhuma responsabilidade a suportar pelos Réus.
  Segundo, os Autores deram ênfase à paragem cardíaca da falecida e os primeiros socorros demorados por parte da equipa médica. A este respeito, destacamos a seguinte matéria provada:
   “24. Às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente. (alínea AA dos Factos Assentes)
  25. Cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca. (alínea AB dos Factos Assentes)
  …
  30. Nos cuidados intensivos, a paciente ficou monitorizada, respirando com auxílio de um ventilador mecânico. (alínea AG dos Factos Assentes)
  …
  36. Também disse que era remota a hipótese de uma recuperação, visto as probabilidades de lesões cerebrais definitivas serem extremamente elevadas. (alínea AN dos Factos Assentes)
  …
  61. O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia). (resposta aos Quesitos 20º e 37º)
  …
  65. No momento em que ocorreu a paragem cardíaca, em 05/01/2001 entre 12:30 e 13:00, não estava ninguém presente. (resposta ao Quesito 27º)
  66. O facto foi detectado por uma enfermeira que lá passou. (resposta ao Quesito 28º)
  67. O médico de urgência recebeu uma chamada por volta das 13 horas. (resposta aos Quesito 29º e 30º)
  68. 15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis. (resposta ao Quesito 31º)
  69. O pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca. (resposta ao Quesito 32º)
  70. Depois de prestar os primeiros socorros à paciente, o pessoal médico e de enfermagem conseguiram reanimar a paciente por volta das 13:45. (resposta ao Quesito 33º)
  …
  75. O que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral , a infecção viral e a pneumonia. (resposta aos Quesitos 39º e 40º)”
  Como é de notar, deste acervo dos factos não resulta em concreto quando é que ocorreu a paragem cardíaca.
  O certo é que a mesma ocorreu de entre 12H30 a 13H00, porquanto às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente, e cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca. (ponto 24º e 25º dos Factos Provados)
  Afigura-se que a paragem cardíaca, muito provavelmente, não é detectada imediatamente após a sua ocorrência, porquanto, no momento em que ocorreu a paragem cardíaca, em 05/01/2001 entre 12:30 e 13:00, não estava ninguém presente. O facto foi detectado por uma enfermeira que lá passou. (ponto 65º e 66º dos Factos Provados)
  Ficou provado que o médico de urgência recebeu uma chamada por volta das 13 horas. (ponto 67º dos Factos Provados)
  E, depois de prestar os primeiros socorros à paciente, o pessoal médico e de enfermagem conseguiram reanimar a paciente por volta das 13:45. (ponto 70º dos Factos Provados)
  A nosso ver, logo detectada a paragem cardíaca, o médico de urgência foi imediatamente chamada, e deste modo, não se afigura haver morosidade na prestação dos primeiros socorros.
  Ora, a questão mais sensível é saber: havia ou não morosidade na detecção da paragem cardíaca.
  Se a paciente tivesse sido internada na UCI, ou se tivesse havido uma monitorização da situação que alertava no caso de paragem cardíaca, seria provável que a equipa médica tomaria imediatamente conhecimento da ocorrência da paragem cardíaca e podia proceder mais cedo aos primeiros socorros. No caso em apreço, ficou provado que a paciente “encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos.” (ponto 15 dos Factos Provados)
  Não compreendemos como é que é possível que a equipa médica não tivesse sido avisada logo ocorreu a paragem cardíaca, ou tivesse tomado conhecimento imediatamente com a sua ocorrência. Ficou ainda provado que o pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca. (ponto 69º dos Factos Provados)
  Ora, face à gravidade da doença da paciente, a sua situação concreta nomeadamente a contracção de pneumonia e a sua inconsciência, era perfeitamente possível a falha de órgãos e outras situações de emergência. De facto, era notório que ao 5º dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico. (ponto 23º dos Factos Provados)
  Deste modo, afigura-se que a paciente, pela sua situação clínica que reclamava, não tinha sido devidamente monitorizada e existia assim morosidade na detecção da sua paragem cardíaca.
  Não obstante isto, não ficou provado que a causa clínica que directamente provocou a morte da paciente foi paragem cardíaca, sendo a encefalite viral uma doença associada, nem que a encefalite viral não provocou directa e por consequência a paragem cardíaca, nem que a lesão por anóxia cerebral, resultante da paragem cardíaca, foi o facto mais importante para o seu falecimento. (ver Quesitos 40º a 43º)
  O que ficou provado é que o que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral, a infecção viral e a pneumonia.
  Não é de olvidar, ainda, que a encefalite viral herpes simplex é uma patologia rara em adultos, geradora de complicações clínicas associadas e de alta mortalidade. (ponto 75º e 76º dos Factos Provados)
  Nesta conjuntura, podemos estabelecer um nexo causal entre os actos dos Réus (insuficiência na monitorização e na detecção da paragem cardíaca) e os danos (a morte da paciente)?
  Entendemos que não. Por um lado, como já vimos, não se provou a relação causal entre a paragem cardíaca e a morte da paciente. Por outro lado, pese embora “15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis” (ponto 68º dos Factos Provados), não ficou provado com exactidão o tempo decorrido entre a paragem cardíaca e a sua verificação. Ou seja, a paragem cardíaca podia ter sido detectado ou dentro de 15 minutos, ou fora de 15 minutos. Perante este non liquet, temos que recorrer à regra geral consignada no artigo 335º n.º1º do CC: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
  Assim, como os Autores não lograram provar que os actos dos Réus causaram efectivamente lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis à falecida, nem que a morte da paciente era evitável se a paragem cardíaca tivesse sido detectada mais cedo, não podemos estabelecer nexo de causalidade adequado entre os actos culposos e os danos.
  Deste modo, este último argumento dos Autores também não justifica a responsabilidade a suportar pelos Réus.
*
Tudo ponderado, resta decidir.
***
4. DECISÃO:
  Face a todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, absolve os Réus dos pedidos dos Autores.
  Custas pelos Autores, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam.
  Fixam-se os honorários de MOP5,000 para o patrono oficioso dos Autores.
  Para os peritos da 1ª e da 2ª perícia, fixam-se os honorários de 7 UC para cada um destes, em função das suas participações e complexidade da causa.
  Notifique e registe.

Não se conformando com o decidido, vieram os Autores recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

Para o efeito os Autores formularam as seguintes conclusões:
  Conclusões:
  1ª - Com base nos factos assim descritos, o Meritíssimo Juiz do tribunal "a quo" decidiu erradamente absolver os Réus do pagamento de MOP$4,923,924.00, a título de indemnização e compensação pela morte da sua mãe directamente ou indirectamente causada por factos ilícitos dos RR. (falta de tratamento e assistência médica adequada).
  2ª - Com o presente recurso os Recorrentes pretendem demonstrar que todos os factos que foram provados, bem como, os factos que deveriam ser considerados provados, nunca poderiam conduzir à absolvição dos RR., pelas razões a seguir explanadas.
  3ª - O Autor impugna a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 2º, 9º, 11°, 43° e 44° da base instrutória, entendendo, salvo o devido respeito, que os mesmos devem ser considerados provados devido a todos os elementos de prova existentes nos autos.
  4ª - E uma vez provados, os referidos quesitos 2°, 9° e 44° da base instrutória, conjugado com a restante matéria assente no despacho saneador e na resposta ao questionário, deve-se julgar procedente o pedido indemnizatório dos Recorrentes, por não existirem obstáculos legais para o efeito.
  5ª - Nos termos do nº 1 do artigo 599° e do n° 1 do artigo 629° do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599°, a decisão com base neles proferida.
  6ª - Não existiu a assistência médica e hospital adequada e que não foram administrados os meios de diagnóstico adequados e no momento oportuno o que impossibilitou a medicação adequada ao caso em apreço.
  7ª - Existe negligência na conduta do 2° Réu ao realizar a punção lombar no 4° dia de internamento, apesar de ser desaconselhada a realização devido ao edema visto que este exame de diagnóstico deveria ter sido feito logo desde o início do internamento.
  8ª - Negligência essa que retardou o tratamento à encefalite viral visto que nunca foi ministrada qualquer medicação viral para combater a doença.
  9ª - A responsabilidade médica deve ser referida aos deveres e/ou obrigações que os médicos assumem para o e no exercício da sua profissão. Referência que deve ser dimensionada no contexto do espaço (físico e temporal) do acto médico e também na experiência do agente (médico).
  10ª - A responsabilidade civil do médico não deriva de um Direito específico da profissão médica, mas do conceito genérico de responsabilidade decorrente do Direito Civil: a obrigação, imposta por lei, a quem causa prejuízo a terceiros, de colocar o ofendido na situação em que estaria sem a lesão.
  11ª - No ordenamento jurídico da RAEM, a responsabilidade civil do médico assenta na falta, ou seja, os médicos devem ser civilmente responsabilizados pelos prejuízos causados aos seus doentes quando se faça prova de que esses prejuízos resultaram de faltas cometidas por si.
  12ª - Isto está assente porque quando um médico aceita tratar um doente, assume perante ele a obrigação de utilizar os meios mais adequados ao seu alcance, em conformidade com os dados da ciência médica, para tratar o doente.
  13ª - Trata-se estarmos perante uma obrigação de meios e não de uma obrigação de resultados visto que se o médico não cumpre essa obrigação de meios, infringe o compromisso assumido perante o doente e pode vir a ser responsabilizado pelos eventuais prejuízos por ele sofridos em consequência dessa infracção.
  14ª - Aliás, existe o entendimento que também na obrigação de meios pode funcionar a presunção de culpa, sendo que, não se presume que o 2° Réu foi culpado por não atingir um resultado, mas sim que foi culpado por não ter diligenciado os seus melhores esforços.
  15ª - Dos factos provados é possível concluir - que, pelo menos, existe falta
  médica por omissão do 2° Réu na mera decisão de não transferir antes da paragem cardíaca a paciente para os cuidados intensivos onde teria melhores cuidados médicos à sua disposição e de o ter só feito num momento temporal já muito retardado aquando da paragem cardíaca.
  16ª - Da matéria provada dos autos ficou provado e conclui-se ser faltosa a intervenção médica do 2° Réu porque não está conforme com a leges artis.
  17ª - A conduta do 2° Réu configura uma conduta faltosa com dolo eventual porque este assume uma atitude em contravenção das regras da leges artis, e, não obstante prevendo a realização de um facto como consequência possível dessa atitude, actua conformando-se com aquela realização.
  18ª - Teria o 2° Réu não só a obrigação moral de se manter actualizado nos seus conhecimentos, como também de lutar para que os meios de diagnóstico e de tratamento fossem necessários, suficientes e de qualidade, sob a pena de trair a confiança que os doentes depositam nos médicos.
  19ª - Actuou de forma ilícita e culposa o 2° médico em não ter diagnosticado e confmnado mais cedo a encefalite viral que assolava a paciente, e, mesmo depois de fortes suspeitas sobre a existência da encefalite viral, não procedeu imediatamente à punção lombar e a administração da terapêutica com o medicamento protocolar para o vírus da encefalite Herpes Simplex.
  20ª - Ficou ainda provado que a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi uma conjugação de factores, como o edema cerebral não tratado convenientemente, a infecção viral não identificada, a pneumonia por aspiração por ausência de prevenção hospitalar, sendo que as quantidades exorbitantes de barbitúricos administrados também contribuíram negativamente para o estado da sua situação clínica.
  21ª - A situação da paragem cardíaca que levou à morte ainda é mais agravada pela ausência do conhecimento do tempo de quando ocorreu.
  22ª - Durante o internamento houve factos negligentes que contribuíram para a morte da paciente, nomeadamente, não foi valorizado adequadamente, desde a sua entrada no serviço de urgência e durante o seu internamento, os sintomas apresentados, mormente, febre, convulsões (sem historia anterior de epilepsia ou convulsões), estado de gripe 3/4 dias, inconsciência, edema cerebral indicado nos exames radiológicos e aumento dos glóbulos brancos no sangue, que é sinal primeiro de infecção, acrescido com a suspeição primeira por parte do 2º R. logo no 1º dia de internamento, de encefalite viral.
  23a - Foi dada erradamente, prioridade ao tratamento das convulsões por via de medicamentos, negligenciando, desde o primeiro momento, a suspeição de encefalite viral da qual não desenvolveu os exames necessários para a afirmação da doença, nomeadamente a realização da punção lombar e a administração de um medicamento que poderia permitir ter capacidade de sobrevivência.
  24ª - o 2° R. cuidou de alguns efeitos e rejeitou a identificação da causa desses efeitos, não tratando adequadamente do edema cerebral e da encefalite viral, de forma a manter o controlo da situação primeira: encefalite viral.
  25ª - O 2° R. contra todos os indícios de encefalite não adequou, nem preparou as condições de assistência hospitalar a serem observadas enquanto a doente permaneceu no Serviço de Medicina I (Neurologia).
  26a - Não preveniu o 2° R. com actos médicos as possíveis consequências de que a medicamentação exagerada poderia acarretar.
  27ª - A negligência da medicação exagerada abriu caminho à possibilidade certa de paragem cardíaca e/ou respiratória e à pneumonia por aspiração, factos comuns em doentes inconscientes e com crise de convulsões.
  28a - O 2° R. negligenciou ao não recorrer em tempo a outros departamentos do hospital, tendo em conta, conforme afirma em relatório, a dificuldade em controlar a evolução da doença.
  29ª - O 2° R. cometeu um erro grave em não monitorizar a doente, nem de ter recorrido a outras técnicas obrigatórias de suporte das condições básicas de via - ventilação assistida, monitorização cardíaca.
  30ª - Existe falta de assistência porque é facilmente perceptível retirar que a paciente entrou em estado inconsciente, que o pessoal de enfermagem necessitava de realizar aspiração por fluidos das vias respiratórias), que durante as convulsões a assistência da parte da equipa de enfermagem nem sempre era imediata, que as vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido direito de alguém direito dentro da sala, que a pneumonia foi contraída durante o internamento e que contribuiu para o agravamento do seu estado clínico.
  31ª - O seu estado necessitaria de monitorização para alertar a ocorrência de convulsões ou, como mais adiante se defende, deveria ser transferira para a Unidade de Cuidados Intensivos.
  32ª - Não tendo a assistência prestada sido imediata, quando havia necessidade de fazer aspiração de fluidos, sofreu a paciente durante o seu internamento uma pneumonia por aspiração que contribuiu para o agravamento do seu estado clínico.
  33ª - Somente no dia 31 de Dezembro de 2000 o estado da paciente não exigia ser internada nos cuidados intensivos, mas que, com o agravamento crítico do seu estado de saúde, havia a necessidade de ter uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina, ou seja, necessitava de estar monitorizada e de ser transferida para o Cuidados Intensivos porque esta unidade possuía à data dois quartos individuais.
  34ª - Só assim é que se entende não ter sido provado os factos 25 e 26 da base instrutória levada a julgamento e ter respondido o Dr. J (inquirido por carta rogatória), a fls. 535, que os serviços de CI são considerados a unidade com melhor capacidade de resposta para o caso em apreço.
  35ª - O estado clínico da paciente desde o dia 2/1/2001 que exigia a transferência para os Cuidados Intensivos considerando que ficou provado: (2/1/2000): O estado da paciente se tinha agravado, A paciente teve várias convulsões e apresentava dificuldades respiratórias. O estado clínico da paciente, neste dia, era muito crítico e corria risco de vida; (3/1/2001): A paciente sofria agora de uma pneumonia por aspiração de fluidos que contribuiu para o agravamento do seu estado clínico; (4/1/2001): Era notório que ao 5° dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico.
  36ª - Não será difícil concluir que a única Unidade para receber a paciente era a Unidade dos Cuidados Intensivos porque ficou provado que esta corria risco de vida e que o seu estado de saúde aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia).
  37ª - A não transferência só veio a diminuir a capacidade da paciente em combater a encefalite viral e isso chama-se violação do dever de assistência, porquanto ao paciente deve ser lhe proporcionada toda a assistência necessária e disponível (no caso concreto havia os cuidados intensivos para dar oportunidade de sobrevivência à paciente).
  38a - Assim se retira que houve morosidade na prestação da assistência médica por parte dos RR. na detecção da paragem cardíaca, na assistência e nos serviços de socorros prestados.
  39a - Quanto aos serviços prestados estes não foram imediatos, no que concerne à assistência para aspiração de fluidos e também na detecção de uma paragem cardíaca, pelo que só podemos concluir que os serviços prestados não foram eficazes.
  40a - Em conclusão, houve manifesta falta de cuidado por parte do 2° Réu, por lhe ser exigível, no caso concreto, uma actuação mais diligente.
  41ª - Em relação ao hospital houve culpa funcional ou culpa do serviço do Hospital.
  42a - Verifica-se todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual dos Serviços de Saúde.
  43a - Perante a matéria provada, existem factos qualificáveis de negligência médica que, aquando do internamento, contribuíram para a morte da mãe dos AA.
  44ª - Os actos praticados pelo 2° R. são actos de gestão pública e por aplicação do disposto no artigo 494° do Código Civil, fica obrigado o 1° R., constituído na obrigação, de independentemente de culpa, reparar todos os danos causados pelo 2° R na morte da mãe dos AA.
  45ª - Os AA. tem o direito serem indemnizados.
  46ª - Foram violados os artigos 477°, 480°, 490°, 556°, 558°, todos do C.C, n.º 1 do artigo 4° do Decreto-Lei n.º 28/91/M e artigo 562°, n.º 2 e 3 do CPC.
  47ª - Em resumo, a sentença recorrida, atentas todas as razões que antecedem, deverá ser alterada, no sentido de ficar estabelecido que existe culpa funcional do Hospital (1º Réu) e culpa por negligência/ou dolo eventual do 2° Réu, durante o internamento da paciente, devendo ser reconhecido aos autores o direito de serem indemnizados.
  Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se os Recorridos nos pedidos formulados na petição inicial,
  Assim se fazendo a devida Justiça.

Notificado das alegações do recurso interposto pelos Autores, o Réu Serviços de Saúde da RAEM respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Subidos os autos a esta Instância, foi por lapso no despacho da admissão do recurso proferido pelo relator determinada a abertura da vista ao M. P..

Igualmente por lapso o Ilustre Procurador-Adjunto emitiu o seu parecer.

Todavia, um dos Réus, E, é aqui nestes autos representado pelo Ministério Público.

Portanto, não deveria ter lugar a vista do Ministério Público face ao disposto no artº 157º/2 do CPAC.

Pelo que o parecer entretanto junto pelo Ilustre Procurador-Adjunto não será tido em consideração para efeito do julgamento do presente recurso jurisdicional.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o vertido nas conclusões tecidas na petição do recurso, os Autores, ora recorrentes, começam por questionar a bondade das respostas de sentido negativo dadas aos quesitos 2º, 6º e 8º da base instrutória, e depois pretendem, no caso do êxito da alteração da matéria de facto nos termos requeridos, rogar a revogação da decisão de direito da 1ª instância e em substituição a consequente condenação dos Réus nos pedidos.

1. Impugnação da decisão da matéria de facto

Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC, que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, apesar de os recorrentes terem dito no ponto 3 das conclusões que pretendem impugnar a decisão de matéria de facto quanto aos quesitos 2º, 9º, 11º e 43º e 44º da base instrutória, o certo é que nada disseram quanto ao quesito 43º nas motivações do recurso.

Portanto, só se constitui objecto da nossa reapreciação a matéria dos quesitos 2º, 9º, 11º e 44º da base instrutória.

A matéria em causa tem o seguinte teor:
......

E poderia ter eliminado a encefalite viral e o edema que estava a causar, ministrando logo o medicamento adequado?
......

A pneumonia foi contraída durante o seu internamento e a causa foi por aspiração de fluídos?
11º
Por falta de assistência médica e hospitalar?
......
44º
Havia graves riscos de uma paragem respiratória e de uma pneumonia por aspiração devido à pressão do edema cerebral e estado inconsciente agravado pelo tratamento excessivo por calmantes das convulsões?

Todos estes quesitos foram julgados não provados.

De acordo com o Acórdão da decisão de facto, a convicção do Tribunal Colectivo foi formada com base na prova pericial, no depoimento das testemunhas e nos documentos juntos aos autos, a saber, o processo clínico da falecida, o relatório da autópsia, o relatório do exame laboratorial de Hong Kong, o recibo das despesas do funeral, a declaração de rendimento da falecida, o seu assento de óbito, os diversos textos de estudos etc..

Os recorrentes especificaram, em relação à matéria dos quesitos 2º, 9º, 11º e 44º, os meios probatórios que, na sua óptica da recorrente, impunham uma decisão de facto diversa.

Formalmente satisfeitas as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.

Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.

Comecemos pela matéria do quesito 2º.

Ai pergunta-se:
E poderia ter eliminado a encefalite viral e o edema que estava a causar, ministrando logo o medicamento adequado?

Para os recorrentes, os meios de prova que impunham, sobre a matéria quesitada sob nº 2º da base instrutória, uma resposta positiva são os documentos juntos aos autos, nomeadamente o relatório pericial a fls. 1059 a 1066, depoimentos gravados de vários médicos e os documentos a fls. 531 a 540, 556 a 562, 563 a 632, 646 a 668, 1497 a 1545 dos autos.

Ora, foi levada aos quesitos 1º e 2º a seguinte matéria:

Se o 2º Réu tivesse efectuado logo de início a punção lombar e um encefalograma teria confirmado desde logo a encefalite viral?

E poderia ter eliminado a encefalite viral e o edema que estava a causar, ministrando logo o medicamento adequado?

Ficou provada a matéria do quesito 1º.

Ao passo que a do quesito 2º não ficou provada.

E é justamente esta última que agora os recorrentes pretendem ver provada.

Auscultadas e analisadas todas as passagens da gravação dos depoimentos, verificamos que a mensagem que podemos extrair destes meios probatórios, quer em conjunto ou conjugando com o resto da matéria de facto assente, quer separadamente, está longe de ter a virtualidade de nos levar a julgar provada a matéria do quesito 2º, pois a mensagem, pertinente à matéria em causa, que podemos captar da valoração dessas provas é a seguinte:

* A punção lombar permite logo apurar se se trata de encefalite viral ou de encefalite bacteriana;

* Todavia, a simples confirmação de que está em causa encefalite viral não permite logo apurar qual é o vírus causador da encefalite;

* Enquanto não apurado que vírus causador da encefalite, não é possível administrar o medicamento adequado à situação da paciente;

* Uma vez que, existem diferentes medicamentos para diferentes tipos de vírus e portanto a adequada administração dos medicamentos pressupõe sempre a identificação prévia do tipo de vírus;

* Na altura da ocorrência dos factos em apreço, a identificação do tipo de encefalite viral tinha de ser feita em Hong Kong e demorava semanas;

E valorados os documentos indicados pelos recorrentes, nomeadamente as partes desses documentos especialmente destacadas pelos recorrentes, não cremos que os tais documentos têm a virtualidade de nos demonstrar que in casu, a realização da punção lombar permite a identificação imediata do tipo de vírus, causador da encefalite de que padecia a mãe dos Autores, de modo a que se pudesse ministrar logo medicamento adequado.

Improcede assim a impugnação da resposta dada ao quesito 2º.

Passemos então aos quesitos 9º e 11º.

O quesito 9º foi julgado apenas parcialmente provado e o 11º não provado.

Os recorrentes pretendem ver agora dados por totalmente provados por este Tribunal ad quem.

Ai pergunta-se:


A pneumonia foi contraída durante o seu internamento e a causa foi por aspiração de fluídos?
11º
Por falta de assistência médica e hospitalar?

Para sustentar a sua pretensão, os recorrentes apoiaram-se nos factos especificados na al. AM), BB) e P) da matéria assente do saneador, na resposta dada pelos peritos da 1ª perícia colegial à pergunta 14, ora constante das fls. 397, na resposta dada pelos peritos da 2ª perícia colegial à pergunta 8, ora constante das fls. 1062 e 1063 – resposta 8C, na transcrição do depoimento gravado do Dr. J, e nos factos provados 4º, 5º, 9º (sic), 20º e 37º da base instrutória.

Comecemos pelos factos especificados na al. AM) da matéria assente do saneador.

Ai ficou assente que “o médico disse que a sua maior preocupação era tentar conseguir a estabilização do seu estado clínico, apesar de terem conseguido pôr a funcionar o pulmão atingido pela pneumonia por aspiração”.

Os recorrentes pegam na expressão “……o pulmão atingido pela pneumonia por aspiração” para concluir que deveria ter dado por provado o facto de o pulmão ter sido atingido pela pneumonia por aspiração de fluídos, ou o facto de a pneumonia ter sido causada por aspiração de fluídos.

Se isso fosse verdadeiramente o que pretendem, os recorrentes estariam a confundir duas coisas distintas, uma coisa é a comprovação do facto de alguém ter dito o “algo”, outra coisa é a comprovação desse “algo”.

In casu, a matéria assente sob a al. AM) não é mais do que a primeira hipótese, ou seja, só ficou provado o facto de o médico ter dito alguma coisa ou ter feito determinada afirmação, mas não quer dizer ficar comprovada essa alguma coisa dita ou essa afirmação feita.

Portanto, da matéria assente sob a al. AM) não se pode fazer ilação de que a pneumonia de que padecia a falecida foi causada por aspiração de fluídos.

À mesma conclusão devemos chegar em relação aos factos especificados na al. BB) e P) da matéria assente no saneador e na resposta dada à matéria do quesito 4º, 5º, 9º, 20º e 37º que têm o seguinte teor:

O acompanhamento da falecida durante o período de internamento consta da folha de “Registos de 24 Horas” (fls. 228 e 229 dos autos), cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido. (alínea BB dos Factos Assentes)

Encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos. (alínea P dos Factos Assentes)

Aquando da visita do pai dos AA. e seus familiares, a paciente teve convulsões e apresentava dificuldades respiratórias, o que obrigava ao pessoal de enfermagem, na sua presença, a realizar uma aspiração de fluídos das vias respiratórias. (resposta ao Quesito 4º)

Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata. (resposta ao Quesito 5º)

A pneumonia foi contraída durante o seu internamento. (resposta ao Quesito 9º)

O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia). (resposta aos Quesitos 20º e 37º)

Pois, não percebemos em que termos, nem os próprios recorrentes concretizaram em que termos, dessa matéria se poderia extrair a ilação de que a pneumonia de que padecia a falecida foi causada por aspiração de fluídos.

No que diz respeito à resposta dada pelos peritos da 1ª perícia colegial à pergunta 14, ora constante das fls. 397, à resposta dada pelos peritos da 2ª perícia colegial à pergunta 8, ora constante das fls. 1062 e 1063 – resposta 8C, à transcrição do depoimento gravado do Dr. J, na parte identificada no petitório do recurso, podemos dizer que os recorrentes se limitaram a fazer uma leitura selectiva do teor desses elementos probatórios, tendo ignorado ou omitido, com ou sem intenção, o contexto em que foram inseridas as partes selectivamente realçadas, para sustentar o seu entendimento.

Pois, justamente nesses meios probatórios, encontramos elementos para confirmar a comprovação apenas parcial da matéria do quesito 9º e a não comprovação da matéria do quesito 11º, nomeadamente os que a seguir se transcrevem:

14·病人是否在院內感染肺炎?其原因是抽液和缺乏合適的醫療和住院護理所引起的? 院內感染是常見的重症病人併發症,常出現於重病臥床、昏迷臥床、嚴重呼吸道疾病、腦部嚴重病變、呼吸肌無力等導致病人,重病臥床、昏迷臥床、嚴重呼吸道疾病、腦部嚴重病變、呼吸肌無力是引起呼吸院內感染直接原因,難以完全避免及預防,本例病人入院前感染了不明病毒,機體抵抗力低,才引起腦炎,也難於難以完全避免及預防院內感染;醫療相關的抽液和住院護理是醫療治療性行動,是治療手段,但會帶來風險,院內感染對本例不是唯一致命原因,屬病情可控;本例病人入院前已有確實的呼吸道症狀,且當天胸片有肺炎,肯定有入院前呼吸系統感染病史,也有入院前病毒性肺炎的存在。據幾次X-ray照片,經治療肺部情況有穩定及輕微好轉。據屍體解剖:雙肺實變,結合X-ray改變,考慮為院外引起肺炎為主,雖然不能完全除外院內感染,但肺炎不是抽液和缺乏合適的醫療和住院護理所引起的,是病人腦炎昏迷臥床,自動排痰能力低下等非醫療操作因素引起。(Resposta dada à pergunta 14 da segunda perícia. Sublinhado nosso).

  -- Repito a pergunta: tem ideia que a paciente F, que a pneumonia que contraiu durante o seu internamento e a causa, foi por aspiração de fluídos?
  - Tecnicamente é uma resposta difícil, mesmo para mim que já tenho 17 anos de Cuidados Intensivos (CI). Daquilo que leio do processo e relembrando os factos antigos à situação, o que leva à morte da doente foi um choque.
  Significa que houve uma falência de várias funções, nomeadamente a cardíaca. Daí ela ter esta parafernália de medicamentos. A causa inicial, daquilo que vejo do relatório que eu próprio escrevi do Rx, havia uma atelectasia, quer dizer que o pulmão do lado direito não funcionava, estava colapsado. A razão era por obstrução do tubo de secreções. É como se nós tivéssemos um tubo e esse tubo estivesse obstruído.
  Se na nossa canalização que passa com pressão nas nossas casas e isso acontecer, é como se tudo que está para além da obstrução não leva água. E aqui não leva ar, colapsa. Portanto foi exactamente esta situação que eu descrevo.
  Da terapêutica que eu vejo que ela tinha, uma vez que ela foi transferida para os CI só no dia 5 e estaria previamente internada no Serviço de Medicina. Da terapêutica que eu vejo, há vários medicamentos que poderão ser terapêutica habitual de uma pneumonia, inclusivé de uma pneumonia de aspiração, mas é difícil de dizer, dado que eu não presenciei os factos. Se é uma pneumonia de aspiração ou não, isso é muito difícil à posteriori afirmar e mesmo na altura estando lá, não poderia ter chegado de maneira nenhuma a essa conclusão. De maneira que cautelosamente penso eu que nunca referi isso no processo.
  É difícil concluir porque se pressupõe uma pneumonia de aspiração é porque aspira, mas isso tem que ter presenciado. O facto de ter pneumonia e só olhar para o Rx, não permite concluir de maneira nenhuma qual o mecanismo dessa pneumonia. A não ser que haja indicações específicas, do género a infecção mecanismo-organismo que infecta. Pode dar indícios mas isso é uma conclusão muito difícil de tirar.
  -- Só se poderia saber se eventualmente a doente, quando deu entrada nos Serviços de Medicina, estava sem nenhuma patologia do ponto de vista respiratório. E portanto a partir daí é que esta pneumonia se instalou. Poder-se-ia dizer se à priori soubéssemos que ela, ou se houvesse dados no processo, tinha entrado perfeitamente com...
  - É correcta no que diz, mas há uma diferença. Hoje em dia fala-se muito em infecções hospitalares. Ela estando por si, só por si, por este facto, internada num hospital, já é motivo necessário e suficiente da possibilidade de ter uma infecção, nomeadamente uma pneumonia.
  Mas isso não quer dizer que tenha uma pneumonia de aspiração. As pessoas que estão nos hospitais em Portugal, que não é diferente na China ou em Macau, têm essa facilidade de susceptibilidade de defesas diminuídas, é por isso que estão internadas. Portanto esses agentes, esses organismos, essas bactérias, esses organismos microscópicos, infectam com mais facilidade as pessoas.
  Chama-se pneumonia de aspiração quando o mecanismo, que dá origem à pneumonia de aspiração, é quando uma pessoa engole, digamos assim. Quando aspira para aquela árvore tarqueobronquia fluídos, que normalmente são secreções, quando uma pessoa vomita e aspira, portanto é um mecanismo diferente.
  Haveria de comparar efectivamente a situação dela à entrada, e depois o que a levou para os CI. Não queira dizer que seja se aspiração, pode ser uma pneumonia. Isso nos Serviços de Saúde em qualquer parte do Mundo pode acontecer.
(Parte da transcrição das declarações prestadas pelo Dr. J, quando inquirido perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 29NOV2007 por via de carta rogatória. Sublinhado nosso).

Ora, depois de lido atentamente e valoradas cuidadosamente o teor desses elementos probatórios, nomeadamente as partes ora transcritas supra, cremos que é de confiar na resposta e no depoimento do Dr. J, e concluir que, recorrendo à expressão utilizada pelo Dr. J, se falando hoje em dia muito em infecções hospitalares, a falecida estando por si, só por si, por este facto, internada num hospital, já é motivo necessário e suficiente da possibilidade de ter uma infecção, nomeadamente uma pneumonia.

Inexistindo portanto outros elementos que nos permitem imputar, com segurança razoável, a contracção da pneumonia de que padecia a falecida, à aspiração de fluídos e à falta de assistência médica e hospitalar, a matéria da segunda parte do quesito 9º e do quesito 11º não pode deixar de ser tida por não provada, tal como fez o Tribunal a quo.

Improcede assim a impugnação das respostas dadas aos quesitos 9º e 11º.

Finalmente passemos ao quesito 44º, onde se pergunta:
Havia graves riscos de uma paragem respiratória e de uma pneumonia por aspiração devido à pressão do edema cerebral e estado inconsciente agravado pelo tratamento excessivo por calmantes das convulsões?

O quesito ficou simplesmente não provado.

Para convencer este Tribunal ad quem de que a matéria desse quesito deveria ter sido julgada provada, os recorrentes começam a apoiar-se numa parte da resposta dada pelo Dr. J à pergunta “Havia graves riscos de uma paragem respiratória e de uma pneumonia por aspiração devido à pressão do edema cerebral e estado inconsciente agravado pelo tratamento excessivo e intensivo por calmantes das convulsões?”

Para os recorrentes, como o Médico respondeu “a minha consciência respondeu que sim”, o quesito deveria ter sido dado provado.

Ora, de acordo com o teor da transcrição do depoimento do Dr. J, constantes das fls. 531 a 540v, a sua resposta não se limita a esta única expressão “a minha consciência respondeu que sim”.

O médico disse muito mais, até infirmou aquilo que parece estar a afirmar logo no início, pois a resposta integral é a seguinte:
  -- Havia graves riscos de uma paragem respiratória e de uma pneumonia por aspiração devido à pressão do edema cerebral e estado insconsciente agravado pelo tratamento excessivo e intensivo por calmantes das convulsões?
  Talvez a pergunta mais importante e eu sei que é determinante para mim como testemunha. Eu tenho alguma dificuldade em responder a essa pergunta sem fugir à verdade.
  A minha consciência respondeu que sim. Mas também percebo que as circunstâncias que essa doente estaria, essas convulsões em estado de anóxia, não restam muita alternativa ao médico que a viu. A não ser continuar a tentar travar essas convulsões. Porque o fim miserável de uma pessoa que está convulsionada desta maneira, pressuponho porque não presenciei essas convulsões, será efectivamente a anóxia cerebral.
  Portanto, o médico estará perante um dilema. Ele terá que, com todo o custo, parar essas convulsões e pode não ter no momento os meios todos ao alcance para evitar as consequências dos medicamentos que utilizam.
  Mas a pergunta concreta que me faz aqui responder, a consciência dirá que sim.
  Mas gostava que ficasse estas atenuantes da situação que era dramática. Consigo perceber o que o colega viveu. (sublinhado nosso)

Globalmente lida e analisada esta resposta, ficamos a saber afinal que o Dr. J não se mostrou relutante à aceitação da solução, consistente na utilização da alta dose de calmantes das convulsões, adoptada pelo 1º Réu, Dr. E que estava na altura perante um dilema, ou optar por administrar alta dose das calmantes para tentar travar as convulsões, ou optar por não deixar a paciente exposta ao risco de morrer por anóxia cerebral.

Portanto, as declarações do Dr. J não têm a virtualidade de abalar convicção formada pelo Tribunal a quo, antes pelo contrário contribui para reforçar a tal convicção.

O outro meio probatório que, na óptica dos recorrentes, pode impor uma resposta positiva ao quesito é a resposta dada pelos três peritos às perguntas 14 e 25 na primeira perícia.

A resposta à pergunta 14 tem o seguinte teor:

14:根據病史記錄院內感染肺炎的機會大,因為病人意識不清且有抽搐發作很易造成誤吸,出現吸入性肺炎。

Ao passo que a resposta à pergunta 25 diz que:

25:各種原因導致腦水腫,繼而出現腦疝,或過量和密集使用痙藥均可引起呼吸改變,如呼吸不規則或停頓,但合理的抽吸不會引起肺炎。

Bom, para nós, a resposta à pergunta 14 mostra-se pouco pertinente à matéria do quesito 44º, uma vez que não tem nada a ver com a utilização das calmantes.

Quanto à resposta dada à pergunta 25, a resposta não passa de ser uma afirmação teórica dizendo que a irregular respiração e a paragem da respiração podem ser causadas por edema cerebral ou por excesso ou alta frequência da utilização das calmantes de convulsões. Todavia, os dois peritos acabaram por dizer que a aspiração de fluídos justificada não causará pneumonia.

Quanto à pergunta 25, para além dessa resposta feita pelos dois peritos na primeira perícia, temos nos autos uma outra resposta unanimemente subscrita por três peritos que participaram na segunda perícia.

Ai diz que “按記錄,雖使用了止痙藥,但不密集及過量,血濃度正常範圍,未達中毒濃度。用藥也沒有直接導致呼吸停頓。”

Ora, perante uma afirmação teórica abstracta e uma avaliação concreta, é-nos mais tranquilo acreditar nessa última que consiste na resposta dada à pergunta 25 na segunda perícia, atestando que, de acordo com o registo, a dose das calmantes de convulsões utilizadas não foi intensiva nem excessiva, nem chegou ao nível de intoxicação, e concluindo que os medicamentos administrados não causaram directamente a paragem respiratória – vide as fls. 1066.

Não vejo, portanto, razão para alteração da decisão de facto em relação ao quesito 44º.

Assim sendo, improcede in totum a impugnação da decisão de facto.

2. Recurso da decisão de direito

Em sede de recurso, os recorrentes insistem na verificação da ilicitude dos factos, para além de tecer uma série de considerações acerca do nexo de causalidade entre o facto e os alegados danos, concretizados na petição inicial da acção.

Ora, os fundamentos de facto que os recorrentes alegaram para sustentar o juízo formulado quanto à verificação da ilicitude do facto podem ser sintetizados no seguinte:

1. A não realização oportuna da punção lombar com vista ao diagnóstico da encefalite viral, de que padecia a paciente, o que impossibilitou a administração oportuna dos medicamentos adequados para a terapia da encefalite;

2. O erro na prioridade dada ao tratamento das convulsões;

3. A utilização inadequada e exorbitante das calmantes (barbitúricos e benzodiazepinas);

4. Contracção da pneumonia por falta da assistência médica;

5. Não monitorização da paciente durante o internamento;

6. Não transferência da paciente para a unidade de cuidados intensivos; e

7. Morosidade na prestação da assistência médica na detecção da paragem cardíaca.

Em relação aos fundamentos indicados sob os nºs 1 a 4, reparamos que os recorrentes se apoiaram nos factos que pretendiam ver provados mediante a impugnação da decisão da matéria de facto por via de recurso.

Todavia, como se vê supra, não houve êxito algum na impugnação da decisão de facto.

O que nos dispensa de apreciar esses fundamentos indicados sob os nºs 1 a 4, cuja procedência fica obviamente condicionada pela comprovação da matéria dos quesitos 2º, 9º, 11º e 44º, que os recorrentes não lograram provar em sede do presente recurso.

No que diz respeito aos fundamentos por nós indicados sob nºs 5 a 7, cremos que os tais fundamentos da acção já foram devidamente apreciados, rebatidos e bem decididos na decisão recorrida.

Pois, ai foi dito que:
Quanto à não transferência da paciente para a UCI, ficou provado o estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia).
Para o caso da paciente, conforme explicação dos peritos (vide resposta ao Q10 das perícias – fls. 397, 1063 e 1064 dos autos), o que ela necessitava era observações e acompanhamento adequados. Sempre que a situação da paciente estivesse adequadamente monitorizada, não seria imprescindível a sua transferência para a UCI.
Não obstante a Unidade de Cuidados Intensivos possui, à data dos factos, dois quartos individuais (ponto 62º dos Factos Provados), os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico (ponto 63º dos Factos Provados). De facto, a decisão do 2º Réu em não transferir a paciente para a UCI assentou também no argumento de que, não obstante ter ali uma assistência mais regular e intensiva, estaria mais vulnerável a qualquer agente patológico presente na referida Unidade (ponto 22º dos Factos Provados).
Por outro lado, ficou também provado que aquando da entrada no Hospital, a paciente ainda não atingia ao estado em que carecia de ser internada na Unidade de Cuidados Intensivos, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário era destinada a doentes com instabilidade hemodinâmica. (ponto 64º dos Factos Provados)
Deste modo, a circunstância de a paciente ser apenas transferida à UCI após a sua reanimação cardíaca (ponto 72º dos Factos Provados) não conduz necessariamente à conclusão da falta da assistência médica, tendo em conta nomeadamente a vulnerabilidade da paciente a agente patológico.
A situação da paciente, desde a sua entrada no hospital, era sempre grave, ninguém duvida. Também concluímos que a punção lombar não permitia apurar à partida que o tipo de encefalite viral e daí, na falta de hipótese para administrar medicamento, o que devia passar a fazer era monitorizar bem a situação da paciente, controlar os sintomas da paciente, esperando que a resistência do corpo vencer o vírus.
Portanto, tal como o que afirmaram as testemunhas e os peritos, o que é pertinente não é a transferência da paciente a uma área denominada “UCI”, o que a paciente precisava era observação e acompanhamento, e desde que sejam satisfeitas essas condições, podia a paciente ficar num quadro normal.3
Mau grado a paciente não estivesse na “UCI”, isto em princípio não agravaria a situação clínica da paciente. O que poderia eventualmente suceder era que, com uma observação menos atenta da situação da paciente e no caso de surgir repentinamente qualquer emergência, poderia não ser detectada e tratada imediatamente.
Portanto, o que se deve analisar é: se a não transferência para a UCI, e a falta de observação da paciente (a existirem), causaram efectivamente prejuízo para a paciente, ou pelo mesmo, demorou a realização dos primeiros socorros contribuindo para a morte da mesma.
Neste aspecto, duas circunstâncias são relevantes.
Primeiro, ficaram provados que:
“52. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata. (resposta ao Quesito 5º)
53. Às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala. (resposta ao Quesito 6º)”
Pese embora a assistência por parte da equipa médica não era sempre imediata, não se afigura que esta circunstância contribuiu para o agravamento da situação clínica da paciente, ou até para a sua morte. Deste modo, concluímos aqui nenhuma responsabilidade a suportar pelos Réus.
Segundo, os Autores deram ênfase à paragem cardíaca da falecida e os primeiros socorros demorados por parte da equipa médica. A este respeito, destacamos a seguinte matéria provada:
   “24. Às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente. (alínea AA dos Factos Assentes)
25. Cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca. (alínea AB dos Factos Assentes)

30. Nos cuidados intensivos, a paciente ficou monitorizada, respirando com auxílio de um ventilador mecânico. (alínea AG dos Factos Assentes)

36. Também disse que era remota a hipótese de uma recuperação, visto as probabilidades de lesões cerebrais definitivas serem extremamente elevadas. (alínea AN dos Factos Assentes)

61. O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia). (resposta aos Quesitos 20º e 37º)

65. No momento em que ocorreu a paragem cardíaca, em 05/01/2001 entre 12:30 e 13:00, não estava ninguém presente. (resposta ao Quesito 27º)
66. O facto foi detectado por uma enfermeira que lá passou. (resposta ao Quesito 28º)
67. O médico de urgência recebeu uma chamada por volta das 13 horas. (resposta aos Quesito 29º e 30º)
68. 15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis. (resposta ao Quesito 31º)
69. O pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca. (resposta ao Quesito 32º)
70. Depois de prestar os primeiros socorros à paciente, o pessoal médico e de enfermagem conseguiram reanimar a paciente por volta das 13:45. (resposta ao Quesito 33º)

75. O que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral , a infecção viral e a pneumonia. (resposta aos Quesitos 39º e 40º)”
Como é de notar, deste acervo dos factos não resulta em concreto quando é que ocorreu a paragem cardíaca.
O certo é que a mesma ocorreu de entre 12H30 a 13H00, porquanto às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente, e cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca. (ponto 24º e 25º dos Factos Provados)
Afigura-se que a paragem cardíaca, muito provavelmente, não é detectada imediatamente após a sua ocorrência, porquanto, no momento em que ocorreu a paragem cardíaca, em 05/01/2001 entre 12:30 e 13:00, não estava ninguém presente. O facto foi detectado por uma enfermeira que lá passou. (ponto 65º e 66º dos Factos Provados)
Ficou provado que o médico de urgência recebeu uma chamada por volta das 13 horas. (ponto 67º dos Factos Provados)
E, depois de prestar os primeiros socorros à paciente, o pessoal médico e de enfermagem conseguiram reanimar a paciente por volta das 13:45. (ponto 70º dos Factos Provados)
A nosso ver, logo detectada a paragem cardíaca, o médico de urgência foi imediatamente chamada, e deste modo, não se afigura haver morosidade na prestação dos primeiros socorros.
Ora, a questão mais sensível é saber: havia ou não morosidade na detecção da paragem cardíaca.
Se a paciente tivesse sido internada na UCI, ou se tivesse havido uma monitorização da situação que alertava no caso de paragem cardíaca, seria provável que a equipa médica tomaria imediatamente conhecimento da ocorrência da paragem cardíaca e podia proceder mais cedo aos primeiros socorros. No caso em apreço, ficou provado que a paciente “encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos.” (ponto 15 dos Factos Provados)
Não compreendemos como é que é possível que a equipa médica não tivesse sido avisada logo ocorreu a paragem cardíaca, ou tivesse tomado conhecimento imediatamente com a sua ocorrência. Ficou ainda provado que o pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca. (ponto 69º dos Factos Provados)
Ora, face à gravidade da doença da paciente, a sua situação concreta nomeadamente a contracção de pneumonia e a sua inconsciência, era perfeitamente possível a falha de órgãos e outras situações de emergência. De facto, era notório que ao 5º dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico. (ponto 23º dos Factos Provados)
Deste modo, afigura-se que a paciente, pela sua situação clínica que reclamava, não tinha sido devidamente monitorizada e existia assim morosidade na detecção da sua paragem cardíaca.
Não obstante isto, não ficou provado que a causa clínica que directamente provocou a morte da paciente foi paragem cardíaca, sendo a encefalite viral uma doença associada, nem que a encefalite viral não provocou directa e por consequência a paragem cardíaca, nem que a lesão por anóxia cerebral, resultante da paragem cardíaca, foi o facto mais importante para o seu falecimento. (ver Quesitos 40º a 43º)
O que ficou provado é que o que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral, a infecção viral e a pneumonia.
Não é de olvidar, ainda, que a encefalite viral herpes simplex é uma patologia rara em adultos, geradora de complicações clínicas associadas e de alta mortalidade. (ponto 75º e 76º dos Factos Provados)
Nesta conjuntura, podemos estabelecer um nexo causal entre os actos dos Réus (insuficiência na monitorização e na detecção da paragem cardíaca) e os danos (a morte da paciente)?
Entendemos que não. Por um lado, como já vimos, não se provou a relação causal entre a paragem cardíaca e a morte da paciente. Por outro lado, pese embora “15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis” (ponto 68º dos Factos Provados), não ficou provado com exactidão o tempo decorrido entre a paragem cardíaca e a sua verificação. Ou seja, a paragem cardíaca podia ter sido detectado ou dentro de 15 minutos, ou fora de 15 minutos. Perante este non liquet, temos que recorrer à regra geral consignada no artigo 335º n.º1º do CC: àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Assim, como os Autores não lograram provar que os actos dos Réus causaram efectivamente lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis à falecida, nem que a morte da paciente era evitável se a paragem cardíaca tivesse sido detectada mais cedo, não podemos estabelecer nexo de causalidade adequado entre os actos culposos e os danos.

Conforme se vê nessa parte da Douta decisão ora recorrida, foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a improcedência in totum dos fundamentos identificados supra por nós pelos nºs 5 a 7, para fazer responsabilizar os Réus pela morte da mãe dos recorrentes.

A que só gostaríamos de acrescentar que, pressupondo consabidamente a responsabilidade civil por factos ilícitos a verificação do facto danoso, da ilicitude do facto, da imputação do facto ao lesante, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a não comprovação da ilicitude do facto, ou mesmo comprovada a ilicitude do facto, mas não comprovado o nexo da causalidade entre o facto ilícito e o alegado dano, não há lugar ao arbitramento da indemnização.

Portanto, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º do CPAC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso e confirmando a decisão recorrida.

Em conclusão:

4. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC; e

5. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.

6. Pressupondo a responsabilidade civil por factos ilícitos a verificação do facto danoso, da ilicitude do facto, da imputação do facto ao lesante, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a não comprovação da ilicitude do facto, ou mesmo comprovada a ilicitude do facto, mas não comprovado o nexo da causalidade entre o facto ilícito e o alegado dano, não há lugar ao arbitramento da indemnização.

Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto pelos Autores, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

A título de honorários a favor do Patrono oficioso, fixa-se em MOP$5.000,00, a suportar pelo GPTUI.

Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário na modalidade que lhes foi concedida.

Registe e notifique.

RAEM, 28SET2017
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
José Cândido de Pinho
1 Como mera referência, dizem os peritos da 2ª perícia (fls. 1065 e 1066 dos autos): “據血液監測barbitaricos和benzodiazepinas濃度報告結果:血液中沒有中毒劑量的barbitaricos和benzodiazepinas。”
2 Salienta-se, ainda, que não ficou provado o Quesito n.º 22º: “Os Serviços de Cuidados Intensivos são considerados a unidade hospitalar com melhor capacidade de resposta para o caso em apreço?”
3 Salienta-se, ainda, que não ficou provado o Quesito n.º 22º: “Os Serviços de Cuidados Intensivos são considerados a unidade hospitalar com melhor capacidade de resposta para o caso em apreço?”
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Ac. 167/2014-63